Teatro

NOVELA AVENIDA BRASIL

Texto adaptado

CENA 1/ DIVERSOS / CLIPE SUBÚRBIO/ EXTERIOR/ DIA.

UMA PLACA NA AVENIDA BRASIL INDICA A ENTRADA PARA O BAIRRO DE
“DIVINO”. O RELÓGIO DA RUA MARCA QUARENTA GRAUS.

NUMA CARTELA, LEMOS: RIO DE JANEIRO, 1999

REPÓRTER — (OFF) ...Estamos aqui em Divino, subúrbio do Rio de Janeiro,

bairro onde o jogador Jorge Tufão, artilheiro do campeonato
carioca desse ano, nasceu e foi criado...
CENA 2/ SEDE DO DIVINO FUTEBOL CLUBE/ INTERIOR/ EXTERIOR/ DIA.
AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 01

UMA PEQUENA MULTIDÃO SE AGLOMERA DIANTE DO PRÉDIO SEDE DO

DIVINO FUTEBOL CLUBE, CERCANDO A REPÓRTER, QUERENDO
APARECER NA TV E FAZENDO SINAIS PARA A CÂMERA. MUITOS
CARREGAM POSTERS COM O ROSTO DE TUFÃO. O POVO GRITA:
POVO — Tufão! Tufão! Tufão!
UM HOMEM DE SEUS QUARENTA ANOS CONSEGUE SE APROXIMAR DA
CÂMERA E GRITAR:
HOMEM — Tufão se encheu de dinheiro e não quer mais saber de jogar
bola!
A REPÓRTER DESVIA DO HOMEM, QUE É VAIADO, E TENTA ABRIR
CAMINHO EM MEIO ÁS PESSOAS PARA SE APROXIMAR DE DIÓGENES, NA
FAIXA DOS CINQUENTA, PRESIDENTE DO CLUBE DE FUTEBOL.
REPÓRTER — Com licença, gente. Com licença! (PARA A CAMERA)
Estou tentando falar aqui com Seu Diógenes, presidente do
Divino Futebol Clube, onde Jorge Tufão iniciou sua carreira
há doze anos atrás...
A REPÓRTER CONSEGUE SE APROXIMAR DE DIÓGENES, QUE POR SUA VEZ
EMPURRA OS OUTROS EM VOLTA PARA GARANTIR SEU ESPAÇO NA
MÍDIA.
REPÓRTER — Seu Diógenes, Tufão tem se destacado no campeonato
carioca. Essa noite é ele que vai marcar o gol da vitória?
DIÓGENES
—(NERVOSO, FALA RÁPIDO, ENROLADO) Tufão não vai
decepcionar! Tufão não erra! O apelido dele aqui no bairro
era “máquina”. Máquina de fazer gol! Esse é o dia do meu
menino! Porque ele é como se fosse meu filho! É cria dessa
casa, do Divino Futebol Clube! É o orgulho da nossa
comunidade!
REPÓRTER — Muito obrigada, seu Diógenes...
DIÓGENES
— (PEGA DE NOVO O MICROFONE, QUER CONTINUAR
FALANDO) Tufão, o Divino te ama! Aqui você é rei!
Quando você tiver lá nas Arábias, milionário, não esquece da
sua gente! Do seu bairro! Do seu povo! Seu lugar é aqui,
Tufão! A gente vai fazer a festa pra você hoje á noite! É com
a gente que você vai comemorar!

REPÓRTER
— (SORRINDO AMARELO, FINALIZANDO) Muito
obrigada, seu Diógenes...
DIÓGENES
— (PUXA DE NOVO O MICROFONE, DESAFIANDO A
REPÓRTER) Inclusive, eu queria aproveitar a oportunidade
AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 02

desse espaço na mídia televisiva pra dizer que o

Divino Futebol Clube, um dos mais antigos...(A REPÓRTER
FAZ SINAL PRO CÂMERA CORTAR DIÓGENES, O
CÂMERA CORTA, DIÓGENES NÃO NOTA, CONTINUA
FALANDO) ... e tradicionais times cariocas está precisando
de um patrocinador oficial, é urgente a reforma da quadra
poliesportiva e também gostaria de implementar a atividade
cultural no nosso centro cultural, nosso telefone para contato
é...

DIÓGENES--- Fui eu que dei a primeira bola de presente pro Tufão quando ele
ainda era moleque! Eu logo vi que o garoto tinha talento...
REVELAMOS TUFÃO, NA FAIXA DOS TRINTA E MUITOS, QUE ESTÁ DIANTE
DA TV. IRRITADO, ELE DESLIGA O MONITOR. ESTÁ CERCADO DA MÃE,
MURICY, NA FAIXA DOS CINQUENTA, DO PAI LELECO, MESMA FAIXA DE
IDADE, DE IVANA, IRMÃ DO JOGADOR, NA FAIXA DOS QUARENTA, QUE
CUIDA DA APARÊNCIA DO JOGADOR. ELES ESTÃO NUM QUARTINHO DA
POUSADA QUE SERVE DE CONCENTRAÇÃO DO TIME DE TUFÃO.
TUFÃO — (REVOLTADO) Que mentira! Quando esse pão duro do Seu
Juca se mudou pro Divino eu já era adulto, jogava no time
titular! Ele tinha um boteco e nunca me deixava pagar fiado!

MURICY — Releva, meu filho, releva!

— Você não pode ficar nervoso. Nada pode atrapalhar a sua concentração no dia
de hoje. Hoje é o seu dia, filhote! Você vai marcar muito gol,
ah se vai!

