Você está na página 1de 57

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E TECNOLOGIAS DO PARÁ

PLANO NACIONAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA


CAMPUS RURAL DE MARABÁ
CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO

MARIA CLERISMAR PEREIRA DA SILVA

VALORIZANDO A CULTURA DOS GUARANI DA ALDEIA NOVA JACUNDÁ


ATRAVÉS DOS PROJETOS CULTURAIS NA ESCOLA KARAI GUAXU.

Marabá – Pará
Fevereiro de 2023
MARIA CLERISMAR PEREIRA DA SILVA

Trabalho de conclusão de curso


VALORIZANDO A CULTURA DOS GUARANI DA ALDEIA NOVA JACUNDÁ de
apresentado, Instituto Federal
Educação, Ciências e Tecnologias do Pará
ATRAVÉS DOS PROJETOS CULTURAIS
- IFPANA ESCOLA
Campus KARAI
Rural de GUAXU.
Marabá como
requisito de obtenção de grau em
Licenciada Plena em Educação do campo.

Orientador Prof.ª Dr. º. Ribamar Ribeiro


Junior

Marabá – Pará
Fevereiro de 2023
MARIA CLERISMAR PEREIRA DA SILVA

VALORIZANDO A CULTURA DOS GUARANI DA ALDEIA NOVA JACUNDÁ


ATRAVÉS DOS PROJETOS CULTURAIS NA ESCOLA KARAI GUAXU.

Trabalho de conclusão de curso


apresentado, Instituto Federal de
Educação, Ciências e Tecnologias do
Pará - IFPA Campus Rural de Marabá
como requisito de obtenção de grau em
Licenciada Plena em Educação do
Campo.
Data da defesa:17/02/2023

Nota:

______________________________________________
Dr. Ribamar Ribeiro Junior (IFPA/CRMB)
Orientador

Dra. Tatiane de Cássia da Costa Malheiro


______________________________________________
Membro Interno

Me. Genilson Sousa dos Santos


______________________________________________
Membro Externo
RESUMO:

O presente trabalho tem por objetivo principal apresentar os processos de


valorização da cultura Guarani por meio das atividades e ações desenvolvidas na
Escola Karai Guaxu, e assim estabelecer um contraponto ao senso comum acerca
do que se é pensado sobre os povos indígenas, onde se imagina e se verbaliza que
a cultura indígena é inferior, descartando os elementos tradicionais de cada
comunidade no processo de ensino aprendizagem, utilizando-se de uma educação
assimilativa, vindo apenas de uma perspectiva do homem branco. Tal contraponto é
fundamentado a partir de experiências vividas com a aldeia Nova Jacundá,
localizada no Pará, a partir de projetos escolares e, se baseia também em pesquisas
bibliográficas, na qual faz compreender os processos sócio-históricos e territoriais
vividos pela comunidade indígena. Para tanto, os resultados das análises
bibliográficas e das experiências vividas demonstram que o processo de contato com
os povos indígenas precisa ser sempre dialógico, horizontal e multicultural,
respeitando suas diversidades e história, promovendo junto à comunidade
compreendida por estes povos como não indígenas, uma desmistificação da figura
do “índio” como “selvagem”, para pessoa com diferenças culturais, o que
consequentemente leva à preservação e demarcação de terras indígenas e
ampliação dos direitos básicos de cada cidadão brasileiro.

Palavras-chave: Educação Escolar Indígena; Guarani; Interculturalidade.


AGRADECIMENTOS

Dedico este trabalho primeiramente a Deus, por ter me permitir ultrapassar


todos os obstáculos que surgiram ao longo do curso, pois sem Ele nada seria
possível.
À minha família que nos momentos necessários foram auxílio financeiro, além
de terem me incentivado nos momentos difíceis enquanto eu me dedicava na
realização deste sonho que é ter uma graduação em uma instituição federal, em
especial aos meus sobrinhos Davi e Ingrid que sempre se dispuseram a me ajudar,
onde participaram, com talentos artísticos, carinho e acolhimento nas residências
pedagógicas e também me ajudaram a atravessar esse momento do TCC com mais
gás e dedicação.
Aos professores pela contínua motivação e ensinamentos que me fizeram ter
novos conhecimentos e uma visão mais aguçada sobre educação e processos de
aprendizagem, que consequentemente me fez apresentar um melhor desempenho
no meu processo de formação profissional e pessoal. Sou grata também aos colegas
de curso com os quais compartilhei bons momentos e grandes desafios, além de
novas experiências e descobertas.
Agradeço ao meu orientador pela paciência e pelas contribuições que ao longo
dessa trajetória pude obter.
Agradeço carinhosamente todo o apoio e as contribuições dadas pelo meu
orientador, professor Dr. Ribamar Ribeiro Junior, que também coordena o Grupo de
Pesquisa Territórios Indígenas e Etnoenvolvimento (GPTIE) pela valiosa orientação.
Agradeço ao povo Guarani da Aldeia Nova Jacundá que me permitiram
elaborar este trabalho acerca do processo histórico deles. Através desse povo
indígena foi possível conhecer uma nova cultura riquíssima com grandes
ensinamentos que levarei para a vida profissional e pessoal. Meu muito obrigada!
A tarefa não é tanto ver aquilo que
ninguém viu, mas pensar o que ninguém
ainda pensou sobre aquilo que todo mundo
vê.”
Arthur Schopenhauer
6

Sumário
1 introdução......................................................................................................... 8
2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO POVO GUARANI – A busca pela
terra sem males ..................................................................................................... 10
2.2 Os Guarani Mbyá do Norte e a Terra Indígena de Nova Jacundá. ................... 13
3. CAPÍTULO 2: VivÊncias experienciadas na Escola Karai Guaxu ................. 18
4. CAPÍTULO 3: Educação Escolar Indígena e os desafios da Educação
Guarani 30
4.1 Projetos desenvolvidos na escola Karaí Guaxú. ............................................... 31
4.2 Intercâmbio cultural. ....................................................................................... 34
4.3 Partilha de sabres com o tema: Resíduos e Recicláveis ................................... 37
4.4 Relatos de experiência dos professores da escola Karaí Guaxú. ..................... 39
4.5 Infraestrutura, recursos humanos, espaço físico e organização do ensino escolar
da Escola Karaí Guaxu. .......................................................................................... 48
4.6 Modalidades de ensino e recursos humanos .................................................... 50
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 52
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 54
7
8

1 INTRODUÇÃO

O tema debruça sobre os olhares atentos as observações referentes a


valorização da cultura dos Guarani da aldeia nova Jacundá através dos projetos
culturais desenvolvidos na escola Karai Guaxu, onde a relação que anteriormente
era de observação (como já foi dito), veio a ser dialógica, primeiro por estabelecer
um olhar crítico sobre como essa comunidade tem sido tratada pelo Estado e outras
esferas de poder, segundo por levar a comunidade, isto é, os indígenas, para
contribuir com a construção da educação na aldeia.
A escola Municipal Ensino Fundamental Karaí Guaxu, está localizada na
Terra Indígena Nova Jacundá há sessenta quilômetros da cidade de Jacundá Pará,
onde tem como entidade mantenedora a Prefeitura Municipal de Jacundá.
`Importante ressaltar que a conquista desta terra que foi destinada para 30 famílias
Guarani, foi uma articulação do Centro de Trabalho Indígena (CTI).
A escola atende toda a educação básica - educação infantil, ensino
fundamental de nove anos e 1º ao 3º ano do ensino médio. A pesquisa parte da
seguinte problemática: De que forma a escola indígena Karaí Guaxu, tem
desenvolvido a cultura, o artesanato e a educação no contexto da comunidade e na
vida dos educandos? Sendo assim a pesquisa pretende apresentar de que forma a
escola tem promovido a revitalização cultural dos saberes deste do seu povo.
O trabalho tem como relevância dar visibilidade a importância da educação
escolar indígena intercalada a educação das tradições indígenas, onde a primeira
traduz os conhecimentos convencionais e a segunda os conhecimentos tradicionais.
Através das entrevistas, as vozes da comunidade foram ouvidas, e partir delas
projetos foram desenvolvidos, além é claro das solicitações feitas ao poder público
para melhorar a qualidade do ensino.
Ao fim, é evocado também o relato de experiência da autora do trabalho,
trazendo consigo exemplos e descrições mais detalhadas e subjetivas das dinâmicas
relacionais e institucionais envolvidas no processo de ensino e aprendizagem na
aldeia indígena.
9

1.1 METODOLOGIA DA PESQUISA

Este trabalho tem o objetivo de estabelecer um contraste com o senso


comum sobre o pensamento dos povos indígenas, através de projetos escolares na
aldeia Nova Jacundá, de modo que a melhor maneira de possibilitar análise das
informações se encontra na pesquisa qualitativa dos dados, através de pesquisas
em acervos bibliográficos, artigos, entrevistas e relatos de caso (s). No trabalho é
notório a presença de contextos históricos, promovendo um contraste com os dias
atuais e dando ainda mais voz para os povos indígenas e os projetos realizados na
escola indígena Karaí Guaxu.
Para Neves (1996) a pesquisa qualitativa consiste na aferição dos dados
observacionalmente, onde tal observação se encontra no ambiente natural do objeto
de estudo, focando na identificação e descrição do fenômeno e quais contingências
são moduladoras daquilo que é observado.
Sendo assim, a pesquisa parte primeiro da leitura de textos que já relatam a
história do povo indígena, perseguindo tais textos e contextos até que se
aproximassem aos povos originários na região sudeste do Pará, de modo que
através desse levantamento bibliográfico foi possível compreender melhor as
relações étnicas e a cultura indígena. Após o levantamento bibliográfico, foi realizado
também uma revisão de vários autores que no decorrer dos textos são citados. Com
relação às entrevistas, foram importantes para compreender os signos envolvidos na
vivência indígena e quais são os impactos dos projetos, escolas e dos desafios
educacionais em aldeias indígenas.
A metodologia das observações se baseou em uma estratégia qualitativa
através de pesquisa de campo por meio de entrevistas descritivas com os (as)
anciões (ãs) da comunidade, jovens e o corpo docente da escola, observando como
se desenvolve os trabalhos educacionais tendo como referência a cultura e os
saberes tradicionais da comunidade. Partes dos relatos que estão neste trabalho,
foram selecionados a partir da pesquisa do diagnóstico socioeducacional da escola
como parte integrante das atividades do Tempo Comunidade do curso.
Para finalização dessas inferências e estudos, acrescentei as minhas
experiências e vivências na educação escolar indígena e no desenvolvimento de
projetos escolares de valorização da cultura indígena na escola Karaí Guaxu.
10

2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO POVO GUARANI – A BUSCA PELA


TERRA SEM MALES

2.1 OS GUARANI

Após a guerra do Paraguai, ao final do século XIX, quando os povos indígenas


habitantes, das regiões fronteiriça com o Brasil- Guaná, Kadiwéu, Paiaguiá, Guató,
entre outros – eram deslocados de seus territórios de ocupação tradicional pelo
estabelecimento de ex-combatentes procedentes de diferentes regiões do Brasil, um
grande grupo Guarani, formados por três núcleos familiares deixou suas aldeias no
Paraguai e tecendo uma rota migratória inédita, com relação aos registos históricos
e etnográficos, atravessou a região Centro do Brasil, rumo ao Norte, em direção ao
mar de Belém. É importante ressaltar que existiu ali uma presença do fato
cosmológico para essa peregrinação, onde concomitante a pressão política través
do aparelho do Estado, o exército, provocou o deslocamento desses povos (Ladeira,
2006). O relato a seguir representa o lado místico religioso dessa trajetória:
“Antigamente nós passávamos em grandes cidades (...) Passávamos pelas
cidades e ficamos nos matos. Nossos antigos avós que eram os pajés
tiveram uma revelação que eram para gente atravessar Paraguaxu (mar).
Então, Nhandehu (nossos Deus) abriram esse caminho, eles abriram o
caminho para nós passarmos para o outro lado, yvy marâey (terra sem mal)
e em todos os lugares que eles paravam, eles plantavam, eles plantavam
avaxi (milho), manduí (Amendoim), jety (batata doce). E eles andavam pelos
matos, caçavam e pescava... Eles andaram muito, e nessa época
conseguiram chegar no amba (lugar sagrado) de Tupã, em Belém. (D.
Benedita, Aldeia Nova Jacundá – PA, 2004).

