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jJdsiüDlhíivmttdriaA
Mário A, Perini
P ro fe s s o r da U n iv e rs id a d e Federal de M in a s G e ra is
SMAXE
PORTOUESA
2.^ edição
ea
n O o n á H fa
BIBLIOTECA PÚBLICA
MUNICIPAL - SBC
8 ... R . n . u .
T7
Direção
Benjamin Abdala Ju n io r
Samira Y oussef C am pedclli
Preparação de texto
-y" Sérgio R oberto Torres
P ^ Coordenação gráfica
René Etiene Ardanuy
Capa
Ar)’ N orm anha
-C ' i
C-
im p re s s ã o e a c a b a m e n to
FO NE 4 4 7 . OBM
ISBN 85 08 03512 8
1994
P refácio____________________________________________________ 5
Lista das abreviaturas u tiliza d a s______________________________ 8
1. Descrição, traços distintivos e p r o to tip o s ____________________ 10
1.1. Gramáticas descritivas 10; 1.2. Dilemas 11; 1.3. Saída 12; 1.4.
O catálogo de estruturas superficiais 15; 1.5. A opção pela super
fície 17; 1.6. Análise formal 19; 1.7. Problemas da taxonomía 27;
1.7.1. Concepções de “classe” 28; 1.7.2. Traços distintivos 33; 1.8.
“Fatos” em gramática 35; 1.8.1. “Evidência sintática” 35; 1.8.2. Posi
ção linear na seqüência 37; 1.8.3. Constituintes 38; 1.8.4. Manifes
tações da relação de “regência” 38; 1.8.5. Substituibilidade 40;
1.8.6. Correspondência 43; 1.8 6.1. Casos de correspondência 45;
18.6.2. Definição de “correspondência” 47; I.8.6.3. Propriedades
formais da relação de correspondência 49; 1.8.6.4. Propriedades
semânticas 51; 1.8.6.5. Problemas 53; 1.8.7. Retomada pronominal
54; 1.8.8. Sumário: Fatos sintáticos e traços distintivos 55; 1.9.
Protótipos 56; 1.10. Noções primitivas e derivadas 63; 1.11. Impor
tância das definições 66; 1.12. Sumário: Uma descrição da língua 69
2. Funções sintáticas na oração _______________________________ 71
2.1. Funções sintáticas 71; 2.2. O verbo e o núcleo do predicado
72; 2.3. Sujeito 72; 2.3.1. Definição 72; 2.3.2. O critério da concor
dância verbal 74; 2.3.3. Concordância verbal 75; 2.3 3.1. A concor
dância como regra 77; 2.3.3.2. A concordância como filtro 79;
2.3.4. O mecanismo da concordância verbal 80; 2.3.4.1. Filtros
82; 2.3.4.2. Outras razões de má formação 85; 2.3.4.3. Filtragem
semântica 86; 2.3.4.4. Dupla análise 89; 2.3.4.5. Vantagens da solu
ção B 89; 2.3.4.6. Sumário 92; 2.3.4.7. Formas nominais 93; 2.4.
Objeto direto 96; 2.4.1. Não-sujeitos 96; 2.4.2. Traços definitórios
do objeto direto 97; 2.4.2.1. o/a 97; 2.4.2 2. Voz passiva 98; 2.4.2.3.
Anteposição 99; 2.4.2 4. Retomada por (o ) que/quem 101; 2.4.3.
Definição de objeto direto 101; 2.5. Outras funções do SN na oração
106; 2.5.1. OD e predicativo do sujeito 106; 2.5.2. Uma hipótese;
OD = predicativo do sujeito 107; 2.5.2.1. Diferenças semânticas entre
OD e PvS 107; 2.5 2.2. Diferenças sintáticas 109; 2.5 3. OD, predi
cativo e atributo 110; 2.6. Negação verbal 113; 2.7. Elementos “adver
biais” 115; 2.7.1. O atributo revisitado 115; 2.7.2. Adjunto adverbial
118; 2.7.3. Adjunto oracional 118; 2.7.4. Adjunto circunstancial 122;
2.7.5. Ainda o AC: Semântica e comentários 128; 2.7.6. Casos proble-
máticos 130; 2.8, Sumário: Funções de nível oracional 131; 2.9. Obser
vações 133; 2.9.1. Funções sintáticas e a correspondência 133; 2.9.2.
Complementos e adjuntos 136; 2.9 3. Vocativo 140; 2.10. Apêndice:
As funções segundo Andrews, 1985 (uma crítica) 142
3. Funções de nível su boracion al.
3.1. Funções suboracionais 147; 3-2. Estrutura do sintagma nomi
nal 147; 3.2.1. Funções no SN 147; 3.2.2. O SN máximo 148; 3.2.3.
PDet, Det, Poss e Qf 149; 3 2.3.1. O PDet 150; 3 2.3 2. O Det 151;
3 2.3.3. O Poss 153; 3.2.3 4. O Qf 153; 3.2.4. Uma “cabeça” para
o SN? 154; 3.2.4.1. A noção de “cabeça” na literatura 154; 3 2.4.2.
Crítica da noção de “cabeça” 156; 3 2.4.3. Análise da concordância
nominal 159; 3.2.4.4. Problemas e perspectivas 162; 3.2.5. Pré-nú-
cleo, núcleo e modificador l63; 3 2.5.1.0 problema das classes aber
tas 164; 3-2.5.2. O problema da repetição de fimções 166; 3.2.6.
O SN não-máximo l67; 3 2.6.1. O problema 167; 3 2.6.2. Identifi
cação das funções no SN não-máximo 169; 3.2.6.3 Um velho 171;
3 2.6.4.0 imperador menino 172; 3 2.6.5. Velho palhaço 174; 3 2.6.6.
Sumário: Pistas disponíveis 178; 3.2.7. Casos problemáticos 179;
3.2.71. O “complemento nominal” 179; 3 2.7.2. Os numerais 182;
3.2.7.3 O aposto 182; 3.2.8. O que sabemos da estrutura do SN
184; 3.2.9. Comentários à análise do SN de Lemle, 1984 186; 3 3.
Dois níveis de funções sintáticas 187; 3.4. Funções sintáticas no
sintagma adjetivo 190; 3.4.1. O sintagma adjetivo 190; 3.4.2. Fun
ções internas do SAdj 192; 3-4.2.1. No SAdj máximo 192; 3.4.2.2.
No SAdj não-máximo 195; 3.4.3. Casos problemáticos 195; 3.4.4.
O que sabemos do SAdj 196; 3 5. O sintagma adverbial 197; 3-6.
Apêndice; Adjetivos denominais 199
4. A oração com plexa
4.1. Recursividade 204; 4.2. Um critério de contagem de orações
206; 4.2.1. Estrutura interna dos constituintes 206; 4.2.2. Gerúndios
e participios 210; 4.2.3. Limites da oração principal 211; 4.3. Funções
dos sintagmas complexos; Nível oracional 213; 4.3.1. Objeto direto
214; 4.3.2. Atr, AA, AO, AC 214; 4.3.3. Predicativo 216; 4.3.4. Sujeito
2l6; 4.4. Subordinadas, coordenadas e a matriz “menos tudo” 218;
4.5. Correlação 219; 4.6. Nível suboracional; A construção relativa
221; 4.6.1. Funções da construção relativa 222; 4,6.2. Estrutura inter
na da construção relativa 222; 4.6.2.1. Proposta de análise 222;
4.6.2.2. Argumentação em favor da análise 225; 4.6.2.3. Análises alter
nativas 226; 4.7. O auxiliar 228; 4.7.1. Correspondência parcial 229;
4.7.2. Passivas e ativas 230; 4.7.3. Contagem de orações e o auxiliar
230; 4.7.4. Predicado e seus complementos 232; 4.7.5. Auxiliares co
mo verbos 236; 4.7.6. Problemas 237; 4.7.7.0 participio 238; 4.8. Co
mo analisar as passivas? 239; 4.9. Conclusão: A oração complexa 242
Referências
Apêndice: Quadros (definição das funções sintáticas) _
PREFÁCIO*
* I'.Mf ii abidho foi financiado em p a n e por um a bolsa de pesquisa concedida ao Autor pelo
( :Nl'q
6
J
11
1.2 D ilem a s
' A noção de “grau (nível) de detalham ento” é tratada em Perini (a ser publicado).
12
1.3 S a íd a
t (HIK) veremos, não creio que isso seja realizável em termos estritos:
|ii)i um lado, a descrição estritamente superficial é inconveniente
IMII tieixar escapar generalizações interessantes; por outro lado, a
ilf scrição semântica e sua vinculação às estruturas superficiais terá
ilc ser algo fragmentária e incompleta. Mas como ponto de partida
i "..sa intenção nos será útil.
Nenhum lingüista nega a existência de estruturas superficiais,
nciii de interpretações semânticas. E nenhum lingüista nega a ne-
I cssidade de relacionar, de alguma forma, essas duas faces da lin-
gii.igem. Isso foi expresso p o r Saussure quando disse que o signo
lingüístico consiste na associação de um conceito com uma ima
gem acústica (Saussure, 1945 [1916], p. 128); e Chomsky exprim iu
e.sseiicialmente a mesma idéia ao afirmar que a tarefa básica da
lingüística é explicitar a relação entre som e significado. Se há
iim conjunto coerente de pontos de acordo entre os lingüistas
III ije, refere-se predom inantem ente à estrutura superficial (conce-
l)ld;i como a estrutura superficial de Chomsky, 1965, não como
.1 Vstructure de Chomsky, 1982). Veremos, aliás, que não é possível
- Chego a suspeitar que a velocidade incrível com que evolui a teoria sintática é em parte
uma ilusão, oriunda do nosso vício de considerar porções isoladas da gramática em profun
didade. Se alguém estuda os clíticos e outra pessoa estuda a ordem dos advérbios na frase,
é bem provável que as duas descrições (feitas sem referência uma à outra) sejam incom pa
tíveis; e aí às vezes acabamos falando de duas teorias sintáticas distintas. Na verdade, o que
há é falta de perspectiva estrutural; afinal, é preciso descrever tanto os clíticos quanto a
ordem dos advérbios, para se descrever a língua.
17
1.5 A o p çã o p e la su perfície
(la língua. Por outro lado, é possivel que haja generalizações que
s(') se possam descrever na superficie; estas não são, a priori, menos
Importantes do que quaisquer outras.
Nesse contexto, pode-se conceber a descrição superficial como
(cutre outras coisas) um repositório de “fatos sintáticos” relativa
mente não-controversos, fatos esses que devem figurar no output
(Ic qualquer descrição completa da língua. Note-se que mesmo a
d(.‘scrição contida em um “catálogo” pode entender-se como “gera-
liva”, no sentido de que inclui recursões e uma descrição em nível
.suficientemente geral para que se encaixe nela a infinidade de sen
tenças possíveis da língua. Portanto, não se trata de uma m era sistema-
lização ou compactação de um corpus fechado, nada na linha do
(|uc preconizava, por exemplo, Harris (1951, p. 12). A descrição su-
I )c‘i-ficial também tem como objetivo fazer previsões sobre as ocor-
1'éucias sintáticas possíveis na língua.
