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A IMORTAL

POR

ABU REI

Baseado no conto "O Imortal" de Jorge Luis Borges


1 EXT. DIA RUA

MARIA - 34 anos,magra , com roupas surradas mas ainda limpas,


o semblante sereno e potente, apesar de surrado. Maria segue
por baixo do viaduto garimpando, rasga com os dentes uma
folha de papel e mastiga, em seguida recita um trecho de um
poema

MARIA
Acorrentados pela escravidão

Vivíamos na solidão

Sonhavam conquistar a alforria, dia a


dia

Sendo assim vítimas da covardia.

Segura um livro na outra mão como título Poemas Ancestrais.


Morde outro pedaço continua caminhando e recita outra parte
do poema.

MARIA
Foram quinhentos anos de exploração

Em uma vida sem opção

Em minas de carvão e campos de


algodão.

Pessoas residentes ali daquele lugar, a observam passar


carregando uma caixinha de som amarrada, um acessório
peculiar. Como se tivesse saído de um transe, Maria diz em um
tom irônico.

MARIA
Inicio meu trabalho pelas ricas minas
pretas da cidade.

2 EXT. DIA VIADUTO 1

Maria encontra um telefone antigo em um saco de lixo e


pendura na sua roupa andando em devaneio.

MARIA
Estou há anos só andando para frente,
sem retornar um passo, caminhava em
busca da sabedoria desperdiçada, que
dava em Minas Negras, e em cada uma
delas, uma peça importante para minhas
ideias.

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2.

Num garimpo Grande MARIA ouve umsom de mastigação muito


diferente, é um saco de lixo, um Saco de lixo filosófico que
está se alimentando da mesma energia que MARIA. O saco de
lixo tem um laço em formato de lenço que dava a personalidade
para aquela criatura encantada. MARIA se aproxima do Saco de
lixo que diz.

SACO DE LIXO
Se este laço desatar, a sabedoria
imensa irá te fazer uma visita e nunca
mais será a mesma pessoa. Uma vontade
imensa ira te subtrair os dias, tudo o
que já conhece se fará obsoleto, e só
a chegada ao final do horizonte
satisfará sua sede de saber a cada
dia.

Maria dá um salto para trás ao ouvir aquela voz suave e


tenebrosa, sedutora e aterrorizante. Com o susto e ofegante
Maria observa aquele fenômeno calada, claramente assustada e
curiosa.Maria se aproxima lentamente e ao final das palavras
Maria se senta e pergunta.

MARIA
Quem é você, bravo apreciador das
palavras.

SACO DE LIXO
Alguns me conhecem como o possuidor da
sabedoria desperdiçada, o contendor
das palavras chaves da vida. Há um
lugar onde todas as respostas estão,
um lugar onde tudo se torna Real, as
vidas se equivalem, as crenças não são
mais mistérios.

Os seres que lá habitam são chamados


de Humanos. Se chegar até lá,
triunfará na sabedoria, encontrará o
silêncio em si, os desejos se tornarão
obsoletos e todos lá têm a mesma
oportunidade.

Maria em um ato de saudação se curva diante do Saco de lixo,


estendendo os braços em posições opostas.

MARIA
É um grande prazer poder de ti, captar
tal sabedoria. Me diga então sábio das
palavras,qual é a saída da agonia dos
seres daqui?

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3.

Onde encontro a paz, o silêncio que a


muito não se faz presente em minha
mente? Onde está esse vazio que tanto
procuro? Por onde começar essa busca
pela sabedoria plena?

Um som de chaves saem de dentro do Saco, esse som continua


dando a imagem de uma chave muito antiga, como se fosse
colocada numa fechadura e então aberta.

Em seguida o som de uma porta rangendo ao se ab rir. Junto


com o som da porta se abrindo, MARIA abre o Saco de Lixo e
uma luz cobre seu rosto. Maria se aproxima curiosa e entra
bem lentamente dentro do ser.

3 INT. DENTRO DA BARRIGA DO SACO

Lá dentro um ambiente escuro, com muitas joias, ouro, objetos


de poder, e bem no fundo sob uma luz um manuscrito. Quando
Maria se aproxima dele se dá conta que está pela metade,
Maria ignora toda riqueza de que já tinha conhecimento e se
aproxima do manuscrito, o apanha nas mãos e sente todo o
poder daquele objeto.

Maria se sente pura, livre, simples,absorvida por um


sentimento que nunca havia tido. Abraça bem forte apertando
no peito e se deita no chão preto das entranhas do Saco.

4 EXT. DIA. VIADUTO 1

Maria desperta com o som de gritos e passos corridos, um


alarme que repetia duas notas e um cheiro de combustível. É o
caminhão de lixo se aproximando, olha para suas mãos e vê o
manuscrito. Com desespero começa a falar bem baixinho.

MARIA
Mestre! Mestre,Cadê você? O que eu
faço com esse conhecimento? Como vou
encontrar o Silêncio que há dentro de
mim?

