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INICIAÇÃO

METÓDICA
À GRAMATICA
GERATIVA

Christian Nique
Outms Obms de interesse:
AS IDÉIAS DE CHOMSKY* — ]OÍm Lyons
FUNDAMENTOS DA LINGÜÍSTICA
CONTEMPORÁNEA — Edwurd Lopes
SEMÀNTICA ESTRUTURAL * —
A. ]. Grežmzx
CURSO DE LINGÜÍSTICA GERAL* ——
Ferdimmd de Saussure
LINGÜÍSTICA E COMUNICAÇÃO* —
Romm ]zkOb:O71
AS GRANDES CORRENTES DA ,
LINGÜÍSTICA MODERNA* —
* Maurice Leroy A
SEMIOLOGIA E COMUNICAÇÃO
LINGÜÍSTICA * — Eric ‘BuyS:Em'
ESTRUTURALISMO E LINGÜÍSTICA —
Oswzld Ducrot '
ASPECTOS DA LINGÜÍSTICA MODERNA *
‘ — Arc/Jibzld A. Hill (Org.)
NOVOS HORIZONTES EM LINGÜÍSTICA *
——— ]OÍJ/1 Lyons (Org.)
INTRODUÇÃO À PSICOLINGÜÍSTICA*
jem-Michel Peterfalvi
(com. mz outra dobra)
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CHRISTIAN NIQUE

INICIAÇÃO METÓDICA
À
GRAMÁTICA GERATIVA

Tradução de
EDWARD LOPES
(Professor de Lingüística da. Faculdade "BàrãO de Mauá", de
Ribeirão Preto, e de outras Facuidades do Estado de São Paulo)

EDITORA CULTRIX
SÃO PAULO

1974
Título do original; ` `
INITIATION MÉTHODIQUE Á LA GRAMMAIRE 'GÉNÉRATIVE Å
' © Librairie Armand Colin, Paris, 1974
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MCMLXXVII
Direitos de tradução para O Brasil adquiridos
com exclusividade pela I
EDITORA CULTRIX LTDA.
Rua Conselheiro Furtado, 648, fone 278-4811, S. Paulo,
que se reserva a propriedade literária desta tradução.
Impresso no Brasil 1
Príntød in Brazil — 1
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SUMÁRIO
` PREFÁCXO 7
CAPÍTULO 1. UMA CIÈNCIA DAS LÍNGUAS / UMA CIÈNCIA DA
Š LXNSUACEM

i 1 1.1. Os fundamento: da gramática gerativa Ä 10
[ à 1.1.1. A faculdade da linguagem, 10. — 1.1.2. Regularidades
I das línguas, e universais da linguagem, 11. — 1.1.3. Compeß
tência e performance, 13. — 1.1.4. Da concepção taxionômi-
Ca à concepção teórica, 14.
Ñ 1.2. Algum pressuposto: teóricos V 16
· 1.2.1. Um mecanismo finito para engendrar um número ínfi-
nito de frases, 16. — 1.2.2. Teoria geral e gramáticas parti-
, culares, 18. — 1.2.3. Gramaticalidade e interpretabilidade, 20.
— 1.2.4. A noção de gramática gerativa, 24.
l CAPÍTULO 2. PARA UMA GRAMÃTICA CIENTÍFICA
i 2.1. O conteúdo da palavra “gramática” 28
l 2.1.1. Sincronia/diacronia, 28. -— 2.1.2.. Gramátiea e sentido,
` 29. — 2.1.3. OS três níveis da análise gramatical, 34. ,
5 2.2. Nogões de gramática formal 37
Y 2.2.1. A noção de distribuição, 37. — 2.2.2. Paradigmática/
. 1 Sintagmática, 40. — 2.2.3. Exemplo: um fragmento de estudo
{ distribucional do adjetivo, 43. — 2.2.4. Palavras e morfemas, 50.
{ 2.3. Um modelo elementar; O modelo Sintagmátíeoi 53
2.3.1. A análise em constituintes imediatos, 53. — 2.3.2. A
gramática sintagmátíca como modelo gerativo, 59. — 2.3.3.
" A gramática sintagmática: um modelo não-contextual, 64. —
« 2.3.4. Ilustração e extensão: o tratamento do SV, 65.
CAPÍTULO 3. A GRAMÃTICA CERA'r1vo'rRANSFORMACXONAL
Y 3.1. Objetiz/os do método transformacional _ 76
_— 3.1.1. A noção de ambigüždade, 71. —— 3.1.2. AS tarefas de uma
` gramática, 78. — 3.1.3. Limitações e superação do modelo
¿ Sintagmático, 83.
`> 3.2. A primeira formulação da gramática gerativotran.rformaeional 86
3.2.1. O mecanismo da primeira formulação, 86. — 3.2.2. A
noção de transformação, 90. — 3.2.3. Sintese e recapitulação
` das regras utilizadas, 95. —— 3.2.4. Limites da primeira for
; à mulação, 99.
