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Tv Antena

Central Antena de Produção Capítulo 3

Caminhando Contra o Vento


(versão revista)

Minissérie de Alan Santiago

Escrita por
Alan Santiago

Direção
Juliano Coupé

Direção Geral
Mariana Camargos

Personagens deste capítulo

ALENCAR
FÁTIMA
FELIPE
GILBERTO
ISAURA
JULIANA
JÚLIO
MARCELLO
MICHELE
NANA
RENATO
TAÍS

Participação Especial:
BALCONISTA, LURDES, WALDIR
Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 1

CENA 01. C. PEDRO II. SALA INFORMÁTICA/ANDAR/INT/DIA


Continuação imediata da cena anterior. Felipe e
Juliana. Ela desvencilha-se dele, dá uma rabanada e
vai saindo.
Juliana — Não tenho nada pra falar com você.
Felipe — Mas eu tenho. Espera!
Já saíram. Corta para Juliana se afastando. Felipe
atrás dela.
Felipe — Eu tenho uma proposta pra te
fazer.
Juliana — Me deixa em paz, Felipe. Vai
procurar tua turma, garoto.
Felipe - (pára) Marcello tá te traindo com
a Michele!
Juliana trava. Acha um desvario. Vira-se indignada.
Juliana — Fala de novo e eu te meto os cinco
dedos na cara!
Felipe — (mostra a face) Bate! Você mete os
cinco dedos na minha cara e o
Marcello mete dois metros de chifre
na sua cabeça! (pausa) Se encontram
na casa dele. Normalmente de noite
quando ele, às vezes, fica sozinho.
Última sexta deve ter rolado muito
sexo! Bom, pelo menos eu acho que o
Marcello não ia chamar a Michele lá
pros dois brincarem de casinha!
Juliana — (pensativa) Quem te contou?
Felipe — O Júlio! Ouviu os dois conversando
no celular. Marcaram os esquemas!
Juliana — Sexta eu ainda quis me encontrar
com ele, mas me falou que tava
ocupado. Ia ter que sair!
Felipe — Olha aí: traição nas tuas fuças e
tu deixou passar!
Juliana — Ele me parece sempre tão...
apaixonado.
Felipe — Apaixonada tá você. Apaixonada,
cega e submissa, quer dizer,
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escrava! Faz tudo o que ele quer!


Deve até ter ajudado no plano que
ele armou pra Nana brigar comigo.
Juliana — (triste, murcha) Tô sabendo de
nada, Felipe! Eu tenho que ir,
preciso pensar um pouco.
Felipe — Agora, não! Fala a verdade, ajudou
ou não?
Juliana — (tentando se livrar) Ajudei,
Felipe. Cê tá certo. Faço tudo o que
ele quer mesmo!
Felipe — Escuta: se você quer continuar
sendo explorada e corneada, eu não
tenho absolutamente nada a ver com
isso. Mas eu não quero que a Nana
fique achando que eu sou um canalha!
E você vai me ajudar a resolver esse
problema!
Juliana — Eu te ajudo no que você quiser,
mas primeiro eu quero um flagrante.
Se você me mostrar...
Felipe — Saber quando eles vão se encontrar
é fácil, mas fazem as coisas dentro
da casa dele.
Juliana — Eu tenho a chave. Posso entrar.
Felipe — Beleza!

CENA 02. C. PEDRO II. SALA DE AULA/INT/DIA


Gilberto terminando de resolver uma questão na lousa.
O sinal toca para o intervalo. Os alunos vão saindo.
Gilberto — Não se esqueçam de fazer da página
145 a 154. Pra amanhã!
Júlio se levanta para também ir, mas Felipe o chama,
grave.
Felipe — (baixo) Tu me disse um dia...
Júlio — Ei, Felipe, não leva a mal, não,
mas tô morrendo de fome, cara. Mais
três minutos e morro desnutrido.
Depois a gente conversa!
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Felipe — É importante, mané. Preciso saber


quando é que o Marcello vai se
encontrar de novo com a Michele.
Júlio — E eu lá sei da vida do Marcello,
Felipe. Tá me estranhando, cara?
Felipe — Qual é, Júlio? Eu sei que você tem
contato com ele. Pode não ser assim
como dois amigos de infância, mas é
uma aproximação que dá pra tirar
umas informações.
Júlio — Felipe, já tem um tempo que eu não
falo com o Marcello.
Felipe — Pois começa a falar de novo.
Júlio, é muito importante: eu
preciso que você me diga quando vai
ser o próximo encontro do Marcello
com a Michele. Tenta saber, por
favor!

CENA 03. C. PEDRO II. BANHEIRO/2º ANDAR/INT/DIA


No andar vazio, Marcello puxa Michele para dentro do
BANHEIRO. Encosta-a na parede e beija-a com violência.
Júlio vai saindo de um sanitário, vê a cena e recua,
trancando-se novamente sem ser visto por eles.
Marcello — (voz baixa) Hoje à noite.
Michele — Teus pais vão sair?
Corta para o sanitário. Júlio ouve quieto, reagindo às
falas das personagens.
Marcello — (off) E a Juliana vai pra casa de
uma amiga/
Música marca.
Michele — (off, em cima) Que amiga?
Marcello — (off) Faço a mínima idéia,
Michele. Sai dessa. Ela não vai
descobrir, não!

CENA 04. LANCHONETE/INT/DIA


O balconista (mesmo do cap. anterior) sentado com
Felipe a uma mesa. Conversa a meio.
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Felipe — Se eu trouxer ela aqui o senhor


confirma isso pra mim?
Balconista — Claro.
Júlio entra e senta-se, ofegante, suando.
Felipe — Quê que foi? Descobriu alguma
coisa?!
Júlio — Agradeça ao meu mijo. Mijinho
abençoado! Eu ouvi os dois
conversando no banheiro.
Felipe — No banheiro dos homens?
Júlio — Tavam se agarrando lá dentro.
Balconista — (saindo) Com licença.
Felipe — (p/ o balconista) Toda. Brigado
pela força. (p/ Júlio) Continua.
Júlio — O básico é isso, cara. Marcaram os
esquemas pra hoje à noite.
Felipe — Vou falar com a Juliana agora
mesmo.