Conforme seu Raimundo, as famílias Guarani que vivem na região Amazônica


(Pará, Tocantins e Maranhão) são descendentes do grande grupo liderado pelo
“capitão” Manoel Rodrigues. Segundo Ladeira (2006), após a morte de Manoel
Rodrigues, em maio de 1966, os grupos familiares se dispersaram pela região, cada
grupo procurando a sua sorte, porém bastantemente similar. Depois de um século
na região, os Guarani ainda não haviam se fixado num local “próprio”. Formavam
suas aldeias em terras particulares, para quem trabalhavam temporariamente, ou em
terras indígenas de outros povos para quem também trabalhavam. Dessas relações
e formas de vida, decorreram uniões com outras etnias.
A postura dos Guarani que viviam na Amazônia em relação ao domínio da terra
era similar à do Guarani do Sul e do Sudeste brasileiro: da terra, bem precioso e vital,
11

que queriam usufruto, mas nunca haviam “brigado” por limites, o que os levou à
crítica situação atual. É importante relembrar que tal postura foi provocada também
pelo Estado, que principalmente a partir da Ditadura Militar, sob o governo autoritário
do General Médici, incorreu com olhos exploratórios sobre a Amazônia, sob o lema
de integrar para não entregar, excluindo e violentando os povos originários que lá já
viviam, o que ao contrário do planejamento, não se finalizou, trazendo nesse
processo mais prejuízos socioambientais que algum bônus, onde tais prejuízos
afetam até os dias atuais (DE SOUZA, 2020). Com o passar do tempo os conflitos
decorrentes das privatizações e formação de grandes latifundiários na região se
acirraram, restando poucas alternativas para os Guarani viverem ao seu modo. Por
não ocuparem uma terra própria, até 1996, os Guarani não eram oficialmente
reconhecidos como povo indígena na região (LADEIRA, 2006).
Além das terras particulares, os guarani viveram no Norte, em terras de outros
povos indígenas, tais como os Guajajara às margens do Rio Pindaré, de onde foram
“expulsos” em 1989, entre os Gavião da terra indígena Mãe Maria – PA (1989-1996),
junto aos Xerente, em Tocantins e com os Karaja em Xambioá, somente em 1996,
com o apoio do Centro de Trabalho Indígena (CTI), os guarani conseguiram formar
a aldeia Nova Jacundá (PA), onde vivem com exclusividade, consolidando essa
ocupação como terra indígena (LADEIRA, 2006).
Presente na área rural pertencente ao município de Rondon do Pará, à 250
km de distância de sua sede, o grupo Guarani-Mbya reside na Terra Indígena (T.I.)
Nova Jacundá, numa área de 488 hectares. É importante ressaltar que o município
que presta ajuda e serviços públicos para a aldeia é Jacundá. Os Guarani-Mbya
iniciaram sua caminhada pelo litoral brasileiro em busca da terra sem mal. Relatos
sugerem que essa migração começou no norte da Argentina ou no sul do Paraguai,
possivelmente de áreas de missão, e se deslocou para o norte do Brasil.Ao longo do
caminho, os Mbyas do Norte evitaram as cidades e montaram acampamentos nas
fazendas, onde trabalharam em média dois anos, economizando dinheiro para
continuar a viagem. “Mas se os agricultores são ‘bons’, trabalham mais horas,
economizam dinheiro para continuar sua jornada, permanecem na mesma fazenda
por cinco anos e estudam a geografia do local durante esse período”. Em suas
trajetórias, os Guarani-Mbya do Norte foram chamados de "colombianos",
"japoneses" ou "paraguaios", mas “mantiveram a língua, os preceitos do jeroviá
12

(modo de crença) e muitos costumes tradicionais, porque da prática da nhembotavy


(se fazer de bobo), em relação às pessoas por onde passam ou permanecem por
um período de tempo (ALENCAR, 2018)
João Guarani, da Aldeia Nova Jacundá, conta, no entanto, que esse processo
de migração e relacionamento com outros povos não fez com que perdessem a
linguagem e a tradição
“Aí então moramos em Bacurizinho (MA). Até então não sabíamos que
éramos índios. Sabíamos que éramos pessoas diferentes dos brancos, mas
não que éramos índios, muito menos que éramos Guarani Mbyá, ou Kaiová.
Mas nós sempre falávamos a nossa linguagem... Eu cantava para outras
crianças, filhos dos brancos, na nossa linguagem, cantava as músicas que
minha avó cantava para eu dormir. E eu ganhava presentes, roupas, alguma
coisa para levar para casa, nossos pais nos contavam de nossas crenças,
tradições e costumes, nossa língua. E eles nos pediam para que nunca
deixássemos os nossos costumes e valores pelas coisas dos brancos(...)”
(João Guarani, Aldeia Nova Jacundá – PA, 2018).

Para o indígena, a terra é mais que um pedaço de chão com a sua grande
sociobiodiversidade, é um ente com vida, espírito, que não pode ser vendido ou
comprado, em cujas entranhas está escrita a gênese guarani enquanto ser humano
e com a qual mantêm um vínculo holístico. É a terra que permite a perpetuação do
seu modo de vida guarani, ela é responsável por sua sobrevivência, é considerada
mãe, irmã, solo sagrado, sem a qual é impossível continuar reproduzindo o seu modo
de vida e existir como povo distinto. O significado da terra para o Guarani139, não é
mensurado por valor monetário, é axiológico; ele não se sente dono da terra, ela não
lhe pertence, ele pertence a ela, interage com a mesma e a considera um ente vivo.
O valor pecúnia passa longe do que se entende por valoração de bens, a significação
é outra; não pode a terra-mãe, irmã, ter um preço para negócio. Como se pode
monetizar o espírito da terra? Para os indígenas, esta terra não é apenas uma
terra de grande sócio biodiversidade, é uma entidade com vida e espírito que não
pode ser vendida ou comprada, e em seu coração está escrito o Guarani como um
ser humano de origem, eles mantêm uma conexão holística. Esta terra permite a
continuidade de seu modo de vida Guarani, é responsável por sua existência e é
considerada mãe, irmã, terra santa sem a qual é impossível continuar reproduzindo
seu modo de vida e como povo único existência. Da terra para o Guarani não se
mede em valor monetário, mas axiológico; ele não se sente dono da terra, ela não
lhe pertence, ele pertence a ela, ele interage com ela e a considera uma biologia. O
valor monetário está longe do entendimento da valorização da mercadoria, e tem
13

significados diferentes; a Mãe Terra, irmãs, não deve ter um preço para fazer
negócios. Como o espírito da terra se manifesta? Como o Guarani poderia ser seu
dono se não o tivesse criado? A terra pertence ao Deus que a criou, ele a possui. O
espírito da terra é livre, assim como os próprios guaranis. A coexistência dos dois
baseia-se no princípio de transcender os interesses pessoais, transcendendo e
abarcando o âmbito da sociedade, da política, da economia e da própria cultura. Para
os guaranis, o mundo físico faz parte de uma rede interconectada, com vínculos que
unem o mundo natural, o sobrenatural e a organização social. Desta forma, pessoas,
plantas, animais e deuses interagem. O raciocínio do povo Guarani é a de que se
respeitar a natureza e dela retirar somente o que precisa vai ter no dia de amanhã o
mesmo que teve hoje (MACHADO, 2018).

2.2 OS GUARANI MBYÁ DO NORTE E A TERRA INDÍGENA DE NOVA JACUNDÁ.

IMAGEM 1: Aldeia Nova Jacundá

Acervo: Edimar Guarani

As referências sobre o território tradicional, historicamente ocupado pelos


Guarani, que se estende por parte da Argentina, Paraguai, Bolívia e Brasil, os
Guarani ocupam hoje apenas pequenas ilhas. Seu território, a terra em que se pisa,
é um tekoha, o lugar físico, o espaço geográfico onde estão os guarani, onde
transitam e onde existem e re-existem. Esses povos mantêm tradições muito antigas,
que renovam em seu cotidiano por meio de mitos e rituais. (POMPA, 1998).
14

Ortiz e Machado (2019), falam sobre o processo histórico dos Guarani e seus
deslocamento de região a região em busca de uma terra sem mal, para que eles
pudessem e tivessem meio de viver e sobreviver da própria terra, por conta dessa
busca houve uma separação entre os guaranis, onde alguns resolveram seguir
caminhos diferentes, guiado por suas convicções, por isso fizeram longas viagens
com durabilidade de messes e anos, na esperança de encontra a essa tão sonhada
terra sem males, para eles essa terra e um lugar onde não haveria mais morte isso
segundo a crença e a tradição dos guaranis.
Os Guarani de Jacundá incorporaram seu modo de vida e saberes relacionados
às condições climáticas e ambientais da realidade amazônica. Os Guarani que
atualmente habitam o Brasil têm uma classificação pela literatura etnográfica devido
seus diferentes dialetos, costumes e práticas de ritual, e por isso estão divididos em
três grupos: Os Kaiowá, os Nhandeva, e os Mbyá (CTI, 2004), sendo este último, o
grupo que será estudado neste trabalho. Os índios do Brasil não são um povo, mas
sim, muitos povos distintos de nós e diferentes entre si, distinguindo-se de nós
também por falarem diversas línguas, como assim afirma Rodrigues (2019).
A aldeia Nova Jacundá foi fundada em 1986. Atualmente todas as casas são
construídas, existe um campo de futebol no centro da aldeia, um centro de saúde
onde o Cacique é o técnico de enfermagem, um poço artesiano com água tratada,
uma igreja, opy (casa de reza) e farinheira.
Atualmente, fala-se no Brasil em torno de 180 línguas indígenas, e essas
línguas estão divididas em 43 famílias linguísticas. O Português é considerado no
Brasil uma língua majoritária e as línguas indígenas são consideradas minoritárias
com apenas 0,5% da população, cerca de 750.000 que usam essas línguas como
descreve Rodrigues (2019). Como houve extermínio de povos que falavam outras
línguas dentro de uma só família, isso fez com que se demandasse uma classe
genética mais abrangente e com uma profundidade temporal, denominada tronco
linguístico.
De acordo com o linguista Arion Rodrigues, “no Brasil se destaca o tronco Tupi
com 10 famílias, e o Macro-jê com aproximadamente 12 famílias linguísticas”.
(RODRIGUES, 2005, p. 35). Portanto, a família Jê está distribuída desde o Pará,
Maranhão até o Rio Grande do Sul. A família Aruak é falada na Amazônia, no Mato
15

Grosso, e no Mato Grosso do Sul. A Karib é falada no Amazonas, Roraima, Pará,


Amapá e Mato Grosso.
Conforme Ortiz e Machado (2019), para o guarani, a terra é mais que um
pedaço de chão a terra é vida, fazendo parte da essência e tradição do guarani viver
da terra e protegê-la, para eles a terra é uma mãe e um espírito vivo no qual eles
fazem o possível para mantê-la viva, conservando-a, evitando sua destruição e
contaminação, pois são conscientes que precisam da mãe terra para a o sustento de
todos. Eles têm a terra como um lugar sagrado, pois sem ela fica impossível produzir
e reproduzir a vida e alimentação, por isso a terra tem esse valor imensurável para
os guaranis.
Os relatos apresentados no texto que vem a seguir, trata-se de entrevistas
coletadas através de pesquisa com os integrantes da aldeia Nova Jacundá, onde
são relatados os processos históricos e relacionais da aldeia. O relato foi adquirido
pela autora do texto em questão, que para além desta pesquisa, trabalhava na aldeia
Nova Jacundá. O que está descrito abaixo, obedece às palavras literalmente o que
foi dito na entrevista. A coleta se deu através de uma pesquisa qualitativa não
sistêmica, isto é, optou-se por deixar o entrevistado falar sua experiência de maneira
livre e apenas com interrupções pontuais, para elucidação de termos, conceitos e
fatos históricos. Alguns entrevistados não se sentiram à vontade em ter seus nomes
citados neste trabalho, para estes utilizaremos o termo “entrevistado” junto a um
número identificador. Seguem os relatos da professora Maria Regina Guarani
“Nós os Guaranis-Mbyá que vivemos na aldeia Nova Jacundá somos
descendentes daqueles Guaranis que vieram há muito tempo, no fim do
século XIX, de um lugar onde nosso pai falava ter havido guerra e onde
muitos guaranis saíram em Oguatá (caminhada). Era um lugar do outro lado
do rio Paraguai. Nossos antepassados fizeram uma oguotá diferente
daquelas conhecidas sobre os Guarani Mbyá no Brasil. Ao contrário de
nossos parentes que hoje vivem no sul e sudeste do país, nossos
antepassados o centro do Brasil] rumo a Belém do Pará. Antigamente nós
passamos em grandes cidades (...) passávamos pela, Cidades, e ficávamos
nos matos. Nossos antigos avós que eram pelos Pajés tiveram uma tiveram
uma revelação para a gente atravessar paraguaxu (Mar).
Então Nhanderu (nossos Deuses) abriram esse caminho. Eles abriram o
caminho para nós passarmos para o outro lado, yvy marãe`y (“terra sem
mal”) (...) e em todos os lugares que eles passavam, eles plantavam. Eles
plantavam avaxi (milho), manduí (amendoim), jety (batata doce). E eles
andavam pelos matos, caçavam, pescavam. Nos que vivemos em Nova
Jacundá somos descendentes do grupo do “capitão” Manoel Rodrigues.
Depois que ele morreu, muitas famílias se espalharam pelo Brasil
continuando a sua oguatá, pois Nhanderu [...] [pouco antes de morrer]
contou para onde nós iriamos. Que nós fôssemos de aqui até passarmos
pelo Maranhão, até chegarmos. Então quando nós fortalecêssemos à beira
da grande água passaríamos como o nosso corpo todo para o outro lado do
16

Mar para a terra sem mal. Nossos avós e nossos pais passaram pelo estado
do Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Maranhão até chegar no Pará”
(Entrevista realizada com a professora Maria Guarani em 2018).

Edimar Guarani:
“Nessa oguatá conheceram e conviveram com outros povos indígenas: os
Guajajara, Xerente, Karajá e Gaviões Parkatêjê. Na convivência com esses
povos e com os juruá nunca perdemos a nossa língua, através da qual
nossos pais nos faziam conhecer a história do nosso grupo. Imagens dos
nossos pioneiros na comunidade. Foi no ano de 1996, com a ajuda do
Centro de Trabalho Indigenista (CTI) que adquirimos essa terra. Quando as
primeiras famílias se mudaram para a nova terra, denominada Tekoá pyau,
não havia estradas ou meios de transporte motorizados. Havia apenas
veredas abertas na mata que permitiam o uso de animais como cavalos e
burros” (Entrevista com o cacique Edimar Guaani em 2018).

No inverno, porém essas veredas ficam intrafegáveis e só era possível se


deslocar a pé até a rodovia PA-150. No ano de 1998 foi aberta, na altura do Km 60
da PA-150 até a aldeia Guarani, uma vicinal hoje conhecida como Rouxinol o que
facilitou o deslocamento da comunidade e logo a construção da escola na aldeia.
Ao entrevistar alguns moradoras da aldeia pude diagnosticar algumas indagações
sobre suas lutas, conquistas, cultura, lazer, pesca caça receitas de remédios naturais
com conhecimentos empíricos que eles possuem, a qual é passado de geração a
geração. Veja o relato de um dos entrevistados.
Entrevistado 3:
A nossa luta vem de muitos anos antes de vim para essa terra. nós
morávamos na aldeia dos gaviões que fica localizada na BR 222, município
de Bom Jesus do Tocantins - PA. Como nós somos Guarani não faziam
parte da etnia deles procuramos um lugar para nós essa ideia foi que nos
motivou a procurar uma terra para nós. Meu pai Raimundo Guarani e minha
Mãe Benedita falecido em 2000, ao chegar na aldeia que hoje estamos
tiveram muitas dificuldades não tinha estrada havia apenas uma trilha de
boi passar. Hoje está melhor temos estradas, casa construída, água
encanada, escola, posto de saúde, energia, campo de futebol, celular e
internet” (Entrevista com Tasino Gaurani, em 2018)).