1.6 A nálise f o r m a l
J
27
1
ocorrência em construções comparativas, traço esse que divide tanto
os adjetivos quanto os substantivos em subclasses. E, por outro lado,
esse traço corresponde muito estreitamente a um traço semântico,
a saber, a possibilidade de atribuir uma qualidade que admita grada
ção. As palavras — tanto adjetivos quanto substantivos — que podem
ocorrer em ambiente comparativo possuem esse traço semântico;
já as palavras (adjetivos ou substantivos) que não ocorrem em compa- «
rativos não possuem o traço semântico em questão. Em tais casos,
ou a palavra tem sentido referencial, como mesa, ou então atribui
uma qualidade discreta, sem gradação possivel, como respiratório.
A concepção clássica nos impede de capturar esse paralelismo sintá- 'á
tico e semântico, forçando-nos a exprimir separadamente o fenô
meno para os adjetivos e para os substantivos, como se se tratasse
de dois fenômenos independentes.
i
31
(19)
{traço) casa branco ele este bem alto
(16) -1- -1- - - -1- -1-
(17) - -1- - -1- - -1-
(18) - - - - -1- -1-
1.8.3 Constituintes
Outra categoria de “fatos sintáticos” a levar em conta é a estrutu
ração em constituintes: o fato de que certos elementos da seqüência
se agrupam em unidades maiores, sintaticamente solidárias. Isso se
pode verificar pela observação de sentenças “correspondentes” (ver
1.8.6), e é também até certo ponto acessível à intuição direta. Assim,
em (21a), bateu a porta é, muito provavelmente, um constituinte,
ao passo que a porta furiosam ente não é.
Sabemos que a estruturação em constituintes tem uma face se
mântica que segue muito de perto a face formal; os constituintes
sintáticos são, quase sempre, interpretados também solidariamente,
o que talvez seja o principal fator responsável pela existência das
intuições diretas. No entanto, acho que a observação das correspon
dências, onde se verifica que os constituintes podem ser “movimen
tados” também solidariamente, revela uma face claramente sintática
do fenômeno. Um exemplo seria
(2 2 )
a. minha prima leu « obra com pieta de M onteiro Lobato
b. a obra compieta de M onteiro Lobato, minha prima leu
c. foi a obra com pieta de M onteiro Lobato que minha
prima leu
etc.
Existem também alguns raros casos em que o paralelismo sintaxe/se
mântica falha, no, que diz respeito aos constituintes. Nesses casos,
observa-se que seqüências que são semanticamente coesas não se
comportam como constituintes, o que ilustra o fato de que a estrutu
ração em constituintes tem uma face formal. Por exemplo,
(23)
a. este artigo foi difícil de entender
b. o que este artigo foi foi difícil de entender
c. difícil de entender este artigo foi
Nessas frases, a semântica exigiria aparentemente uma seqüência
“entender + este artigo”, seqüência essa que não aparece como
constituinte na sintaxe superficial.
1.8.5 Substituibilidade
O critério da substituibilidade é freqüentemente tomado como
essencial para o estabelecimento de classes de formas, mas nem
sempre sua aplicação é isenta de problemas. Consiste em atribuir
um traço comum a seqüências que se podem substituir mutuamente
em um ambiente dado, definido também em função de seqüências.
Assim, temos
(24) Caim matou Abel
No lugar de Caim podem os colocar a poiícia, a m eningite ou as
preocupações que ibe advieram da queda da hoisa. A todas essas
seqüências atribuimos então um traço comum; e podemos, por
exemplo, dar-lhes um rótulo comum, o de “SN”. No lugar de m atou
Abei, podem os ter chegou, é o m eihor am igo do m eu irm ão etc.,
e assim por diante. Observe-se que o ambiente se define em termos
puros de seqüência, seja citando os próprios itens, como por exemplo
(25) matou Abel
seja referindo-se a classes previamente estabelecidas, como em
(26) SV
As funções não são levadas em conta, não havendo inclusive, presum i
velmente, sido definidas ainda.
Conforme apontei, o critério da substituibilidade não é sempre
fácil de aplicar. A julgar pelos exemplos abaixo,
(27) nós chegamos tarde ao concerto
(28) ontem chegamos tarde ao concerto
teríamos de admitir que nós e ontem são substituíveis nesse contexto,
e que portanto devem receber um traço comum. Gramaticalmente
falando, isso não faz muito sentido: sabemos que nós e ontem são
palavras muito diferentes quanto a suas propriedades sintáticas.
Isso se evidencia, claro, quando consideramos um conjunto
maior de ambientes, como por exemplo
(29) ontem / * nós cheguei tarde ao concerto
(30) * ontem / nós viajaremos para Maceió
(31) sem * ontem / nós vocês não vão conseguir nada
(32) o dia de ontem / * nós foi terrível para mim
41
Agora podemos ver com mais clareza que ontem e nós, embora
se substituam ern alguns ambientes, tém urna distribuição global
milito diferente. É de se esperar, aliás, que dois itens quaisquer te
nham alguns traços em comum (como nós e ontem tém em comum
o traço de ocorrerem no ambiente “ ___ chegamos tarde')-, mas
I)(idem, ainda assim, ser profundamente diferentes quanto a seu com
portamento gramatical.
O grande problema aqui, ao que me parece, é o de estabelecer
0 (|ue é um traço sintático importante. Os traços se definem em
termos de ambientes individuais; mas como determinar quais são
os ambientes a serem levados em conta preferencialmente, na análi-
sc? Ou seja, como se poderá estabelecer uma hierarquia entre os
diversos traços possíveis?
Isso se faz sobre bases em grande parte intuitivas, partindo de
uma visão antecipada que o lingüista certamente tem do que deve
ser a descrição da língua. Uma consideração que pode ser levada
em conta é a coincidência de grande núm ero de traços; assim sejam
1)s itens nós, ontem e am anhã. Eles são todos diferentes, estritamente
f;tlando, pois não podem ocorrer exatamente no mesmo conjunto
tie ambientes. No entanto, ontem e am anhã aparecem em muitos
;imbientes dos quais nós está excluído, o que nos pode levar a valori
zar em especial aqueles traços que identificam ontem e am anhã,
clíLssificando-os juntos em oposição a nós.
Pode-se detectar nesse procedimento um elemento de circula
ridade; e não creio que haja maneira de evitá-lo. O fato é que não
liá esperanças de desenvolver “procedimentos de descoberta” que
nos levem, mais ou menos automaticamente, dos dados à análise.
A análise lingüística — como apontou até mesmo um estruturalista
como Hockett, 1958 — é em grande medida uma arte. De qualquer
modo, será útil tentar explicitar princípios que nos auxiliem a hierar-
(|uizar os traços entre eles, e esse da coincidência dos cortes que
cada um deles estabelece dentro da massa dos itens léxicos é pelo
menos o embrião de um desses princípios. Voltarei a este ponto
na seção em que trato dos protótipos (1.9).
Por ora, observemos que o critério da substituibilidade funciona
sob a condição de que não se pode nunca considerar os ambientes
isoladamente; a substituibilidade é um instrumento para estudar a
ilistribuição dos itens no conjunto da língua. E é essa distribuição,
amplamente considerada, que fornece a base para a classificação
dos itens segundo o critério da substituibilidade; é a distribuição
ampla, antes que a substituibilidade em um ambiente específico,
c|ue merece ser colocada entre os “fatos sintáticos” que nos inte
ressam.
42
1.8.6 Correspondência
1.8.6.5 P roblem as
Vou, para terminar, apontar uma série de problemas mal resol
vidos e perguntas interessantes, mas que não tenho condições de
responder no momento, dentro da área das correspondências.
Vejamos, primeiro, o teste de verificação de correspondência,
isto é, a aplicação da definição a um par qualquer de formas sintáticas.
íi evidente que esse teste não pode ser aplicado cabalmente, pois
isso implicaria examinar todos os preenchim entos léxicos possí
veis de cada par, o que seria, pelo menos, pouco prático. É claro
c|ue aqui teremos de nos contentar com uma certeza razoável, advin-
cla de certo núm ero de preenchimentos. A partir desse ponto, pode
remos fazer a hipótese de que não só há correspondência entre
as formas em exame, mas também entre as estruturas sintáticas de
c|ue elas são a realização particular. As estruturas, como já apontei
acima, não podem ser caracterizadas desde já, pois só podem ser
definidas em termos de classes e funções; mas podem os chegar à
conclusão de que as estruturas realizadas p o r duas formas correspon
dentes são, também elas, correspondentes — temos aqui uma exten-
,são da noção de “correspondência”, de formas a estruturas (de tokens
a types). Essa extensão deverá ser eventualmente formulada nas linhas
seguintes: “Quando duas estruturas são correspondentes, então suas
realizações também serão correspondentes se os preenchimentos
léxicos forem paralelos”. Por ora, deixarei a questão assim meio
em suspenso, até que disponhamos de meios para referir-nos a estru
turas sintáticas em abstrato.
Finalmente, devo confessar minha insegurança quanto à classifi
cação do caso VI (posposição de sujeito) como caso de não-corres-
pondência. Creio que é necessário examiná-lo com mais cuidado,
ã luz inclusive de alguns trabalhos recentes sobre o assunto.
No capítulo 4 voltarei à relação entre passivas e ativas, e formu
larei uma relação de correspondência parcial, ou unilateral (isto é,
casos em que A corresponde a B mas não vice-versa, o que a definição
de correspondência não permite). Veremos que essa relação é tam-
hém de certa utilidade para a descrição.
54
"X.BJ R e to m a d a p r o n o m in a l
P ro tó tip o s
Vamos voltar agora à questão da análise em traços distintivos, reto
mando o exemplo das classes de palavras, visto na seção 1.7.2. Vimos
ali que as palavras não se colocam em grupos nitidamente divididos
e mutuamente exclusivos, à maneira das classes tradicionais, mas que
se caracterizam por um certo número de traços; e só o conjunto dos
traços de cada palavra é que descreve adequadamente o seu comporta
mento gramatical. Fm principio, pois, poderiamos ter tantos tipos de
comportamento gramatical global quantas fossem as palavras do léxico:
cada uma mostraria uma combinação particular de traços distintivos.
É evidente que isso levaria a uma complicação tal da análise
que uma descrição compreensivel da lingua seria quase impossivel.
Sem negar que a complicação exista (e, se existir, a culpa não é
minha), vou agora procurar meios de simplificar o panorama, através
de um sistema de análise aproximada, de tal m odo que noções tais
como a de “classe de palavras” tenham alguma significação. Veremos
que as classes têm na verdade relevância na análise, e que é possivel
partir delas para construir uma gramática; mas teremos de enten
dê-las não como categorias nitidas e cabais, mas como protótipos.
Tomemos dois dos exemplos vistos anteriormente, as palavras
branco e alto-.