Os Garis chegam e começam alcançar os sacos para dentro do


caminhão. Maria aflita grita tentando impedir os Garis de
levarem seu Mestre, ela é empurrada ao chão, seu manuscrito
cai em outra direção.

Maria ainda caída o alcança e observa assustada o último saco


ser arremessado e a despedida do caminhão com seu Mestre. Se
enrola em si mesma e adormece.

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4.

5 INT. DENTRO DA BARRIGA DO SACO

Maria desperta dentro da barriga do Saco que surge e diz.

SACO
Me busque dentro de você e no Nada.

Dentro de você.

E em nada.

Sons vão surgindo entre a fala do mestre. (sirenes, trânsito,


buzinas, alarmes, pessoas, a cidade).

MARIA
Mestre,não consigo mais te ouvir
Mestre,pode por favor falar mais alto?

Na medida que o som ia aumentando a vós do Saco ia sumindo.


Uma voz se sobressai dizendo coisas que fizeram Maria olhar
para trás.

6 EXT. DIA. VIADUTO 1

Maria desperta e vê as costas de um homem estranho, sentado


aos seus pés fazendo um discurso para algumas pessoas. Esse
homem era NINGUÉM.

NINGUÉM, um jovem de estatura média, com roupas totalmente


estranhas e sujas, olhar de confuso e um palavreado muito
plural, misturando palavras sem sentido em outros idiomas e
palavras inventadas. Ninguém ainda sentado, se vira e diz.

NINGUÉM
Eu vi quando o Oráculo dos Deuses a
chamou, ela de prontidão se aproximou
dele e foi engolida para as entranhas
da sabedoria.

Vi e aqui permaneci para servi-la para


todo o sempre.

Paparatudelimbus,estustriofocus,
dataladareira, piugugismo itaiaiano,
caratobalis frecinus.

Eu vi. Eu vi.

Eu vi quando a sabedoria a escolheu,


eu queria que fosse eu.

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5.

Eu a vi e vou segui-la para sempre...

MARIA se levanta, se ajeita e olha para NINGUÉM que a olha


encantado e se apresenta.

NINGUÉM
Eu sou NINGUÉM, eu vi quando ele a
chamou, estava esperando por esse
momento.

Maria seagacha e o observa curiosa.

NINGUÉM
Eu vi quando ele a chamou, a sabedoria
escolheu você.

Quando ele te convidou para entrar eu


te segui até lá dentro, e quando me
dei conta estava aqui do lado de fora
de novo.

Acordei aos seus pés, sou seu súdito.

Terminando a apresentação,NINGUÉM faz uma reverência para


Maria que o olhava, estranha, mas paciente para ouvir toda
loucura que sai da boca de NINGUÉM. MARIA pega nos ombros de
NINGUÉM o levanta, se vira e segue agora com NINGUÉM como seu
súdito que a seguia soltando palavras sem sentido e às vezes
dançando.

7 EXT. DIA. VIADUTO 2

Maria segue no garimpo com NINGUÉM a observando com muita


admiração. Para numa montanha de lixo e ali encontra uma
tábua de carne, amarra na roupa, se senta encostada em uma
pilastra para tentar dormir. Se irrita cada vez mais com
NINGUÉM até que o Interrompe e pede silêncio.

NINGUÉM
Eu fui o escolhido, fui escolhido para
acompanhar a voz da verdade. Tudo que
se ouve dela é o silêncio.

MARIA, irritada, pede silêncio (“SSSSHHHH!!”) e NINGUÉM segue


cochichando sozinho nocanto.

NINGUÉM
...eu vi quando ela foi abduzida, eu
também fui.

Fomos parar dentro das entranhas da sabedoria, ela trouxe o

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6.

silêncio para ela e eu para profetizar a minha fé...

A voz de NINGUÉM vem surgindo da tela preta e subindo


conforme a imagem de MARIA dormindo vem surgindo.

Um som de tiro desperta MARIA que se levanta rápido e olha


para a direção de onde veio o som. No chão está NINGUÉM,
imóvel, calado, atrás de NINGUÉM algumas pessoas correndo, o
som da cidade fica ensurdecedor.

Maria segue na direção do corpo de NINGUÉM e olha fixamente


para ele, passa por cima do corpo, se vira e faz um gesto
mandando NINGUÉM para outro lugar.

Quando MARIA segue em frente o corpo de NINGUÉM não está mais


lá.

8 EXT. ENTARDECER. RUA

Maria segue e para numa esquina que tem alguns sacos de lixo
acumulados e encontra dentro de um dos sacos um crucifixo
grande de madeira, ela pega o crucifixo olha para a imagem e
o coloca no pescoço com várias voltas.

Maria segue caminhando e garimpando em direção a um depósito


de lixo.

9 EXT. NOITE. LIXÃO

Entrando no depósito Maria vê seu Mestre que está imóvel e


com uma aparência feia e suja.

Ao chegar bem próximo MARIA olha fixamente para João, se


senta ao seu lado, observando as pessoas que ali como ela
nada tinham além da própria vida e diz:

MARIA
Agora eu entendi.

É aqui.

O lugar onde todos somos iguais.

FIM

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