Em busca de uma terra sem males. Os lugares ocupados pelos Guarani Mbyá
são denominados de Tekoá e são procurados pelo grupo indígena através de
movimentos migratórios como já foi mencionado nessa busca incessante pela “Terra
sem Males”. Os lugares onde estão inseridos os territórios tradicionais dos Guarani
Mbyá de uma forma geral, como o Paraguai, a Argentina, e Brasil, trazem a
confirmação de que os Guarani Mbyá utilizam um conhecimento que em sua maioria
possui embasamento místico, por parte de seus antepassados (LADEIRA, 1994).
17

“Falando da nossa cultura praticamos a do cachimbo desde quando veio


parentes de São Paulo ao observar eles fazendo o ritual eu achei bonito e
aprendi com eles e agora faço de vez em quando e para nós guarani o
cachimbo é uma arma poderosa de defesa a gente acredita que o cachimbo
protege de muitas coisas ruins, temos esses instrumentos igual os
evangélicos têm a bíblia e para nós guarani é a nossa religião o ritual do
cachimbo. (Tasino Guarani, 43 anos entrevistado dia 30/09/2018)..

Hoje eles conseguem o meio de sobrevivência da terra, a mesma que


conseguiram com órgãos públicos. Diante dessa crítica realidade, pode-se afirmar
que os Guarani vivem de trabalho assalariado e programas do governo federal, além
de ajudas externas. Religiões de caráter protestante vem se instalando em sua
comunidade, exercendo não apenas uma postura de propagação de outra fé, mas
sim uma postura colonialista, que declama aos indígenas a necessidade de se abster
de sua cultura para viver a cultura protestante, pois somente ela leva ao paraíso. Os
grandes projetos desenvolvimentistas, principalmente vinculados ao agronegócio e
mineração que se desenvolvem na região onde permanecem os Guarani, estão
levando a destruição das matas e dos rios, afetando diretamente o modo de se viver
dos indígenas. É importante considerar que tais projetos têm por objetivo não
demarcar, mas desmarcar terras indígenas, expulsando através da violação de
direitos e assimilação de sua cultura, estes para vida urbana. Tais atos que outrora
eram inconstitucionais, mas que hoje por pressão política do agronegócio é legal,
podem levar a uma destruição massiva do meio ambiente, a exclusão econômica e
extermínio, tanto da cultura desses povos, quanto extermínios literais, de destruição
de seus corpos, casas e santuários.
Desse modo, o povo Guarani da Aldeia Nova Jacundá, veem ao longo dos
anos, tentando manter seus costumes e tradições, muitas das vezes em parceria
com o poder público e instituições governamentais e não governamentais, dentre as
parcerias podemos demonstrar o 2º Encontro Cultural da Escola Karaí Guaxu com o
apoio da Prefeitura Municipal de Jacundá, Secretaria Municipal de Educação e a
Universidade Federal Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). A finalidade do evento
cujo objetivo foi valorizar a Cultura Indígena Guarani Mbyá e promover a troca de
vivências e conhecimento com outras escolas municipais da região e instituições
como órgãos municipais de assistência social, universidade e organizações não-
governamentais.
18

3. CAPÍTULO 2: VIVÊNCIAS EXPERIENCIADAS NA ESCOLA KARAI GUAXU

O nome da escola nhanhemboe’a Karaí Guaxu Guarani é uma homenagem ao


líder Mbyá Guarani que com sua persistência e força conseguiu a escola, que
começou a funcionar num prédio provisório. No ano de 1996, com o apoio da FUNAI
e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) a prefeitura de Jacundá funcionou a
escola na aldeia devido à grande número de crianças e jovens que precisavam
estudar. Assim, desde o começo do funcionamento da escola na aldeia tem-se
professores indígenas contratados pela prefeitura de Jacundá. Desde o começo da
Nhanhemboe’á, as crianças tinham aula de cultura e língua guarani pois é importante
que as crianças e os jovens tenham orgulho de ser Guarani-Mbyá, conheçam a
história e a cultura de seu povo.
A escola existe desde o ano de 1997, quando se iniciou uma turma
multisseriada da Educação infantil ao 5º ano do ensino fundamental. Até o ano 2000
as crianças e jovens tinham todas as aulas com professora indígena e na língua
indígena. Mas a comunidade solicitou também aulas em português para as crianças
aprenderem essa língua, pois a professora indígena ainda não tinha o Magistério
Indígena.
A partir do ano 2000 começaram a trabalhar professores não indígena na
escola e as crianças passaram a ter todas as aulas em português e de língua e
cultura indígena separadamente. Durante muito tempo, vários professores juruá (não
indígena) vieram trabalhar com as crianças e jovens e na aldeia ficarem poucos dias,
muitas vezes não voltando mais para a aldeia. Isso era muito ruim, pois as crianças
não conseguiam se acostumar com o professor. Para resolver essa situação,
solicitaram à prefeitura de Jacundá que as crianças tivessem professor indígena
novamente, pois já tinham pessoas na comunidade estudando o Magistério Indígena
e capazes de assumir a educação escolar de seus filhos e membros da comunidade.
Em 2011 as crianças que estudavam da educação infantil ao 5º ano do Ensino
Fundamental voltaram a ter professor indígena. E, desde 2012, passamos a ter na
escola as turmas de 6º a 9º ano, mas apenas com professores juruá, que vêm da
cidade para ficar de 14 a 40 dias na aldeia e concluir cada disciplina, pelo Sistema
Modular de Ensino (SOME) da prefeitura de Jacundá.
19

Os indígenas há muitos anos buscam ter seu próprio currículo escolar, eles
dizem ser um direito deles quanto indígenas e esses anseios constam no PPP da
escola que ainda está em construção desde o ano de 2017, as dificuldades são
imensas. Por isso a preocupação com os alunos indígenas perderem a cultura por
aprenderem na 25 escola somente o currículo dos brancos, assim como os livros
didáticos que traz uma realidade bem diferente de seus costumes e cultura.
Devido a escola não possuir seu próprio currículo de ensino, ela não é
contemplada com o ensino da agricultura familiar, por isso não consta no PPP este
assunto. O que existi na escola em termo diferenciado do currículo da Secretaria
Municipal de Educação do Munícipio de Jacundá - SEMED são as aulas na
linguagem guarani, que são ministradas pela professora indígena Maria Regina
Lopes de Souza Guarani que trabalha desde o primeiro surgimento da escola na
aldeia, e essa disciplina não consta na grade curricular da SEMED. Os professores
abordam sobre o assunto dentro da sala de aula. Os professores fazem a experiência
de levar os alunos para o campo afim de participarem da parte prática é assim ser
inseridos a construção do conhecimento dentro dos saberes da Agricultura Familiar
e sua importância, porém esse conteúdo não entrar dentro do diário do professor,
somente em seu caderno de planejamento das aulas.
Atualmente a Escola Karaí Guaxu oferece ensino de educação infantil - para
crianças a partir de 04 anos de idade, ensino fundamental de 1º a 5º ano em uma
turma multisseriada. Já o Ensino Fundamental de 6º a 9º ano é ofertado pelo Sistema
de Organização Modular de Ensino (SOME), cujos professores vêm da cidade de
Jacundá.
No ano de 2016 conseguiu-se o ensino médio na escola pelo Programa
MUNDIAR do governo do estado do Pará. Más segundo as lideranças da
comunidade essa modalidade de oferta do Ensino Médio não é adequada para a
educação de seu povo, pois não permite a educação intercultural e bilíngue e, ainda,
só atende pessoas maiores de 18 anos, o que obriga os indígenas menores de 18
anos a irem cursar esse nível de ensino na cidade de Jacundá.
Segundo as informações que constam no Projeto, Político, Pedagógico (PPP)
da escola Karaí Guaxú Guarani que, há cinco anos está em elaboração, e conta com
a participação de todos os moradores da aldeia desde o cacique, professores
indígenas e não indígenas e entidades como (FUNAI), (DECAMP – SEMED) e
20

(CEIND-4 URE), mesmo traz o processo histórico do povo guarani que passaram por
vários estados e conviveram com outras aldeias como os Guajajara, Xerente, Karajá
e Gavião Parkatêjê, e sempre tiveram o cuidado para não perderem a sua cultura e
linguagem.
Os Guarani se apropriaram da terra onde vivem no ano de 1998 e a escola
(NHANHEMBOE’A) Karaí Guaxú Guarani, começou a funcionar no período de1996
com o apoio da FUNAI e do conselho indígena, Missionário (CIMI), conseguiu a
escola dentro da comunidade, o próprio líder procurou a prefeitura de Jacundá para
dá início a escola na aldeia, pois havia muitas crianças que precisavam estudar.
Para isso foram contratados professores indígenas que davam aula somente
da cultura e linguagem guarani, pois para os guaranis é de suma importância que
as crianças e os jovens tivessem orgulho de ser guarani-Mbyá e que os mesmo
conheçam a história e a cultura de seu povo e em 1997, iniciou uma multisseriada
da Educação Infantil ao 5 ano do ensino fundamental, até o ano de 2000, as crianças
e jovens só tinham aula na linguagem indígena, então a comunidade solicitou aulas
em português, pois achavam importante que os alunos aprendessem a ler e
escrever em português, pois a professora indígena não tinha magistério, ou seja não
tinha nenhuma formação formal (MARQUI, 2012).
No mesmo ano começou a trabalhar uma professora XENHORA (não indígena)
daí em diante os alunos indígenas passaram a ter todas as aulas em português e na
linguagem e cultura indígena separadamente. Uma das reclamações dos indígenas
sobre a questão educacional é a entrada e saída dos professores JURUA (não
indígena) pois eles trabalhavam poucos dias e muitas vezes não voltavam a escolas,
devido essa situação as crianças não se acostumavam com os professores.

3.1 RELATO DE CASO DA AUTORA ACERCA DE SUA ATUAÇÃO


COMO EDUCADORA NA ESCOLA INDÍGENA.

No ano de 2017, eu fui chamada para uma reunião pela coordenadora e o


diretor do Departamento do Campo, o motivo se deu porque eles estavam
precisando de uma professora que ministrasse as disciplinas de português, história
e artes em uma aldeia indígena. Eu ministrava essas disciplinas e tinha experiência
com turmas do 6 ao 9 ano desde de 2008, contudo ela disse que estava com receio
de me enviar por eu ser muito extrovertida, de modo que eu teria que mudar meu
21

comportamento caso eu fosse, pois os Guarani não gostavam de ser tocados e nem
abraçados, então prometi que mudaria meu jeito de ser e passaria a ser menos
carinhosa, atenciosa e extrovertida com os indígenas durante o tempo que eu
ficasse na aldeia, desde que ela me permitisse assinando minha carta de
autorização pra ir trabalhar na localidade. Eu queria ir viver uma nova experiência.
Daí fui autorizada a ir junto com o professor Janison para aldeia, ele foi com a
disciplina de matemática e eu com português ambas são de 40 dias.
O interessante é que para mim era tudo novo, e eu estava indo pela primeira
vez trabalhar como professora em uma aldeia indígena, na minha percepção eu
imaginava que iríamos encontrar ocas coberta com palhas e feitas. Quando
adentramos na comunidade fui perceber que era a aldeia porque comecei a avistar
alguns indígenas, quando chegamos na escola os pequeninos e os adolescentes
foram se aproximando e perguntaram se nós éramos professores.
Foi uma alegria inexplicável que sentir naquele momento por estar em uma
aldeia e vendo pessoalmente os indígenas que até então não tinha contato, apesar
de ter nascido em uma aldeia, não cresci em meio ao indígenas, minha mãe conta
que quando saímos de lá pra cidade eu já estava com 7 anos de idade, isso
aconteceu no estado do Tocantins, por isso que naquele momento sentir como se
estivesse chegando em casa reencontrando com minhas raízes, de modo que me
questionei com certa angústia “moro em jacundá há mais de 20 anos e não conhecia
esse povo que residem na aldeia há mais de 30 anos”.
Nesse período as aulas funcionavam somente à noite com as turmas de 6º a
9º ano, eu fiquei com as turmas do 6° e 7° ano e o professor Janison ficou com as
turmas do 8° e 9° ano. Finalmente chegou à noite, fui para a sala de aula conhecer
meus alunos indígenas numa alegria que não conseguia disfarçar, porém as
orientações da coordenadora não saiam da minha cabeça, então ao adentrar na sala
de aula cumprimentei com boa noite e me apresentei para eles e pedir para que eles
se apresentassem, alguns tinham o nome bem diferente, como por exemplo o nome
da aluna Tatanti’in, fiquei me questionando em silêncio como eu iria aprender a
pronunciar e escrever esses nomes.
No decorrer das aulas fomos nos adaptando uns com os outros, e perdendo a
timidez, dentro e fora da sala de aula, um dos questionamento do cacique Leonardo
era pra saber se nos iriamos passar a semana na aldeia, porque a maioria dos
22