(87)
{traço) branco alto
(16) •f y
(17) ■+ -F
(18) - -F
(88)
^ ^ branco
\ Z — V- -
I /
^ ^ / /
'AZ /
I h \
J-
(89) i----------- ---
r z/ I -
c / alto I
/ 1
branco
\ .
/
j
í
/
z
z
z X
h z ✓
z
58
Onde:
“c aj ” são outras palavras tradicionalmente rotuladas de “adjeti
vos”; e
as linhas pontilhadas representam traços distintivos.
Em (88) não há duas palavras que sejam iguais: os traços acabam
distinguindo-as todas entre elas, o que equivale a dizer que cada
uma tem seu comportamento gramatical próprio, sui generis. Em
(89), ao contrário, verifica-se uma tendência ao agrupamento: alto
e g têm os mesmos traços, assim como branco, d, e ,f h, i,j-, finalmente
c parece ser idiossincrático, e nenhum a outra palavra do quadro
tem exatamente os seus traços.
O que se verifica na lingua é, como disse, mais próxim o de
(89) do que de (88). Sendo assim, ficamos autorizados a fazer afirma
ções acerca dos “adjetivos”, com preendendo por “adjetivo” qualquer
palavra que tenha os traços de branco. Essa maneira de referir-se
às classes é apenas aproximada, mas a aproximação pode ser tomada
como aceitável; no exem plo hipotético (89) as palavras com os
traços de branco são 70% do total. Diremos, em tais casos, que
nos estamos referindo ao protótipo do adjetivo; qualquer análise
feita na base de protótipos tem, com o é claro, um valor aproxi
mado, já que não vale para todos os casos. Uma afirmação feita
sobre o protótipo do adjetivo tal com o representado em (89) dei
xará de lado alguns itens (com o talvez c), considerados relativa
m ente desviantes.
Apesar desse caráter aproximado, a análise em protótipos m ere
ce ser levada a efeito, por várias razões. Primeiro, ela é suficiente
para deslindar as grandes linhas da gramática da lingua; permite
traçar, por assim dizer, um panorama visto à distância, falho em mui
tos detalhes mas capaz de caracterizar a lingua como um todo. De
pois, a análise dos porm enores desviantes (quando se chegar a ela)
deverá ser feita justamente tomando como referência a análise proto-
tipica. Assim, voltando ao exemplo do quadro, poderem os dizer que
alto é um adjetivo, excepcional por ser marcado [ +18]. Observe-se
como isso coloca alto com toda precisão em seu contexto, e de
maneira maximamente econômica. No m om ento em que rotulamos
alto como “adjetivo”, ele recebe automaticamente todos os traços
que definem o protótipo do adjetivo; suas excepcionalidades são
formuladas então em termos dos pontos de que ele se afasta desse
protótipo.
A análise em protótipos, então, é um recurso para fiigir à impos
sivel complicação da gramática a que me referi acima. Podemos tratar
os protótipos agora de maneira análoga às categorias tradicionais.
59
pondente passiva Isso vale para muitos objetos diretos, mas não
para todos. Assim, temos:
(90)
a. Zé vendeu o Escort
b. Zé o vendeu
c. o Escort foi vendido por Zé
e muitos grupos semelhantes. Mas há também casos em que a retom a
da é possivel, mas a passiva não ocorre:
(91)
a. mamãe tem um Scania desde 1969
b. mamãe o tem desde 1969
c. * um Scania é tido'por mamãe desde 1969
Há, finalmente, casos em que nem a retomada nem a passiva são
possiveis:
(92)
a. não suporto criança
b. + não a suporto
c. * criança não é suportada por mim
Note-se que (92b) é aceitável, mas não é a retomada adequada de
(92a); retomaria antes algo como não suporto essa criança. Repre
sentei isso através do simbolo “ + ”.
Ora, pode valer a pena, ainda assim, considerar um Scania em
(91) e criança em (92) como objetos diretos, assim como o Escort
em (90). Mas seria o caso, provavelmente, de definir o Escort como
prototipico, e os demais como desvios do protótipo, a serem descri
tos e estudados à parte. A alternativa é considerar que temos em
(90), (91) e (92) trés funções diferentes; mas isso mascara suas analo
gias de outros pontos de vista, além de favorecer uma proliferação
indesejável de funções sintáticas. Como se vé, também aqui a noção
de protótipo é útil à análise.
Em reconhecimento a essa utilidade, tem-se recorrido com fre
qüência ao uso de protótipos na literatura mais recente. Mas a neces
sidade de uma conceituação cuidadosa tem sido, em minha opinião,
negligenciada: falta uma definição suficientemente rigorosa do que
se entende por “protótipo” em sintaxe.
^ Já sabemos, a esta altura, que passivas e ativas não se correspondem , dada a definição
de 18.6.2. Aqui m e refiro a um a “correspondência” implicitamente aceita pela análise tradi
cional
61
Essa definição nos permite fazer afirmações como a que fiz aci
ma, de que o adjetivo branco é mais prototípico do que alto: com
efeito, a matriz de traços de branco se reproduz para muitos outros
itens léxicos, ao passo que a matriz de alto só é compartilhada por
um número pequeno de palavras.
A necessidade de protótipos, em substituição às classes tradicio
nais, decorre do fato de que a gramática das línguas apresenta aspec
tos anomalísticos muito mais importantes do que a lingüística mo
derna dá a entender. Acredito que precisamos caminhar para uma
.situação em que, proposta uma análise qualquer, um único contra-
exemplo já não seja suficiente para derrubá-la; e, por outro lado,
um único exemplo já não seja suficiente para justificá-la. Tudo vai
depender de uma visão muito mais ampla, em que haja a preocu-
p;ição de sondar as tendências gerais da estrutura da língua, isolando
()s casos particulares e lançando o peso da análise sobre as grandes
linhas estruturais da gramática.
Essas idéias podem parecer muito novas em gramática, mas não
são novidade nenhuma em outras ciências, que igualmente se vêem
ás voltas com fenômenos excessivamente complexos. Quando um
zoólogo afirma que os répteis são ovíparos, não será a descoberta
de uma espécie de vivípara (mas que, segundo a maioria dos outros
critérios, tem de ser classificada entre os répteis) que destruirá a
utilidade dessa classificação prototípica. Ele dirá que os répteis são
(ivíparos, mas que há uma ou duas espécies excepcionais nesse parti-
mhir — é o caso dos ictiossauros, por exemplo, que têm de ser
Cl insiderados répteis, mas que davam à luz os filhotes vivos. As classifi
cações em zoologia, como na maioria das ciências naturais, são proto-
t (picas, e não deixam de ser essenciais por isso. O que proponho
a(|ui é, formalmente falando, idêntico ao que se faz nessas ciências.
() modelo não se transfere automaticamente para uma ciência hum a
na como a lingüística; só a investigação dirá se os protótipos são
ou não essenciais também na descrição das línguas. A meu ver, a
evidência é favorável á análise em protótipos e, p o r conseguinte,
;idotarei esse ponto de vista no presente trabalho.
2.3 Sujeito
2.3.1 Definição
Nossa prim eira observação deve ser a de que existe na oração
(ou na maioria das orações) um constituinte que se harmoniza com
73
Deveremos analisar (2) como “oração sem sujeito”, já que não existe
aí nenhum term o explícito com o qual o verbo esteja concordando?
Ou será m elhor adotar uma análise em que a concordância se dá
com um “sujeito oculto”, postulado como válido para efeitos sintá
ticos (isto é, a solução tradicional)?
A discussão depende, em prim eiro lugar, da concepção de “con
cordância verbal” que se adote. Como este é um problem a de certa
importância dentro de uma análise sintática do português, e como
não estou seguro de haver chegado a uma solução definitiva, vou
discutir a questão em algum detalhe, nas páginas seguintes.
Distinguirei primeiramente duas soluções possíveis do fenô
m eno da concordância verbal. Segundo a solução A, a concordância
seria resultado de umaíj^égí^que modificaria a fo rm a^ õ v erb o p S ã
harmonizá-la aos traços fêfeVantes”dõ''sujeito. Assim, se õ sujeito"
fóreiJ7queT em o'S 'T i^õr””fOT^ pessoa” e “singular”, o verbo
sofreria uma transformação que lhe atribuiria a terminação específica
de prim eira pessoa do singular. Como se vê, essa solução segue
a análise da concordância usualmente aceita na teoria gerativa padrão;
ver aplicações para o português em Quicoli, 1972; Perini, 1977a;
e vários outros trabalhos.
Segundo a solução g , a concordância não seria propriam ente
uma regra (transformacional), mas uma c o í í d i ^ sobre a boa forma
ção das frases: a c oncordanciãm Specíõnãn a as estruturas, ádmífíndÕ
como gramaticais apenas aquelas em que se verificassem certas con
dições espt^i'ifiriada.s Segundo essa sõíu^õ7'ãgfãmática geraria livre
mente sujeitos e verbos em qualquer fom ur-e-a aceitabilidade ou
não seria resultado de uma operação ddhiltrager^
Exemplificando, uma frase como ''
(3) eu cheguei
seria aceitável, segundo a solução A, porque aí a concordância verbal
se aplicou, dando, ao verbo a forma em -ei, que se harmoniza com
os traços léxicos do sujeito eu. Já segundo a solução B a aceitabilidade
de (3) não procede de nenhum a adaptação da forma do verbo. (3)
foi gerada pelas regras da gramática, tal como poderia ter sido gerada
a frase
(4) * eu chegou
A concordância verbal inspeciona (3) e (4), e filtra (4) justamente
porque as condições exigidas não se verificam; em (3) as condições
estão presentes, e assim a frase não é excluída pelo filtro.
À primeira vista parece que a diferença entre essas duas análises
é insignificante: seriam duas maneiras de se dizer a mesma coisa.
77
( ¿ ) cheguei
I■.•.() porciue, dentro dessa solução, é necessário manter a conexão
eiiiie (2) e (3)
( ) eu cheguei
I '.'.a Ioiiexão evita que se tenha uma situação única (o aparecimento
Il.i desinência da primeira pessoa do singular) a partir de duas regras
iliMiiiias: uma estabelecendo a concordância de chegar com eu em
I i ), e produzindo assim a forma cheguei-, a outra produzindo a mes-
iiM lomia cheguei em (2) a partir de outro fator que não a concor-
d.inel.i (jã que (2) não teria sujeito). A saida é admitir que (2) tem
iiiii sujeito oculto, que se identifica de alguma forma com eu. Essa
•..iid.i MOS é forçada pela concepção da concordância como resultado
(Ir uma regra de harmonização sintática.
Ao iniciar o estudo da questão, inclinei-me para a solução A,
|M'la razão indicada. Mas um exame mais porm enorizado acabou
Ir\'<'lanilo certos inconvenientes sérios, de maneira que prefiro des-
<aiiá la c‘in favor da solução B.
() inconveniente principal da solução A é que ela nos obriga
.1 .!(Iinlt ir c|ue um elemento elíptico (o “sujeito oculto” de (2) ) possui
I I .K.i IS autônomos de núm ero e pessoa — traços não decorrentes
I siIIIIuras não chegarão a ser geradas. Não me parece que haja dife-
2,3.4 O m e c a n ism o d a c o n c o rd â n c ia v e rb a l
Vou entender “concordância verbal” como um fen ô m en o jle
harmonia entre SNs oracionais e o NdP de sua oração; não se trata
de üm processo gramatical, mas de um fato observável.