CENA 06. CIDADE/EXT/ANOITECER


Takes de arquivo: as luzes da cidade se acendendo.
Pessoas fazendo Cooper no calçadão da praia.
Movimentação intensa, etc. Letreiro: horas depois.

CENA 07. AVENIDA JOÃO PESSOA/EXT/NOITE


Alencar dirigindo seu carro. De repente, o motor solta
uma fumaça branca. Ele encosta. Corta descontínuo para
o capô aberto. Do motor, uma fumaça branca e densa.
Ele vira a chave na ignição e o veículo não dá sinal
de vida. Tenta mais duas vezes. Nada. Puxa o celular e
disca um número.
Alencar — Seu Chico?

CENA 08. CASA DE MARCELLO. SALA/INT/NOITE


Marcello abre a porta e Michele entra, lindamente
vestida. Ele assovia, malicioso. Ela simula desfilar,
se mostra. Ele liga o som numa música de boate e joga-
se no sofá, batendo palmas.
Marcello — Strip-tease, minha escrava sexual!
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Ela ri. Põe o jarro de flores da mesinha de centro no


chão e sobe sobre ela. Começa tirando os saltos e
arremessando-os para Marcello. Ambos estão adorando.
Marcello — Quero te ver toda pelada!
Michele — (voz de criança) Pode não. Papai
não deixa!
Riem.

CENA 09. RUA. FACHADA DA CASA DE MARCELLO/EXT/NOITE


Juliana e Felipe páram no portão. Observam a casa. Ela
já está com a chave na mão. Alternar com clips do
strip-tease de Michele da cena precedente. Muito
ritmo.
Juliana — É aqui.
Felipe — Vamo entrar, então. A gente não
pode perder tempo/
CLIP 01: Michele derreia a alça do vestido.
Juliana — (corta, hesitante) Não, Felipe.
Eu... não sei se é isso que eu
quero...
Felipe — Juliana! Burrice não entrar agora.
É enganar a si mesma.
Juliana — Eu passei agora há pouco na casa
da Michele... Me disseram que ela
tinha saído.
Felipe — Claro! Tá aqui com ele.
CLIP 02: Ela passa o pé sobre o corpo de Marcello. Se
divertem.
Juliana — (sofre) Eu me dediquei tanto ao
Marcello, Felipe. Fiz coisas que eu
não concordava pra agradar...
Felipe — E é assim que ele retribui. Me
desculpa dizer, Juliana, mas o
Marcello não presta. Chantageou a
coordenadora, armou pra cima de mim
e da Nana. Por aí você tira o que
ele ainda pode fazer. Uma pessoa
totalmente sem caráter, sem
escrúpulos! Se você não consegue
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abrir a porta pelo menos me entrega


a chave.
CLIP 03: Agora está de calcinha e sutiã.
Juliana enfia a chave no bolso.
CLIP 04: Desabotoa, sensualmente, o sutiã.
Juliana — (sofre muito) Eu não posso!
CLIP 05: Close na mão de Marcello tirando a calcinha
dela.
Felipe põe a mão dentro do bolso dela e retira à
força. Abre o portão de uma vez.

CENA 10. CASA MARCELLO. SALA/CORREDOR/QUARTO/INT/NOITE


Juliana e Felipe entram cautelosos. Ele vai logo
mirando o andar superior, tentando divisar alguma
coisa. Ela se liga nas roupas de Michele jogadas
negligentemente pela sala. Pega uma calcinha vermelha
e escorrem lágrimas por seus olhos. Uma dor invade-lhe
o peito. Felipe consola-a, tocando seu ombro.
Felipe — (baixo) Força, Juliana. Tem mais.
Juliana — Pra mim chega, Felipe.
Felipe — Lá em cima.
Corta descontínuo para Felipe e Juliana no corredor.
Ouvimos os grunhidos e gemidos vindos do quarto de
Marcello. Juliana começa a chorar copiosamente. A
porta do aposento entreaberta. Felipe dá um chute,
abrindo-a. Na cama, Marcello e Michele fazendo sexo.
Eles se assustam, não entendem o que acontece. Juliana
entra chorando. Caiu por terra. Fecha em sua expressão
desalentadora. Felipe atrás.
Juliana — (berrando, sempre chorando)
Cachorro! Cafajeste!
Marcello — Juliana.../
Juliana — Eu te odeio, Marcello! Te odeio!
(p/ Michele) Vagabunda! Prostituta!
Michele se enrola nos lençóis e entra no banheiro.
Marcello veste um calção.
Marcello — Me escuta, Ju!
Juliana — Cala a boca! Quem tem que falar
aqui sou eu. Eu sou a vítima. Fui
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traída, passada pra trás.


Violentada! Não meu corpo, meus
sentimentos... Canalha! Você dizia
que me amava. Eu acreditava, achava
que tava sendo amada de verdade, mas
tudo falsidade! Mentiroso! Me traía
aqui na sua casa, na cama onde a
gente.../ (corta-se)
Marcello — Pô, me dá só direito de defesa. O
Felipe armou/
Juliana — (corta) Felipe só me abriu os
olhos. Me ajudou a ver o monstro
depravado que você sempre foi e eu
nunca quis enxergar! Eu tenho nojo
de você, Marcello. Nojo, repulsa,
vontade de vomitar na sua cara! (t)
Com a Michele? Uma das minhas
melhores amigas?! Você não tem
coração... Como o Felipe me falou
mesmo, não tem um pingo de
caráter...
Marcello — O Felipe te encheu a cabeça com
idiotice!
Marcello tenta avançar para bater em Felipe, mas
Juliana impede, pondo-se na frente.
Juliana — Me encheu a cabeça com a verdade.
Me fez juntar todas as evidências
desse tempo que a gente passou
junto! Burra! Eu sou burra de não
ter descoberto antes... Muito óbvio
as coisas que aconteciam... a
traição!
Marcello — Ju, eu ainda te amo! Eu e a
Michele, a gente não tem nada a ver,
eu não gosto dela... a imagem que
vinha na minha cabeça quando a gente
tava transando era a do seu rosto...
Eu te amo! Me perdoa!
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Juliana — Você tá me surpreendendo,