professores que vinham da cidade ao termino da aula voltavam pra cidade, esse foi
um dos motivo que eles decidiram que as aula das turmas do 6 ao 9 ano seria a noite
pra tentar fazer com quer os professores ficassem mais tempo na aldeia e também
por conta dos costumes que eles tinha de levar as crianças pra roça, pescar e
também os afazeres domésticos do dia a dia.
Nós deixamos bem claro para o cacique Leonardo que iriamos ficar de
segunda a sexta, na comunidade, durante esse período de 40 dias, fizemos o
combinado de que trabalharíamos de segunda a quinta à noite e na sexta seria pela
manhã para que pudéssemos retornar para a cidade e passar o fim de semana em
nossos lares.
Uma das coisas que me chamou atenção com o passar dos dias na escola
Karaí Guaxú, foi ver que não tinham materiais didáticos para as turmas do ensino
fundamental maior, o único material que eles tem dentro da linguagem indígena
guarani é uma cartilha de alfabetização que o professor Edimar e a professora Maria
Regina utilizam com as turmas da Educação Infantil e as turmas do ensino
fundamental menor, os únicos livros didáticos que usávamos para ministrar as aula
era os que vinha da Secretária de Educação de Jacundá.
O primeiro dia de aula eu fiz um reconhecimento do ambiente onde os alunos
estavam inseridos para que eu pudesse ver qual seria a melhor metodologia de
ensino aprendizado que poderia ser utilizada com os educandos, de acordo o ano
letivo de cada um, por se tratar de educandos que estudavam dentro do método de
multisérie do sistema SOME e também por ser minha primeira experiência com
alunos indígenas. Observei que todos já tinham uma boa leitura, mas tinha muitas
lacunas na escrita, misturavam muito letras maiúsculas com letras minúsculas
também tinham muita dificuldade para pontua os textos concluir que estavam
letrados, porém com algumas dificuldades, isso foi possível descobrir após a as
produções de textos feita por eles produção essas que falavam sobre a biografia de
vida deles.
No decorrer dos dias uma vez por semana não tinha aula devido ser dia de
culto e os alunos tinham que ser liberados da aula para irem à igreja, eu e o Janison
íamos também, pois queríamos acompanhar eles foram da sala de aula e observar
como era o comportamento deles em outro ambiente. Em alguns momentos nós
professores nos reuníamos para falar um pouco sobre as dificuldades dos alunos e
23

do método de ensino aprendizado, assim a gente percebeu que não tinha nenhum
conteúdo de acordo com a realidade deles, somente os conteúdos que vinham da
secretaria de educação que eram os livros. Com o passar dos dias Janison e eu
começamos a observar que sempre na hora do almoço alguns alunos e não alunos
apareciam e pediam comida dizendo estavam com fome que na casa deles não
tinha comida então nós dividíamos o nosso almoço e jantar, no decorrer da semana
acabamos ficando sem alimentos pois só levamos o suficiente pra semana, por conta
dessa situação começamos a questioná-los, porque eles passavam necessidade
alimentícia, foi então que ficamos sabendo que eles não recebiam nenhum tipo de
benefício do governo e que o único meio de sobrevivência era o salário dos idosos
e bolsa família, foram momentos muito delicados pra nós quanto ser humano ver o
quanto eles são carente financeiramente e esquecidos pelo poder público.
Essa época a merenda escolar era bem limitada, o João era o servente da
escola e consequentemente o responsável pela merenda, os alimentos que chegava
muitas das vezes só dava para duas ou três semanas o restante do mês ficava sem
merenda na escola e por conta disso as aula funcionavam somente até a hora do
recreio para que os alunos fossem pra suas casas mais cedo.
No mês de agosto eu retornei novamente para aldeia para trabalhar com
as disciplinas de História e Artes, daí veio uma preocupação como que eu iria
ministrar a disciplina de Artes para eles. Então comecei a mesclar o conteúdo
didático com conteúdo que pesquisar na internet de que forma eu poderia estar
trabalhando com os indígenas arte deles.
Então comecei trabalhar a parte teórica em sala de aula após a teoria saímos
pra vivermos a parte prática com os alunos fomos para igarapé e retiramos o barro
para confeccionamos alguns utensílios com argila, depois colocamos para secar e
daí eu pensei como que nós vamos fazer para pintar os objetos que todos fizeram já
que não tínhamos material pra pintura e o objetivo era pintar os objetos com a arte
indígena de vocês, os alunos falaram professora a gente pode fazer a tinta do
Jenipapo então eles foram me explicar o que era Jenipapo e a importância desse
fruto pra eles, nesse momento eles foram o professor e eu aluna.
2018 foi enviada novamente para Aldeia com a disciplina de português. No
começo do ano e comecei a desenvolver os trabalhos com os alunos já com uma
visão bem diferenciada, já tinha um pouco de conhecimento sobre as especificidades
24

dos educandos e também embasada com muitas pesquisas sobre como trabalhar
com os indígenas como desenvolver os trabalhos de forma mais ressignificada
dentro da contextualização pedida pelo PPP da escola, que no ano de 2017 fiz parte
da elaboração do mesmo, através das informações adquiridas do ano e anterior e
com um pouco de conhecimento adquirido durante o processo de ensino
aprendizado dento dos anseios dá comunidade em termo da educação indígena dos
guaranis.
A professora Talita que ministrava as aulas da turma do MUNDIAR 1, veio até
a mim e a professora Vanessa e pediu para que nos ajudasse ela a fazer uma noite
cultural porque ela queria montar um espaço onde os alunos dela pudesse expor os
trabalhos que eles fizeram durante as aulas Eu gosto de trabalhar com eventos tive
a ideia de ao invés de fazermos só uma noite cultural porque não aproveitarmos esse
momento e elaborarmos o que que seria o primeiro Encontro Cultural da Escola Karaí
Guaxú, de uma forma que nós enquanto educadores pudesse tá envolvendo alunos
não indígenas para tá vindo conhecer a aldeia e conhecer a cultura dos Guaranis.
Nós três formulamos a ideia entre nós nos bastidores e depois chamamos o
professor Edimar e a professora de linguagem Maria onde ficaram super
interessados e depois chamamos o cacique Leonardo para contarmos a ele a ideia
do projeto que gostaríamos de desenvolver o primeiro encontro cultural da escola,
depois de falarmos com todos da comunidade levamos a ideia para Alzira e o
Genilson, ambos aprovaram a ideia.
A partir da aceitação e aprovação de todos ficou definido que o nome do
primeiro encontro cultural “ cultura Guarani” Finalmente partimos para as partes
praticas, fizemos várias reuniões como todos moradores da aldeia e falamos do
projeto o quanto seria importante, para o processo de ensino aprendizado dos
educando dentro e fora do contexto educacional e aldeia esse era o principal objetivo
para o desenvolvimento do projeto.
Apesar de muitas dúvidas e receio sobre o projeto de dá certo ou não,
levamos adiante começamos a desenvolver textos que abordasse sobre a cultura
dos guaranis, colocamos os alunos para fazer pesquisa de campo como por exemplo

1 MUNDIAR: É um programa da Fundação Roberto Marinho articulada pela SEDUC afim de que
possibilite o Sistema de Ensino Modular, garantido o Ensino Médio nas comunidades indígenas.
25

entrevistar os mais velhos, buscar informações sobre as culturas os rituais, comidas


etc.
Chegando o grande dia do evento todos estavam muito ansiosos para a
chegada dos convidados onde as expectativas eram gigantescas. Teve faixa que
levou mais de 15 dias para ficar pronta devido os detalhes das pinturas indígenas
em volta da faixa apesar de ter sido um trabalho demoroso e doloroso porque as
meninas ficavam com muito cansaço físico devido ficar muito tempo em uma posição
para pintar a faixas essa equipe era composta pela professora Vanessa, Dhecy,
Tatantin, Para’i, Djera. Todos os artesanatos foram pintados de acordo com os traços
da pintura e cultura dos Guaranis inclusive os arcos as flexas, lanças até mesmo os
que foram feitos de barro os todos os alunos fizeram algum tipo de arte de barro
como por exemplo, panelas, animais também fizeram cachimbo, fizemos as
lembrancinhas que íamos entregar para cada representante de comunidade ou
escola foram feitas todas na madeira do buriti e pintada com os traços dos guaranis
nós fizemos um pequeno guarani em uma canoa com o arco e flecha na mão todo
no talo do miolo do buriti.
E assim a cada apresentação a gente percebia que os que visitantes estavam
gostando do que estavam vendo. Tudo aconteceu em forma de troca de cultura foi
muito gratificante e rico eu tenho certeza que vai ficar na história desses indígenas
e dos que participaram do evento, e assim nós fechamos o primeiro encontro cultural
do ano de 2017 Karaí Guaxú
No ano de 2018, o Departamento de Educação do Campo da Secretaria de
Educação de Jacundá perceberam a importância do projeto, e, daí foi tomada a
decisão de me deixarem como professora responsável somente para desenvolver
os projetos nas escolas, porque além do projeto cultural da aldeia também fizemos
no mesmo ano de 2017 o primeiro encontro cultural da Escola Nossa Senhora da
Conceição no km 51, uma comunidade que fica próxima a Terra Indígena Nova
jacundá.
Depois de ouvimos as falas de todas e todos, nosso diálogo foi pertinente ao
que eles gostariam de acrescentar o que não queriam no segundo evento, para ver
o que a gente poderia fazer nesse segundo projeto para que os erros do primeiro
não acontecer no segundo evento, então juntamente com o cacique, os professores
indígenas, montamos o croqui do novo projeto e levamos para Departamento do
26

Campo e após alguns dias recebemos a devolutiva e aprovação da Secretaria de


Educação, demos início aos trabalhos do segundo encontro cultural. Como ficou
decidido nas reuniões que o nome do segundo encontro cultural seria” A revitalização
da cultura guarani”.
Para desenvolver esse tema nós buscamos todo o processo histórico dos
guaranis e focamos principalmente na cultura dos antepassados deles, fizemos
várias entrevistas com os mais velhos em busca de informações sobre os costumes
e rituais que eles tinham antes de se tornarem evangélicos. Através dessa busca de
informações sobre a cultura e costumes com os indígenas mais velhos houve, muitas
emoções a partir do momento que começamos a fazer as perguntas sobre como era
a vida deles quando crianças com seus pais? Como era a rotina de vida deles etc.
A partir dos momentos das falas deles relembrando suas infâncias e juventude
as lagrimas apareciam no rosto dos entrevistados, era impossível para nós como
entrevistador não se emocionar ao ouvir todas as memorias sendo contada por
aqueles anciões e a falta que eles demostraram ter dos seus antepassados e das
tradições que ficaram no passado e registrada na memória de cada um. Ouvimos
bastantes relatos que facilitou bastante o nosso trabalho, principalmente na hora de
montarmos os conteúdos que seriam trabalhados em sala de aula com os educandos
porque o nosso principal objetivo e o ensino aprendizado com qualidade e
aproveitamento dentro e fora da escola e de uma forma que atraísse o interesse dos
alunos.
Demos início a abertura do evento, todos os indígenas os moradores da aldeia
e os convidados ficaram na frente da escola e começaram a cantar o hino nacional
na linguagem indígena, os convidados estavam maravilhado com o que estavam
ouvindo e vendo os indígenas, apesar que muitos estavam participando pela
segunda vez do nosso evento, mas era uma emoção inexplicável presenciar a
emoção de vários indígenas de etnia diferentes, porém fazendo algo da cultura
juntos, como cantar o hino nacional, depois fizemos um túnel do tempo com as
histórias e trabalhos desenvolvidos pelos alunos da escola indígena.
O terceiro encontro cultural teve tema os artesanatos guarani, no qual o objetivo
era buscamos resgatar as histórias desses artesanatos que feitos pelos primeiros
Guaranis quais material eles usavam e quais os artefatos que existe até os dias de
27

hoje, como que eles faziam como cultivava esses artesanatos de que formam eram
produzidos quem produzia.
Todos os projetos culturais desenvolvidos na escola e dentro da aldeia fez com
que esses indígenas ganhassem uma visibilidade maior dentro da sua cultura dentro
da sua realidade dentro dos processos de ensino-aprendizado de modo que
podemos observar o quanto melhorou o interesse dos alunos pelo ensino por eles
estarem estudando algo que tem a ver com a realidade deles. Eu enquanto
professora tive muita dificuldade sim, mas com muita alegria afirmo que os objetivos
foram alcançados dentro do processo de ensino-aprendizado, de modo que os
resultados foram satisfatórios para os alunos, professores e toda a comunidade.

IMAGEM 2: Escola Karaí Guaxú Guarani.

Fonte: Acervo da autora. 2020.