A concordância se define em função dos traços de pessoa _e
núm ero dos SNs de nível oracional, mais a forma do verbo (geral-
m ente'^õhsidêi5dã cõmõ expfimihdõ õs mèsm traços, através de
desinências). Para isso, deve haver uma espécie de tabela de corres
pondências, mais ou menos do formato seguinte:
Wfl í M
81
csi.i por ora como afunção desem penhada pelos SNs de nível oracio-
11.11 (|iie não são sujeitos. Em particular, trata-se de distinguir quatro
11| H),s de objeto direto (OD). a saber; clítico; formado de “elemento
topicalizado; e não-topicalizado.
A dejímição de objeto direto acima adiantada dá a entender que
Sn duas funçõisM e nível oracional podem ser desempenhadas por
SN.s. .1 de sujeito e a de objeto direto. Isso é uma simplificação, mas
1 1 . 1 0 é irremediável; veremos a seu tempo que há dois traços que
2.3.4.1 Filtros
O prim eiro filtro é o seguinte:
(15)
Filtro de terceira pessoa (F3P)
É mal formada a oração que tiver o verbo na terceira
pessoa do singular e não tiver sujeito.
Esse filtro é responsável pela inaceitabilidade de
(16) * comeu
(17) * chegou
83
2.3.4.4 D u p la a n á lise
Antes de passar à discussão geral dessa análise, quero fazer uma
observação sobre a possibilidade de duplas análises.
Como a imensa maioria dos SNs marcados como terceira pessoa
não variam de forma conforme sejam sujeitos ou objetos (as exce
ções, como sabemos, são apenas os pronomes eu, nós etc.), há fre
qüentemente, quando o verbo está na terceira pessoa, mais de uma
possibilidade de análise. Assim, uma frase como
(45) * entendeu minha tia
pode ser interpretada como uma frase com sujeio (m inha tia) pos
posto, ou então como sem sujeito, m inha tia sendo o objeto direto.
No prim eiro caso, a frase será filtrada pelo FP porque o sujeito está
posposto e o verbo não é pospositivo; no segundo caso, também
será filtrada, porque o verbo está na terceira pessoa do singular,
e não há sujeito; o F3P se aplicará.
Fm outros casos, pode acontecer que uma das análises dê um
resultado que escapa à filtragem. Por exemplo,
(21) chegou minha tia
Os procedimentos fornecem duas análises. Segundo a primeira, m i
nha tia é sujeito; como o verbo é pospositivo, e não exige objeto,
o resultado é bem formado. Segundo a segunda análise, m inha tia
seria objeto direto (não estaria em concordância com o verbo), não
havendo sujeito. Fssa análise dá um resultado mal formado, porque
o verbo está na terceira pessoa do singular, sem sujeito (F3P), e
além do mais m inha tia é objeto de chegar, que não admite objeto.
Resta perguntar ainda se não haverá casos em que as duas análises
escapam à filtragem. Nesses casos, prevejo que a frase será ambígua,
cada análise dando origem a uma interpretação semântica distinta.
A dupla análise parece ser inevitável, em geral, em qualquer
descrição da língua; assim, não vejo necessariamente um problema
na situação acima descrita. Naturalmente, pode-se chegar eventual
mente à conclusão de que nesses casos precisamente a dupla análise
não é indicada; tudo dependerá do desenvolvimento da nossa com
preensão do complexo sistema de filtragem da língua. Por ora, a questão
ficará assim em suspenso, como mais um ponto a demandar reflexão.
2.3.4.6 Sumário
A análise acima proposta para os fenômenos usualmente reuni
dos sob o rótulo de “concordância verbal” afasta-se muito das inter
pretações tradicionais. Em prim eiro lugar, a concordância, estrita
mente falando, não é uma regra, mas um fenômeno que se observa
nas orações, e que decorre da adequação entre formas verbais gera
das livremente e traços de pessoa e núm ero de SNs. Essa adequação
é, em principio, acidental, pois os SNs e as formas verbais são geradas
independentemente.
Os casos que seriam tradicionalmente considerados violações
da concordância, como
(33) * Antônio fomos lá
(34) * Antônio vimos Manuela
(35) * nós encontrei
interpretam-se como casos de objeto direto inadequado: ou por ser
supranumerário, ou p o r ser realizado por uma forma que não pode
ser objeto (por exemplo, nós, eu etc.); ou ainda, como em
(32) * os meninos que Maria encontraram são meus primos
por conterem um objeto topicalizado em uma posição que não é
a primeira da oração principal.
Não tenho desculpas a apresentar por esse distanciamento da
maioria das análises até hoje propostas. Até que se prove o contrário,
o tratamento aqui proposto para esses fenômenos é o que dá conta
do maior conjunto de dados, da forma mais natural. Apesar de sua
respeitável antigüidade, a noção de concordância verbal como regra
de modificação morfológica do verbo não facilita a explicação unifi
cada dos fenômenos considerados. Se é nosso objetivo descrever
o conjunto de fenômenos superficiais tradicionalmente chamados
“concordância verbal”, estou convencido de que as inovações aqui
adotadas são inevitáveis para permitir um tratamento coerente.
Apontarei, finalmente, um problema ao qual teremos de voltar
mais adiante. O conjunto de procedimentos utilizados para rotular
os SNs oracionais vai marcar como objeto direto o SN grifado do
(46) ronquei a noite toda
93
2.4.1 Não-sujeitos
Além do sujeito, podem ocorrer na oração outros elementos
parecidos, mas que não estão em relação de concordância com o
NdP, sendo portanto marcados [ —CV]. Na seção anterior, quando
discutimos a análise dos fenômenos de concordância verbal, admiti
que teriam todos a mesma função, a de objeto direto (OD). No entan
to, há razões para distingui-los em mais de uma fúnção, através de
traços ainda não vistos. Na presente seção vou passar a examinar
esses casos; o resultado nos obrigará a uma pequena reformulação
nos procedimentos de rotulação que fazem parte do sistema de filtra
gem visto em 2.3.4.
Exemplos de elementos não-sujeitos na oração são os seguintes:
(55) Zé vendeu o Escort
(56) Antônio considera Wolfgang um gênio
(57) Carlinhos desenha o dia inteiro
Já sabemos, da definição vista na seção anterior, que esses ele
mentos são sintagmas nominais (SNs), já que qualquer um deles
poderia ocorrer como sujeito de alguma oração.
Sabemos que a gramática tradicional classifica diferentemente
os SNs grifados de (55) a (57): o prim eiro é “objeto direto”, o según-
97
2.4.2.2 V o z passiva
2 .4 .2 .3 A nteposição
Frases com ODs tradicionais [CV] [Ant] [Q] [o/a] [P, Suj]
a. Zé vendeu o Escort - -1- -1- -H -1-
b. Antônio considera Wolfgang um gênio - -1- -t- -1- -1-
c. Tião cultiva bananas - -t- •f - -
d. gato come rato - -1- - -
e. mamãe tem um Scania desde 1939 - -1- -t- + -
f. não suporto criança - -1- -H - -
g procuro quem fale alemão - ? -1- - -
h. adoro nadar de costas - -1- -f - -
i. Tê disse que choveu ontem - + - +
)• quem você está procurando? - + + -1- -1-
k. quero que ela volte logo - ? + - -
1. eu procurava uma mulher perfeita - -H -t- -1- -
m. eu o encontrei no bar - - -t- -1- -
103
2.5 O u tras fu n ç õ e s d o SN n a o ra ç ã o
2.6 N egação v e rb a l
' Uma possibilidade que me parece um pouco remota, mas que precisaria ser investigada,
seria a d e que a NV não fosse um constituinte de nível oracional. O u seja, o conjunto de
NV + NdP seria um constituinte por sua vez constituinte da oração.
115
2.7.1 O a tr ib u to re v isita d o
2_ ^ .2 A djunto advesrbial
Continuando a fp ro cu rar distinções entre as diversas funções
Ir^V licionalm en te eng;lobadas sob o rótulo de “adjunto adverbial”,
cc3*lnsideremos o caso ilustrado por com pletam ente em
(135) Miguel d.-ecorou o apartamento completamente
'C<P\<mpletamente aqui soe aproxima do atributo, mas é claramente [ —Ant]:
(136) * comple'-tamente, Miguel decorou o apartamento
Desse modo, s o m o s obrigados a reconhecer aqui outra função
^ ^ ^ u a l darei o nom e trradicional de “adjunto adverbial”, agora restrito
^ c r9 ^ casos definidos p»ela matriz [ -CV, -A nt, -Q ].
- Designação cômoda mas algo inadequada. O advérbio ocorre na verdade antes da negação
verbal, quando esta ocorre:
(i) Carlos freqüentem ente não com parece ao trabalho
E, quando há auxiliar, em português o advérbio p o d e aparecer antes ou depois deste:
(ii) Carlos freqüentem ente tem procurado Marta
(iii) Carlos tem freqüentem ente procurado Mana
123
onde não se pode ver urna passiva (nem sequer, segundo creio,
urna “passiva sintética”), e no entanto ocorre um term o que só pode
ria ser analisado como “agente da passiva”, tanto sintática quanto
semanticamente, dentro da análise tradicional. Algo análogo acontece
dentro de sintagmas nominais como
(184) a destruição de Cartago pelos romanos
Ai igualmente a análise tradicional tenderia a ver um “agente da
passiva”, e no entanto não há passiva. Como vemos, portanto, não
é correto dizer que o “agente da passiva” tradicional se associa com
exclusividade a estruturas passivas.
Por outro lado, que significa dizer que os ACs têm ocorrência
livre? A ocorrência do AC só parece livre enquanto não se discri
mina a preposição individual que ocorre com cada um. Mas, a
partir do m om ento em que se m enciona a preposição (com o se
fez para p o r +SN), observam-se restrições m uito claras de ocor
rência, restrições essas que têm caráter semântico. Vejam-se os
exem plos
(185) Joca deu um presente a Beré / para Beré / * em Beré
(186) Joca deu um coice * a Beré / * para Beré / em Beré
(187) Claudinha vive * a Paris / * para Paris / em Paris
(188) Olga vive * à música / para a música / ?? na música
Como se vê, a ocorrência desta ou daquela preposição em ACs
está longe de ser livre. Será preciso estabelecer restrições de vários
tipos, em geral semânticas. E esse conjunto de restrições terá, como
um de seus efeitos, o de permitir a ocorrência de p o r no AC das
orações passivas (e também de certas não-passivas). Creio que isso
responde adequadamente a objeção levantada acima.
Um problema mais sério é o de por que a fúnção semântica
de “agente” se exprime através de um AC com p o r quando a oração
é passiva (e em alguns outros casos), e através de um sujeito na
maioria das orações ativas. Aqui caimos no labirinto inexplorado
das relações entre a estrutura sintática e a interpretação semântica.
