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Por:
Paula Calvo
Investigadora da Cátedra Fundação Affinity Animais e Saúde
Jonathan Bowen
Investigador da Cátedra Fundação Affinity Animais e Saúde
1. Introdução, justificação e objetivos do estudo:
Em muitas ocasiões foi sugerido que o vínculo que uma pessoa consegue estabelecer com um gato é menos
intenso e, em todos os casos, menos emocional do que o estabelecido com um cão. Contudo, não existem
estudos rigorosos sobre a nossa relação com os gatos, nem no nosso país nem noutros.
Portanto, após dedicarmos os últimos 3 anos ao estudo da relação entre as pessoas e os seus cães, decidimos
agora focar a nossa atenção no gato.
Para estudar a nossa relação com o gato, aplicámos a teoria do intercâmbio social, que nos proporcionou
bons resultados no estudo do vínculo entre as pessoas e os cães. De acordo com esta teoria, a relação com
um animal pode ser dividida em três dimensões: a interação, o vínculo emocional e o custo percebido.
A dimensão da interação descreve a forma como nos relacionamos com o nosso gato. Por exemplo, se o
acariciamos mais ou menos, se brincamos mais ou menos ou se lhe compramos presentes.
O vínculo emocional reflete o valor que a convivência com o gato tem para nós do ponto de vista afetivo.
Por exemplo, se nos ajuda a superar momentos difíceis ou se nos sentimos mal quando estamos
separados do gato.
Por último, a dimensão do custo percebido mede o impacto que a convivência com o gato implica, não só do
ponto de vista económico, como também da qualidade de vida. Por exemplo, cuidar do nosso gato pode, por
vezes, obrigar-nos a alterar os nossos planos ou a deixar de fazer atividades de que gostamos, como viajar.
As três dimensões que acabámos de descrever podem ser quantificadas através deuma escala ou questionário
de medição denominada CORS (cat owner relationship scale), que foi previamente validada em colaboração
com especialistas das universidades de Londres e de La Trobe (Austrália).
Depois de validada, a escala de medição foi aplicada numa amostra representativa de donos de gatos da
população espanhola. Foram entrevistados 347 donos de gato, representativos da população ao nível de
aspetos como o género, a idade, o agregado familiar e o estado socioeconómico.
A nossa interpretação:
• A principal conclusão que podemos retirar dos dados anteriores é que a relação entre as
pessoas e os seus gatos é muito próxima e com uma forte componente afetiva. Esta evidência
contrasta com a perceção, muito alargada, de que a relação com os gatos é distante.
Neste sentido, os resultados que obtivemos na dimensão emocional são perfeitamente comparáveis aos
que observámos quando analisámos a relação entre as pessoas e os cães.
• Uma grande maioria de donos aprecia e valoriza positivamente a individualidade e o caráter
independente do seu gato. Este dado poderá sugerir diferenças na personalidade dos donos de
gatos em relação aos de cães. Neste sentido, um estudo realizado nos EUA em 2014 assinalou que
os donos de gatos são, em geral, mais inconformistas que os de cães.
• Conviver com um gato enriquece a nossa rede social e é uma fonte de apoio emocional muito
importante em momentos de dificuldade. Para a maioria dos donos, o seu gato é um amigo e um
confidente, em quem podem confiar coisas que não partilhariam com mais ninguém. Tal como com
o cão, conviver com um gato enriquece a nossa rede social e ajuda-nos a superar situações de
stresse ou dificuldade.
• Um em cada dois donos considera que manter o seu gato não é barato. Contudo, a nossa análise
indica que esta perceção fica em segundo plano, atrás dos aspetos positivos do vínculo. Resumindo,
cuidar de alguém, seja uma pessoa ou um animal, implica um esforço, e ter consciência disso não
implica de todo que o balanço geral da relação seja negativo.
35% 65%
Grupo 2 Grupo 1
O primeiro grupo representa 65% dos donos e é caracterizado por uma relação intensa, tanto ao nível da
interação como do vínculo emocional (Fig. 2).
O segundo grupo inclui os 35% dos restantes donos e reflete uma relação menos próxima do ponto de vista
emocional (Fig. 2).
60
50
40
30
20
10
Grupo 1
Grupo 2 0
Tabela 1. Comparação entre os resultados obtidos em cada um dos dois grupos de relação.
Grupo 1 Grupo 2
A nossa interpretação:
• Os resultados obtidos permitem-nos afirmar que existem 2 grupos distintos de donos de acordo
com a relação que têm com os seus gatos. Por outras palavras, qualquer dono de gato em Espanha
pode pertencer a um destes dois grandes grupos de relação.
• Podemos afirmar que a dimensão emocional é a que mais pesa no momento de alocar uma pessoa
no primeiro ou no segundo grupo de relação.
• A nossa análise por grupos desmitifica a imagem estereotipada que frequentemente se tem de o
dono de um gato ser uma pessoa que gosta do seu animal de companhia, mas que mantém uma
certa distância emocional.
De certo modo, o grupo 2 de donos corresponderia a este perfil. No entanto, apenas corresponde a
35% da população. Os outros 65% correspondem a um dono que vive a relação com o seu gato de
forma muito intensa do ponto de vista afetivo.
E o mais interessante é que o faz sem deixar de admirar a personalidade e o caráter independente do
seu gato.
Grupo 2 Grupo 1
Mulher 2x
es
A nossa interpretação:
• As mulheres mostram uma tendência maior para desenvolver relações muito próximas com os
seus gatos, tendo os aspetos emocionais muito protagonismo.
• Os casais sem filhos parecem desenvolver uma relação mais intensa com o seu gato do que os
casais que dedicam uma grande parte do seu tempo a cuidar dos seus filhos.
• Os gatos mais sociáveis poderão facilitar o estabelecimento de relações mais próximas, tanto do
ponto de vista da interação como do emocional. É importante destacar que no nosso estudo
falamos sempre da sociabilidade do gato percebida pelo dono, que poderá ter uma opinião
subjetiva.
Os gatos do grupo 2 são menos sociáveis ou simplesmente não correspondem às perspetivas dos
seus donos? Esta pergunta requer uma investigação mais profunda, para que possamos avaliar a
sociabilidade real do gato com maior precisão.
• Os gatos que foram comprados em lojas ou recebidos como prenda têm maior probabilidade de
estar no grupo 2 de relação. Este resultado, na nossa opinião, reforça a ideia tantas vezes repetida
de que um gato é um ser vivo, cuja aquisição deve ser precedida de uma reflexão profunda por
parte dos seus futuros donos.
• A vasta maioria de donos espanhóis estabelece um forte vínculo afetivo com o seu gato.
• Existem dois perfis globais de relação com o gato. Um é caracterizado por um forte componente
emocional e outro é mais pragmático, assemelhando-se ao estereótipo existente sobre a pessoa
que convive com um gato.
• Este é o primeiro estudo populacional realizado em todo o mundo sobre a relação que existe
entre as pessoas e os gatos.