1.,
""——— 1
F
.‘
CAPÍTULO 4. A TEORIA-PADRÃO _ ' ~ . [
4.1. 0 problema da Subeateorizaço 104
4.1.1. A insuficiência das regras de reescrita, 104. — 4.1.2. A
noção de "traçO lexical", a Subcategorização do nome, 107. — _
4.1.3. As regras de subcategorização contextual; a subcatcgo
rização do verbo, 111. — 4.1.4. A subcategorizaço do adjetivo,
~ 118. — 4.1.5. Conclusãoz o componente de base, 122.
4.2. Alumas modificações da noção de “transfOrmaço” V 123
4.2.1. O problema da recursividade, 123. —— 4.2.2. Os cons-
tituintes de frase, 129.
4.3. Reeapitulaço: o mecanismo na teoria-padrão V 140
CAPÍTULO 5. DESDOBRAMENTOS RECENTES DA GRAMÃTICA GERATIVA ,=
A HIPÓTESE LEXICALISTA 146 "
5.1. 1/árias soluções para um problema 146
5.1.1. Exnriquecimento e simplificação dos diversos componen-
tes, 146. — 5.2.1. Situação da hipótese lexicalista, 150. — `
5.2. O problema das nominalizaçes 151
5.2.1. A hipótese transformacional, 151. — 5.2.2. Criticas de '
Chomsky, 152. `
5.3. Apresentação da hipótese lexicalista ' 155 Ï
5.3.1. Objetivo dessa hipótese, 155. —— 5.3.2. Formulação da
hipótese lexicalista, 155. — 5.3.3. OS problemas do Cornp e do ‘
Det em SN —> DET -1- COMP, 158.
~K
A 'rE0R1A-FADRAO EXPANDIDA 161 1
.·Í
5.4. O componente semântico na teoriwpadrão 161 Å
5.4.1. Papel e estrutura do componente semântico, 161. — 5.4.2. ’
A análise componencial, 163. —— 5.4.3. As regras de proje— `
ção, 165. * —
5.5.rA teoriwpaalrão expandida 169 1
5.5.1. Foco e suposições, 169. ; 5.5.2. Outros fenômenos da '
` mesma ordem, 171. } 5.5.3. Esquema do mecanismo da teoria-
-padrãO expandida, 173. J
_A SEMÃNTXCA oERA'r1vA 175
5.6. Proposições para uma nova teoria 175
5.6.1. O problema, 175. — 5.6.2. A crítica do modelo chomskyano
por Mar: Cawley, 176. — 5.6.3. A semântica gerativa, 180.
5.7. Inadequações da hipótese da semântica gerativo 181
’ 5.7.1. As criticas de Chomsky, 181. —— 5.7.2. A noção de
estrutura profunda, 182. — 5.7.3. A dualidade semântica gerati 1
va/semântica interpretativa, 183. — 5.7.4. A semântica geratîva 1
como variante inadequada da teoriapadrão expandida, 184.
BXELXOCRAMA 1 86
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Parece-me que Cbristian Nique escreveusum livro muito util.
E, no entanto, o número de obras de que dispomos, atualmente, em
francês, tratando da gramática gerativa, poderia desestimular esse
s `empreendimento. Mas, por um lado, a gramática gerativa é uma
s corrente tão importante do pensamento lingüístico que convém re-
. passar sistematicamente os seus princípios, tanto mais que ela dificil-
mente e acessível para os muitos que se formaram a partir de outras
modalidades de raciocínio ou que carecem dos instrumentosde for-
Å malizacão imprescindíveis a boa compreensão do seu desenvolvimento;
f e, por outro lado, ela se desenvolve e evolui de modo extremamente
, rápido, Como diz ]. Lyons na sua obra Ncw Horizons ín LínguíS
tics F, "as diferenças existentes entre as diversas versões’ da sintaxe
gerativa elaborada desde os Aspects são, na atualidade, tão impor-
' , tantes quanto aquelas que existem entre a sintaxe cÍ7omsÍeyana’ no
s seu conjunto e os demais sistemas de analise sintática 'nãoclJoms-
A Íeyanos’ ".
Ï Acbo que Cbristian Nique soube mostrar, em uma exposição
que não pressupõe nen/Jum conhecimento de parte do leitor, ao
li mesmo tempo, o essencial do percurso cbomsleyano em seu duplo
s aspecto, gerativo e transformacional, mas o fez sem ocultar os pro-
; lvlemas com que essa teoria se defronta nem esquecer as etapas da
; sua evolução e, mesmo, de suas revoluções. d
“ Este livro é, naturalmente, apenas introdutório, O que quer
e dizer que ele não dispensa, de modo algum, a leitura de ooras mais
~ especializadas; de qualquer modo, ele se oferece, certamente, como ‘
{ um meio privilegiado de acesso a essas leituras. Com efeito, a ini-
l’ ciação a esta nova problemática que se origina, de uma parte, da
Trad. bra.S.: Novos Horizonte: em Lingüístíca, S. Paulo, Cultrîx —
Edit. da USP, 1976. (N. do T.)