O problem a não se limita à relação ativa/passiva; está generalizado
a muitos setores da gramática. Por exemplo, o paciente se exprime
através do objeto direto em certos casos, e através do sujeito em
outros, mesmo quando a oração não é passiva:
(189) Maria espancou José
(190) José apanhou de Maria
Em (190) o sujeito exprim e o paciente, e o agente é o AC, de
Maria.
128
sa, para todos os exemplos, pela matriz [ —CV, +Ant, —Q, +C1,
-P A ]). Grande parte dessa variedade semântica se deve à presença
de preposições, e às características semânticas de cada uma delas.
Assim, p o r pode expressar a relação de “agente”; essa relação tam
bém pode ser expressa através da função de sujeito, com certos ver
bos; ou por outras preposições, notadamente de, com ainda outros
verbos. Como resultado, a mesma noção de “agente” se exprime
de várias maneiras, segundo as circunstâncias e as idiossincrasias
dos itens léxicos governantes. Ao lado de (175), temos
(193) o vento despenteou Lucinha
onde a estrutura sintática (mais o item despentear) determinam que
o agente será expresso pelo sujeito. E podemos ter ainda
(190) José apanhou de M aria
onde essencialmente a mesma noção se exprime através de de + SN.
O reconhecimento dessa situação aparece esporadicamente nas
análises tradicionais, como na seguinte passagem de Kury (aqui, co
mo em geral, especialmente perceptivo):
“[o objeto indireto pode exprimir] o ser para o qual se dirige a ação
de um verbo transitivo indireto, podendo ter, pois, neste caso, valor
análogo ao do objeto direto:
‘Gosto de música.' (Confronte: ‘Aprecio música')"
[ K ury, 1985, p. 47.)
Acredito que a observação de Kury é no fiindo inteiramente justifi
cada. Mas observe-se como é incompatível com uma conceituação
semântica de objeto direto e indireto. Se essas são categorias defini
das em termos do significado, deveria ser óbvio que um objeto indi
reto nunca poderia ter o mesmo significado que em geral têm os
objetos diretos (pois isso faria desse objeto indireto, automaticamen
te, um objeto direto). O que acontece, a meu ver, é que uma doutrina
gramatical implícita impede o estudioso de seguir os preceitos explí
citos da gramática. Assim “sabe-se” que, apesar das definições, de
música e m úsica nos dois exemplos de Kury têm funções diferentes.
Quanto às preposições, será preciso eventualmente fazer um
estudo individual de cada uma, pois têm propriedades sintáticas dife
rentes. Depois que for abordada a questão das classes de formas,
será possível observar com algum cuidado o fato de que algumas
preposições funcionam para formar, com um SN, um “sintagma adje
tivo”, ao passo que outras formam um “sintagma adverbial”. Corres
pondentemente, investigar-se-á se certas preposições não se especia
lizarão como introdutores de certas funções sintáticas, de forma que
130
Traços
Função
CV Ant Cl PA pNdP
Sujeito (Suj) + + + + ( )
Objeto direto (OD) + + +
Atributo (Atr) + -F +
Predicativo (Pv) -F -F
2.9 O bservações
2.9.1 Funções sintáticas e a correspondência
Dois pontos de certa importância merecem um breve exame
a esta altura. O prim eiro deles é a relação entre a análise das fianções
sintáticas e as correspondências entre estruturas, definidas na seção
1. 8. 6.
A questão aqui é a seguinte: dadas duas estruturas correspon
dentes, devem elas ter análises idênticas ou análises diferentes? Por
exemplo, sabemos que são correspondentes as duas frases
(196) Rogério lavou meu fusca
(197) meu fusca, Rogério lavou
Agora, diremos que m eu fu sca é objeto direto em ambas as frases,
ou que m eu fu sca em (197), estando em posição diferente, deve
ser analisado diferentemente?
Na verdade, já houve uma decisão anterior, que foi a de se
considerar a mesma a função desse sintagma nas duas frases: foi
quando definimos o SN que precede o NdP, sem concordância, como
um tipo de objeto (ver a seção 2.3.4). Segundo os procedimentos
ali formulados, m eu fu sca em (196) é um objeto direto não-topi-
calizado, e em (197) um objeto direto topicalizado. Trata-se agora
de justificar e generalizar essa análise.
Vou argumentar que, apesar da posição diferente na seqüência,
m eu fu sca em (197) deve continuar sendo considerado um objeto
direto, e não um representante de uma nova função sintática. Vejamos
que vantagens nos trará essa solução.
Primeiro, é claro, a análise fica mais simples, não havendo neces
sidade de multiplicar as funções. Já que a maioria das funções estuda
das admite anteposição, teríamos uma série paralela de funções para
os elementos antepostos (“topicalizados”); se considerarmos que
frases correspondentes mantêm, para cada termo, a mesma análise,
escaparemos desse inconveniente.
Em segundo lugar, será possível capturar certas generalizações
que têm a ver com a transitividade (subcategorização) dos verbos.
Se m eu fu sca em (197) representasse uma nova função, essa função
deveria aparecer nas condições de subcategorização do verbo lavar.
Mas isso equivaleria a dizer que a anteposição (o traço [Ant] ) depen
de do verbo da oração, ao passo que já vimos que depende da função
do term o em questão. O mesmo verbo pode admitir ou não a antepo
sição de seus complementos, e isso depende de cada complemento
individual. O verbo considerar, por exemplo, pode ocorrer com
134
pelo menos dois dos traços, [Ant] e [Cl], convém explicitar melhor
o funcionamento da definição.
Estivemos aplicando o traço [Ant] como se significasse “a possibi
lidade de ocorrer anteposto a toda a estrutura”. Mas em (197) não
se trata de possibilidade; aí o sintagma m eu fusca, que é um OD
e, portanto, deve ser marcado [ -FAnt], está de fato anteposto. Assim,
na verdade a interpretação desse traço deve ser “um sintagma será
marcado [ -FAnt] se estiver ou p u d er estar anteposto”; ou, mais preci
samente, se ocorrer uma das seguintes situações: (a) o sintagma apa
rece anteposto em uma estrutura correspondente; ou então (b) o
sintagma está anteposto, e aparece não-anteposto em uma estrutura
correspondente. Interpretando-se assim a definição do traço, a marca
ção [ -FAnt] de m eufusca em (197) decorre automaticamente da corres
pondência que existe entre (196) e (197); e vice-versa, naturalmente.
Uma interpretação paralela a essa deve ser dada ao traço [Cl]:
“um sintagma será marcado [ +C1] se (a) aparecer clivado em uma
estrutura correspondente, ou então se (b) estiver clivado, e aparecer
não-clivado em uma estrutura correspondente”. Isso nos permite
analisar como objeto direto m eu fu sca em
(202) foi meu fusca que Rogério lavou
m entir, há outros que sem pre exigem objeto direto, como dizer-,
finalmente, há verbos que ocorrem com ou sem objeto direto, mais
ou menos livremente (ou melhor, sujeitos a restrições de ordem
não-sintática), como comer, p in ta r etc. Não me parece correto tratar
esses três casos igualmente, como se não fosse possível estabelecer
generalizações. Vale mais a pena examinar a teoria inicial, enrique
cendo-a de várias maneiras: admitindo a possibilidade da transiti
vidade livre (como a de com er para o OD); ampliando a lista de
funções relevantes para a transitividade; e introduzindo a noção de
“caso marcado”. Isso está tratado com mais detalhe no artigo mencio
nado (Perini & Fulgêncio, 1987), ao qual rem eto para uma discussão
mais completa, embora ainda preliminar.
Desse modo, pode-se concluir que é muito provável que as
funções sintáticas se possam distinguir em “complementos” e “adjun
tos” seguindo as linhas resumidas na citação de Andrews: um “com
plem ento” seria uma função que pode, em princípio, ser exigida
ou recusada por algum item léxico. Diremos que o objeto direto,
por exemplo, é um complemento porque certos verbos exigem sua
presença (dizer) e outros a recusam (m entir). Já um adjunto, como
o adjunto oracional, nunca constituiria base para uma restrição dessa
natureza, pois nenhum verbo ou outro item o exigiria ou o recusaria.
Mas é preciso esclarecer um ponto: não é possível incluir o
status de adjunto ou de complemento na definição das funções, pelo
menos como traço definitório mínimo. Isto é, duas funções nunca
poderão distinguir se meramente porque uma delas é adjunto e a
outra complemento, sendo os demais traços idênticos. Isso nos leva
ria a circularidades, o que é inadmissível em gramática Por exem
plo, digamos que distinguíssemos, dentre os termos a que atribuí
a função de adjunto circunstancial (AC), duas funções diferentes,
sendo uma delas um complemento e a outra um adjunto. Teríamos
o complemento na frase.
(172) Luzia mora em Santa Luzia
onde em Santa Luzia é, presumivelmente, exigido pelo verbo. E
teríamos o adjunto na frase
(205) Luzia m orreu em Santa Luzia
já que o verbo m orrer poderia ocorrer sem o elemento em Santa
Luzia. Assim, a diferença entre essas duas novas funções se definiria
através de exigências do verbo; o complemento seria exigido, o adjun
to não.
Embora admissível, e mesmo necessário, em outras áreas da atividade humana, como notou
Clym, 1953.
139
2.9.3 Vocativo
O vocativo é tradicionalmente considerado um elemento exter
no à estrutura da oração:
“[o vocativo] não pertence propriamente à estrutura da frase, devendo
ser considerado à parte, como elemento afetivo por excelência”.
[ L im a , 1964, p. 250.]
Veremos que há razões formais para manter essa posição tradicional.
Analisando um caso típico de vocativo, como
(206) Graça, o telhado vai cair
acabaríamos chegando à conclusão de que Gragz é um adjunto oracio
nal, pois seus traços são [ - CV, + Ant, - Q, - Cl, + PA]. Mas o comporta
mento desse termo difere significativamente do de um adjunto oracio
nal quanto a outros fatores, de modo que evitarei essa classificação.
Um fato já observado pelos gramáticos tradicionais é a ausência
de amalgamação do significado do vocativo com o do restante da
sentença, ou com qualquer constituinte dela. Em casos de AO, pode-
se dizer que há amalgamação com o significado global do restante
da sentença, como em
(207) indubitavelmente, Nô toca violão
Essa relação pode ser evidenciada pela paráfrase
(208) é indubitável que Nô toca violão
onde indubitável, ou melhor, seu significado, é claramente predi
cado do significado de N ô toca violão como um todo.
Já no caso do vocativo nada de semelhante ocorre. É como se
o vocativo e o restante da sentença fossem processados separadamente.
Outra observação interessante é que o vocativo não é preen
chido por sintagmas nominais, mas por uma classe especial. Assim,
não podem os ter
(209) * a Graça, o telhado vai cair
141
3.1 Funções su b o ra c io n a is
3.2.1 F u n çõ es n o SN
3.2.2 O SN m á x im o
3.2.3.1 O PD et
O PDet, como vimos, se define através de dois traços, um deles
a primeira posição, e o outro a última posição no SN máximo. Vale
então perguntar: como sabemos que todos em (6a) e em (6b) desem
penha a mesma função de PDet? Afinal, se estamos definindo as fun
ções posicionalmente, como podem os identificar dois elementos de
posição diferente? Não seria mais coerente considerar aí duas fun
ções distintas?