Marcello. Ainda tem coragem de
descrever a relação, dizer em quem
você pensa ou deixa de pensar. Pra
isso eu tô pouco me importando.
Quero mais que você se exploda. Você
e a Michele. Eu não vou te perdoar.
Tô magoada, ferida, machucada. Tudo
com razão! Desaparece da minha vida,
cachorro! Desaparece pra sempre. O
que eu vi nesse quarto hoje foi
tão... asqueroso que eu vou deletar
da minha memória. A partir de hoje
você nunca existiu na minha vida!
Você, pra mim, é nada, Marcello!
Juliana sai, com os olhos vermelhos. Felipe sai
também. Marcello senta-se na cama, tonto de
preocupação.

CENA 11. LANCHONETE/INT/DIA


Dia seguinte. Juliana, olhos inchados, vermelhos de
tanto chorar, sentada ao lado de Felipe numa mesa.
Nana chega, desconfiada. Puxa uma cadeira e se senta,
proferindo:
Nana — Eu só vim porque a Taís insistiu
muito, mas/
Felipe — (corta) Calma, Nana. Juliana tem
umas coisinhas interessantes pra
contar.
Tensão de Nana.

1º INTERVALO COMERCIAL

CENA 12. LANCHONETE/INT/DIA


Nana está pasma com o que acabara de ouvir. Felipe
sorrindo, aliviado. Juliana com a fala mansa.
Nana — Então, o culpado é o Marcello
mesmo.
Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 9

Juliana — Parcialmente. Eu ajudei. Fui eu


que coloquei o abaixo-assinado na
bolsa do Felipe pra você pensar que
tinha sido ele que roubou. Eu também
implantei as cartas no apartamento
dele pra você achar que ele pudesse
ter algo com a sabotagem da
revolução.
Nana — (p/ Felipe, envergonhada) Ai,
Lipe, consciência pesou agora.
Felipe — O Marcello fez isso pra você cair
mesmo. Liga não. Ah, eu consegui
outra coisa também que prova que foi
armação do Marcello. (tira do bolso
um papel remendado, mostra) As notas
alteradas do pessoal da sala. A
minha, pode olhar, não foi alterada.
Passa o papel para ela.
Nana — Como foi que cê conseguiu isso,
menino?
Felipe — Conversei com umas pessoas... Me
deixaram vasculhar o lixo do
colégio! (ri) Acabei encontrando.
Tem mais.
Felipe acena para o balconista que se aproxima.
Balconista — Oi!
Felipe — Senta aí. Acho que você também tem
coisa pra contar pra Nana!
Corta descontínuo para momentos depois. Felipe e Nana
se abraçando, emocionados. Juliana não está presente.
O balconista retornou ao trabalho.
Nana — Fiz besteira.
Felipe — Não! Não pensa assim! Foi só mais
um plano do Marcello que deu certo.
O último! (t) Tô de volta ao grupo?
Nana — Claro que tá.
Felipe — Que é que vocês tão planejando
agora?
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Nana — Mandei um e-mail pra algumas


pessoas. Pedi pra eles passarem
adiante a quem conhecessem.
Felipe — Você espera que...
Nana — Não só eu como eles também cheguem
na Fátima pra reclamar! Pelo menos,
se cada um reclama idividualmente,
dá um fôlego maior pra nossa
revolução, né?!
Felipe — Com certeza! Mudando um pouco de
assunto: aluguei uns filmes. Quer
assistir comigo hoje à noite?
Nana — Adoro os filmes que você aluga!

CENA 13. C. PEDRO II. 2º ANDAR/SALA SERVENTES/INT/DIA


Vários alunos ao redor da mesa de Fátima. Todos
falando ao mesmo tempo, revoltados. Fátima tentando
controlar. Muito ritmo.
Fátima — As ordens da diretora foram pra
não recontratá-los, queridos. Eu não
posso fazer nada. Minha decisão não
pode ultrapassar a decisão dela. O
Alencar e a Isaura não voltam a
trabalhar aqui! Podem avisar isso
pra amiguinha de vocês, a Nana!
Murmúrio forte. Fone toca e Fátima tira-o do gancho.
Neste momento, Renato surge, pressionando o gancho e
desligando. Ela reage.
Fátima — Renato! Você é maluco! Não pode
aparecer aqui!
Renato — (irônico) Quero conhecer o
colégio.
Fátima — Não posso ir agora. Tô resolvendo
uns problemas com uns alunos...
Renato — Assunto sério. Agora!
Fátima — (p/ os alunos) Licença. Volto
logo.
Corta para Fátima e Renato conversando na SALETA DOS
SERVENTES.
Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 11

Renato — (rude) Onde foi que você enfiou a


menina, Fátima?
Ela está acuada. Não mostra sua fibra habitual. Renato
segura-a nos braços, apertando a fim de machucar.
Fátima — Em lugar nenhum, Renato! Ela
morreu naquele acidente! Ai!
Renato — Não morreu e nós sabemos disso!
Você melhor que eu, porque
seqüestrou ela do hospital... Sem o
meu consentimento! Eu tenho as fotos
do caixãozinho cheio de pedras,
relatos dos médicos, das enfermeiras
que te apontam como culpada.
Fátima — Pro bem dela!
Renato — Pro seu bem. Se livrou da menina
ainda embolsou o dinheiro sozinha!
Fátima — Nunca vi a cor desse dinheiro. Nem
quero. A Mariana tá vivendo feliz,
com uma família bacana!
Renato — Mariana?!
Fátima — Mariana Carvalho!
Reação de Renato.