TUFÃO — Assim é que a senhora me deixa nervoso, mãe! “Vai

marcar gol, vai marcar gol, você tem que marcar gol”... E se
eu não marcar?

MURICY — Desculpa, filhote. Desculpa. Eu é que tô nervosa.

IVANA — A equipe de TV tá lá fora, mano! Borá lá!

TUFÃO — Eu vou no meu tempo, oK?

IVANA — (TIRA O PÓ ARROZ DA BOLSA) Deixa eu passar um

pouco de maquiagem na sua cara. É pó de arroz masculino,
comprei pra você!

TUFÃO — (AFASTANDO A MÃO DO HOMEM) Chega, Ivana! Já

disse que não gosto que passem essa porcaria na minha cara!
AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 03

IVANA — Sua pele fica muito oleosa no vídeo se não passar

maquiagem!

TUFÃO — Me deixa!

MURICY — (PEGA A CAMISA DAS MÃOS DE LELECO) A camisa do

patrocinador, meu filho! A camisa do patrocinador!
MURICY ENTREGA A CAMISA PRA TUFÃO. TUFÃO SAI MAL-HUMORADO
BOTANDO A CAMISA. MURICY FAZ UMA CARA PARA LELECO E VAI
ATRÁS DO FILHO.
CENA 4/ CONCENTRAÇÃO/ EXTERIOR/ DIA.
TUFÃO SAI DA CONCENTRAÇÃO ACOMPANHADO DA MÃE. MUITOS
REPÓRTERES DE TV E FOTÓGRAFOS O CERCAM DO LADO DE FORA:
REPÓRTER — Tufão, quais são suas expectativas pro dia de hoje?

TUFÃO — Bom, eu espero dar tudo de mim, jogar o melhor futebol que eu sou
capaz...
CENA 5/ SALÃO DE BELEZA/ INTERIOR/ DIA.
NA TELA DE TV, TUFÃO DÁ O SEU DEPOIMENTO PARA A CÂMERA.
MONALISA, NA FAIXA DOS QUARENTA, NÃO TIRA O OLHO DA TELA DA
TV ENQUANTO PASSA UM PRODUTO DE ALISAMENTO NOS CABELOS DE
UMA CLIENTE. OLENKA, OUTRA CABELEIREIRA, CUIDA DOS CABELOS DE
SUA CLIENTE NA OUTRA BAIA.
TUFÃO — (NA TELA DA TV) É decisão do campeonato hoje, dia
nervoso, eu sei. Mas eu tenho me preparado pra isso, tanto
física como psicologicamente... (A VOZ NA TV PASSA
PARA B.G.)

CLIENTE
— (PARA MONALISA) Esse alisamento vai ficar show,
Monalisa?
MONALISA
— (OLHOS VIDRADOS NA TV, FALA ROBOTICAMENTE)
Atualmente é o produto que tem mais saída no salão...

CLIENTE — Cê ta vendo o que cê tá fazendo? Parece que tá em outra!

MONALISA — Desculpa, é que é o meu namorado que tá falando na tv...

CLIENTE — (IMPRESSIONADA) Você é namorada do Tufão?

MONALISA — (ORGULHOSA) Sou, sim...

OLENKA — (FALA ENQUANTO CUIDA DO CABELO DA CLIENTE)
Monalisa, minha amiga. Não se ilude. Tufão andou dando
umas voltinhas com você, isso não quer dizer que ele quer
AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 04

nada contigo...

MONALISA — (CORTA OLENKA) Voltinha, não. Tô com ele há dois anos.

OLENKA — Diz a verdade: há quanto tempo você não encontra com ele?
MONALISA
— Tufão anda atolado com o campeonato brasileiro, minha
filha, brasileiro! Não sobra tempo pra nada! (T) Ai, pára de
me azarar! Parece até que você tem inveja de mim, Olenka!?
OLENKA
— Como é que você tem coragem de dizer uma coisa dessas,
Monalisa? Eu sou sua melhor amiga. Só quero o seu bem.
Por isso que eu não quero que você sofra...

MONALISA — Deixa eu escutar a TV!

VOLTAMOS A ESCUTAR O ÁUDIO DA TV.
REPÓRTER — (NA TELA) Depois desse sucesso todo, planos para o futuro?

TUFÃO — (NA TELA) Pretendo me casar em breve.

REPÓRTER — (NA TELA) Que grande notícia! O casório já tem data?

TUFÃO — (NA TELA) Já. Mês que vem.

REPÓRTER — (NA TELA) E a lua de mel, vai ser aonde?

TUFÃO — (NA TELA) Em Cancún. Já tá tudo marcado.

MONALISA
— (EM ESTADO DE CHOQUE, SUA FRIO) Que papo é esse?
Ele não me disse nada.

OLENKA — (SEM JEITO) Calma, amiga.

MONALISA
— (PROFUNDAMENTE CHOCADA, DIZ PARA SI) Não
pode ser verdade... Tufão vai se casar... Ele teria me dito
alguma coisa...

CLIENTE
— Sei que você não tá bem, minha filha. Mas é que tá
formigando! Acho que esse produto ta é tempo demais na
minha cabeça...
MONALISA TIRA O PAPEL CELOFANE E REPARA QUE HÁ ALGO DE
ERRADO.
CLIENTE — Olha o que você fez com o meu cabelo!!!!?

MONALISA — (SORUMBÁTICA) Me desculpa, minha senhora, me

desculpa...
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CENA 6/ CASA DE GENÉSIO/ INTERIOR/ DIA.