a7
análise distribucional e, de outra parte, das gramáticas formais, efe-
tua—se, neste livro, mediante uma alternância rigorosa entre a teoria
e o trabalho concreto sobre a língua, entre a abstração e a exempli-
ficação. Assim, semelhante leitura propicia, de modo seguro, o conhe j
cimento dos princípios do raciocínio sintático tal como ele é prati
cado na atualidade. Ao mesmo tempo — e isso e importante por
se tratar de uma teoria importada —, um leitor francês poderá
encontrar, nela, aplicações feitas para a sua língua e não só para a
língua inglesa. Por isso, o livro é uma introdução a leitura de obras
como as de Dubois, Ducrot, Gross, Milner, Ruioet, as quais, ao
abordar problemas anteriormente não abordados ou ao colocá—los ,
numa perspectiva diferente, renovam, nos nossos dias, todo o estudo o°=
da língua francesa.
Este livro se destina tanto aos estudantes que iniciam estudos
de Lingiiística ou que dela necessitam para seus estudos, quanto a
todos os docentes de Francës que estejam interessados na renovação
do ensino da sua língua. Não é casual, deste ultimo ponto de vista,
que Ch. Nique seja um docente — pesquisador, voltado sobretudo
para a pedagogia do francês, e que, estando ainda a preparar sua
tese, ele continue a lecionar na escola normal e promova seminários
de investigação pedagógica. julgamos que livros 'como o seu podem
prestar uma importante colaboração para a formação teórica dos s
professores, formação essa que, pensamos, deve ser cada vez mais
sólida. Se desejamos que, em meio a desordem vigente, os mestres
possam resistir a tentação de aplicar receitas apressadamente adquiri-
das, o melhor meio para isso consiste em faze-los conhecer, bem e a
fundo, teorias que eles não poderão jamais aplicar de modo direto
mas que deverão ser bem assimiladas a fim de que esses mestres
possam descobrir, com seus alunos, novas vias de aproximação a(s)
sua( s) lingua(s) e para os discursos de que eles são os produtores
e os destinatários. ,4
· Esta obra não é, portanto, nem uma pura exposição teórica e
histórica, nem um repositório de aplicações específicas. É um texto
didático que, esperamos, poderá inspirar perguntas, trazer conheci-
mentos, servir de chave para leituras e ponto de partida para tra-
balhos de exploração do francês; um texto que, em outras palavras, ,
liga o pedagógico ao científico, caminho estreito e perigoso mas que
é, também, ao mesmo tempo, um dos mais necessários na hora f
presente. “ `
‘ SIMONE DELESALLE
Paris-VHI
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ÏU:
CAPÍTULO 1 ,
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f UMA CIÈNCIA DAS LÍNGUAS / UMA -
« CIÈNCIA DA LINGUAGEM

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“Ao fazer 0 estudo da linguagem, aproximamo-
-710: daquilo que certas pessoas chamariam a “eS:ência
humana", daquela; qualidade: dixtintiz/as do espírito
que, tanto quanto Sabemox, são unicamente do ho-
× ` mem, e são inseparáveis de todas as fases críticas
V da existência, quer a pesxoal, quer a xocial. É o
que torna tal estudo fascinante e, ao mesmo tempo,
frustrador.”
NOAM CHOMSKY (1972)
l
1.1. OS FUNDAMENTOS DA GRAMÁTICA GERATIVA
1.1.1. A FACULDAXJE DA LINGUAGEM .
Se o homem pode ser claramente distinguido do animal isso se Õ
deve, incontestavelmente, à sua capacidade de utilizar a linguagem.
E a linguagem é, paradoxalmente, um dos fenômenos naturais menos
conhecidos. » , » j
Não há dúvida de que os animais possuem uma certa linguagem j
que muitos investigadores estão empenhados em decifrar, mas é e
certo, também, que essa linguagem não pode ser comparada à do j
homem. Ao contrário da linguagem humana que é rica, capaz de Ä Š
exprimir uma infinidade de fatos através de uma infinidade de dife-
rentes meios, e que está dotada de. propriedades muito específicas,
a linguagem do animal é constituída por uma série reduzida de signos
cristalizados, que não se articulam uns com outros, estando cada um
~ deles destinado a exprimir uma única realidade globalmente consi-
derada. Se uma abelha executa uma certa dança diante de suas com-
panheiras, essa dança indica, por exemplo, a existência de néctar —
em um ponto determinado, e mesmo nos casos em que seja prece-
dida ou seguida de uma outra dança, ela não pode significar nada
mais do que isso. Do mesmo modo, essa dança não pode ser dividida
em vários movimentos que sejam individualmente portadores de uma
parte da mensagem, ou que possam ser reutilizados em outras danças
como reutilizamos palavras em outras frases. Além disso, tais dan- li
ças significam unicamente realidades muito elementares, e elas se
limitam, na maior parte das vezes, à configuração de alguns círculos
aptos para indicar o local que deve ser explorado. já no caso do
homem temos, ao contrário, pequenas unidades lingüísticas dotadas
de sentido (grosso modo, as palavras), unidades essas que são, por o
um lado, divisíveis em unidades menores (os sons), e que, por outro »
lado, podem ser combinadas em unidades maiores para formar enun- Š
ciados. É essa propriedade que constitui uma das riquezas da lingua-
gem humana, o traço que a opõe distintivamente aos sistemas de