(6)
a. todos os meus muitos valentes amigos alagoanos
b. os meus muitos valentes amigos alagoanos todos
A resposta é que (6a) e (6b) se correspondem, no sentido expli
citado na seção 1.8.6. Em estruturas correspondentes as funções são
sempre as mesmas, com exceção apenas de elementos designados
na definição de “correspondência” (é o caso de se r... que das frases
clivadas); em outras palavras, como está em 1.8.6.3, frases correspon
151
3.2.3.2 O D et
O Det ocorre na segunda posição do SN máximo, e também
é desempenhado por um grupo pequeno de itens: o ( “artigo”), este,
esse, aquele e possivelmente o que interrogativo/exclamativo:
(10) todos estes meus valentes amigos
(11) todos aqueles meus valentes amigos
O caso de que é menos claro porque exclui ou dificulta a possibi
lidade de ocorrência de algumas outras funções; assim, não co-ocorre
com o PDet:
(12) * todos que valentes amigos? / * que todos valentes amigos?
Outros itens que podem aparecer em função de Det são algum
(geralmente no plural), nenhum e um . Estes excluem a possibilidade
152
3.2.3.3 O Poss
A função de possessivo (Poss), caracterizada pela terceira posi
ção no SN máximo, é típica dos itens tradicionalmente classificados
como “pronomes possessivos”: m eu, seu, nosso. No entanto, não
deve ser exclusiva desses itens, pois outro e m esm o têm com por
tamento semelhante, senão idêntico, ao dos pronom es possessivos.
Na presente análise, serão também considerados “possessivos” (re
lembro que os rótulos sintáticos não devem ser tomados em seu
sentido etimológico ou semântico; o fato de outro e m esmo não
exprimirem posse não é um problema. Utilizo o term o “possessivo”
para evitar a introdução de nomenclatura nova).
Observe-se que quando um pronom e possessivo ocorre ao lado
de outro ou mesmo, eles são intercambiáveis de posição, o que carac
teriza uma repetição de funções, antes que a presença de duas fun
ções diferentes:
(20) esse outro m eu amigo / esse m eu outro amigo
Esse fato reforça a análise adotada.
3.2.3.4 O Q f
Finalmente, postulou-se a função de quantificador (Qf) para des
crever o comportamento de itens como m uitos,poucos, vários (estes
154
quase sem pre no plural) e único, além de alguns outros, que ocupam
tipicamente a quarta posição no SN máximo, não sendo passíveis
de transposição. Os numerais cardinais e os ordinais possivelmente
deverão ser analisados como quantificadores, mas há certas dúvidas
a respeito; ver adiante, na seção 3-2.7.2, uma discussão desse pro
blema.
As quatro funções acima definidas (PDet, Det, Poss e Qf) são
todas desempenhadas por elementos de classes estritamente defini
das, em geral com pequeno núm ero de membros. É possível então
enumerar em uma gramática todos os elementos que podem ser
PDet, Det etc. Como se verá, teremos de utilizar essa vinculação
entre certas funções e certas classes como critério auxiliar na análise
dos demais elementos do SN.
hm inglês, head. Evito a tradução “núcleo” porque pretendo utilizar esse term o com outro
®'íínificado, mais adiante.
155
minha irma
C oncordância n om inal
Admitindo-se que o nódulo SN é marcado para género
e número, um SN só é bem formado se não houver discor
dância quanto a esses traços entre o nódulo SN e seus
constituintes imediatos.
^ Insisto que a formulação é preliminar, porque há ainda aspectos pouco com preendidos
da estrutura interna do SN. Por exemplo, não há certeza de quais são realmente seus consti
tuintes imediatos.
161
Esse teste pode ser repetido, com resultados idênticos, com qual
quer seqüência de preposição + SN Essa análise explica também por
que os sintagmas preposicionados tendem a ocorrer no final do SN.
Podemos então afirmar que certas formas (itens léxicos ou sin
tagmas maiores) só podem desem penhar uma dessas três funções:
mero só pode ser PN, mesa (e muitos outros) só pode ser NSN,
e os sintagmas preposicionados só podem ser Mod. Conforme se
verá logo adiante, essas formas especializadas podem ser usadas como
auxiliares na depreensão das diversas funções dentro do SN. Os critérios
serão sempre algo precários, porque nosso conhecimento atual não
nos permite reduzir a estrutura do SN — em especial no que diz res
peito às três últimas funções — nem mesmo ao relativo grau de clareza
obtido para a estrutura da oração simples (capitulo 2).
’ É preciso apontar que há casos, raros, em que um sintagma preposicionado aparece com o
NSN. Trata-se, com toda probabilidade, de casos de lexicalização, ou seja, de expressões
idiomáticas tratadas com o itens léxicos unificados. Por exemplo;
(i) um sem-vergonha de talento
Aqui m uito provavelmente sem-vergonha é o NSN. Não posso incluir esses casos na m inha
argumentação, p o r falta de espaço e tempo.
167
(49)
a. o livro verde d e exercícios
b. o livro d e exercícios verde
É verdade que em certos casos a permuta resulta em certo grau
de inaceitabilidade, o que dá a entender que há outros fatores interfe
rindo no processo. É o caso de
(50)
a. os meus p o b res bon s amigos
b. ? os meus bon s p o b res amigos
Tais casos só poderão ser estudados quando se descer ao detalha
mento mais fino da sintaxe; nesta análise, que busca delinear as gran
des linhas da estrutura da língua, terão de ser ignorados.
3.2.6 O SN n ã o -m á x im o
3.2.6.1 O p ro b lem a
Como vimos, é possível definir posicionalmente sete funções
dentro do SN máximo, a saber, PDet, Det, Poss, Qf, PN, NSN e Mod.
Cada uma delas ocupa uma posição característica dentro do SN, e
essa posição serve de guia para sua identificação. Agora precisamos
passar à consideração de um fato importante: o SN máximo não
é a única forma pela qual se realiza o SN — na verdade, SNs máximos
são extremamente raros (ver observação de Lemle, 1984, p. 97). O
que se encontra são SNs muito mais breves, como m eu s am ig o s
a la g o a n o s, m inha m ã e ou simplesmente eu. Como identificar as
funções nesses casos?
Note-se que, à prim eira vista, poderíamos chamar m inh a em
m inh a m ã e de PDet, p o r ocorrer em prim eiro lugar no SN. No entan
to, como se verá, não adotarei esse tipo de análise.
Diante do problem a de analisar os SNs não-máximos, surgem
duas alternativas. A primeira seria aplicar as definições das funções
diretamente ao SN em estudo. Assim, se tivermos que analisar o
sintagma
(51) o bom cabrito
chamaríamos o de PDet, por ser o prim eiro term o do SN; analoga
mente, b o m seria o Det e cabrito o Poss.
O problem a com essa análise, à parte o fato de ser radicalmente
contrária a toda a tradição, é que destrói uma generalização bastante
evidente, relativa às quatro funções PDet, Det, Poss e Qf e também.
168
3.2.6.3 Um velho
O primeiro caso é o do sintagma
(56) um velho
Como velho é um dos itens que podem ocorrer em qualquer das
três funções {velha canção-, um velho de 75 anos-, uma canção ve
lha), coloca-se o problema de determinar que função velho está exer
cendo em (56). Vou tentar solucioná-lo mostrando que apenas o
NSN é que pode ocorrer logo após um Det, formando com ele um
SN. Daí, conclui-se que velho é um NSN em (56).
Observa-se que os elementos (itens léxicos ou sintagmas maio
res) que só podem ser PN ou que só podem ser Mod não ocorrem
no ambiente descrito. Já vimos que mero, com toda probabilidade,
só pode ser PN (ver os exemplos (38) e (39), com a argumentação
respectiva). Ora, mero, que só pode ser PN, nunca ocorre logo após
um Det, formando com ele um SN:
o
(57) um m ero vai ser despedido
esse I
Vejamos agora se uma forma especializada na função de Mod
pode ocorrer nesse ambiente. O melhor é fazer o teste com um
sintagma preposicionado, que conforme vimos só ocorre no SN co
mo modificador. Verifica-se facilmente que tampouco os sintagmas
preposicionados ocorrem no ambiente em questão:
(58) * um de confiança
Interpreto esses fatos como significando que apenas o NSN pode
ocorrer logo após o Det, sozinho com ele no SN.
Acabamos de ver que, em dois casos distintos, o do PN e o
do Mod, elementos que não podem ser NSN também não ocorrem
■*Neste caso, assim como em vários outros que surgirão adiante, refiro-me à aceitabilidade
ou inaceitabilidade do SN em simação não-anafórica. A situação de anáfora, como se sabe,
acarreta reduções (supressões), e p ode resultar na ocorrência de seqüências que, em outras
situações, seriam inaceitáveis. Assim, em bora (58) seja inaceitável, poderia ocorrer por exem
plo em
(i) tenho vários em pregados, mas só um de confiança
Pretendo analisar tais casos segundo a linha proposta em m eu livro anterior (Perini,
1985), isto é, adm itindo a existência de um SN “vazio” em (i):
(ii) tenho vários em pregados, mas só um 0 d e confiança
A ocorrência d e tais elem entos vazios, naturalmente, deverá ser estritam ente controlada;
ver Perini, 1985a, p. 60-70, para um a discussão do problema.
172
S.2.6.4 O im p era d o r m e n in o
Vejamos agora como se deve analisar o sintagma
(59) o im perador menino
A seqüência im perador + m enino pode ter, em principio, seis
análises, a saber:
(a) NSN + NSN
(b) PN + PN
(c) PN + Mod
(d) PN + NSN
(e) NSN + Mod
( f) Mod + Mod
Algumas dessas possibilidades podem ser excluidas, a partir da
observação do fato de que, em bora um SN não precise ter NSN
(pode ser composto apenas de PDet, ou de Qf, como vimos), não
pode ocorrer PN nem Mod se não houver NSN. Pode-se concluir
isso porque os elementos que só admitem a função de PN ou a
de Mod nunca aparecem no SN a não ser acompanhados de algum
term o que possa funcionar como NSN. Por exemplo, com m ero ou
m eio (que só podem ser PN), temos:
(60) * os meros
(61) * todos os meros
(62) * alguns meros
(63) * um m ero de treze anos
Igualmente não ocorrem sintagmas preposicionados (que só
podem ser Mod) sem um outro elemento que possa ser NSN:
(64) * o de treze anos
Como se vê, há evidências de que o PN e o Mod jamais ocorrem
sem NSN. Ficamos assim autorizados a suprimir as alternativas (b),
(c) e (f) da lista das prováveis análises de (59); essas alternativas
simplesmente não são permitidas em português.