NA TV, SEGUE A REPORTAGEM SOBRE TUFÃO.
REPÓRTER — (NA TELA) É isso aí, minha gente! Muitas emoções nos
aguardam essa noite...
O SOM DA TV DESCE PARA B.G. NOS DETEMOS EM RITA, UNS DEZ ANOS
DE IDADE, QUE BRINCA COM UMA BONECA DE PANO E UM CARRINHO DE
BOMBEIRO. RITA FAZ BARULHO IMITANDO OS GRITOS DA BONECA QUE É
SALVA PELOS BOMBEIROS. OS GRITINHOS IRRITAM CARMINHA, NA
FAIXA DOS TRINTA E MUITOS, QUE ESTÁ ENCAIXOTANDO AS COISAS NA
CASA, RETIRANDO OBJETOS DA ESTANTE PONDO NUMA CAIXA DE
PAPELÃO. A FAMÍLIA ESTÁ DE MUDANÇA DAQUELA AMPLA CASA DE
SUBÚRBIO.
CARMINHA — Pára de gritar, peste! Não sabe brincar quieta!?
RITA IGNORA CARMINHA E CONTINUA IMITANDO OS GRITINHOS DA
BONECA. CARMINHA BUFA E SEGUE PARA O BANHEIRO. RITA LEVANTA-
SE, VAI ATÉ O CAIXOTE, RETIRA OS OBJETOS QUE CARMINHA ACABOU
DE ENCAIXOTAR E RECOLOCA-OS DE NOVO NA ESTANTE. CARMINHA
ENTRA VINDO DO BANHEIRO CARREGADA DE COISAS E FICA FURIOSA
QUANDO DESCOBRE O QUE A GAROTA ESTÁ FAZENDO.
CARMINHA — Quê que você tá fazendo!? Me dá isso aqui! (TIRA O OBJETO
DAS MÃOS DE RITA E BOTA NA CAIXA ) Não tá vendo
que eu tô encaixotando as coisas, peste!?

RITA — Encaixotando pra quê!? A gente não vai mudar daqui!

CARMINHA — A gente vai mudar daqui sim senhora, ouviu bem! Já te disse
mil vezes: a casa está sendo vendida, entendeu, peste!?
Vendida!

RITA — Ninguém pode vender essa casa! Essa casa é da minha mãe! Da minha
mãe!

CARMINHA — (RESPIRA FUNDO, TENTA SE CONTROLAR) Anda, vai

botar o uniforme! Tá na hora de ir pro colégio!

RITA — Hoje eu não vou pro colégio! Não vou e pronto! Vou ficar aqui
brincando!

CARMINHA —(PEGA O BRAÇO DA MENINA COM

FORÇA, ARRANCA A BONECA DAS MÃOS DELA)
Me obedece, peste! Tô avisando: vai ser melhor pra você!
AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 06

RITA — Eu não te obedeço! Você não é nada minha! Não é minha mãe, não é
nada!

CARMINHA — Sua mãe morreu! Tá morta e enterrada debaixo da terra, sacou,

peste!? As minhocas já comeram o corpo dela! Agora tem eu
aqui, a mulher do seu pai!
NUM IMPULSO, RITA APANHA A CAIXA E ATIRA TODOS OS OBJETOS QUE
ESTAVAM DENTRO NO CHÃO. CARMINHA VAI A LOUCURA:
CARMINHA —Ah é assim? Resolveu me desafiar!? Não diz que eu não
avisei!
POSSUÍDA DE ÓDIO, CARMINHA COMEÇA A RASGAR A BONECA DE PANO
DE RITA QUE ESTAVA NAS MÃOS DELA.
RITA — (DESESPERADA, TENTA ARRANCAR A BONECA DAS MÃOS
DA OUTRA, QUE NÃO DEIXA) Minha boneca que a minha
mãe me deu! Não faz isso! Por favor! Tô pedindo!
Por favor! É a Lurdinha!
CARMINHA ARRANCA A CABEÇA DA BONECA E JOGA TUDO NO CHÃO.
CARMINHA — Isso é pra você aprender a não se meter comigo!
RITA CATA A CABEÇA E O RESTO DO CORPO DA BONECA NO CHÃO.
ENCARA CARMINHA COM FÚRIA E, AGINDO RÁPIDO, APANHA A
TRAVESSA COM O QUE RESTOU DE OMELETE SOBRE A MESA E ATIRA
TUDO EM CIMA DE CARMINHA, MANCHANDO A ROUPA BRANCA DA
OUTRA.
CARMINHA — (POSSESSA) Agora você vai apanhar!

RITA — Papai falou que você não pode me bater!

CARMINHA — Ele não vai saber! Vou te surrar com toalha molhada!

RITA — Eu conto pra ele!

CARMINHA — Ah é? E em quem você acha que ele vai acreditar? Em você ou

em mim?
NESSE INSTANTE, ESCUTAMOS A PORTA ABRINDO. GENÉSIO, NA FAIXA
DOS CINQUENTA, ENTRA CARREGANDO UMA BAGUETE DE PÃO DEBAIXO
DO BRAÇO. RITA CORRE CHORANDO PARA OS BRAÇOS DO PAI.
RITA —(ABRAÇANDO O PAI) Pai! A Carminha ia me bater!

GENÉSIO — (SURPRESO, AFLITO) Quê que tá acontecendo aqui?

CARMINHA — (IMEDIATAMENTE MUDA DE ATITUDE, SE FAZ DE

AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 07

VÍTIMA, OLHOS MAREJADOS) Olha o que a sua filha fez

comigo... (EXPÕE A ROUPA)

RITA — (MOSTRA OS RESTOS DA BONECA) Olha o que ela fez com a

minha boneca que mamãe me deu!

CARMINHA — Ritinha, não mente pro papai. Foi você mesma que acabou com
a boneca.