comunicação animal. A~ linguagem humana possui outras caracterís- j
10 l
,l
I
ticas`, descobertas, já há muito tempo, pelos lingüistas. Entre elas,
a de que a língua é o suporte do pensamento, é um meio de expressão
afetiva, é capaz de assumir uma função lúdica ou estética, etc. Mas
s, ,rt deve—se notar, sobretudo, que "a linguagem humana, na sua utiliza-
' ção normal, não se submete ao controle de estímulos externos ou de
estados internos identificáveis de modo independente"1. Em outros
termos, a linguagem humana não é um simples reflexo, instintivo
ou condicionado, nem responde unicamente às sensações de dor, de
fome ou de alegria. Ela não é, tampouco, algo que se limite tão-só à
função prática da comunicação. E na medida em que não possuímos
È nenhum órgão específico quetnão seja possuído pelo animal, parece
|` que a faculdade da linguagem é inerente aoequei denominaríamos de
E , ‘natureza humana’, a despeito da relativa ‘insubstancialid`ade’ dessa
' expressão e a despeito de não podermos, ainda, delimita-la com
maior precisão. Como quer que seja, é isso que Chomsky zfassinala: a
"O homem possui uma faculdade própria da sua espécie, um tipo
único de organização intelectual, o qual não pode ser atribuídoja
órgãos periféricos nem pode ser associado à inteligência geral.'..
A linguagem humana é apta para servir de instrumento a uma eXŠ
pressão e _a um pensamento livres." · ` »
“ Uma outra observação corroboratais afirmações. Nenhurni ani-
mal, ainda que seja o mais dotado dos chimpanzés, é capaz de apren-
l der a nossa linguagem, ao passoãque qualquer homem, independen-
È temente do nível da sua inteligência e da sua cultura, sabe falar.
« São fatos desse gênero que dizem existir uma faculdade da lingua-
gem. Essa faculdade nada tem a ver, evidentemente, com a inteli-
a gência, já que os animais mais inteligentes não são capazes de
— adquirila; ela é própria do homem, não podendo ser aprendida
mediante a simples repetição nem mediante condicionamentos aná-
logos aos que impomos às ratazanas nos laboratórios. `
li —
Q 1.1.2. REGÇLARIDADES DAS LÍNCUAS, E UNIVERSAIS
_ DA LINGUAGEM —
† Há algo que parece surpreendente quando se pensa na faculdade
ï da linguagem: é a extrema rapidez com que uma- criança aprende a
s língua materna. Bastam-lhe alguns anos, senão alguns meses. Certas
`investigações tendem, mesmo, a provar que a criança conhece a
‘ maioria das estruturas do francês aí por volta dos cinco ou seis anos.
1. Chomsky, 1967. `
2. 1967. `
È I 11
Ainda que seja incapaz de produzir todas elas (O passivo, por exem- «
plo, não aparece, geralmente, antes dos dez anos), parece que a d
criança pode, mesmo assim, compreendêlas.
Por outro lado, qualquer queseja a sua origem, a sua raça e a mê
nacionalidade de seus pais, uma criança pode aprender qualquer
língua, inexistindo uma predisposição para uma língua particular.
Quer se trate de um francês, de um chinês ou de um congolês,
a língua materna de uma criança será aquela na qual ela esteve
imersa durante os primeiros anos de sua vida.
Essas duas observações são tão surpreendentes que requerem
uma explicação. Quando se toma consciência da complexidade apa
rente das línguas, pode-se ser levado a crer que a aprendizagem da °‘
língua materna seja muito mais demorada. De fato, Chomsky pensa ,
que tal complexidade é apenas um fenômeno de superfície, sendo as j
línguas, mais profundamente, sistemas organizados extremamente j
ågulares, dotados de leis que regem o seu funcionamento. Por outro j
lado, o fato de uma criança possuir a faculdade de aprender uma ,
língua qualquer, desde que seja a língua do seu meio, pareceria con-
tradizer a afirmação já feita de que a faculdade da linguagem é um
fenômeno próprio do homem e, portanto, inata. Mas não se trata
propriamente disso, pois tal fato é simplesmente o índice de que as , i
línguas, sujeitandose cada uma delas a leis particulares, sujeitamse, j
também, a —leis comuns, universais, às quais Chomsky denomina de » Q
"universais da linguagem". '
A De fato, tal afirmação não pode ser demonstrada z priori, mas i
tão-só de modo empírico, através da observação e do estudo de todas j
as línguas humanas. De qualquer modo, os trabalhos já realizados no j
quadro da gramática gerativa parecem confirmar que todas as línguas j
possuem um funcionamento regular, e que existem universais da «
linguagem. Todas as línguas observadas são igualmente sistemáticas;
mas elas o são de modos diferentes. Não é verdade que existam ¿j
línguas pobres ou línguas evoluídas e línguas primárias. Nenhuma
delas está mais próxima ou mais afastada que as outras dos sistemas
de comunicação animal. Cada uma delas corresponde à civilização,
aos modos de vida, aos hábitos dos povos que a utilizam. Mas todas
respondem a rigorosos princípios de organização, e parecem possuir
propriedades universais, como as transformações que estudaremos
mais tarde e que agora descreveremos, de modo grosseiro e provi-
sório, como operações que permitem passar de um tipo de frase ·
(ativa, por exemplo, em francês), a um outro tipo de frase (passiva,
no caso). Essa noção será retomada, com pormenores, mais à frente.