Das alternativas restantes, parece que ainda (d), ou seja, PN +
NSN, deve ser abandonada, pelo seguinte: em bora haja casos de
173
3-2.^.5 Velho p a lh a ç o
3.2.7.2 Os numerais
3.2.7.3 O aposto
não pode ocorrer separado do SN, nem inserido entre seus consti
tuintes. Um exemplo seria
(106) Simone, irmã do Carlinhos, ganhou um carro novo
No entanto, preferi não incluir o aposto como mais um term o
interno do SN, pelas razões dadas abaixo.
Em primeiro lugar, observa-se que o aposto tem uma estrutura
interna muito semelhante à do prõprio SN. Assim, temos:
(107) Simone, irmã do Carlinhos, ...
(108) Simone, amiga,...
(109) os livros, todos,...
Embora não se possa falar de identidade total, a maioria das restrições
válidas para a estruturação do SN vale também para os elementos
do aposto. Assim, nem o SN nem o aposto podem ser compostos
de o, ou de meu etc. Em alguns casos parece haver algum desvio;
por exemplo, irmã do Carlinhos, aposto em (106), dificilmente ocor
reria como SN. Mas creio que se pode falar de alto grau de parale
lismo. É como se se tratasse mais de um caso de repetição de SN
do que propriamente de um term o independente.
Essa idéia fica reforçada quando verificamos que o aposto, ou
alguma coisa m uito sem elhante a ele, aparece também ligado a
elem entos outros que o SN, e ainda aí o paralelism o estrutural
se verifica:
(110) mandei um cartão ao Zé, ao meu velho companheiro
de lutas
(111) os deputados andam dando, oferecendo de graça, em
pregos na Assembléia
Em (110) temos um sintagma preposicionado, em função de
atributo {ao Zé); em (111) um sintagma verbal, ou parte dele {dan
do). Nos dois casos, o aposto pertence à mesma classe. Se tais casos
são realmente exemplos de aposto, então o fenômeno transcende
a análise de SN; e temos mais uma razão para crer que se trata de
uma repetição de função.
Por essas razões não incluo o aposto entre os termos do SN.
A questão requer mais estudo; p o r ora, sugiro que pode tratar-se
de um mecanismo de nível mais alto (digamos, de nível oracional),
mecanismo esse que permite repetir certos constituintes imediata
mente apôs os constituintes primitivos. A repetição é apenas sintática,
ou seja, o preenchimento léxico não precisa ser idêntico, embora
possa sê-lo, como em
(112) minha vizinha é linda, linda
184
Definição
Função
(lugar no SN máximo)
P redeterm inante (P D et) 1? o u ú ltim o
D e te rm in a n te (D e t) 2?
Possessivo (Poss) 3?
Q u a n tific a d o r (Q f) 4'.’
P ré-núcleo (PN) 5?
N úcle o (N SN) 6?
M o d ific a d o r (M o d ) 7"
3 .4 .1 O sintagm a adjetivo
Após o estudo do SN relativamente minucioso feito na seção
3 .2 , wou passar a um exame de outros tipos de sintagma, agora buscan
d o apenas uma visão geral, bastante sumária, de sua estrutura interna.
C om eçarei com um tipo de sintagma ao qual, para facilidade de
referência, atribuirei desde já a designação de “sintagma adjetivo”
(SAdj), aliás usual na literatura.
Exemplos de SAdj ocorrem na função de modificador, como
em
(128) meus bons amigos de Maceió / um tanto desorientados
O s elem entos grifados em (128), em bora compostos de mais de
u m a palavra, contam como um term o único do SN, pois formam
u m constituinte que se subordina ao SN. Resulta daí que o SN nunca
tem m ais de sete termos, em bora possa com preender mais de sete
palavras; de Maceió e um tanto desorientados são sintagmas que
desem penham a função de modificador.
Assim, direi que o modificador é desempenhado por um SAdj;
e q u e o SAdj pode ser composto de uma só palavra (forte, alagoanos,
im possível) ou de várias palavras, tendo nesse caso uma estrutura
sijatática a ser estudada. Nesta seção vou justamente estudar as possibi
lid ad es de estruturação interna do SAdj, por ora definido como o
sintagm a que pode exercer a função de modificador.
O SAdj modificador se subordina a um SN, que por sua vez
se subordina à oração; o SAdj parece, pois, constituir uma espécie
d e terceiro nível de análise. No entanto, não vou considerar essa
urpa característica importante do SAdj, porque ele pode ocorrer tam
191
são disjuntas, não iiavendo ao que parece formas que possam desem
penhar mais de uma função no SAdj. O intensificador, além do mais,
é desempenhado por uma classe provavelmente fechada, e relativa
mente pequena, embora não tão pequena quanto as que desempenham
as funções de PDet, Det ou Poss. Exemplos são: muito, realmente, bem,
bastante, um tanto, (um) pouco, algo, completamente etc. A função
de Int se caraaeriza por ocorrer em primeiro lugar no SAdj máximo.
O NSA, representado em (138) por satisfeito, parece ser exclusi
vidade de palavras individuais, nunca sintagmas maiores; são palavras
tradicionalmente consideradas “adjetivos” ou “substantivos” (as pos
síveis exceções, a pesquisar, seriam casos de lexificação; ver 3.4.2.2).
É preciso incluir também os “substantivos” tradicionais entre os itens
que podem ser NSA por causa de expressões como
(139) o imperador menino
(140) uma concentração monstro
(141) uma escola piloto
Vimos em 3 2.6.4 que os itens grifados nas frases acima devem ser
analisados como modificadores; portanto, trata-se de SAdjs, compos
tos aí apenas do NSA.
O CSA, representado em (138) por com o trabalho, é sempre
desempenhado por sintagma preposicionado, isto é, preposição 4- SN.
Define-se posicionalmente por ocupar o terceiro lugar no SAdj máximo.
O caráter disjunto das classes de formas que desempenham
cada uma dessas funções nos permite uma identificação relativamen
te fácil das mesmas. Não digo, entretanto, que não seja necessário
ainda corroborar essa presumível disjunção através de levantamentos
amplos. De qualquer modo, aqui vou admitir essa hipótese como
verdadeira. A partir daí pode-se listar as possibilidades de estrutu
ração interna de um SAdj, exemplificando-as com formas típicas de
comportamento bem conhecido. E, como o Mod só pode ser preen
chido por um SAdj, a lista nos dá automaticamente as possibilidades
de estruturação dos modificadores;
Note-se que; (a) o Int não pode ocorrer sozinho no SAdj; (b)
a seqüência Int + CSA só ocorreria em casos como muito sem vergo
nha, mas seqüências como sem vergonha, de confiança etc. são sus
peitas de constituírem expressões idiomáticas lexificadas; por isso
não incluo a possibilidade Int + CSA no quadro.
Já notei anteriormente que nenhum a permuta de ordem é admi
tida entre os membros do SAdj, o que aliás confirma a hipótese
de que se trata de três funções distintas. Destas, apenas o CSA parece
aceitar repetição, como no exemplo seguinte (de Lemle, 1984, p.
155):
(142) a ferro com cuidado
Casos aparentes de repetição do Int acabam revelando-se como
de nível oracional. Por exemplo, em
(143) realmente muito satisfeito com o trabalho
A idéia de que realmente + muito seria uma repetição de Int não
se sustenta, por várias razões. Primeiro, a permuta desses dois ele
mentos dá resultados totalmente inaceitáveis:
(144) * muito realmente satisfeito com o trabalho
Em segundo lugar, realmente pode deslocar-se para diversas posi
ções, resultando em frases correspondentes, o que não é uma pro
priedade dos casos claros de Int, que não admitem deslocamento:
(145)
a. Pedrão está realmente muito satisfeito com o tra
balho
b. Pedrão realmente está muito satisfeito com o tra
balho
Em terceiro lugar, é possível separar realmente por vírgulas, o que
não ocorre com os casos claros de Int:
(146) Pedrão está, realmente, muito satisfeito com o trabalho
Finalmente, a impossibilidade de coordenação com tanto... quanto
revela que (143) não é um constituinte, logo não pode ser um SAdj;
(147) Pedrão é um rapaz tanto muito satisfeito com o trabalho
quanto bem rem unerado
(148) * Pedrão é um rapaz tanto realmente muito satisfeito
com o trabalho quanto bem rem unerado
Por todas essas razões, concluo que realmente em (143) não
é um Int, mas antes um constituinte de nível oracional. O SAdj é
apenas muito satisfeito com o trabalho (note-se que realmente tam
bém pode, em outros casos, ocorrer como Int).
.jm L
195
3.5. O sin ta g m a a d v e rb ia l
(178)
a. lesão sem gravidade no coração
b. lesão no coração sem gravidade
(179)
a. decisão de peso do pontífice
b. decisão do pontífice de peso
(Comparar com a inaceitabilidade de (169) e (170).)
Em alguns casos, entretanto, a permuta dá resultados marginais:
(180)
a. decisão imediata do presidente
b. ?? decisão do presidente imediata
Não sei como dar conta dessas diferenças.
Por outro lado, as paráfrases não admitem Int, tal como os deno
minais; isso pode ser devido, conform e já apontei, a causas sem ân
ticas.
4 A O RAÇÃO
COMPLEXA
4.1 R e cu rsiv id a d e
4.3.3 Predicativo
Até o momento, a análise dos sintagmas complexos ,seguiu • m .
paralelas à dos sintagmas não-complexos. Mas com o prisli. hum
encontramos uma função que não parece ser nunca desemiiciili n fi
por sintagmas complexos (excluindo-se, por ora, as construçi ic ... .ut
oração adjetiva). Uma busca sumária não revelou nenhum (.‘xeiui T i
de predicativo complexo, e sugere que tais construções não ()o m11 m
na língua.
Se a pesquisa confirmar essa restrição da função de prislli .u u . •
a sintagmas não-complexos, deveremos admitir que a distribui.. i«i
dos sintagmas complexos não é perfeitamente paralela à ck- m u
correspondentes não-complexos. Ainda assim, creio que vale a | » u i
continuar classificando-os juntos com os mesmos rótulos; em dru i
minado grau de detalhamento, as semelhanças sintáticas são s u I k i . u
temente grandes para justificar essa classificação. Mas ceriaiurui.
há assimetrias a estudar.
4.3.4 Sujeito
Deixei para o final a discussão da função de sujeito porque, ei iil mii
seja habitualmente aceita para sintagmas complexos como os de
(54) que Sandra te persegue é óbvio
(55) Sandra ter ganho n a loteria me alegrou
há problemas com essa análise, que precisam ser consideradlas.