RITA — Mentira! Mentira! Foi a Carminha, papai!

CARMINHA — (VIRA-SE PARA GENÉSIO) Ela inventa mentiras, Genésio.

Quer implicar comigo de qualquer maneira. Quer me intrigar
contigo. (VIRA-SE PARA RITA) Rita, minha filha... Que foi
que eu te fiz? Eu sei que eu não sou sua mãe, nem quero
tomar o lugar dela. Mas eu quero ser sua amiga... Eu te amo...

RITA — Mentirosa! (E DÁ UM TAPA EM CARMINHA E PARTE

FURIOSA PRA DENTRO)

GENÉSIO — (NERVOSO) Volta aqui, Rita!

CARMINHA — Deixa ela, Genésio. Eu entendo. Coitadinha, nessa idade, sem

mãe...

GENÉSIO — (LIMPANDO O MOLHO DE TOMATE DA ROUPA DE

CARMINHA COM UM PANO DE PRATO) Desculpa, meu
amor. Me desculpa...

CARMINHA — Eu só queria que ela gostasse um pouquinho de mim... Gosto

tanto dela...

GENÉSIO — Com o tempo isso vai acontecer naturalmente.

CARMINHA — Rezo pra isso.

GENÉSIO — (REPARANDO EM VOLTA) Já tá empacotando as coisas?

CARMINHA — Melhor ir adiantando. Você assina a escritura hoje, não é?

GENÉSIO — Ao meio dia e meia.

CARMINHA — Então deixa eu acabar de fazer o café da manhã que daqui a

pouco você vai ter que sair...

GENÉSIO — (BEIJA CARMINHA) Te amo.

AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 08

CARMINHA — Também.
CARMINHA VAI PRA DENTRO. GENÉSIO OLHA PARA A TV LIGADA, NA
REPORTAGEM SOBRE O JOGO DE TUFÃO. NA TELA, OUTRO REPÓRTER, UM
HOMEM ESTÁ FALANDO.
REPÓRTER — A noite de hoje promete ser histórica no Maracanã...
.
AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 09

CENA 9/ CASA DE GENESIO/ INTERIOR/ DIA.

GENESIO E CARMINHA ESTÃO TERMINANDO DE TOMAR CAFÉ DA
MANHÃ. GENÉSIO CALADO, CABISBAIXO.
CARMINHA — (DE PÉ, SERVINDO GENÉSIO) Que foi, amor? Tá triste?

GENÉSIO — Tô me despedindo dessa casa... É muita recordação,...

CARMINHA — Eu sei. Sua ex-mulher passou por toda a doença aqui, morreu
aqui. Por isso é que bom se mudar agora. Virar a página e
bola pra frente!

GENÉSIO — A Marta adorava essa casa. Ela nasceu aqui. Já te contei que era a
casa da família dela, ne? Antes de morrer, me fez jurar que eu
nunca ia vender.

CARMINHA — Tenho certeza que, onde quer que a Marta esteja, ela quer que
você seja feliz. E a gente vai ser muito mais feliz no
apartamento da Taquara, você vai ver. Isso aqui é grande
demais. E como você mesmo diz, cheio de recordações.

GENÉSIO — Tem razão.

GENÉSIO AFAGA CARMINHA, BEIJA O OMBRO DELA. NESSE INSTANTE,
RITA SURGE NA SALA, OLHOS VERMELHOS,, MOCHILA NAS COSTAS,
PRONTA PRA IR PRA ESCOLA. ELA VAI ATÉ GENÉSIO, BEIJA-O.
GENÉSIO — Agora despede direito da Carminha.
RITA NÃO OBEDECE O PAI. DÁ AS COSTAS PARA CARMINHA E SAI
BATENDO A PORTA.
GENÉSIO — Mais uma vez desculpa, amor. Você vai ter que ter paciência.

CARMINHA — Eu vou ter toda a paciência do mundo. (CONSULTA AS

HORAS) Acho que já tá na hora de você ir pro serviço. De lá
você vai direito pro banco? (T) O comprador da casa vai te
pagar em espécie, não é?

GENÉSIO — Você acha perigoso eu sair do banco carregando esse

dinheiro todo?
CARMINHA APANHA UMA MOCHILA NA COMODA, ENTREGA-A PARA
GENÉSIO.
CARMINHA — Bota o dinheiro nessa mochila. E sai do banco com um ar
despreocupado que não tem perigo.

GENÉSIO — Te amo! (E BEIJA CARMINHA)

AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 010

CARMINHA — Vida nova, amor!

GENÉSIO — Vida nova!

GENÉSIO SAI. FICAMOS COM A REAÇÃO INESCRUTÁVEL DE CARMINHA
DEPOIS QUE SEU MARIDO BATE A PORTA.
CENA 10/ RUA DE SUBÚRBIO/ EXTERIOR/ DIA.
RITA CAMINHA PELA RUA CHORANDO, OLHOS VERMELHOS. PÁRA NA
ESQUINA. A VAN ESCOLAR ESTÁ ENCOSTANDO. CRIANÇAS SOBEM. RITA
ESTÁ PARALISADA DE PÉ, DIANTE DA ENTRADA DA VAN. O MOTORISTA
DA VAN FAZ SINAL PARA RITA SUBIR.
MOTORISTA — Anda, Rita! Vambora!
RITA DECIDE-SE. DÁ AS COSTAS PARA A VAN E SEGUE DECIDIDA DE
VOLTA PARA A CASA. O MOTORISTA DESISTE E PARTE. RITA CAMINHA
PELA CALÇADA CHORANDO.
CENA 11/ CASA DE GENESIO/ QUARTO/ INTERIOR/ DIA.
CARMINHA, VISIVELMENTE NERVOSA, SENTADA NA CAMA DO QUARTO,
ESTÁ AO TELEFONE.
CARMINHA — Atende, droga! (FINALMENTE ALGUÉM ATENDE)
Atendeu! (NA PILHA) Onde é que você tava!? Não falei pra
você não sair daí que eu ia te ligar a qualquer momento?! Ah,
tá certo! Escuta aqui...