Bastenos, por ora, observar que o mecanismo das transformações
12
parece participar dos universais da linguagem, e que esse mecanismo
realiza-se de modo diferente para diferentes línguas; dito de outro
modo, que todas as línguas se valem do instrumentoæransformação,
= ainda que não se valham das mesmas transformações.
Embora tenhamos somente provas empíricas em apoio dessa
hipótese, e ela a única capaz de explicar os fatos que já assinalamos
a propósito da aprendizagem das línguas. Dizer que a criança possui,
j desde o nascimento, a faculdade inata da linguagem equivale a dizer
que ela possui as estruturas mentais universais que lhe permitirão
Q construir o sistema lingüístico particular no meio do qual ela se
j_ encontra. Poder-se-ia objetar que a criança dificilmente aprende, de-
pois, uma língua estrangeira, mas isso se dá, sem dúvida, porque ela
já está condicionada por múltiplos fatores, entre eles sua língua
materna, no momento dessa segunda aprendizagem. O caso .— das
crianças às quais não se consegue mais ensinar a falar, não constitui,
. igualmente, um argumento contrário a hipótese das estruturas inatas.
Na realidade, e legítimo supor que a aquisição da linguagem implica
outros fatores psicofisiológicos, além dessas estruturas inatas, e que
esses fatores já não mais funcionariam a partir de um certo estágio
, de desenvolvimento do indivíduo: seria possível ensinar a andar uma
Š pessoa que nunca tivesse andado durante os vinte primeiros anos
l de vida?
Š
` 1.1.3. COMx>ETÉN<:1A E FERFORMANCE
l
Ï Tudo o que acabamos de dizer deve ser matizado, visto que
* a noção de "língua" não é tão genérica quanto até aqui vimos su-
r pondo. Convém estabelecer uma distinção entre o conhecimento
implícito da língua que temos e a utilização real que fazemos da
., língua habitualmente. Se, como já dissemos, aprender a falar con-
it siste, para a criança, em interiorizar as regras do mecanismo da
r língua que a cerca, isto não quer dizer que, ao falar, ela utilize tais ~
regras de modo impecável. Surgem, aqui, as noções de competência
Q e de per]‘OrmaaCe que Chomsky introduziu para dar conta desse fenô-
; meno. A competência se define como "o conhecimento que o falante-
-ouvinte possui de sua língua", e a performance como "a utilização
_ real em situações concretas"3 da competência.
j 1 De fato, a performance não pode, evidentemente, refletir fiel-
Ï mente a competência. Se a competência, a posse do mecanismo
Ã
¿ 3. Chømslty, 1965.
' 13
lingüístico é iteoricamente a mesmaipara todos os falantes, a per-"
formance, ou seja, a colocação em funcionamento desse mecanismo,
varia consideravelmente de um para outro sujeito, em função de
numerosos fatores como a atenção, a fadiga, a emotividade, e, também, —,
da situação sóciO—cultural do falante, do tipo de conversação que ele Ï`
entabula, do local em que ele se encontra, etc. A performance de
_ um pastor no campo não é a mesma da de um professor na facul-
dade: a do professor difere se ele está com seus alunos ou com seus
camaradas do exército. Tais diferenças se traduzem, na prática, atra-
vés de uma performance marcada por uma maior ou menor infor-
malidade no discurso, pelas repetições, pelas interrupções, por um __
respeito ou um desrespeito às regras normativas, pela escolha tanto é
de um vocabulário adaptado à situação quanto de uma sintaxe
particular, etc. '
É claro que o estudo da performance deve constituir uma das
partes importantes da Lingüística. Ele é capaz de prestar bons servi-
ços a ciências como a História, a Sociologia, a Psicologia, a Psiquia-
tria, a Etnologia. .. Mas seus dados São, ainda, pouco claros, e o
estudo da performance não se poderá fazer com seriedade senão
quando estejamos suficientemente instruídos sobre tudo aquilo que
a condiciona: a memória, a atenção. . ., mas, também, e, sobretudo, a -
competência. Como se esperaria construir uma teoria da performance
antes de se ter estudado aquilo que lhe é subjacente?
No que toca à competência, já a havíamos definido com o co-
nhecimento intuitivo que temos do mecanismo da língua. É preci-
samente a esse mecanismo que chamamos, geralmente, de "gramá-
tica". Estudar a competência equivalerá, portanto, a construir um
modelo da competência, isto é, a tornar explícita essa gramática
implícita de que estão dotados todos os falantes. .
.