No ano de 1996, com a ajuda do trabalho indígena (CTI) que eles adquiriram
as terras onde vivem até os dias de hoje, local que eles deram o nome de Tekoa
Pyau. (Aldeia Nova Jacundá).
A escola indígena Karaí Guaxu, tem como função contribuir na formação de
cada um dos estudantes, sem perder da vista sua cultura sua língua, seus costumes,
e tradições e continuar sendo o povo Guarani Mbyá, pois na aldeia todos são
responsáveis pela educação, por esse motivo eles adotam pela educação
comunitária, e todos têm compromisso com a formação, desde os pequeninos e
jovens com objetivo de um futuro promissor assegurado pelas leis. É de fundamental
28

importância dentro do contexto educacional da comunidade, que as crianças e


jovens continuem a produzir seus próprios alimentos, continuar cuidando de suas
terras que foram conquistadas com muitas dificuldades pelos mais velhos.
As dificuldades sempre foram enormes, pois não havia estrada muito menos
transportes, havia apenas veredas abertas na mata, e o único meio de transporte era
através de animais, como cavalos e burros, na época das chuvas esses atalhos
ficavam intrafegáveis. Os guaranis se apropriaram da terra onde vivem desde 1996.
Através dessas experiências, tornou obvio o quanto foi importante envolver o
ensino aprendizado com a cultura guarani dentro e fora da sala de aula, onde o índice
de aprendizado dos educandos foi satisfatório perante o que almejávamos e o que a
secretária de educação de Jacundá exige, não tivemos reprovação durante o
desenvolvimento dos projetos.
Segundo consta no Projeto Politico Pedagógico, os indígenas tiveram que
frequentar escolas onde eram obrigados a esquecer sua própria linguagem, e faziam
com que eles sentissem vergonha da suas culturas e tradições, mais que hoje eles
são assegurados pela constituição Federal e garantindo aos indígenas que usem
suas línguas maternas e sucessivamente o direito de decidirem a forma de
aprendizagem na educação escolar indígena no contexto de igualdade social,
diferença, especialidade, que deve ser valorizado o currículo do ensino intercultural
e bilíngue, e a diversidade étnica.
Dentro da escola, a metodologia direcionada para os educandos, com foco no
ensino e aprendizado, tem por objetivo mostrar a importância da revitalização de sua
própria cultura e buscar desenvolver os conhecimentos já existentes entre eles, pois
a escola é um espaço de igualdade onde não deve haver nenhum tipo de exclusão,
principalmente das tradições da aldeia, além é claro de ser um lugar de aprendizado
igualitário para todos, de forma que sejam potencializadas as práticas metodológicas
através do cotidiano da vida tanto dos jovens, crianças e adultos dentro de uma
sociabilidade, na qual as relações grupais e individuais tem um aproveitamento
igualitário dentro do processo de conhecimento e sucessivamente o reconhecimento
dentro e fora do contexto escolar que corresponde a necessidade de um aprendizado
permanente, dentro do currículo educacional guarani para a construção especifica
da sua própria subjetividade e alteridade.
29

É interessante observar que durante os anos ministrando aulas com disciplinas


diferentes nas turmas do 6ª ao 9° ano do ensino fundamental na escola Karaí Guaxu
o diálogo sempre foi essencial entre educandos e os pais dos mesmos,
principalmente por eu não ter experiência com alunos indígenas, por isso optei pelo
método do diálogo e da aproximação para buscar aprender mais sobre eles e
conhecer suas especificidades dentro do contexto educacional escolar tanto no
âmbito individual quanto no âmbito coletivo de cada educado, para desenvolver
métodos curriculares didáticos para trabalhar em sala de aula.
Quando decidi desenvolver os projetos na aldeia, na minha ingenuidade,
acreditava que não teria problemas e nem dificuldades em desenvolver os projetos
na escola principalmente nas questões financeira e não visualizava e muito menos
imaginava os empecilhos pelo caminho.
30

4. CAPÍTULO 3: EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA E OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO


GUARANI

As escolas indígenas são dirigidas por professores indígenas, o que é


condição essencial para o seu desenvolvimento, além da comunidade, os alunos e
seus pais participam do desenvolvimento da pedagogia indígena. Os professores
indígenas também têm as seguintes atribuições: participação na formulação do
calendário escolar e do plano político de ensino, definição do currículo, seleção do
conteúdo das disciplinas e melhor sistema de avaliação. Hoje, pela nova legislação,
ele deve ter diploma universitário como os demais professores do país. Para ser
eficaz na educação aborígine, os professores devem ser da comunidade e ter
formação adequada em ambas as línguas. Porque sempre haverá a necessidade de
uma conexão entre “índio” e português (FÉLIX, 2017).
Entre os muitos desafios de construir uma educação inclusiva, adquirindo e
inserindo saberes, valorizando o saber, a língua, a cultura e os valores, está a
preparação dos profissionais. A partir desse momento, os professores não indígenas
que atuam na educação indígena assumem o papel de mediadores do conhecimento
nessa realidade. Na educação, as escolas que atendem alunos indígenas
apresentam um quadro preocupante: atribui profissionais de uma unidade escolar
que realizam um processo de ensino para um grupo ao qual não pertencem e
também pouco ou nada conhecem. Esse profissional em contato direto com a
realidade dos povos indígenas, além da dificuldade de se comunicar com os Guarani,
mostra pouco de sua realidade de que o conhecimento transmitido não envolve a
cultura dos povos indígenas (FÉLIX, 2017).
Dada a diversidade das culturas aborígenes, enfatizando a importância das
identidades culturais, histórias de associação desses povos, modelos
organizacionais, são essenciais para um novo modelo de educação aborígine, e
assim o perfil dos profissionais em cada caso deve ter composição diferente. Para
tanto, é preciso ressaltar a importância da criação de novas práticas de formação
que possibilitem aos professores não indígenas atuar nesta comunidade de forma
crítica, consciente e responsável em seu contexto intercultural e sociolinguístico,
capacitando, habilidades e saberes que são integrais ao desempenho e alinhados
com as aspirações dos povos indígenas são utilizados para construir saberes que
31

valorizem o saber desses povos (FÉLIX, 2017).

4.1 PROJETOS DESENVOLVIDOS NA ESCOLA KARAÍ GUAXÚ.

4.1.1 Relato de experiência do saber do raizeiro.

Este tópico tem como objetivo relatar as experiências dos Saberes


Tradicionais do Raizeiro Tasino Guarani, que é de grande relevância para a aldeia,
morador da comunidade denominada aldeia Nova Jacundá, começou essa prática
ainda jovem e com o tempo, foi aprimorando ainda mais o conhecimento e as
propriedades de cada planta medicinal, ao longo dos anos sua preocupação é desde
sempre passar essas práticas para as novas gerações. Seu instrumento de trabalho,
são as plantas medicinais, muitas delas encontradas na floresta e nos quintais
medicinais cultivado pelos próprios indígenas. O conhecimento tradicional sobre o
uso das plantas é muito rico e, em muitos casos, este é o único recurso disponível à
disposição dos Povos Indígenas em comunidades mais distantes.
Das 15 famílias, moradoras da aldeia, praticamente todas fazem plantio direto
de roças e pequenas plantações nos quintais. Além do cultivo de roças (arroz, feijão
e milho) que se mesclam com as hortas caseira (alface, couve, abóbora, mandioca,
urucum, batata doce, pimenta, pepino, coentro, cebolinha etc.) e a criação de
pequenos e médios animais (galinha, pato, porco, ovelha, cabra, peixes etc.), porém,
tudo destinado ao consumo próprio, inclusive a colheita de produtos oriundos dos
sítios, como alguns pés de manga, acerola, goiaba, jaca, açaí, caju, limão e muitos
outros. Há, também, outras culturas agrícolas como a banana, abacaxi e a laranja,
tudo produzido em média escala.

IMAGEM 3: O interlocutor Tasino Gaurani


32

Acervo da Autora

Na entrevista com o raizeiro, que teve seus conhecimentos inseridos nos


planos de aula e palestra, objetivando a disseminação do saber ancestral acerca das
plantas medicinais, isso nos possibilitou uma melhor inserção no currículo da escola.
Não há consenso ou discurso unificado sobre plantas medicinais entre os
povos indígenas. Existem diferentes conceitos, todos resultados de centenas de
anos de uso e observação. A prática da medicina tradicional dá grande ênfase ao
uso de palavras mágicas. Essas fórmulas curam mais e as pessoas chamam isso de
bênção. Além das plantas comuns, existem outras plantas menos conhecidas que
são comumente usadas como antídotos para tratar processos de envenenamento,
como picadas de cobra ou feridas.
Estas plantas estão associadas a uma gama de saberes e práticas oriundas
da mitologia. Através da palavra mágica, é possível obter uma fórmula, uma chave,
para o mundo da cura, da restauração do equilíbrio, da felicidade. Não se pode
distinguir o uso de plantas das palavras fascinantes que têm conhecimento mais
limitado de especialistas e curandeiros tradicionais, comumente chamados de pajé.
As palavras mágicas são um conjunto de práticas rituais que vão desde
simples pedidos de proteção até práticas mais complexas de feitiçaria e maldade.
Em cada aldeia costuma haver um Kumu e um Baiá. Eles conhecem a relação de
seu clã com o lugar deste mundo. Yaí não está em todo lugar. E não há muitos deles
hoje, mas são todos poderosos. Seus corpos estão prontos para o xamanismo em
qualquer lugar, com qualquer clã. Eles podem cruzar todas as fronteiras, desde que
sejam solicitados. Eles têm seus próprios estágios, que, segundo especialistas
indígenas, podem durar até nove anos na companhia direta de um mestre.
33

Preparar o corpo para o mundo exige que essas pessoas tenham uma sólida
compreensão do uso das plantas. O kahpi (ayahuasca), o paricá, a coca e o tabaco
são plantas que estão profundamente relacionadas aos processos ritualísticos de
cura. De acordo com esses sabedores indígenas, as doenças e mortes entre os eles
têm como causa principal a redução das práticas e da transmissão de saberes
tradicionais entres os indígenas, bem como o desequilíbrio da natureza promovido
pelos “agentes da sociedade envolvente”.
34

4.2 INTERCÂMBIO CULTURAL.

O povo Guarani da Aldeia Nova Jacundá, vem ao longo dos anos, tentando
manter seus costumes e tradições, muitas das vezes em parceria com o poder
público e instituições governamentais e não governamentais, dentre as parcerias
podemos demonstrar o 2º Encontro Cultural da Escola Karaí Guaxu com o apoio da
Prefeitura Municipal de Jacundá, Secretaria Municipal de Educação e a Universidade
Federal Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). A finalidade do evento que teve por
objetivo valorizar a Cultura Indígena Guarani Mbyá e promover a troca de vivências
e conhecimento com outras escolas municipais da região e instituições como órgãos
municipais de assistência social, universidade e organizações não-governamentais.

IMAGEM 5: Encontro cultural realizado na Escola Karaí Guaxu

Fonte: Acervo da Autora

Dança, pintura corporal e até competição de cabo de guerra fizeram parte da


programação do II Encontro Cultural da Escola Indígena Karaí Guaxu, da Aldeia
Nova Jacundá, que aconteceu no dia 23 de junho 2018. Realizado pela Prefeitura
Municipal de Jacundá, Secretaria Municipal de Educação, Comunidade Indígena
Guarani Mbyá, Educadores Indígenas e não-indígenas da Escola Karaí Guaxu e
Departamento de Educação do Campo, o evento teve por objetivo valorizar a Cultura
35

Indígena Guarani Mbyá e promover a troca de vivências e conhecimento com outras


escolas municipais da região e instituições como órgãos municipais de assistência
social, universidade e organizações não-governamentais.

IMAGENS 6 E 7: Atividade de Intercâmbio cultural realizado na Aldeia


Nova Jacundá

Fonte: Acervo da Autora

Em um intercâmbio, os Guarani apresentaram suas músicas, danças, pinturas


e artesanatos e as demais escolas, além de conhecer a cultura indígena dessa
comunidade, ocorreram danças como quadrilhas, carimbó. Esta ação é importante
36

não só para a valorização da cultura pelas pessoas da região, mas também para os
próprios indígenas. Ao perceber que este aspecto de Interculturalidade dimensiona
novas relações com a comunidade, foi o que analisei mesmo com os mais de 20
anos em Jacundá e não conhecia até então como os indígenas vinham tratando essa
questão da revitalização da sua cultura.

Essa atividade foi amplamente articulada pelo apoio dado do Departamento


de Educação do Campo da Secretaria de Educação de Jacundá, pelo qual
consideramos não apenas como um evento, mais como um momento novo na vida
dos Guarani no sentido de possibilitar novas formas de relações. Neste sentido, vale
ressaltar que foi oportuno para mostrar a importância da valorização da Cultura
Indígena Guarani Mbyá, principalmente como estamos diante da desvalorização
histórica de todas as comunidades indígenas de forma geral, e isso só nos faz refletir
que esta comunidade indígena já é parte das redes de relações que a cidade de
Jacundá tem.

Ainda sobre esta atividade, fou de fundamental importância a participação de


professores e pesquisadores da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará -
Unifesspa que também foram convidados para uma roda de conversa com os
presentes que destacou não a cultura indígena de forma geral, mas aproveitaram
para ressaltar características dessa comunidade, como a resistência e autonomia
dos povos. Pontanto, cabe destacar a fala da professora Rosani Fernandes: “A
Interculturalidade que está sendo praticada aqui é produtiva porque deixa de lado
aquilo que está nos livros didáticos e vem para aldeia para superar a ideia do índio
com uma cultura indígena, que são todos iguais”.

IMAGEM 8: Cacique Edmar Guarani


37

Fonte: Acervo da Autora

Edmar, que além de cacique é um dos professores na Escola Indígena Karaí


Guaxu, disse que o evento estimula as crianças da comunidade a reconhecerem os
costumes e manter a tradição.