CENA 12/ FRENTE DA CASA DE GENÉSIO/ EXTERIOR/ DIA.

RITA ENTRA NO PORTÃO DA CASA E SEGUE PELA ENTRADA DA FRENTE.
CENA 13/ CASA DE GENESIO/SALA/CORREDOR/QUARTO/ INTERIOR/
DIA.
RITA ENCONTRA A PORTA DESCHAVEADA E ENTRA, DEIXANDO A MESMA
PORTA ESCANCARADA ATRÁS DE SI. SEGUE ATÉ O LIXO, APANHA O
CORPO E A CABEÇA DA BONECA E GUARDA TUDO NA MOCHILA QUANDO
ESCUTA A VOZ DE CARMINHA VINDA LÁ DE DENTRO.
CARMINHA — (OFF) Não tem erro. Genésio deve estar saindo do banco meio
dia, meio dia e meia. Vai botar o dinheiro da venda da casa
numa mochila vermelha que eu dei pra ele...
RITA SEGUE PELO CORREDOR ATÉ QUE ENTREVÊ A MADRASTA SENTADA
NA CAMA DO QUARTO ATRAVÉS DA SOLEIRA DA PORTA.
CARMINHA — (AO TEL) Não, Max. Eu garanto. O palerma do Genésio não tá
suspeitando de nada. (T) Esse teu colega que cê descolou, ele
é de confiança, não é? Olha lá, hein! É muita grana! Nosso
futuro. Assim que você botar a mão no dinheiro me liga,
entendeu?
AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 011

NOS DETEMOS NA REAÇÃO DA CRIANÇA, ATERRADA COM O QUE

ACABOU DE OUVIR.
CARMINHA —... Tô só esperando você dar sinal que eu rapo fora dessa casa.
É, vou dar uns dois, três dias até sumir pra não dar muito na
vista. Ah! Só de pensar que eu nunca mais vou ter que olhar
na cara do babão do Genésio... É, vai ser bom demais: só nós
dois naquele chalé de Friburgo, humm, delícia... Quê? É claro
que não tem ninguém em casa , cê acha que eu sou maluca? A
peste foi pro colégio. (T) Tá, tá, vou verificar. Te adoro,
gostoso. (DESLIGA)
AFLITA, RITA CORRE PARA A SALA E SE ESCONDE ATRÁS DA SOLEIRA DA
PORTA DA SALA PARA A COZINHA CONTÍGUA. CARMINHA SEGUE PELO
CORREDOR ATÉ A SALA OLHANDO EM VOLTA. CLIMA. CARMINHA VAI
ATÉ A PORTA DA FRENTE QUE ESTÁ ESCANCARADA. ESTRANHA. FECHA
A PORTA E GUARDA A CHAVE NO BOLSO. OLHA ATRÁS DO SOFÁ,
DEBAIXO DA MESA, ATRÁS DA PORTA QUE DÁ PARA O CORREDOR.
SEGUE EM DIREÇÃO Á PORTA ONDE RITA ESTÁ ESCONDIDA QUANDO
ESCUTA O TELEFONE TOCAR. OUVE-SE UM, DOIS TOQUES. CARMINHA
VIRA-SE E SEGUE DE VOLTA PARA O QUARTO. QUANDO CARMINHA
DEIXA A SALA, RITA IMEDIATAMENTE SAI DE SEU ESCONDERIJO E TENTA
ABRIR A JANELA MEIO EMPERRADA QUE DÁ PARA A RUA.
AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 012