O problem a mais sério tem a ver com a aplicação do li.u.n
[CV], que, como sabemos, é essencial na caracterização do suieii..
frente às demais funções; é, segundo a lista do capítulo 2, o unit..
traço que distingue o sujeito do objeto direto. Mas em casos de pi esii
mível sujeito representado por sintagma complexo (não-relativi >) pn
de haver sem pre dúvida quanto ao term o que está em relaçãi >. I.
concordância com o verbo, porque este fica obrigatoriamente u.i
terceira pessoa do singular. Pode-se, por exemplo, defender a idei.i
de que aí o verbo não concorda, mas fica na terceira do siiigul.ii
por ser essa a forma não-marcada, como ocorre em
(56) está cheio de crianças na praia
217
4.4 S u b o rd in a d a s, c o o rd e n a d a s e a m a tr iz “m en os
tu d o ”
4.5 C orrelação
4.3.3 Predicativo
Até o momento, a análise dos sintagmas complexos seguiu vias
paralelas à dos sintagmas não-complexos. Mas com o predicativo
encontramos uma função que não parece ser nunca desempenhada
por sintagmas complexos (excluindo-se, por ora, as construções com
oração adjetiva). Uma busca sumária não revelou nenhum exemplo
de predicativo complexo, e sugere que tais construções não ocorrem
na língua.
Se a pesquisa confirmar essa restrição da função de predicativo
a sintagmas não-complexos, deveremos admitir que a distribuição
dos sintagmas complexos não é perfeitamente paralela à de seus
correspondentes não-complexos. Ainda assim, creio que vale a pena
continuar classificando-os juntos com os mesmos rótulos; em deter
minado grau de detalhamento, as semelhanças sintáticas são suficien
temente grandes para justificar essa classificação. Mas certamente
há assimetrias a estudar.
4.3.4 Sujeito
Deixei para o final a discussão da função de sujeito porque, embora
seja habitualmente aceita para sintagmas complexos como os de
(54) que Sandra te persegue é óbvio
(55) Sandra ter ganho na loteria me alegrou
há problemas com essa análise, que precisam ser considerados.
O problem a mais sério tem a ver com a aplicação do traço
[CV], que, como sabemos, é essencial na caracterização do sujeito
frente às demais funções; é, segundo a lista do capítulo 2, o único
traço que distingue o sujeito do objeto direto. Mas em casos de presu
mível sujeito representado por sintagma complexo (não-relativo) po
de haver sem pre dúvida quanto ao termo que está em relação de
concordância com o verbo, porque este fica obrigatoriamente na
terceira pessoa do singular. Pode-se, por exemplo, defender a idéia
de que aí o verbo não concorda, mas fica na terceira do singular
por ser essa a forma não-marcada, como ocorre em
(56) está cheio de crianças na praia
217
4.4 S u b o rd in a d a s, c o o rd e n a d a s e a m a tr iz “m en os
tu d o ’
4.5 C orrelação
' Aqui acrescentei vírgulas, separando a construção relativa; a razão é que o relativo o qual,
sem preposição, só ocorre em construções relativas com vírgula (chamadas “explicativas”).
A alteração não influencia o argumento, pois a análise sintática das explicativas é essencial
m ente idêntica à das não-explicativas ( “restritivas”).
228
4.7 O a u x ilia r
uma análise que se aproxima da usual, mas devo confessar que tenho
dúvidas, e prefiro considerar a análise como provisória. Na melhor
das hipóteses, conseguirei equacionar os problemas mais im por
tantes.
Vou começar considerando o caso de
(94) Fritz tem perseguido Daniela
Observe-se que tanto tem quanto p ersegu ido aí são marcados negati
vamente quanto a todos os traços do capítulo 2, isto é, [ - CV, -A nt,
- Q , -C l, -PA], o que sugere que se trata de constituintes de nível
suboracional. Na verdade, como veremos, os traços são um guia mui
to falho quando se analisam os elementos “centrais” da oração; de
qualquer modo, por enquanto podemos captar a marcação negativa
desses elementos admitindo que eles formam um constituinte de
nível oracional. Já os próprios tem e p erseg u id o serão de nível subora
cional, o que explica sua marcação negativa para todos os traços.
Vou adiantar a nomenclatura que utilizo para as funções desem
penhadas por esses constituintes; depois passo a justificações e co
mentários. Para tem , mantenho o rótulo de “núcleo do predicado”
(NdP); para perseguido, usarei “complemento participial do predica
do”, ou mais abreviadamente “complemento participial”, ou ainda
CP. Finalmente, o constituinte de nível oracional que engloba os
dois, ou seja, tem persegu ido será considerado como tendo a função
de “predicado” (Pred).
Chamar a função de tem em (94) de NdP apresenta algumas
vantagens. Em primeiro lugar, podemos manter a generalização de
que a concordância verbal se faz sempre com referência ao NdP.
Em segundo lugar, essa análise também permite manter regulari
dades no campo do relacionamento entre classes e funções: em geral,
todos os itens classificados como “verbos” e que estejam em forma
finita são obrigatoriamente NdPs de suas respectivas orações; esse
princípio se conserva, sem exceções. Relembro que considerar tem
(o “auxiliar”) como núcleo não é uma decisão de im porte semântico;
portanto, as razões que levaram a gramática tradicional a chamar
p erseg u id o de verbo “principal” não nos impedem de considerar
tem o “núcleo”. A gramática tradicional atribui ao verbo principal
o significado mais importante, ou central, da oração; podemos até
concordar com isso (que é verdadeiro na maior parte dos casos).
Mas como a noção de “NdP” nesta descrição é puramente sintática,
portanto formal, do nosso ponto de vista não faz sentido discutir
a importância relativa dos dois termos.
Note-se que essa análise revisa um asp eao importante da pro
posta do capítulo 2: segundo essa revisão, o NdP é uma função de
232
uma análise que se aproxima da usual, mas devo confessar que tenho
dúvidas, e prefiro considerar a análise como provisória. Na melhor
das hipóteses, conseguirei equacionar os problemas mais im por
tantes.
Vou começar considerando o caso de
(94) Fritz tem perseguido Daniela
Observe-se que tanto tem quanto perseg u id o aí são marcados negati
vamente quanto a todos os traços do capítulo 2, isto é, [ -CV, -A nt,
—Q, —Cl, —PA], o que sugere que se trata de constituintes de nível
suboracional. Na verdade, como veremos, os traços são um guia mui
to falho quando se analisam os elementos “centrais” da oração; de
qualquer modo, por enquanto podemos captar a marcação negativa
desses elementos admitindo que eles formam um constituinte de
nível oracional. Já os próprios tem e perseg u id o serão de nível subora
cional, o que explica sua marcação negativa para todos os traços.
Vou adiantar a nomenclatura que utilizo para as funções desem
penhadas por esses constituintes; depois passo a justificações e co
mentários. Para tem , mantenho o rótulo de “núcleo do predicado”
(NdP); para persegu ido, usarei “complemento participial do predica
do”, ou mais abreviadamente “complemento participial”, ou ainda
CP. Finalmente, o constituinte de nível oracional que engloba os
dois, ou seja, tem persegu ido será considerado como tendo a função
de “predicado” (Pred).
Chamar a função de tem em (94) de NdP apresenta algumas
vantagens. Em primeiro lugar, podemos manter a generalização de
que a concordância verbal se faz sempre com referência ao NdP.
Em segundo lugar, essa análise também perm ite manter regulari
dades no campo do relacionamento entre classes e funções: em geral,
todos os itens classificados como “verbos” e que estejam em forma
finita são obrigatoriamente NdPs de suas respectivas orações; esse
princípio se conserva, sem exceções. Relembro que considerar tem
(o “auxiliar”) como núcleo não é uma decisão de importe semântico;
portanto, as razões que levaram a gramática tradicional a chamar
p erseg u id o de verbo “principal” não nos impedem de considerar
tem o “núcleo”. A gramática tradicional atribui ao verbo principal
o significado mais importante, ou central, da oração; podemos até
concordar com isso (que é verdadeiro na maior parte dos casos).
Mas como a noção de “NdP” nesta descrição é puramente sintática,
portanto formal, do nosso ponto de vista não faz sentido discutir
a importância relativa dos dois termos.
Note-se que essa análise revisa um aspecto importante da pro
posta do capítulo 2: segundo essa revisão, o NdP é uma função de
234
4.7.6 Problemas
Vimos acima uma proposta de análise para os auxiliares. Confor
me adiantei, restam alguns problem as im portantes, que lançam
dúvidas sobre a análise, ou pelo m enos sugerem fortem ente que
ainda há m uito o que pesquisar. Vou passar agora a listar esses
problem as.
O prim eiro problem a é que o predicado, que como vimos é
desempenhado por um constituinte de nível oracional, é também
marcado [-C V , —Ant, —Q, -C l, —PA], isto é, “menos tudo”, asse
melhando-se nisto às funções de nível suboracional. É possível que
o problem a desapareça com a ampliação do elenco dos traços defini-
tórios das funções oracionais, o que sem dúvida é necessário fazer
p o r várias razões. O utra possibilidade é que se chegue à conclusão
de que o sistema de traços não se aplica ao Pred, como não se
aplica ao NdP, do qual o Pred é projeção: eles formariam com o
que o constituinte “central” da oração, desem penhando funções
postuladas — portanto à margem do sistema de definições em
traços.
Outro problema também ligado ao predicado é que esse consti
tuinte se comporta de maneira peculiar quanto às possibilidades
de inserção de elementos entre os constituintes da oração, mas não
238
4.7.7 O participio
Um terceiro ponto merece menção aqui. Vimos acima que a
solução morfológica dos elementos que preenchem as íunções de
complementos do predicado tem como vantagem possibilitar a iden
tificação desses elementos quando ocorrem nessa função e quando
ocorrem em outras funções. Um infinitivo é a mesma forma quer
venha como complemento do predicado quer seja NdP de uma ora
ção (como é em (118) e (119)). Ora, essa afirmação vale para o
gerúndio e para o infinitivo, mas o participio terá de ser considerado
à parte. Vimos na seção 4.2.1 que o participio nunca pode ser NdP,
ao contrário do infinitivo e do gerúndio; o participio, quando ocorre
independentem ente de auxiliar, tem as caraaerísticas sintáticas de
um adjetivo, e não de um v erbo: p o r exemplo, não há razão para
crer que ele tenha sujeito, objeto direto etc. Mas o participio que
ocorre com auxiliar parece ser outra forma, sintaticamente distinta
do participio que se encontra em outros ambientes. As exigências
de transitividade são típicas de um verbo, incluindo o objeto di
reto:
(127) Maninha tem fritado m uito peixe
e mesmo, através do auxiliar, sujeito — se admitirmos que M aninha
é sujeito aceito pelo verbo fritar. Um verbo que recuse sujeito (como
239
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APÊNDICE
QUADRO 1
Definição das fiinções sintáticas:
Funções de nível oracional
Traços
Função
CV Ant Q Cl PA pNdP
Sujeito (Suj) + + + + O —
Atributo (Atr) - + - + + -
Predicativo (Pv) - - + + - -
QUADRO 2
Definição das funções sintáticas:
Funções de nível suboracional
(a) Funções internas do sintagma nom inal
Definição
Função {lugar no SN máximo)
Predeterminante (PDet) 1? ou último
Determinante (Det) 2?
Possessivo (Poss) 3?
Quantificador (Qf) 4?
Pré-núcleo (PN) 5?
Núcleo (NSN) 6°
Modificador (Mod) 7?
Nota: Ver na seção 3.6 discussão de um a possível oitava função.