14.1.4./ DA CONCEPÇÄO TAXIONÔMICA Ã CONCEPÇÃO TEÓRICA
= A evolução geral de qualquer ciência está sempre marcada por p
duas etapas, duas concepções radicalmente diferentes da pesquisa,
cujos objetivos, não- sendo os mesmos são, entretanto, necessários
para a compreensão dos fenômenos naturais. A aceitarmos a coloca- A
ção de Nicolas Auwet ‘, percebemos que a evolução da Lingüístíca, d
a partir dos anos 50, se situa nessa evolução geral da ciência.
4. 1967.
14
‘ A primeira concepção é uma concepção "taXionômica". Ela
consiste na observação e na classificação dos fatos. Tal concepção
que é a mais antiga, permitiu o registro de uma grande quantidade
aí de observações sobre o mundo que nos cerca. Quanto à segunda
concepção, muito mais ambiciosa, ela deseja não somente descrever .
os fatos, mas, além disso, explica-los. Citemos Ruwet 5: "Para a
ciência moderna, tratase muito menos de colecionar e de classificar
os fatos do que de construir ——— a partir de um número limitado de
, observações ou de experiências — teorias gerais, modelos hipotéticos,
destinados à explicação dos fatos conhecidos e à previsão de novos
š fatos." s V _
Fica claro que esta segunda concepção só pode constituir o fato
das ciências mais avançadas: em particular, é o caso da Física e da
Química. Os físicos não se limitam a observar o mundo; eles cons-
troem hipóteses, "modelos hipotéticos" —+ para retomar a expressão
acima —, com o fito de tentar explicar as leis que regem 0 mundo
e de prever os fatos novos. Enunciar uma hipótese, contudo, com-
porta sempre uma certa dose de risco. E, com efeito, acontece que
as hipóteses venham a revelar-se, parcial ou totalmente, falsas. O
mero fato de havê-las enunciado, porém, é algo sempre enriquece-
dor para a ciência. É o que nota Chomsky no seu prefácio às
Estrutums Siztâticus (1957) (e que N. Ruwet também cita): "Ao
conduzir uma formulação precisa mas inadequada aos extremos de
` uma conclusão inaceitável, conseguimos freqüentemente aclarar a fonte
. exata da inadequação e, em conseqüência, aprofundamos a nossa
compreensão dos dados. . .".
‘ As reflexões produzidas, até os anos mais recentes, sobre a
língua, dependiam da primeira concepção. As gramáticas tradicionais
e estruturais eram modelos taxionômicos da língua, o que vale dizer
1 que poderiam se limitar a ser coletâneas de exemplos, melhor ou
·' pior descritos, listas de frases francesas corretas e incorretas, sem
, que exprimissem nenhuma hipótese acerca do funcionamento das
. ` línguas, e sem que explicassem coisa alguma a propósito das regu-
, laridades delas ou dos universais da linguagem. Essa afirmação, na
, realidade, deveria ser atenuada, pois há certos trabalhos, como o da
gramática de Port—Royal, que parecem prefigurar os trabalhos dos
, gramáticos gerativistas. Subsiste, no entanto, o fato de que as
Q ` primeiras formulações, nítidas e precisas, de tais princípios, surgiram,
Ç apenas, nos trabalhos recentes de Chomsky e de seus discípulos.
. 5. 1967, p. 12.
· 15
Estes pensam que já se efetuou um tal número de observações sobre
a língua que ele basta para que se possa passar ao estágio da cons-
trução de uma teoria do seu funcionamento. A gramática gerativa
não deseja ser descritiva, mas explicativa, e os lingüistas, como quais-
quer outros pesquisadores, enunciam hipóteses comprováveis em seus
trabalhos. È
Tornava-se imperioso recordar tais coisas para que fosse pos-
sível compreender em que contexto se inscreve a gramática gerativa. .
Os lingüistas devem não somente se preocupar com que sua gramática
seja adequada, mas também, e acima de tudo, com que ela alcance
um certo tipo de adequação. Se a gramática descreve corretamente V
a competência intrínseca dos sujeitos falantes, se ela dá conta de suas
intuições no que se refere à estrutura das frases, e à noção de frases
gramaticais e agramaticais, então, ela satisfaz uma adequação des-
Cržtiva. Se, além disso, a gramática propõe uma teoria da estrutura
das línguas e de seu funcionamento, representa um sistema regrado por
princípios e esclarece a aprendizagem e a utilização das línguas,.então,
ela satisfaz à condição de adequação explicativa. Voltaremos, mais à
frente, a tratar dessas noções (ver 3.1.2). Mas desde já podemos
observar que uma gramática que é descritivamente adequada e muito i
menos forte e muito menos interessante do que uma gramática que
atinja a adequação explicativa. De fato, nenhuma gramática logrou
ainda chegar, verdadeiramente, ao ponto da adequação explicativa, 1
se se eXcetua o caso de certos fenômenos particulares. Somente a
gramática gerativa, tal como a concebe Chomsky, parece ter possi-
bilidade de chegar a cumprir esse desiderato. Este constitui, de qual- “
quer modo, o objetivo que ela mesma se atribuiu.