CENA 14. PRAÇA E PONTO DE ÔNIBUS/EXT/NOITE


Chuva torrencial começa a cair. Nana e Felipe estão
passeando completamente desprevenidos, sem guarda-
chuva. Entreolham-se, agoniados.
Nana — E agora, Felipe?
Felipe — (ri) Vem!
Felipe pega sua mão e corre com ela a procura de um
abrigo. Encontram a cobertura de um ponto de ônibus
próximo. Nana se senta, com dores no pé. Ele só
percebe depois.
Felipe — (olha pro céu) Tá com cara de que
vai demorar a passar. Melhor a gente
encarar mais uns metros e chegar no
meu ap. Quê que cê acha?
Mira-a. Ela está massageando o calcanhar dolorido.
Felipe — Que foi?
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Nana — A corrida!
Felipe — (penalizado) Te machuquei!
Nana — Não. É que eu sou assim mesmo. Se
me esforçar mais um pouco pra correr
meu pé dói. A culpa é do ballet!
“Treinamento” intenso acabou comigo.
Felipe — (sorriso) Você fez ballet?
Nana — Por quê? Não tenho cara de
bailarina?
Felipe — Não, não é isso. A garota valente,
de fibra, que eu vejo discursando,
deixando todo mundo de boca aberta
porque não se acomoda diante de
opressão, de repressão, é a mesma
garotinha frágil que faz ballet, que
mexe com emoção, sentimento. É te
conhecer pra te achar a pessoa mais
encantadora do mundo, Nana!
Nana envergonha-se. Entra a música: The Long And
Winding Road, sem letra, apenas orquestrada
lindamente.
Nana — Você que é demais! Conseguir tudo
aquilo pra me provar.../
Felipe — (corta) Só queria esse teu olhar
de novo no meu!
Olham-se. Felipe estende os braços.
Felipe — Tô achando que a chuva não vai
passar. Te levo nos braços!
Nana — (exultante) Sério?
Felipe — Se quiser ficar a gente dorme
aqui, mas corre perigo de amanhecer
pelado ou queimado.
Nana — Ih, Felipe, isola! Vambora!
Levanta-se com dificuldade. Ele toma-a nos braços.
Olham-se novamente, com mais profundidade. Saem na
chuva. O momento é romântico. Felipe estaca.
Felipe — Faz tempo que eu tenho uma coisa
pra te falar e nunca consigo. Tem
que ser agora.
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Nana — (no céu) Quê?


Felipe — Eu te amo!
Nana — Coincidência! Também te amo.
Com ela nos braços, eles se beijam apaixonada e
emocionadamente. Sentimentos resguardados há muito.
Paixão visível. Fecha no beijo.

2º INTERVALO COMERCIAL

CENA 15. APTO DE FELIPE. SALA/INT/NOITE


Felipe põe Nana no chão, com cuidado. Ambos estão
ensopados, molhando o tapete.
Felipe — Tá melhor o pé?
Nana — Só um pouco dolorido. Liga não.
Passa logo!
Felipe — Vou pegar gelo! Se você quiser
tem/
Ele vai saindo, mas ela prende-o. Puxa-o para junto de
si e o beija mais uma vez.

CENA 16. C. PEDRO II. BANHEIRO/INT/DIA


Dia seguinte. Nana e Taís comemorando com gritinhos
finos e histéricos. Principalmente da parte de Taís.
Algumas alunas entrando e saindo, rindo das duas.
Taís — Mulher, que babado forte!
Nana — Fortíssimo! Tô nas nuvens, no céu!
Que beijo! Pegada de homem com H
maiúsculo! Que vergonha! Lindo!
Gato!
Taís — (rindo, sincera) Tô super feliz
por você, Nana. Te desejo todo o
amor do mundo... Tudo de bom, minha
amiga!
Ela se abraçam.

CENA 17. C. PEDRO II. 3º ANDAR/INT/DIA


Juliana e Felipe observando a vista da cidade.
Juliana — O ex-marido da Fátima, o Renato,
tá na mira dele. O Marcello acha que
Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 14

a Fátima tá escondendo alguma coisa


com esse cara, que tem coelho nesse
mato!
Felipe — (intrigado) Me fala mais do
sujeito.
Juliana — Chegou faz pouco tempo. Disse que
morava na Europa. Pai do único filho
que a Fátima teve! O menino morreu
num acidente de carro ainda novo.
Olha: eu já vi esse Renato passeando
pelos corredores do colégio e ele é
assustador mesmo. Não é à toa que
falar dele perto da Fátima é ver ela
de orelha em pé!
Felipe — O Marcello pode tá certo, Juliana!
Se esse Renato for a ponta do
iceberg, tiver coisas graves por
trás, é aí que a gente tem que agir
pra ganhar a revolução.
Juliana — Chantageando a coordenadora, como
o Marcello fez?
Ele não tem resposta. Dá de ombros. Música marca.

CENA 18. C. PEDRO II. ARQUIVO/INT/DIA


Trata-se de uma sala com alguns armários nos quais se
arquivam as fichas dos alunos. Entra Renato, sem fazer
barulho. Começa a verificar os armários pela inscrição
da série em cada gaveta.

CENA 19. C. PEDRO II. 2º ANDAR/INT/DIA


Marcello e Fátima separados pela mesa. Ela baixa o
fone no gancho.
Marcello — Pra onde?
Fátima — Arquivo, depois da sala dos
professores. Vai indo que eu quero
te entregar o documento de suspensão
assinado pela diretora.
Marcello — Meu pai já assinou.
Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 15

Fátima — E a diretora também. Por isso vou


te devolver. Burocracia necessária!

CENA 20. C. PEDRO II. ARQUIVO/INT/DIA


A gaveta do 2º ano aberta. Renato está com a ficha de
Mariana Carvalho nas mãos, lê. Marcar o nome da aluna
na capa do arquivo. Marcello irrompe de fora,
reagindo.
Marcello — Renato!
Renato — (disfarçando, esconde o arquivo)
Oi. Gavetas difíceis de limpar!
Marcello — Limpar cê quer dizer roubar a
ficha da Nana, né?! Porque pra quem
usa terno e gravata pegar no pesado
não tem muito a ver! Que que cê tem
com a Nana?
Renato — Por que é que você quer saber?
Marcello — Um cara volta da Europa, depois de
décadas e deixa a ex-mulher tão
nervosa assim, bom sujeito não deve
ser... Ou a ex-mulher não tem se
(irônico) comportado direitinho e
você veio avisar que Papai Noel não
vai dar presente no fim do ano.
Renato — Você é esperto, rapaz. Mas não o
suficiente.