CADINHO —

VERONICA —
CARMINHA (OFF) Quê? Não, moça, eu não tô interessada em incrementar
meu plano de milhas... Já disse que não! Não entendeu não,
anta, é surda? Vai te catar!
FICAMOS COM CARMINHA, QUE BATE O TELEFONE E VOLTA PARA A
SALA. ELA MEXE NA PORTA QUE RITA ESTAVA ESCONDIDA. A MENINA
NÃO ESTÁ MAIS LÁ. CAM PANORAMIZA E MOSTRA A JANELA ABERTA
POR ONDE RITA ESCAPULIU.
CENA 14/ RUA/ EXTERIOR/ DIA.
RITA, MOCHILA NAS COSTAS, CORRE PELA RUA. FAZ SINAL PRUM
ONIBUS, QUE PÁRA. RITA SOBE NO ÔNIBUS.
CENA 15/ ÔNIBUS/ INTERIOR/ DIA.
RITA VAI ATÉ A ROLETA. VASCULHA A MOCHILA E REVIRA OS BOLSOS
EM BUSCA DE DINHEIRO. NADA. O COBRADOR FAZ CARA FEIA PARA ELA.
ELA ENCARA O COBRADOR. AGINDO RÁPIDO, PASSA POR DEBAIXO DA
ROLETA.
COBRADOR — (REVOLTADO) Ei, garota! Quer apanhar?
MAS RITA RAPIDAMENTE SE MISTURA AOS PASSAGEIROS DO ÔNIBUS
LOTADO E O COBRADOR DESISTE DE IR ATRÁS DELA.
CENA 16/ PREDIO EM OBRAS/ INTERIOR/ DIA.
DE CAPACETE, MAIS BEM VESTIDO QUE OS PEÕES, GENÉSIO, MESTRE DE
OBRAS, ORIENTA OS OPERÁRIOS QUE ESTÃO CORTANDO CERÂMICA COM
A MAQUITA. GENÉSIO OLHA O RELÓGIO QUE MARCA ONZE E MEIA.
ESCUTA-SE UM APITO QUE MARCA O FIM DO EXPEDIENTE. GENÉSIO
RETIRA O CAPACETE.
CENA 17/ ÔNIBUS/ INTERIOR/ DIA.
RITA AFLITA NO ÔNIBUS, QUE ESTÁ ENGARRAFADO NUM CRUZAMENTO.
CENA 18/ PREDIO EM OBRAS/ EXTERIOR/ DIA.
GENÉSIO DESCE PELO ELEVADOR EXTERNO DE OBRA DO PRÉDIO.
CENA 19/ NIBUS/ INTERIOR/ DIA.
O ÔNIBUS ESTÁ DEFINITIVAMENTE PARADO NO CONGESTIONAMENTO.
NERVOSA, RITA DESCE DO ÔNIBUS E PARTE CORRENDO PELA RUA.
CENA 20/ VESTIÁRIO/ INTERIOR/ DIA.
NO VESTIARIO DA OBRA, GENESIO GUARDA SEU MACACÃO E CAPACETE
NO ARMÁRIO. JÁ ESTÁ VESTIDO NORMALMENTE, DE BANHO TOMADO.
ACABA DE PENTEAR O CABELO COM UM PENTE, TIRA DE DENTRO DO
ARMARINHO A MOCHILA VERMELHA QUE CARMINHA LHE DEU, FECHA O
ARMARINHO E PARTE.
CENA 21/ RUA/ EXTERIOR/ DIA.
RITA CORRE PELA RUA.
AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 013

CADINHO —

VERONICA —
CENA 22/ ENTRADA DA OBRA/ INTERIOR/ DIA.
GENÉSIO BATE O PONTO, PASSA NA ROLETA E DEIXA A OBRA.
GENÉSIO – Vou demorar um pouco que eu vou dar uma passada no banco.

RESPONSÁVEL DA OBRA— (NO BALCÃO) Tá tranquilo.

GENÉSIO DEIXA A OBRA.
CENA 23/ RUA/ EXTERIOR/ DIA.
RITA CORRE ATÉ A ENTRADA DA OBRA.
CENA 24/ ENTRADA DA OBRA/ INTERIOR/ DIA.
RITA ENTRA BUFANDO E DIRIGE-SE AO RESPONSÁVEL PELA OBRA.
RITA — Seu Nilton, meu pai tá aí?

RESPONSÁVEL — Acabou de sair! Vai pegar o carro no estacionamento.

RITA SAI CORRENDO.
CENA 25/ ESTACIONAMENTO VERTICAL/ INTERIOR/ DIA.
O FUSCA VELHO DE GENÉSIO DESCE NO ELEVADOR DE CARROS DO
ESTACIONAMENTO VERTICAL. GENÉSIO PAGA O ESTACIONAMENTO E
ESPERA PELO CARRO, QUE DESCE DA RAMPA. GENÉSIO EMBARCA NO
FUSCA. PARTE.
CENA 26/ CARRO DE GENÉSIO/ RUA/ INTERIOR/ EXTERIOR/ DIA.
RITA DOBRA A ESQUINA NO INSTANTE QUE GENÉSIO SAI COM SEU FUSCA
DA GARAGEM. ELE NÃO VÊ A FILHA. RITA CORRE ATRÁS DO CARRO
DESESPERADAMENTE. RITA CORRE O MAIS RÁPIDO QUE PODE. GENÉSIO
SEGUE LENTO. PÁRA NUM SINAL. EM CORTES DESCONTÍNUOS, VEMOS
RITA CORRENDO ENTRE OS CARROS, E GENÉSIO AVANÇANDO NUM
TRÂNSITO LENTO, FREANDO, ACELERANDO. FINALMENTE, RITA
CONSEGUE ENCOSTAR NO CARRO DO PAI. BATE NO VIDRO, QUASE SE
DESEQUILIBRANDO. FINALMENTE GENÉSIO A VÊ. LEVA UM SUSTO, FAZ
SINAL PARA ELA ENCOSTAR. ENCOSTA O FUSCA. SAI DO CARRO.
GENÉSIO — Filha. Quê que você tá fazendo aqui?
RITA
— (NERVOSA, FALA RÁPIDO) Tinha que falar com o senhor
de qualquer maneira! Vão assaltar o senhor! Quando o senhor
sair do banco, vão roubar a mochila com o dinheiro!

GENÉSIO
— Como é que é? Calma! Fala devagar. Não tô entendendo nada.

RITA — A Carminha tá armando de roubar o senhor, papai!

AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 014

CADINHO —

VERONICA —
GENÉSIO — Da onde é que você tirou essa história maluca?

RITA — Eu escutei sem querer ela falando no telefone...

GENÉSIO Você deve ter se confundido, Rita. A gente ás vezes entende errado
quando pega conversa pela metade...

RITA — (DESESPERADA) Eu juro que não! Escutei direitinho. Ela tava

combinando tudo com um cara...

GENÉSIO — Essa tua implicância com a Carminha tá passando do limite!

RITA — (FORA DE SI, HISTÉRICA) O senhor não quer me ouvir!? Vão

roubar o senhor! Vão ficar com tudo que é da gente, que era
da mamãe!

GENÉSIO — Eu sei que você não quer que eu venda a casa. Sei que é difícil
aceitar uma outra mulher do meu lado, mas o que você ta
fazendo é muito feio, filha! Você tá acusando a mulher que eu
amo de coisa muito séria!