4.3 PARTILHA DE SABRES COM O TEMA: RESÍDUOS E RECICLÁVEIS

Em de dezembro de 2019, foi realizada a partilha de sabres na aldeia Nova


Jacundá, onde foi abordado em roda de conversa com os indígenas, a importância
de cuidarmos do meio ambiente que vivemos, principalmente do quintal de nossas
casas, separa os lixos e assim evitar futuras doenças.
Relatado pelos indígenas que antes a prefeitura de Jacundá fazia a coleta do
lixo produzido pela comunidade, porém não fazem, mas, dessa forma eles queimam
o lixo que é produzido em suas casas.
Quanto o lixo que não queima como as latas de leite ninho, vidros e outros.
Eles não tiveram nenhuma resposta exata para o destino. Então foi colocada a ideia
de fazer um sistema, ou seja, cavar um buraco, com cerca em volta para que as
crianças e os aninais não tivessem acesso a esse local, onde serão jogados os lixos
que não tem como ser queimado.
O agente de saneamento básico o senhor José Tasino, falou sobre a
importância da água em nossas vidas é que sem a água não, será possível a nossa
sobrevivência e falou da preocupação com o único rio que tem na aldeia que tem
ano que o rio seca que não fica uma gota de água, nos trouxe um questionamento
do que deve ser feito pra que o rio não seque, falou também da encanação da água
na aldeia que é muito velha, vira e acontece de estoura um cano, que seria bom se
fosse feito uma vistoria, mencionou sobre o cloro, que antes era colocado na água e
que pôr os índios não terem conseguido se adaptaram ao sabor e o cheiro do mesmo
foi retirado da água. Colocou a preocupação dos mosquitos que são gerados pelos
lixos e que na época das mangas esses mosquitos aumentam dentro da cominada
e que a picada dele e muito dolorida e que eles não sabem se esses mosquitos
causam algum tipo de doença.
O cacique Leonardo guarani, que tem a função de técnico de enfermagem na
aldeia, colocou que tem essa preocupação com o lixo que é gerado na comunidade
38

e da falta de assistência dos órgãos públicos para com os mesmos e que eles não
têm como fazer a retiradas do lixo, que não tem como queimar e que seria muito bom
se eles não precisassem queimar seus lixos, pois a fumaça também faz mal para
eles e para o meio ambiente. A partilha de saberes veio agregar um anseio que ele
há muito tempo queria com os índios para abordar sobre o lixo que e produzido na
aldeia.
O Cacique Edemar Guarani, falou que o trabalho com seus alunos essa
preocupação com o lixo e que preocupa orientar da melhor forma seus pequeninos
dentro da sala de aula, para que os mesmo seja reprodutores de conhecimento
ambientar para a vida e seu próprio bem está a assim cuidaram do meio ambiente
em que eles vivem fez um questionamento de qual seria o papel do instituto IFPA,
na comunidade indigna; qual seria o retorno da faculdade sobre os problemáticos
levanta do após as pesquisa e os problemáticos levantados dentro da partilha de
sabores.
Acredito que através da partilha de saberes, após fala de alguns itens de sobre
o lixo que produzimos no dia a dia exemplo as fraldas descartáveis, garrafas pet,
sacolas plásticas, roupas velhas etc. E o tempo que esses itens levam pode ser
reciclado, dentro desse contexto levei e receada dos e viraram objetos que tanto
pode ser usado com enfeites ou utensílios que podem ser usados como porta treco,
porta retrato etc. e esses mesmos objetos foram doados em forma de sorteio após a
palestra. Sabemos que a reciclagem está longe de ser a solução de todos os
problemas de lixo gerado pelo ser humano e que, infelizmente nem todas as cidades
têm o processo ou a coleta de reciclagem. E que na aldeia não é diferente a
preocupação com o lixo que é gerado por eles mesmos.
Essa problematização não é de hoje e algo que já vem de muito tempo, só
que através da reciclagem e que é um falou de suma importância para a diminuição
do lixo gerado por todos, há vários possibilidades da diminuição do lixo e da
conscientização de todos queimarem, não e a única solução ou enterro do mesmo e
que através da reciclagem vamos eliminar a proliferação do lixo, reeducando ser
humano, trabalhando o nosso psicológico porque a reciclagem tem o poder curativo
na mente humana, desenvolvimento habilidade, coordenação motora, visão e outra.
E que através da reciclagem podemos ter um ganho financeiro pessoal ou até
mesmo dentro da nossa própria família ou comunidade.
39

IMAGEM 9: Painel da Oficina

Fonte Acervo da Autora

4.4 RELATOS DE EXPERIÊNCIA DOS PROFESSORES DA ESCOLA KARAÍ GUAXÚ.

Foram realizadas entrevistas qualitativas com Edmar e Maria que além de


serem casados e membros da comunidade também exercem a função de
professores na escola Karaí Guaxu, onde o principal objetivo foi entender a partir das
experiências vivenciadas pelos professores, como a Educação Indígena Guarani tem
sido ofertado no âmbito da educação escolar.
A professora indígena Maria Regina Lopes de Souza Guarani, docente de
Língua Materna, narra não apenas sua experiência, mais também aspectos de uma
educação diferenciada ao seu povo.
trabalho nas duas línguas, eu trabalho português e linguagem. Trabalho
com as crianças do primeiro ao quinto ano. Aí depois eu ia começar a
trabalhar né, de 5º ao 9º ano. Foi agora que teve essa pandemia, aí a gente
parou. Não continuei trabalhando. Tem muita história mesmo... muita
história. Muita história boa muita história triste, então tem muita história. Na
minha primeira vez na sala de aula... Sou eu, antes... Eu não... Eu só tinha
primeiro... Segundo ano do ensino fundamental. Comecei a 27 trabalhar foi
em 90... Foi 97. Eu nunca entrei na sala de aula, nunca... Nunca fui
professora. Quando eu entrei para trabalhar na sala de aula, eu entrei
mesmo só com a cara e a coragem. Eu não tinha formação nenhuma. E
como a gente precisava muito de alguém para trabalhar e assim que nós
chegou aqui, também não tinha ninguém e aí o pessoal disseram é bom a
40

Maria porque, eu sempre falo na linguagem. Tem que colocar a Maria


porque ela fala na linguagem. E aí foi tão bom e eu comecei a trabalhar
assim mesmo. Não sabia de nadinha mesmo. Não sei nem como é que eu
ia iniciar. Eu não tinha nenhum tipo de curso. Eu nunca fiz nada. E foi assim
que eu comecei a trabalhar assim, sozinha pedindo ajuda, a ajuda dos
próprios pais dos alunos quando comecei a trabalhar. Eu sei que foi muito
difícil. Foi uma luta muito grande no início. Mas só que foi indo e eu fui me
adaptando. E aí foi o tempo que os professores não indígenas começou a
entrar, e eles começou a entrar para trabalhar. E aí foi melhorando, porque
aí eles já foram me ajudando para desenvolver as atividades e assim foi
começando meu trabalho. (Entrevista com Maria Guarani em 03/12/2020)

No início de sua profissão ela pedia ajuda aos pais dos alunos e passou por
períodos difíceis devido não ter experiência, havia duas vantagens uma era porque
a maioria das crianças erem parentes (sobrinhos), mais mesmo assim ficou muito
nervosa, no momento que adentrou na sala de aula e viu a quantidade de crianças
ficou assustada, sentiu medo, pois era uma responsabilidade enorme que estava ali
à sua frente, outra vantagem era que as crianças falavam na linguagem, mais mesmo
assim havia a preocupação sobre o que os pais iam falar devido ela não ter
experiência alguma em sala de aula e achavam que ela não daria conta de dar aula
”se questionava em silêncio o tempo todo”. Ela continuou narrando:

Mas também foi bom, porque foi uma experiência muito boa, e trabalhando
foi assim que eu comecei. Fiquei nervosa mulher, fiquei muito nervosa,
porque quando entrei ali, tinha muita criança, só que eu não fiquei muito
nervosa porque, a maioria das crianças que estavam ali dentro, tudo falava
na linguagem, as crianças todinhas falavam na linguagem. E eu também
falava na linguagem. A gente começou falando na linguagem. Só que foi
difícil porque eu me senti nervosa, eu fiquei com medo. Porque eu sabia
que eu não tinha a capacidade, ali de dar aula assim, porque eu não sabia
de nada. Também ficava imaginando na família, nos país deles, né. Aí eu
ficava pensando, como é que esses pais vão olhar para mim? Será que vai
achar que não vou dar conta de dar aula? Só que aí foi... foi melhorando,
mas eu me senti muito nervosa mesmo. Não sabia nem o quer era aquilo.
(Entrevista com Maria Guarani em 03/12/2020)

A tradução de Educação Guarani enquanto desafio é permeada pelos novos


processos formativos, neste sentido, a escola tem um papel fundamental de articular
a Educação Escolar Indígena formal e Educação Guarani. A descrição de escola
feita por ela nos traz alguns dos aspectos possíveis de entendermos como o espaço
da escola construído contribui para uma efetivação maior na inserção curricular.
Quando nós começamos a trabalhar. Aqui é que era mesmo só uma
casinha, uma casinha de palha, coberta de palha, não tinha parede, não
tinha nada, nada, nada, nada... Só tinha mesmo cobertura de palha, mesmo.
Quando comecei a trabalhar. Tinha vez que chovia e molhava tudo e não
tinha nem como a gente fazer trabalho e a pregar, assim nas paredes. (Eu
estou rindo assim porque eu me lembro desse jeito). Pois é, o Edmilson
também ele foi meu aluno e ele era um aluno muito dedicado. Esse menino.
41

Aí eu pedi para ele fazer um trabalho né, ele foi fazer o 28 trabalho e veio,
fez tudinho, bonitinho. Trouxe o trabalho bonitinho, até hoje eu lembro e ele
disse assim: professora onde é que eu vou pregar o meu trabalho. E eu
disse, pois é onde é que nós vamos pregar o trabalho? Não, professora vou
pregar lá na tua casa, lá na parede da tua casa. Aí ele levou. Levou lá para
minha casa e pregou lá na parede da minha casa. Então foi assim, a gente
trabalhou em uma casa muito humilde, muito mesmo... E não tinha parede,
não tinha nada. Também foi muito no início. Quando nós chegamos aqui foi
no início. Tudo... Tudo foi muito difícil. Então pra iniciar as aulas foi assim.
Casa sem parede. Naquela época nós tínhamos... Nós estávamos com 12
alunos. Alguns ainda moram aqui na aldeia. Têm essas filhas do Leonardo,
elas foram minhas alunas e alguns meninos aí da Aparecida que foram
meus alunos e hoje eles estão aí. E os meninos do Alexandre também foram
meus alunos e foram embora e tem só um aqui. O Alisson ainda permanece
aqui, e então alguns estão aqui ainda. Dos meus alunos. Alguns foram
embora. Eu tive a maior dificuldade assim, foi com os alunos que estavam
entrando na sala de aula que não entendia nada, nada da linguagem. Então
isso aí foi um desafio muito grande para mim por que... Porque eu não sabia
o que tinha que fazer com esses alunos e aí a única forma que achei que...
que achava que ia ser melhor para trabalhar com eles quando... Quando eu
comecei a cantar com eles na linguagem. Quando nós começava a cantar
com eles a linguagem... assim... Eles cantavam na linguagem e pegava
mais direito. E quando a gente ia falar com eles na linguagem nem a
pronúncia eles achavam difícil de falar na linguagem. Então, isso aí, foi o
que eu achei mais difícil assim que teve mais de idade de fazer. Além de
professor aqui né, eu também sou liderança, também sou liderança aqui da
aldeia. Eu ajudo no trabalho, quando tenho uma reunião, eu estou na
reunião. Eu também faço muito artesanato. Fora da escola sem dar aula eu
faço artesanato, e o trabalho com as crianças assim, no campo. Trabalho
com as músicas, com letras das músicas. Então é isso aí. Tudo eu faço...
Eu faço parte também do trabalho da escola, né. Na reunião. Sou dona de
casa tenho família, tenho meus filhos. Então o que falta? Eu também sou
avó. Quando eu não estou trabalhando na escola, eu estou trabalhando em
casa. Então de tudo eu sou um pouco, faço tudo. (Entrevista com Maria
Guarani em 03/12/2020)

Após terem construído um barraco de palha pela própria comunidade, foi feita
uma reunião com a comunidade e decidiram que ela Maria seria a professora de
linguagem guarani, pois ela falava com todos na linguagem dentro e fora da aldeia.
A professora Maria Guarani, relata em sua entrevista que iniciou em 1997, ela
só tinha estudado a 2ª série do ensino fundamental, que é o 2º ano do ensino
fundamental-I, ela relata que entrou com a cara e a coragem em sala de aula, pois
ela diz que não tinha conhecimento algum, assim que começou a ministrar aulas era
apenas para turmas do 1º ao 5º ano.
Somente em 2020 começou a ter aulas com as turmas do 6º ao 9º ano, mais
devido a pandemia da convid-19, as aulas foram suspensas, a professora Maria
Guarani, fala com muita felicidade que já está com 23 anos em sala de aula e que
está quase aposentando por tempo de trabalho.
42

Considero como um dos grandes desafios a questão da produção de material


didático, o dialogo realizado com a professora Maria Regina, aborda essa
necessidade dos materiais didáticos com textos e leituras dentro da linguagem
guarani, desta forma a mesma desenvolveria seus trabalhos em sala de aula com
mais qualidade, a ausência desses materiais trazem sérios prejuízos pedagógicos,
pois o fato de se concentrar apenas nos livros didáticos enviados pela SEMED têm
sido o único suporte para dar aulas.

Durante a entrevista Maria fala sobre a pouca eficácia do material didático


disponível na escola:
Tem material, mas é muito pouco, é muito pouco. Porque como eu trabalho
na linguagem. Não tem como eu pegar aquele livro da secretaria e da aula
do livro, mas ele tem me ajudado muito. Ele tem uma ajuda muito grande.
Eu fico olhando aqui, pesquisando, fico vendo, e em cima daquele livro
posso fazer outro trabalho da linguagem. Então mesmo assim não é o
suficiente. Nós não temos livros aqui na linguagem. Nós não temos livro
didático para linguagem uma coisa que nós precisamos muito. Os únicos
que nós temos aqui é o livro de alfabetização da linguagem, que é uma
história que foi feita, também muito pouca, foi feita bem resumida e é só isso
que nós temos. Essa história ela contou, um pouco da comida típica dos
Guarani e ela contou um pouco dos Remédios naturais do povo Guarani,
ela contou um pouco sobre... Sobre a história do início de onde eles vieram,
para onde eles estão querendo ir, ele conta um pouco sobre isso daí. As
roupas, fala um pouco das roupas, fala um 30 pouco também da primeira
menstruação da criança, como era naquele tempo, como era naquele tempo
e como está sendo hoje tanto das meninas como dos meninos. Também é
muito interessante a história (Entrevista com Maria Guarani em 03/12/2020)

Desse modo, ao observar que nas aulas de canto, por exemplo: usam os
maracas que são produzidas por alguns artesãos da comunidade, violão, violino,
roupas que a professora Maria costura e os alunos pintam com os traços da cultura
guarani, destaco como uma reflexão que tais indumentárias também podem ser
considerados como material didático de apoio, e isso caracteriza a Educação guarani
no espaço da Educação Escolar.
Maria Guarani, especifica que não planejou ser professora, foi de repente e
por decisão da comunidade, como eles viajavam muito e trabalhavam na roça por
isso não tinham como estudar, mas com o passar do tempo ela foi pegando amor
com os alunos e pela profissão e tem buscado melhorar cada dia como profissional,
uma de suas maiores preocupações é estar perto de aposentar-se e já se encontra
cansada e não tem ninguém para substituí-la.
43