CENA 21. C. PEDRO II. BIBLIOTECA/INT/DIA


Nana está sentada lendo um livro. Felipe senta-se ao
lado. Pega sua mão, feliz da vida.
Felipe — A Juliana definitivamente tá do
nosso lado. Me contou os planos do
Marcello.
Nana — Quais são?
Renato chegou e se debruçou levemente sobre a mesa.
Renato — Nana! Posso me sentar?
Nana — (estranha) A gente se conhece?
Renato — Mas vamos nos conhecer em breve.
Toma um lugar na mesa.
Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 16

Felipe — Quem é o senhor?


Renato — Renato Carvalho!
Reação de Felipe.
Nana — Desculpe, senhor, eu não dei
permissão pro senhor sentar.
Felipe — Que é isso, Nana? Deixa de ser mal
educada. O homem deve tar cansado,
afim de sentar.
Lança olhares pra ela, tenta passar a mensagem. Ela
não capta.
Renato — O que eu tenho pra falar te
interessa!

CENA 22. C. PEDRO II. PÁTIO/INT/DIA


Fátima saindo do ARQUIVO. Marcello persegue-a,
dobrando a folha de papel com as assinaturas de seus
pais e da diretora. Conversa a meio.
Marcello — Esteve. E eu sei pra onde ele foi.
Fátima — (coração na mão) Fala!
Marcello — Você vai me dizer uma coisa
primeiro: o que é que tá escondendo
com o Renato?
Fátima — (ultrajada) Nunca eu ia dizer nada
da minha vida pra um fedelho como
você que/
Marcello — (corta) Ainda vai enrolar muito?
Porque a essa hora ele já deve ter
levado o lero que ele queria com a
Nana.
Fátima sai correndo, sem se despedir.

CENA 23. C. PEDRO II. BIBLIOTECA/INT/DIA


Nana, Felipe e Renato como os deixamos.
Nana — (impaciente) O senhor vai me
desculpar, mas enrolou, enrolou
e.../
Renato — (corta) Eu sou seu/
Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 17

Neste momento, cortando Renato, sobrevém Taís,


esbaforida, alterada. Gesticula e grita mais que
nunca.
Taís — Nana, vem logo!
Nana — Calma, Taís!
Taís — Tá explodindo de gente na sala da
diretora por causa do seu e-mail,
vem logo! A Toda-Poderosa mandou te
chamar. Ela quer falar pessoalmente
com você!
Nana olha para Felipe, sorrindo.
Nana — Vamo, Felipe. É a nossa chance.
(p/ Renato) Até mais, senhor.
Renato — Nós ainda vamos nos ver muito mais
vezes, pode apostar.
Nana levanta-se, puxando Felipe. Saem. Renato
permanece sentado, pensante, quando Fátima chega, uma
pilha. Vai se sentar no meio da próxima fala.
Fátima — Se você não sair agora da minha
vida, eu vou chamar a polícia.
Renato — Chama e eu provo que você armou
aquele acidente de carro pra botar a
mão no dinheiro do meu seguro de
vida.
Fátima — Não armei nada, sou completamente
inocente. Você não vai me intimidar,
Renato!
Renato — Já estou intimidando. Preste muita
atenção no que você vai fazer,
Fátima. Veja quem é o gato e o rato
aqui!
Renato sai. Fátima acossada.

CENA 24. C. PEDRO II. SALA DA DIRETORA/INT/DIA


A sala simplesmente abarrotada. Nana e Felipe
sentados, enquanto Taís, Júlio e os outros alunos de
pé. Murmúrios. A diretora, Lurdes (49), atrás da mesa,
com as pontas dos dedos unidas e um olhar de
sabedoria.
Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 18

Nana — A gente tá fazendo tudo isso


porque a situação é revoltante. Eles
não fizeram nada e foram despedidos,
as alunas expulsas. Repressão sem
lógica! Aquele movimento na porta da
escola é pra pedir um pouco mais de
igualdade e liberdade aqui dentro.
Do jeito que tá indo é impossível
aprender alguma coisa e, o mais
importante, sair um cidadão honesto.
Felipe — A Fátima nos enganou. Disse que
ia atender aos pedidos, mas deu uma
rasteira. Menos de um salário mínimo
- que é o que a Isaura ganha - não
dá prum ser humano normal
sobreviver. Ela é arrimo de família,
dona Lurdes. Imagina a situação! O
sofrimento que ela deve estar
passando...
Lurdes — Vocês sabem que foram contra uma
norma do colégio, não sabem?
Nana — Qual?
Lurdes — “Perturbar a paz e a tranqüilidade
do colégio, bem como desrespeitar
funcionários, professores
coordenadores e diretor são faltas
passíveis de punição.” Página cinco
do contrato, páragrafo três. Não
desrespeitaram professores, nem
funcionários, enfim, mas perturbaram
a paz e a tranqüilidade da escola
com a passeata. Eu posso muito bem
punir vocês agora mesmo.
Fecha na reação de Nana.