1.2. ALGUNS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
È 1.2.1. UM MECANISMO FINITO PARA ENCENDRAR UM NÚMERO ,
, INFINITO DE FRASES ,
\
já assinalamos, precedentemente (ver 1.1.3.) a diferença entre l
a competência e a performance. Convém retornarmos à noção de
competência para precisar uma das características essenciais dessa
diferença. Qualquer sujeito falante não só possui implicitamente o “
mecanismo da linguagem, mas, mais ainda, ele é "capaz de emitir, em
qualquer instante, e espontaneamente, ou de perceber e de com-
preender, um número indefinido de frases que, na sua maioria, nunca
16
` pronunciou nem ouviu anteriormente" 6. Isso é o mesmo que dizer
que, ao falar, fazemos mais do que reproduzir esquemas de frases que
ouvimos antes, pois criamos frases novas e, portanto, que o meca-
nismo da linguagem é um mecanismo "criador".
"A repetição de frases constitui a exceção; a inovação, concorde
com a gramática da língua, é a regra na performance ordinária de
cada dia. A idéia de que um indivíduo possu um ‘repertório verbal’ ——
È um sortimento de enunciados que ele emite por ‘hábito’ quando a oca-
Sião se apresenta —, é um mito sem nenhuma relação com a utilização
È da linguagem tal qual a podemos observar" 7. Não falamos repetindo
E aquilo que já ouvimos; falamos, sempre, mediante um ato de criação.
Aquele entendimento poderia convir quase que somente para as
saudações e para certos lugares-comuns. Parece que a criatividade
constitui, senão a principal, pelo menos uma das características essen-
ciais da competência.
Há, entretanto, duas espécies de criatividade que devemos ter
o cuidado de não confundir. A primeira, chamada "criatividade por
mudança das regras", consiste, fundamentalmente, na mudança de
certas partes do mecanismo-linguagem. Ela é a responsável pela
variação na pronunciação de certas palavras, pela criação de outras
novas, pela atribuição do estatuto de gramática àquilo que havia sido,
na origem, simples desvios em relação às regras. Essa criatividade,
que é função do tempo e do uso, pertence ao domínio da perfor-
` mmce. O segundo tipo, contudo, é completamente diferente. De-
nominamo-la de "criatividade regida pelas regras". Ela é que nos
permite, mediante a aplicação das regras da gramática, criar essa
infinidade de frases de que já falamos. Ela só se torna possível
graças à natureza das regras da linguagem, as quais possuem uma
propriedade muito particular, chamada, na Matemática, "recursivi
dade", isto é, a possibilidade de um elemento se reproduzir ao
Q infinito. Assim, observando as frases que se pronunciam à sua volta,
_ { a criança eXtrai os princípios que lhe permitirão compreender e pro-
duzir uma infinidade de frases gramaticais.
Dessa perspectiva, considere-se a competência como um meca-
nismo finito, ou seja, formado de um número limitado de regras, e
° capaz de engendrar um número infinito de frases. A gramática que
I nada mais é, convém repetir, que a explicitação da competência,
deverá responder à mesma definição para ser válida. Para tanto,
6. Chomsky, 1967.
7. Ruwet, 1967, p. 16. `
· _ 17
ela deverá focalizar regras estritas, formuladas com extrema `preci~'
são, e que sejam capazes de traduzir essa propriedade datcompetência.
1.2.2. TEORXA CERAL E CRAMÃTICAS PARTICULARES '
Falta, contudo, fazer—se uma distinção ao empregar a palavra
"gramática". Com efeito, se —os universais da linguagem existem,
quer dizer, se todas as línguas possuem certas características em
comum, a Lingüística deve tomar a seu cargo a tarefa de evidenciar
essas características. Para tanto, os lingüistas devem não só estudar
as línguas de maneira a demonstrar suas regularidades, mas, também, ~
elaborar uma "teoria geral", que, de um lado, vai precisar a natu- '
reza dos universais da linguagem, vai dizer como e por que as línguas
diferemientresi, e que, de outro lado, vai estabelecer as condições
para ai forma que a gramática de cada idioma deva possuir. Reserva-
-se, habitualmente, o termo "gramática" para o- estudo de línguas
particulares, se o de "teoria geral" para o estudo dos universais de
linguagem, VêSe a importância da teoria geral para a elaboração das
gramáticas particulares: estas devem dar conta daquela, para ser
' adequadas.
Além disso, se encaramos mais de perto a possibilidade que tem
a criança de aprender qualquer língua, somos obrigados a supor
que a criança possui uma noção precisa e intuitiva do que venha I
a ser a "‘gramática possível" de uma língua. Com efeito, se ela é
capaz de reconstruir, a partir das frases que ouve, as leis da língua
do seu ambiente — e ela o_ faz em um tempo mínimo — ela possui
um conhecimento implícito, inato, do que venham a ser tais leis. Uma
das atribuições do lingüista será, destarte, a de precisar a noção de
"gramática possível".