RITA — Mas é verdade!

GENÉSIO — (FECHA O TEMPO) Entra no carro! Vou te deixar no

colégio. E não se fala mais nesse assunto!
RITA ENTRA NO CARRO, GENÉSIO ENTRA TAMBÉM. GENÉSIO PARTE COM
O CARRO.

CENA 31/ QUARTINHO DE MAX/ INTERIOR/ NOITE.

MAX ESTÁ JOGANDO PACIÊNCIA NO COMPUTADOR QUANDO ESCUTA
BATIDAS FORTES NA PORTA. VAI ATÉ A PORTA E A ABRE. É CARMINHA,
QUE ESTÁ DESARVORADA, AS ROUPAS SUJAS, A CARA ARRANHADA.
MAX — Que cara é essa?

CARMINHA — (ENTRA EM ESTADO DE CHOQUE, SENTA-SE NA

CAMA) Ferrou tudo, Max! Você tinha razão, o Genésio
armou pra cima da gente. Ele tava lá no terraço. Escutou tudo
que a gente falou...

MAX — Não falei, não falei?

AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 015

CADINHO —

VERONICA —
CARMINHA — É, tá certo você tava coberto de razão. Quer que eu me ajoelhe
aqui e peça perdão? Eu me ajoelho! Mas e agora, quê que a
gente faz?

MAX —Não faz nada. Agora a gente se manda daqui, Carminha. Esse cara vai
dar parte na polícia.

CARMINHA — Espera! Me deixa pensar! Se eu bem conheço Genésio, ele

levou o dinheiro pra casa.

MAX — Você não pode ter certeza disso... Ele pode ter depositado tudo no
banco.
AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 016

—
CARMINHA A criatura é primitiva. Não gosta de ter muito dinheiro em banco.
Aposto o dedo mindinho dessa mão que o velho malocou a
grana em algum lugar naquela casa. E a peste da garota sabe
onde tá. Aliás, eu bem que ia gostar de ter uma última
conversinha com aquele traste... Genésio tá bem chumbado
depois da surra que eu dei nele, Nessa hora deve tar se
arrastando até a delegacia. Esse é o momento da gente agir.
Vamos lá na casa agora!

MAX — Não, Carminha. Não. O certo agora é dar no pé.

CARMINHA — Poxa, Max, a gente já chegou até aqui! Tivemos esse trabalho
todo e vamos morrer na praia? Pensa bem!
A REAÇÃO DE MAX.
CENA 32/ DIVINO FUTEBOL CLUBE/ EXTERIOR/NOITE.
O CLIMA É DE COMEMORAÇÃO NA PEQUENA MULTIDÃO QUE SE APERTA
NO DIVINO FUTEBOL CLUBE. MUITA GENTE POR ALI. LELECO, MURICY E
IVANA ESTÃO CERCADOS POR REPÓRTERES E CINEGRAFISTAS.
MAQUIADORES MAQUIAM MURICY, QUE SE PREPARA PARA DAR UM
DEPOIMENTO PARA A REPÓRTER.
LELECO — (P/ MURICY) E eu não vou falar pras câmeras?

MURICY — (P/ LELECO) A repórter disse que só quer a mãe.

LELECO —E pai por acaso é menos que mãe?

MURICY —Claro que é!

IVANA
— Pode me maquiar que eu também vou aparecer na tv! Cês tão
pensando o quê!? Eu sou a irmã do cara!
NO TELÃO IMPROVISADO, WILLIAM BONNER ESTÁ FALANDO NO JORNAL
NACIONAL:
BONNER — E a noite de hoje definitivamente foi de Jorge Tufão, artilheiro do
campeonato carioca, que marcou os dois gols que deram
vitória ao Flamengo na decisão do campeonato carioca.
Nossa repórter Fernanda Padilha nesse momento encontra-se
no bairro de Divino, subúrbio do Rio, onde a família e os
amigos do craque o esperam para uma festa que promete
entrar pela madrugada. Fernanda Padilha.
A REPÓRTER ESTENDE O MICROFONE PARA DONA MURICY, QUE RESTA
IMÓVEL, COMO SE POSASSE PARA UMA FOTOGRAFIA PARADA.
AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 017

REPÓRTER Dona Muricy, deve ter sido uma grande emoção ver um filho
brilhar desse jeito?

MURICY — (NERVOSA, MAQUIADA DEMAIS, NÃO SABE O QUE

DIZER DIREITO) É, emoção, muita emoção... Estamos
todos muito emocionados, nunca imaginamos tanta...
emoção...
REVELAMOS MONALISA, CUJO CELULAR TOCA NO INSTANTE QUE ELA
ESTÁ CHEGANDO NA FESTA. MONALISA ATENDE CORRENDO:
MONALISA — Tufão!!! É você, meu amor!?
CENA 33/ ESTÁDIO DE FUTEBOL/ VESTIÁRIO/ INTERIOR/ NOITE.
TUFÃO RECEBE COMPRIMENTOS E ABRAÇOS DOS COLEGAS AO
MESMO TEMPO QUE FALA COM MONALISA NO CELULAR.
TUFÃO — Foi lindo, não foi, meu amor? Acho que esse é o dia mais feliz da
minha vida.
CENA 34/ DIVINO FUTEBOL CLUBE/ EXTERIOR/NOITE.
MONALISA FALA NO CELULAR.
MONALISA — É o dia mais feliz da minha vida também!
CORTA DE UM PARA OUTRO NA CONVERSA TELEFÔNICA:
TUFÃO — De agora em diante vai ser tudo mais fácil pra gente... Vai
sobrar dinheiro... Você vai poder largar o salão. A gente vai
ser muito, muito feliz, você vai ver.