3º INTERVALO COMERCIAL

CENA 25. C. PEDRO II. SALA DA DIRETORA/INT/DIA


Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 19

Continuação imediata da cena anterior. Nana, Felipe,


Taís, Júlio e Lurdes.
Felipe — A senhora não vai fazer isso!
Lurdes — Por que não?
Taís — Porque tá sabendo que a gente não
tava brincando.
Lurdes — A norma é bem abrangente. Não
restringe a punição aos brincalhões.
Nana — Mas a gente conta com sua
compreensão.
Júlio — Tá todo mundo doido pra ver o
Alencar dando aula pra gente de
novo, dona Lurdes. Ele é o melhor
professor do colégio!
Felipe — E o serviço da Isaura era
perfeito. Além de tudo era amiga da
gente, como o Alencar.
Nana — Vou te dizer: a senhora perdeu os
melhores profissionais do mundo,
dona Lurdes, só por causa de
mesquinharia, birra com os alunos.
Pausa. Lurdes parece analisar, fazer cálculos mentais.
Lurdes — Quando o Alencar vai dar aula pra
vocês de novo?
Nana — Amanhã!
Lurdes — A Fátima pode ter lhes enganado,
mas eu não sou mulher deste tipo de
armação. Sou transparente em tudo o
que faço. O Alencar está
recontratado! A Isaura, vou ligar
pra ela, falar pessoalmente, pra
saber se pode voltar ainda hoje.
Nana abre um largo sorriso. Abraça Felipe. Taís e
Júlio se abraçam também. Depois lembram-se que estão
brigados e se ajeitam, mantendo distância. Os
figurantes batem palmas, fazendo barulho. Estão todos
muito alegres pela vitória.

CENA 26. RUA PRÓXIMA AO PEDRO II/EXT/DIA


Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 20

Marcello dá uma martelada no vidro do carro de Renato,


que se estraçalha. Não ninguém além dele na rua. Mete
a mão por dentro para abrir o trinco. Entra e abre o
porta-luva. Explodem várias fotos que caem no piso do
veículo. Ele pega uma das que caíram e é uma foto da
família reunida: Fátima, Renato e Nana ainda bebê de
colo. Reação de Marcello. Corta descontínuo para
Renato chutando a porta do carro, com raiva. Tira uma
lasca do vidro que ainda restara na porta e arremessa
ao chão. Pragueja.

CENA 27. C. PEDRO II. PÁTIO/EXT/DIA


Nana, Felipe, Júlio e Taís deambulando. Alguns alunos
estão distribuídos em várias rodinhas de amizade.
Nana — Ainda tô com medo de ser conversa
dela. A Fátima passou a gente pra
trás duas vezes. Gato escaldado tem
medo de água fria!
Taís — E vocês viram a cara que ela fez?
(se benze) Demônio em pessoa! Quase
que eu começava a rezar lá mesmo:
pra não ser engolida por aquele cão,
nem expulsa do colégio. Do jeito que
ela também já está escaldada, sei lá
se aquela baguncinha na sala dela
não é motivo de expulsão!
Júlio — Pára de falar besteira, Taís. Vai
soltar esse teu melodrama mexicano
pra lá!
Taís — Júlio, eu não estou mais falando
com você, por isso/
Nana — (corta) Vocês não estão mais se
falando? Não tava sabendo! Coisa
feia ao quadrado, Taís!
Taís — Nana, esse menino é um porre.
Ainda vem me agarrando!
Júlio — Te agarrei por sobrevivência senão
você ia continuar me espancando na
frente de todo mundo.
Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 21

Taís — Eu te espancando? Agora o


melodramático é você! Te dei um
tapa. Só. E foi merecido! O que não
tinha era porquê você ter me
beijado...
Felipe — Ainda rolou um beijo, Júlio?
Júlio — Sou gostoso, fazer o quê? Taís me
ama e não confessa porque sabe que
vai levar um fora.
Taís — Ai, fofo, se meu ouvido fosse
pinico, até ficava aqui pra ouvir
essas mer/ (corta) Porcarias!
Taís sai, fula de raiva. Nana segue-a. Júlio vai
erguer o dedo médio num gesto obsceno, mas Felipe o
impede.
Felipe — Peraí, rapaz! Que negócio é esse?!
Júlio — (raiva) A Taís é.../
Felipe — (corta) ...um amor, eu sei.
Júlio faz uma careta, discordando.

CENA 28. C. PEDRO II. ESCADARIA/INT/DIA


Juliana descendo as escadas e Marcello tentando
dissuadi-la. Ela nem olha para ele. Permanece fria
todo o tempo.
Marcello — Tu sabe como eu sou orgulhoso, Ju.
Tá aqui te pedindo pra voltar pra
mim, foi um esforço grande. Cê vai
estragar isso? (não obtém resposta)
Aquilo de ontem, não tem nada a ver.
Eu te amo! Olha pra mim pelo menos.
(baixo) Tô sofrendo por você! Me dá
uma segunda chance, todo mundo tem
direito! Segunda chance!
Fim da escada. Juliana vai embora, num gelo tremendo.
Ele pára. Parece realmente sofrer, mas é comedido,
tenta não demonstrar.

CENA 29. C. PEDRO II. 2º ANDAR/INT/DIA


Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 22

Marcello tirando a foto da família do bolso. Fátima


sentada a sua mesa. Ele exibe de certa distância.
Muito ritmo.
Marcello — Conhece?
Fátima — (reage) Que é que você tá fazendo
com isso, Marcello? Onde foi que
você conseguiu?
Marcello — Tenho os meus meios. Só te digo
uma coisa: antes, você tava bem. No
poder! Agora, quem tá no comando sou
eu. Se você não quiser que eu conte
pra Nana o pouco que eu sei...
Impacto de Fátima.

4º INTERVALO COMERCIAL

CENA 30. C. PEDRO II. 2º ANDAR/INT/DIA


Fátima e Marcello.
Fátima — Eu e o Renato nos casamos. Éramos
tremendamente apaixoandos. Parecia
que tínhamos sido feitos um para o
outro. Caso raro. Até mesmo pra
época! Todos botavam muita fé que ia
durar... Alguns meses depois, ele
começou a me bater.

CENA 31. CASA DE FÁTIMA E RENATO. SALA/INT/NOITE


Flash-back inédito. Fátima agonizante, cambaleante ao
chão. Renato ergue a palmatória e a acoita com
violência.
Fátima — (off, gravado) Virou um homem
estranho, violeto, cruel, impiedoso.
Eu apanhava toda noite, sem nenhum
motivo aparente. Pensei que se eu
ficasse grávida, talvez as surras
parassem. Fiz questão de engravidar.
E pararam.