Nesse momento a professora, começou a chorar durante sua fala, pois ela teme
não ter ninguém para continuar com o ensino da língua materna, pois a cada dia e
ano que passa ela percebe que seu povo estão ressiguinificando seus costumes,
principalmente de conversarem na linguagem guarani.
No entanto, com o passar dos dias ela narra como foi melhorando a qualidade
do seu trabalho, escola não tinha paredes, nem cadeiras, os alunos se sentavam no
chão e quando chovia e molhava tudo, Maria sorria durante essas falas, por que
vinham na sua memória a cena “você me fez voltar no tempo”, “é como se eu
estivesse vendo tudo agora”. Emocionada a professora Maria Guarani relata
orgulhosa do aluno Edimilson Guarani, ele era muito dedicado, fazia os trabalhos,
ela se emociona ao lembrar que o aluno perguntava; “professora terminei meu
trabalho, onde eu coloco, porque na escola não tem parede? ”, ela conta que abraçou
o aluno e disse: “leve para sua casa e coloque na parede”.
Só que para a surpresa da professora o aluno colou o trabalho na parede da
casa dela e foi uma emoção inesquecível. Com o passar dos anos a maioria desses
alunos crescera, se tornaram adultos, casaram-se, alguns migraram para outras
aldeias, outros permanecem até dias de hoje, e continua a dá aula para os filhos dos
seus primeiros alunos.
E durante suas aulas desde as primeiras turmas até as turmas de hoje, a
mesma percebe que as aulas de canto, e que nos dias de hoje devido as idas e
voltas dos índios, pois eles se deslocam de uma aldeia a outra, ela percebeu que os
alunos e até mesmo os adultos têm perdido o costume de falar na linguagem guarani.
A Maria Guarani além de ser professora exerce o papel de liderança na aldeia,
sendo responsável pelas aulas de cantos, entre as crianças e jovens, também é
artesã, dona de casa e avó e faz parte do conselho da escola. A professora relata
sobre uma das maiores dificuldades é fazer com que os pais participem da educação
dos filhos na escola, ela fala que gostaria que os pais fossem pelo menos na escola
olharem os filhos, pois todos moram próximo a escola.
Em todas as reuniões ela cobra a presença dos pais na escola e fala da
importância de ter a opinião e participação deles, pois e necessário que os
responsáveis possam acompanhar e observa o desenvolvimento dos filhos, a
professora diz sentir falta da presença dos pais, principalmente por que as crianças
não falam mais a linguagem guarani, porque os pais também não falam na linguagem
44

com seus filhos, neste sentido ela nos diz: “é super importante pra nossa cultura que
as crianças aprendam a falar na linguagem também” Maria Guarani.
A professora diz não se sentir realizada profissionalmente pois ela gostaria de
poder fazer algo mais, como dar continuidade a sua vida acadêmica para se
especializar em sua área profissional, que é a linguagem guarani, a professora ainda
conta que é muito fácil falar na linguagem guarani, o difícil é escrever ou seja traduzir
o que está em português para a linguagem guarani, os livros didáticos que eles
recebem da Secretária de Educação, não os ajudam muito , por que nem tudo que
está escrito nos livros didáticos ela consegue traduzir pra linguagem guarani, mesmo
assim ela faz alguns trabalhos baseados na linguagem.
Seria de grande importância se tivessem materiais didáticos na linguagem
guarani, na escola existe um única cartilha de alfabetização da linguagem, dentro do
livro contém uma história bem resumida na cultura, a cartilha retrata, sobre comidas
típicas do Guaranis, remédios do povo Guarani, fala da origem do povo guarani, de
onde eles vieram, das roupas do ritual da menina moça, ritual dos meninos ao
adentrar na adolescência, que eles usam no coral, a cartilha está em português e na
linguagem guarani.
Mesmo assim com todas as dificuldades existentes, vem tentando manter-se
confiante na esperança de que algum indígena de sua aldeia dê continuidade com o
ensino de linguagem e faça com que a linguagem guarani não morra dentro da aldeia
e dentro de si mesmos porque a cultura as tradições, os costumes, fazem parte de
sua essência, resistência e existência.
Ainda nesta roda de conversa o cacique Edimar Pereira Guarani, que exerce a
função de Professor Coordenador, trouxe uma importante contribuição para pensar
o seu papel na escola e sobre quais são os desafios para a execução de sua função
no ambiente escolar do Povo Guarani, onde a resposta que se sucedeu traz consigo
elementos importantes para uma análise crítica:
“Na nossa escola o ponto negativo, o primeiro ponto. Principal ponto que
eu destaco é em questão de internet que é um ponto, que ainda não tem na
escola de fato. E é uma coisa que precisa ter. Então sem essa ferramenta,
fica um pouco difícil da gente também procurar, porque tudo que a gente
envolve aqui é interessante também, só que muitas vezes é necessário que
a gente procure, também outras... Outras informações, através de outras
ferramentas, mas também tem que ser dentro da internet”.( entrevista com
o cacique Edmar Guarani 03/12/2020)
45

Partindo de uma perspectiva de educação intercultural, na qual seu conceito já


foi abordado anteriormente, a inserção da internet na comunidade não apenas para
o campo da educação, mas para todas atividades, é de extrema importância para
que o acesso à informação para além dos Guarani não se torne um privilégio apenas
dos brancos. Mesmo que a opinião popular imagine que o acesso aos bens de
consumo atuais, como carros, smartphones e internet fariam com que o índio
deixasse de ser índio de forma genérica, ou Guarani deixando de ser guarani! isto
não tem sido confirmado, pois a cultura dos povos originários não é tão superficial
ao ponto de se perder com estes dispositivos, pelo contrário, estes povos são de
uma resistência enorme, que mesmo após o genocídio indígena produzidas pelos
colonialistas, as políticas de extermínio e uma educação assimilativa que procura
suprimir toda a expressão cultural desses povos, mesmo após tantas tentativas de
aniquilação, estes povos permanecem resistindo, e onde com a internet e outros
dispositivos tecnológicos poderiam aprender e inclusive ensinar através da rápida
troca de informações que o presente século permite.
Ademais, vale destacar ainda que no contexto da pandemia de COVID-19 o
processo educacional foi interrompido na comunidade, pois durante esse período os
professores não indígenas que dão aula na escola não foram permitidos de entrarem
na aldeia, paralização essa que foi precisa para a proteção dos alunos e dos
professores para que ninguém corresse o risco de contaminação durante esse
período de pandemia.

Vale ressaltar que temos tentando evidenciar os desafios da Educação


Guarani no contexto da educação escolar, para isso reitero a fala do cacique:
“Hoje nós também precisamos de uma escola de qualidade, de um prédio
bem mais estruturado, que a gente não tem, não tem refeitório, não tenho
espaço maior, para cozinha, para cozinhar, um bebedouro né, uma
biblioteca. Então... Armários para guardar os livros e são questões que
ainda não tem. Então são pontos que eu coloco. Na verdade, a minha
formação eu... Eu terminei o magistério indígena. Só que eu estou
estudando, ainda eu estou fazendo, eu estou fazendo ainda, eu estou... Eu
estou fazendo Educação no campo e nós estamos aí nessa luta, na área de
professor já tem 11 anos”. (Entrevista com o cacique Edmar Guarani
03/12/2020)

A tradução acima revela que nem ao menos a estrutura básica de uma escola
urbana a escola da comunidade Guarani possui, demonstrando que a realidade não
é apenas desafiadora, mas sim de abandono, pois toda essa precariedade mostra o
46

quão irrelevante é a escola desse povo para o poder público e suas esferas de
competência. Bebedouros, cozinha, biblioteca, infraestrutura de salas e cadeiras
adequadas, isso é o mínimo necessário para um aprendizado eficiente. Por acaso
os indígenas são menos humanos ao ponto de não terem direito a uma educação de
qualidade por que simplesmente são de uma cultura diferente? Estas são
provocações necessárias para que estes sejam enxergados e se vejam como
sujeitos de direito na qual o Estado possui obrigação constitucional de alcançar.
Segundo o cacique Edimar o município deveria ter um olhar mais prestativo
para a escola indígena, que um dos principais problemas são aquisitivos e territoriais
pois a escola fica localizada no município de Rondon do Pará, porém a Secretária
de Educação de Jacundá é quem presta suporte educacional, daí existe uma
fragilidade enorme, a falta de manutenção na estrada da aldeia é uma delas, a
prefeitura de Jacundá diz não ter a obrigação de fazer a estrada, já a prefeitura de
Rondon do Pará não presta nenhum tipo de contribuição dentro da comunidade
desde a chegada do povo Guarani.
Uma outra preocupação do professor é a quantidade de alunos que existe na
escola, cada ano que passa tem diminuído o índice de aluno, um dos principais
motivos pela evasão escolar é que os indígenas por não terem como se manterem
financeiramente dentro da aldeia, eles migraram de foram temporária bastante para
outras aldeias e isso faz com que exista essa defasagem de alunos na escola, não
há muito o que fazer para evitar esse tipo de problema.
Até o ano 2019 tinha 11 alunos matriculados nas series iniciais até o 5º ano.
Edimar, utiliza-se de estratégias pedagógicas como: leva os idosos para a sala de
aula para que eles contem histórias, lendas e mitos. Ele afirma que é preciso
introduzir o ensino aprendizado nos alunos não de “fora para dentro”, mais de “dentro
para fora”, a partir da convivência entre eles todos, dessa forma todos aprendem.
Para tanto, as estratégias de fortalecimento da cultura Guarani têm sido feitas
dentro dos seus aspectos cosmológicos, pois o canto e a dança são partes destes
elementos da ancestralidade.
Toda parte cultural né, da dança né, porque então.... Então tudo isso não é
que é interessante. Hoje teve um momento bem.... Muito bonito. Foi bem
participativo de dança, da cultura. Então tudo isso, é a gente que está
desenvolvendo. É claro que não é só eu, mas a gente vai ajudando um ao
outro, vai dando ideia. Vai elaborando ideias e vai lá e assim por diante.
Atualmente eu estou com os alunos, desde a educação infantil até o quinto
ano, são onze alunos. Uma das estratégias que eu vejo mais como uma
questão de participação da comunidade. Já que aquelas pessoas, que eu
47

gosto mais de destacar os velhos, porque quando a gente precisar da


participação deles e tem que ter delas, certas citações, dos mais velhos que
é uma estratégia que... A gente precisa mais da atuação deles, numa aula é
muito interessante. São muito conhecidos vários contos, de uma história, de
uma coisa, de um mito, envolver essas pessoas. Porque é claro que só eu e
os livros didáticos e outras pesquisas de outros pesquisadores lá fora, claro
que ajuda, mas o importante é trazer o próprio de dentro... De dentro da
comunidade, de dentro da convivência e mostrar... Aquilo, mostrar com a sua
própria experiência não só para os alunos, mais para nós que somos os
profissionais. Como um professor a gente vai aprendendo junto, então para
mim, essa é uma das estratégias. Fazer essa elaboração de trabalho junto
com eles também. Não basta só eu chegar no meu escritório, entra na minha
sala no meu lugarzinho, fazer meus planos tudinho, mas ter um momento de
reunião com todos eles (Entrevista com o cacique Edmar Guarani
03/12/2020).

O estar vinculando com o brincar, a arte, a imaginação, a educação através


do relato, da história, dos contos, da música e da dança, ao aprendizado cultural,
reforçando dois pontos, o de que o livro didático produzido pelos brancos não
contempla a realidade da aldeia e de que é necessário fazer e produzir a educação
formal em diálogo com essa comunidade indígena, incluindo a participação dos
mesmos de maneira ativa, onde ambos (escola, comunidade, estudantes) são
motores e promotores da educação, entrelaçando o saber com a realidade e
experiência milenar da tribo.
O professor relata que é importante que o planejamento seja construído junto
com a Secretária de Educação, escola e comunidade. É sempre bom ter a
participação dos professores não indígenas dentro do contexto educacional, existe
um trabalho em conjunto, uma troca de conhecimentos entre todos. E dessa forma
se materializa os princípios da Educação Escolar Indígena, com os indígenas e não
para os indígenas.
Para o professor Edimar é de fundamental importância do envolvimento da
cultura Guarani dentro do contexto educacional e no cotidiano. Desde que aconteceu
o primeiro Projeto Cultural na escola, que foi articulado pelos professores indígenas
e não indígenas, esses projetos trouxeram grandes benefícios para o contexto
educacional. Pois, foram relevantes para pensar a Educação Escolar Indígena no
sistema municipal de ensino, algo que precisa ser fortalecido.
No decorrer da conversa o cacique destacou que já promoveu intercâmbios
culturais, trazendo para a Escola Karaí Guaxu, alunos de outras instituições e já
levou os alunos indígenas para outras escolas, sempre com o objetivo de
desmistificar a ideia de que os povos originários andam pelados, agem como
48

selvagens e que são menos civilizados, essa colonialidade exótica que também são
reproduzidas no cotidiano das salas de aulas das escolas urbanas.
A experiência vivenciada pelo cacique e professor que atua deste 2009 na
educação escolar indígena. Cursou o Magistério Indígena no Ensino Médio e está
atualmente cursando Licenciatura em Educação do Campo na Unifesspa em
Marabá. Ele ressalta sua trajetória, que é importante para pensarmos como a
Educação Escolar Indígena, tem sido fortalecida a partir da formação dos
professores indígenas como protagonistas.
Pois então é uma questão interessante, porque antes eu não pensava em
ser professor. Eu estava na minha intenção, de todo o tempo, ser um
contador. Sempre coloquei na minha cabeça que, eu não vou ser outra
coisa, só contador. Tanto é que 37 eu estudei e eu gostava muito de física,
química, matemática, tudo para mim era um desafio que eu enfrentava e
conseguia vencer. Mas só que teve essa necessidade de professor para
comunidade. Aí mudou só que não foi assim, por minha vontade própria. A
comunidade fez a indicação. E eu disse então, eu estou pronto para ajudar.
Se for para ajudar a minha própria comunidade, eu estou prontinho. A partir
daí então comecei os trabalhos da escola. Já fui fazer uma faculdade
também. Então daí começou a criar dentro de mim esse... amor em está
trabalhando na escola igual hoje. Porque é interessante a gente olhar para
um grupo de alunos, e a gente está colaborando com eles ensinando
aprendendo juntos. Aquele momento ali, tão importante. Então, isso hoje,
eu não me arrependo não (Entrevista Cacique Edimar Guarani, em
03/12/2020).