MONALISA — Eu sempre fui feliz do teu lado.

TUFÃO — Vou pegar o carro e vou voando pra aí!

MONALISA —Tô te esperando

MONALISA DESLIGA E SUSPIRA, ENLEVADA, APAIXONADA.
CENA 35 / FRENTE DA CASA DE GENÉSIO/ EXTERIOR/ NOITE.
MAX E CARMINHA CONTINUAM FORÇANDO A PORTA.
CARMINHA —A peste deve ter posto a tranca na porta. Força, Max!
MAX TENTA ARROMBAR A PORTA.
CENA 36/ CASA DE GENÉSIO/ SALA/ COZINHA/ INTERIOR/ NOITE.
RITA SOBE EM CIMA DE UMA CADEIRA, DEPOIS DA BANCADA DA
COZINHA E CONSEGUE TIRAR A SACOLA DE DINHEIRO DE LÁ ENQUANTO
ESCUTA A PORTA DE ENTRADA SENDO FORÇADA. GELA COM O DINHEIRO
NAS MÃOS, ATERRORIZADA.
AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 018

—
CENA 37 / AVENIDA BRASIL/ EXTERIOR/ NOITE. GENÉSIO
CONTINUA CAMINHANDO COM DIFICULDADE PELO
ACOSTAMENTO DA AVENIDA.
GENÉSIO — (REPETE TRANSTORNADO, QUASE EM TRANSE) Carmen
Lucia Moreira de Souza, você vai pra cadeia Carmen Lucia
Moreira de Souza, você vai em cana...
COMEÇA A ATRAVESSAR A PISTA SEM OLHAR PARA OS LADOS.
CENA 38/ CARRO DE TUFÃO/ INTERIOR/ NOITE.
TUFÃO SEGUE Á TODA, CADA VEZ MAIS EM ÊXTASE, CANTANDO A
PLENOS PULMÕES O SAMBA DE PAGODE QUE ESCUTA NO RÁDIO
QUANDO ESCUTA UM BAQUE SURDO. EM SEGUIDA, REPARA NA MANCHA
DE SANGUE NO VIDRO DA FRENTE DO CARRO. INSTANTANEAMENTE, ELE
CAI EM SI. DESLIGA O SOM, PÁRA O CARRO NO ACOSTAMENTO, DEIXA O
VEÍCULO.
CENA 40/ AVENIDA BRASIL/ EXTERIOR/ NOITE.
TUFÃO SAI DO CARRO E REPARA NO CORPO CAÍDO DO HOMEM QUE ELE
ATROPELOU NO CANTO DA PISTA. CORRE ATÉ LÁ. RECONHECEMOS
GENÉSIO. DESESPERADO, TUFÃO AJOELHA-SE JUNTO AO CORPO DE
GENÉSIO AGONIZANTE. SANGUE ESCORRE PELA BOCA DO MORIBUNDO.
TUFÃO SEGURA A MÃO DO HOMEM, QUE TEM ESPASMOS.
TUFÃO — O senhor apareceu do nada! Se jogou na frente do meu carro! Juro
que eu não vi! Juro por Deus!
GENÉSIO FAZ QUE SIM COM A CABEÇA E ACENA POSITIVAMENTE, COMO
SE CONCORDASSE COM O QUE O OUTRO ESTÁ DIZENDO. TUFÃO TENTA
ERGUER O CORPO DE GENÉSIO, QUE GEME DE DOR.
TUFÃO — Vou levar o senhor prum hospital! Anda, me ajuda, tio!
Vamos!
GENÉSIO
— (FALANDO COM DIFICULDADE, PRATICAMENTE
BALBUCIANDO) Não adianta... Não vai dar... tempo...

TUFÃO — Vai sim!

GENÉSIO — (FAZ QUE NÃO COM A CABEÇA) Tô... morrendo...

GENÉSIO LANÇA MÃO DE SUAS ÚLTIMAS FORÇAS PARA PUXAR O BRAÇO
DE TUFÃO.
GENÉSIO — Me escuta...

TUFÃO — Tô escutando...
AVENIDA BRASIL Capítulo 1 Pag.: 019

GENÉSIO — (BALBUCIA COM DIFICULDADE CADA VEZ MAIOR)

Minha mulher... Carmen Lucia Moreira de Souza. Guarda
esse... nome: Carmen... Lucia... Moreira...

TUFÃO — Tô ouvindo, Carmen Lucia Moreira de Souza, sua

mulher. O senhor quer que eu diga alguma coisa pra ela?
NESSE INSTANTE, GENÉSIO TEM UM ESPASMO AINDA MAIOR. ENGASGA.
ESTÁ DANDO SEUS ÚLTIMOS SUSPIROS.
TUFÃO — (COMOVIDO) Sua mulher... O senhor quer que eu procure sua
mulher... Eu vou procurar sua mulher, Carmen Lucia Moreira
de Souza. Eu vou ajudar ela, pode deixar. Prometo. Eu tenho
dinheiro. Muito dinheiro. Eu vou cuidar da sua mulher pro
senhor...
O MORIBUNDO CONTRAI O ROSTO, NUM ESGAR DE PÂNICO, AO ESCUTAR
AS PALAVRAS DO JOGADOR DE FUTEBOL. TENTA FALAR ALGUMA COISA,
MAS A LÍNGUA ENROLA E ELE NÃO CONSEGUE PRONUNCIAR MAIS
NENHUMA PALAVRA CONEXA. MORRE DE OLHOS ABERTOS.

FIM