CENA 32. HOSPITAL. QUARTO/INT/DIA


Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 23

Flash-back inédito. Renato põe um lindo buquê de


flores num jarro cheio de água. Fátima deitada na
cama, ainda de resguardo. Conversam amenidades fora de
áudio.
Fátima — (off, gravado) Veio a Mariana. Uma
menina linda.
Uma enfermeira entra no quarto trazendo Nana nos
braços. Entrega-a a Fátima que a nina.
Fátima — (off, gravado) Mas as surras
voltaram. Continuar morando debaixo
do mesmo teto do Renato era
perigoso, principalmente, pra Nana,
uma criança ainda. Não tive dúvidas:
fugi!

CENA 33. ESTRADA/EXT/NOITE


Flash-back inédito. Fátima dirigindo rapidamente seu
carro. Pelo retrovisor, ela avista o carro de Renato
em perseguição. Ela acelera. Vemos Renato dirigindo
seu veículo, completamente transtornado.
Fátima — (off, gravado) Mas ele veio atrás
de mim. Me perseguiu. Não queria de
maneira nenhuma que eu levasse a
criança! Ele me fechou numa curva e
eu derrapei.
O carro de Renato fecha o de Fátima e ela derrapa,
saindo da estrada e capotando ribanceira abaixo.
Fátima — (off, gravado) Meu carro capotou
várias vezes. A sensação de
desespero por não poder salvar minha
filha era maior que tudo. Tinha
fraturado o fêmur e um braço. Com a
Nana, milagrosamente, nem um
arranhão.

CENA 34. ATUAL CASA DE NANA. SALA/INT/DIA


Flash-back inédito. Fátima, recomposta do acidente,
passa, com pesar, Nana para os braços de Marta que
cuida da criança de maneira carinhosíssima.
Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 24

Fátima — (off, gravado) Fomos ajudadas pela


Marta, uma mulher que não pôde ter
filhos. Minha situação na época era
totalmente incerta financeiramente.
Vivia quase que da ajuda de amigos
que não eram muitos. Hoje eu me
arrependo, mas na época eu era muito
jovem, inexperiente, entreguei a
menina pra adoção da Marta, sem
pestanejar.

CENA 35. C. PEDRO II. 2º ANDAR/INT/DIA


Fátima termina seu depoimento a Marcello.
Fátima — Depois disso o Renato nunca mais
tinha aparecido. Só agora tá
voltando pra exigir a guarda da
garota.
Marcello — Só isso? Tem certeza?
Fátima — (fita-o) Claro.
Marcello — Escuta o que eu vou dizer, porque
eu só vou falar uma vez. Detesto
repetir!
Marcello com uma expressão maquiavélica.

CENA 36. C. PEDRO II. SALA DOS SERVENTES/INT/DIA


Isaura põe a roupa com que veio da rua dentro do
armário. Traja a fardinha habitual dos serventes. Está
contentíssima, quase chorando. Nana e Felipe observam
este momento.
Isaura — Ai, Nana, Felipe, eu não sei nem
como agradecer a vocês.
Nana — Nem precisa, Isaura! Saber que
você recuperou a dignidade, já é
gratificante. Salvamos uma vida!
Isaura — É muito bom ter meu trabalho de
volta. Vou me dedicar o mais que eu
puder.
Felipe — O poder da fraternidade venceu o
poder da opressão. Muito bem, dona
Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 25

Isaura! Prazer tê-la de volta. Seja


bem-vinda!
Isaura — Brigada! Ah, ia esquecendo. Amanhã
vai ter um churrasco lá em casa.
Aniversário de dois anos de uma
afilhada. Vocês querem ir? Podem
levar o Júlio e a Taís também.
Entreolham-se.
Nana — Vamos, sim. Já pode ir esquentando
nosso pedacinho de costela!

CENA 37. CASA DE ISAURA. QUINTAL/EXT/DIA


Dia seguinte. Uma banda com pandeiros, tambores,
cavaquinhos, tocando sambinhas populares. A música já
começou no final da cena precedente. Belas mulheres
dançando, junto a alguns homens. Clima festivo. Um
homem, na pequena churrasqueira, torrando carnes e
lingüiças. As pessoas distribuídas em algumas mesas.
Nana, Felipe, Taís e Júlio sentados, tomando
refrigerante. Num prato, generosos pedaços de carne.
Beliscam de vez em quando. Nana, carinhosa, pega um
desses pedaços, colocando dentro da boca de Felipe.
Nana — Gostoso?
Felipe — De você! Tudo é gostoso!
Dá um selinho em seus lábios. Ambos felizes. Taís vira
o rosto, falando para Júlio:
Taís — Virei a castiçal-mor da parada!
Júlio — Esqueceu que não tá falando
comigo?
Taís — Esqueci não. Não tô falando com
você. Me esquece, Júlio! Vai pentear
urubu até ficar branco!
Neste momento, Isaura aproxima-se com um copo de
refrigerante na mão, sorrindo.
Isaura — E aí? Tão gostando? Querem mais
alguma coisa?
Nana — Tá ótimo, Isaura.
Júlio — Muito massa. A gente tá adorando.
Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 26

Isaura — Se vocês quiser que “Os Horríveis”


cante alguma música, é só pedir.
Taís — (rindo) Como é, Isaura?
Felipe — É o nome do grupo?
Isaura - É. “Os Horríveis”. Do meu cunhado.
Louco de pedra!
Eles riem.

CENA 38. CASA DE WALDIR. SALA/INT/DIA


Fátima senta-se numa cadeira. Observa o local:
praticamente uma ruína. Bagunça generalizada. Waldir
(34) senta na parte não rasgada do sofá.
Fátima — Fui informada que você faz certos
tipos de serviço.
Waldir — E muito bem.
Fátima — Eu queria que o senhor
assassinasse uma pessoa da maneira
mais dolorosa possível.
Tira da bolsa uma foto de Renato. Entrega-lhe o
retrato.
Fátima — É o Renato. Mas tem que ser
bastante discreto. Se possível,
incinere o corpo ao final. Não quero
deixar nenhum vestígio.
Waldir — Tô sacando. É só a dona ter
paciência que vai tá com o presunto
nas mão antes do fim da semana.
Fátima — Eficiência. Isso que eu gosto.
Olha: preciso também que o senhor
faça outro servicinho pra mim. Não
se preocupe. Vou saber te
recompensar do jeito que você
merece!