Ele trabalha desde à elaboração dos planejamentos pedagógicos à professor


em sala de aula. Um dos seus sonhos como professor seria que pessoas com poder
aquisitivo abraçasse a causa, a luta, por uma escola de qualidade e estradas com
uma boa estrutura e que outras instituições tivessem mais participação dentro da
comunidade. Pois é através dos planejamentos, reuniões, encontros e diálogos que
as coisas podem melhorar. “Seria importante se viessem professores indígenas da
nossa etnia e de outras, para dividir conhecimentos e aprendizados e assim
multiplicar sonhos e projetos para educação indígena. Para Edimar o mais
importante é manter a cultura viva e não perder a força que vem da educação escolar
na qual todos precisam buscar de forma qualitativa.

4.5 INFRAESTRUTURA, RECURSOS HUMANOS, ESPAÇO FÍSICO E ORGANIZAÇÃO DO ENSINO


ESCOLAR DA ESCOLA KARAÍ GUAXU.

O prédio da escola foi construído em 2003 pelo Programa Raízes, do governo


do estado do Pará, com duas salas de aula, dois banheiros, uma cozinha e um quarto
49

com banheiro para receber os professores. O prédio foi entregue, mas sem nenhuma
mobília ou utensílios de cozinha. Um ano depois o prédio foi entregue para a gestão
da prefeitura municipal de Jacundá. Entretanto, em nenhum momento a comunidade
foi consultada sobre isso.
O prédio da escola foi reformado pela prefeitura municipal de Jacundá no ano
de 2006. Em 2009 a mesma prefeitura fez pequenos reparos emergenciais nesse
prédio. Apesar disso, o prédio já apresenta muitos problemas de infiltração, telhado
e encanamento dos banheiros. A escola ainda não foi mobiliada adequadamente
pela secretaria de educação de Jacundá. Durante os primeiros anos de
funcionamento da escola as poucas carteiras que aqui chegaram e o único armário
da cozinha foram doados de outras escolas que receberam equipamentos novos.
Em 2014 chegaram a primeiras carteiras adequadas para as crianças
estudarem. Essas são ainda as necessidades da escola: falta de armários e
prateleiras adequadas para guardar os livros didáticos e literários, quadro branco,
armário para a cozinha. Nas salas de aulas também é necessário colocar telas de
proteção para evitar a entrada de mosquitos e outros insetos. A instalação dessa tela
deve ser provisória, até que a escola seja reformada e adequadas suas instalações
para que sejam colocadas centrais de ar em cada sala de aula, conforme já foi feito
em outras escolas da rede pública de Jacundá.
A escola não tem refeitório, espaço e mobiliário adequado para as crianças
merendarem. Na cozinha da escola não há freezer ou geladeira o que impede que
nossos alunos recebam alimentos perecíveis como carne, iogurte, polpas de frutas
e frutas, tal qual as demais escolas do município. Contrário as nossas práticas
alimentares, a merenda escolar de nossos filhos é quase completamente
industrializada, exceto pelo arroz e o feijão que ainda constituem o cardápio da
merenda escolar de nossos filhos. Na escola também não há acesso à internet nem
equipamentos eletrônicos para uso didático tais como impressora, aparelhos de
televisão, antena parabólica, caixa de som, microfone, DVD e data show. Também
não temos um laboratório de informática instalado, apesar de a comunidade já ter
cinco computadores do programa PROINFO recebidos no ano de 2008.
A escola precisa ser reformada, adequadamente, mobiliada um espaço
adequado para o alojamento dos professores juruá que vêm para a aldeia ministrar
aulas nas turmas de 6º a 9º ano e, futuramente, no Ensino Médio. Para isso, a
50

comunidade já cedeu uma casa para servir de alojamento a esses professores, a


qual precisa ser reformada pela prefeitura de Jacundá.

4.6 MODALIDADES DE ENSINO E RECURSOS HUMANOS

Escola Karaí Guaxu oferece, atualmente, ensino de Educação Infantil para


crianças a partir de 04 anos de idade, Ensino Fundamental de 1º a 5º ano em uma
turma multisseriada. Já o Ensino Fundamental de 6º a 9º ano é ofertado pelo Sistema
de Organização Modular de Ensino (SOME), cujos professores vêm da cidade de
Jacundá.
No ano de 2016 conseguimos o ensino médio na escola pelo Programa
MUNDIAR do governo do estado do Pará. Mas essa modalidade de oferta do Ensino
Médio não é adequada para a educação de nossos filhos, pois não permite a
educação intercultural e bilíngue e, ainda, só atende pessoas maiores de 18 anos, o
que obriga os nossos filhos menores de 18 anos a irem cursar esse nível de ensino
na cidade de Jacundá.
Isso é importante ser observado, pois somos poucos em nossa aldeia, apenas
42 pessoas, também por isso nossa educação precisa ser diferenciada. As ações da
SEMED em parceria com a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) precisam ser
planejadas garantindo aos nossos filhos o direito de estudar na aldeia toda a
educação básica. Assim, eles não serão obrigados a ficar longe da aldeia e ficar
distantes das nossas práticas culturais. A escola Karaí Guaxu tem dois professores
indígenas que atuam na escola, eles residem na própria aldeia e ambos têm o
magistério indígena. Eles são os únicos professores indígena que atuam na escola.
A escola foi fundada em 1997 na aldeia Nova Jacundá, no início era apenas
uma professora que trabalhava com a educação infantil ao 5º ano, era apenas uma
sala feita pelos próprios índios, era coberto de palha, os bancos eram feitos de
galhos de arvore, não tinha piso e o aterramento era feito de barro. A primeira
professora chamava-se Maria Pereira Guarani, ela trabalha na escola atualmente
como professora de linguagem guarani com as turmas de educação infantil e as
turmas do 6º ao 9º ano.
Só em 2003 a escola foi construída, no ano 1997 iniciou uma turma
multisseriada de educação infantil ao 5º ano do ensino fundamental, até o ano 2000
as crianças e jovens tinham aulas com a professora indígena, onde as aulas eram
51

somente na linguagem guarani, a comunidade solicitou aulas de português e de


outras disciplinas para as crianças terem acesso há outros conhecimentos e
linguagens. No ano 2000 contrataram uma professora não indígena que veio de
Jacundá.
Somente no ano 2012 passou-se a ter aulas do 6º ao 9º com professores jurua
(homem branco) que vinham da cidade pelo sistema SOME da Secretaria de
Educação de Jacundá. Em 2014 chegaram as primeiras carteiras adequadas para
as crianças estudarem com mais conforto. Os guaranis almejam para o futuro que
toda educação escolar da comunidade seja realizada por professores indígenas,
para isso acontecer eles contam com o apoio e cooperação do Estado do Pará e a
União. Segundo os guaranis é necessário que todos os professores que ministram
aulas na escola Karaí Guaxu tenham conhecimento do PPP e assim compreender
as suas especificidades dentro da educação comunitária e do bilinguismo, e assim
entender e conhecer a linguagem dos guaranis, sua cultura e seu modo de viver.
52

CONCLUSÃO

Este trabalho teve por finalidade discutir e apresentar os contextos históricos,


sociais, políticos e educacionais que se destacam na aldeia Nova Jacundá, impondo
assim desafios na promoção e valorização da cultura indígena, de certo que também
afeta o processo de ensino aprendizagem na escola, a partir da minha experiências
vivenciada nesta escola. A partir das escutas feitas através de entrevistas, é possível
entender melhor as necessidades e também os pontos onde existe um descaso ou
uma intervenção colonialista na aldeia, principalmente na escola Karaí Guaxú. Os
relatos são diversos em experiências, mas são síncronos em percepção,
demonstrando que a comunidade indígena possui capacidade para refletir
criticamente suas relações sociopolíticas. Na pesquisa realizada na aldeia, nota-se
que apesar das dificuldades existentes dentro do contexto educacional, é possível
avaliar de um modo geral que houve avanços e que alguns objetivos foram
alcançados, de modo que ainda há muitos sonhos e objetivos a serem conquistados
e realizados.
No processo de desenvolvimento educacional, assim como em outras
esferas, a aldeia sofreu ônus quanto as aulas remotas na pandemia, onde a entradas
e pessoas estava restrita e a maioria dos estudantes não possuíam tecnologia
adequada para acessar as aulas, de modo que isso estagnou em algum sentido,
toda a evolução de ensino que que estava sendo construída a solavancos.
Para tentar amenizar esse problema é necessário criar estratégias que
simultaneamente resolvam vários aspectos relacionados as esferas sociais, culturais
e econômicas dentro da comunidade, espera-se também que os órgãos públicos
tenham um olhar diferenciado para a educação indígena dos guaranis da Aldeia
Nova Jacundá, já que os mesmos acreditam que o olhar reflexivo do poder público,
poderá aprimorar os materiais didáticos, a infraestrutura da escola como também a
melhoria do ensino aprendizado dos alunos e dos professores, garantindo assim o
sucesso educacional dentro da comunidade já que é direito e dever do estado ofertar
uma educação de qualidade para todos os cidadãos brasileiros.
Os guaranis visam a autonomia tanto dos homens e das mulheres, e não
esquecendo a importância de se ter uma educação de qualidade, o acesso a saúde,
e a importância de manter viva a sua cultura e costumes, para isso as políticas
53

públicas precisam está presente na vida desses indígenas com o objetivo de ajudar
a desenvolver o ensino aprendizado dos educandos e professores da escola Karaí
Guaxú.
Através dessas pesquisas sobre a educação indígena dos guaranis da Aldeia
Nova Jacundá foi possível ter a oportunidade de adquirir informações mais
aprofundadas sobre o currículo e o ensino aprendizado dos educandos indígenas e
suas histórias de vida, isso tudo contribui de forma extremamente satisfatória em
processos psicossociais, culturais e educacionais, pois ao conhecer a biografia do
povo e suas potencialidades é possível traçar metras de transformação social.
Com base nos resultados obtidos é possível identificar a importância que
cada indivíduo possui, de modo que essa percepção da individualidade faz toda a
diferença dentro e fora do contexto educacional e social, independentemente se seus
conhecimentos são científicos ou empíricos, pois o que realmente importa é respeitar
e valorizar suas histórias e que esse povo tenha o seu devido valor reconhecido
pelas políticas públicas e pela sociedade, pois os novas gerações indígenas da
aldeia Nova Jacundá estão perdendo a perspectiva de dias melhores dentro de sua
comunidade, estão saindo da aldeia, abandonando os estudos e procurando
oportunidade de trabalho visando condições de uma vida melhor para suas famílias.
Por fim políticas públicas e a educação precisam andar juntas e estarem
unidas para que seja possível ter educandos e professores com um aprendizado de
qualidade para todos os indígenas e não indígenas, com a inflexão de que a cultura
desses povos originários não pode ser apenas respeitada, é preciso ser promovida
e cultivada através do poder público.
54

REFERÊNCIAS

ALENCAR, Maria Cristina Macedo et al. Eu acho que os índios não querem mais
falar na linguagem por causa do preconceito, não é professora!: desafios na
educação escolar intercultural bilíngue entre os Aikewara & Guarani-Mbya no
sudeste do Pará. 2018.

BAPTISTA, M. C. A linguagem escrita e o direito à educação na primeira


infância. ANAIS DO I SEMINÁRIO NACIONAL: CURRÍCULO EM MOVIMENTO –
Perspectivas Atuais Belo Horizonte. 2010.

DE SOUZA, Matilde. Transamazônica: integrar para não entregar. Nova Revista


Amazônica, v. 8, n. 1, p. 133-152, 2020.

FÉLIX, Ana Cláudia et al. Educação indígena. ATUAÇÃO DOCENTE NA


DIVERSIDADE, p. 20, 2017.

LADEIRA, Maria Inês. Depois da Migração, o reencontro. Povos indígenas no


Brasil, v. 2005, 2001.

LADEIRA, Maria Ines. Os índios guarani/mbya e o complexo lagunar estuarino de


Iguape-Paranaguá. São Paulo: CTI, 1994

MACHADO, Almires Martins et al. De Direito indigenista a Direitos indígenas:


desdobramento da arte do enfrentamento. 2009.

MARQUI, Amanda Rodrigues. Tornar-se aluno (a) indígena: a etnografia da escola


Guarani Mbyá na aldeia Nova Jacundá. 2012.

NEVES, José Luis. Pesquisa qualitativa: características, usos e


possibilidades. Caderno de pesquisas em administração, São Paulo, v. 1, n. 3, p.
1-5, 1996.

ORTIZ, Rosalvo Ivarra; MACHADO, Almires Martins. Fuga da terra imperfeita: a


eterna busca da terra sem mal guarani da Amazônia Meridiona. REVISTA CIÊNCIAS
DA SOCIEDADE, v. 3, n. 5, p. 187-213, 2019.
55

POMPA, Maria Cristina. O mito, “mito da terra sem mal”: a literatura “clássica” sobre
o profetismo tupi-guarani. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v.29, n.1/2, 1998,
p.44-72.

RODRIGUES, A. D. Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas. DELTA:


Documentação e Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, [S. l.], v. 9, n. 1,
2019. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/delta/article/view/45596.
Acesso em: 20 jul. 2022.

RODRIGUES, Aryon Dall'Igna. Sobre as línguas indígenas e sua pesquisa no


Brasil. Ciência e cultura, v. 57, n. 2, p. 35-38, 2005.

Você também pode gostar