CENA 39. OFICINA/INT/DIA


Vários carros sendo consertados. Alencar andando por
entre os carros até chegar no seu. Revelando apenas
metade do corpo, um mecânico ainda faz alguns ajustes.
Alencar — (batendo no carro) Oi. Senhor!
Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 27

O mecânico arrasta a prancha onde estava deitado e


mostra seu rosto sujo de graxa. É Waldir. Levanta-se,
limpando a mão na flanela.
Waldir — Tudo bem?
Alencar — Eu que pergunto. Tudo bem aí com o
carro? Me disseram que eu já podia
vir pegar!
Waldir — Tá ajeitado. É que, como é pro
senhor, o seu Chico me mandou dá
mais uma geral. Pra sair nos
trinques.
Alencar — Ah, muito obrigado. Onde é que eu
pego a chave?
Waldir — Comigo.
Corta rápido para:

CENA 40. GRANDE AVENIDA/EXT/DIA


Alencar dirigindo a toda. Testa o motor do veículo.
Aproxima-se um sinal vermelho. Ele pisa no freio, mas
este não responde. Alencar desespera-se. Pisa várias
vezes no freio e este continua sem responder. Ele
passa veloz no cruzamento. Um outro carro, também
bastante rápido, atinge-lhe a lateral. Grande batida.
O carro de Alencar pára após atingir um muro. Lá
dentro, ele está ensangüentado, com o rosto cortado,
desacordado.

CENA 41. C. PEDRO II. 2º ANDAR/INT/DIA


Juliana atravessando o corredor. Fátima, em sua mesa,
chama-a. Ela aproxima-se.
Fátima — Marcello me pediu um favor...
Juliana — Desde quando a senhora atende
favor do Marcello? Será que eu perdi
algum capítulo? Porque até onde eu
sabia vocês eram meio que inimigos
número um.
Fátima — As coisas mudam, minha querida. Os
melhores amigos um dia foram ou
ainda serão nossos piores inimigos.
Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 28

Ela abre a gaveta da mesa e tira dois boletins.


Fátima — Te chamei pra mostrar isso aqui.
São dois boletins. Todos dois seus.
Aliás, um dos dois pode ser seu. Só
depende da sua boa vontade!
Juliana — (olha de longe, não pega) Um de
notas boas... e o outro de notas
muito ruins. As notas boas não são
minhas, esse boletim tá errado.
Fátima — Errado? Não. Tá certíssimo. É esse
o seu futuro ao lado do Marcello,
Juliana: notas ótimas, excelentes,
as melhores da classe. O futuro sem
ele é recuperação. Depois uma
reprovação “com louvor” em
matemática, física e geografia. Você
tá sendo privilegiada, Juliana. Uma
das poucas pessoas que podem
escolher o futuro. Use sua sensatez!

CENA 42. C. PEDRO II. QUADRA DE ESPORTES/INT/DIA


Juliana sentada na arquibancada, chama Marcello com a
mão. Ele pede licença aos colegas que continuam
jogando basquete. Vai ao encontro dela.
Marcello — (amoroso) Meu amor, você.../
Ela dá um tapa nele. Ele leva a mão ao lugar da
pancada.
Juliana — (dedo indicador) ...Vim pra te
dizer que eu não tô à venda. Não
adianta chantagear de novo a
coordenadora pra fazer ela mudar
minha nota. Eu não vou voltar pra
você, Marcello. Acabou! Cai na real!
Ela se levanta e sai, colérica.

CENA 43. C. PEDRO II. 2º ANDAR/INT/DIA


Fátima, de pé, tentando controlar uma massa de
estudantes nervosos. Nana e Taís infiltram-se no
grupo.
Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 29

Fátima — Calma, pessoal. Não é nada certo


ainda. Eu vou confirmar.
Nana — O que foi que aconteceu, Fátima?
Fátima — Alencar sofreu um acidente de
carro ontem. Tá rolando um boato de
que ele foi internado num hospital
em estado gravíssimo.
Reação de Nana.

CENA 44. C. PEDRO II. 3º ANDAR/INT/DIA


Juliana e Felipe sentados.
Felipe — Você fez muito mal, Juliana!
Juliana — Queria que eu fizesse o quê,
Felipe? Aceitasse? Pirou?!
Felipe — Aceita!
Juliana — Felipe! Eu não tô acreditando no
que eu tô ouvindo. Deve ser
alucinação! Eu devo estar tomando
muito comprimido pra curar insônia!
Felipe — Pelo menos, você fica de
informante. Pra dizer qual os
próximos passos do Marcello. A gente
só vai conseguir dar um basta nessas
coisas absurdas dele se souber o que
ele planeja.
Juliana — Não dá, Felipe. Nem assim por uma
causa... nobre.
Felipe — Por favor! Aceita!

CENA 45. RUA DO COLÉGIO PEDRO II/EXT/DIA


Nana e Taís entram num táxi, aflitas. Felipe despede-
se delas e o carro parte, em disparada. Ao virar-se,
Felipe esbarra em Marcello que lhe lança um olhar
inquisidor.
Felipe — (destemido) Sai da frente que eu
quero passar.
Marcello — (ri) Quem te comanda agora sou eu,
Felipe.
Felipe — Como é que é?
Caminhando Contra o Vento Capítulo 3 Pág.: 30

Marcello — Eu descobri que a Nana é adotada.


Ela não sabe disso. Nem pode saber.
E a mãe biológica dela é a Fátima.
Se você não quiser que eu estrague a
vida da sua namorada, é só começar a
fazer o que eu mandar!
Reação de Felipe.

FIM (cap. 3)
as/15 maio 04/fort

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