Antes de abordar a gramática do francês, seria conveniente con·
'siderar mais intimamente a teoria geral, já que ela está implicitamente l
presente em todos os trabalhos dos lingüistas. De fato, se, em qual-
quer ciência e, notadamente, na Lingüística, existem várias formu-
À lações possíveis para a explicação de um fenômeno isolado, são
necessários pontos de referência para escolher tal ou qual formulação
como a melhor possível. InStruirse a respeito disso é um dos
papéis da teoria geral. _
Cumprida essa tarefa de que nós a incumbimos, a teoria geral ]
pode ser concebida de três diferentes modos: 8
J
—————— , :5
8. Ver Chomsky. 1957.
18 r Š
a) Ela pode fornecer um conjunto de instruções, um mecanis-
mo, que permita ao lingüista construir a melhor gramática
da sua língua a partir de um "corpuS" que lheserá subme-
I · tido 9. Será, de algum modo, um procedimento de ,de:co-
brimento da gramática adequada para cada língua. ’
b) Ela pode fornecer um método que, dados um "corpus" e
uma gramática, permita dizer se a gramática é ou não ade-
È quada. Ela será, nesse caso, um procedimento de decisão.
C) Ela pode, enfim, perante duas (ou mais)-gramáticas e um
"corpus", dizer qual das duas é a mais adequada. Cha-
* mamola, então, procedimento de avaliação das gramáticas.
i Pode-serepresentar essas três concepções do seguinte ‘modo (os
esquemas retomam,. ligeiramente modificados, os de Chomsky, 1957):
—. Respostaz gramática
Dadø ) C°"P”" Teoria
,— ' /
· Gmmauœ V A Resposta: a gramática
. Dgdg Corpa: 'leoria I _ , ,
e ou nao e adequada
_ Gmmîtiœ 1 ; . Respostaa a melhor
Dado Gramatica 2 ‘T€0ïïû , . , ‘ ‘
r ma 1ca e. . .
Corpas g 6 t
¿ Esses três modos de conceber a teoria geral não possuem o
mesmo grau de exigência. A primeira maneira (a) é a mais exigente.
Ela requer à teoria precisar que forma deve ter aq gramática de cada
língua. Parece que isso constitui um gênero de pergunta particular-
mente difícil de responder, não somente em Lingüística, mas na
— maioria das ciências. Chomsky assinala: ,"]ulgo duvidoso que tal
ob]et1vo possa ser atingido de uma maneira interessante, e temo que
· qualquer tentativa dessa ordem conduza a um dédalo de procedi-
mentos analíticos cada vez mais complexos e refinados, os quais
9. Chama-se "corpus" uma coleção- de frases que 0 lingüista reúne
para realizar seu trabalho.
. 19
deixarão sem solução muitos dos problemas concernentes à natureza
da estrutura lingüística."
Assim como não estamos habilitados para construir um proce-
dimento de descobrimento das gramáticas, não estamos, também,
capacitados para particularizar um procedimento de decisão; a se-
gunda concepção da teoria geral não é, assim, mais satisfatória que
a primeira. O que não significa que não seja absolutamente possível
considerar a teoria geral tal qual ela se apresenta em z) ou em b), 1
senão que, no estágio atual de nossos conhecimentos, tais concepções
não podem auxiliar nem simplificar a tarefa lingüística. Mencio
nemos, uma vez mais, a Chomsky: "Creio que se nos limitarmos ao
objetivo mais modesto (a elaboração de um procedimento de avalia-
ção das gramáticas), poderemos concentrar nossa atenção mais eficaz-
mente sobre os problemas verdadeiramente fundamentais da estrutura
lingüística, e que poderemos chegar a soluções mais satisfatórias."
Desse modo, toda uma parte da literatura lingüística está con-
sagrada à comparação das diferentes gramáticas possíveis para uma
mesma língua. Assinalaremos ,tãoSó, por exemplo, as célebres críticas
feitas por Chomsky aos modelos de estados finitos e às gramáticas l
sintagmáticas, nas Syrztzctíc Structr/re:1°. Do mesmo modo, quando
um lingüista deseja resolver um problema particular, compara as i
diferentes formulações possíveis e escolhe a mais simples, apoiando-se
nos resultados adquiridos da teoria geral. Mais à frente, teremos de i
voltar a esse problema. Notemos, todavia, que a noção de simpli-
' ficação não deve ser tomada, aqui, no seu sentido habitual: a solução
mais simples é não somente a mais elegante, mas também aquela
que é compatível com as soluções que tratem de problemas aparen-
tados, e que não nos force a recolocar em causa a própria forma da
gramática. Em suma, podemos dizer que não há z priori, nenhum
procedimento de descobrimento da gramática de uma língua. Pouco i
. importa saber de que modo o lingüista chegou a elaborálo; o
-que importa é determinar se ela é coerente e adequada.
` 1.2.3. GRAMATICALIDADE E INTERPRETABILIDADE i
Na medida em que deve construir uma teoria da infinidade das N
frases gramaticais possíveis, sem dispor de nenhum procedimento È
de descobrimento da gramática adequada para a sua língua, o lingüista
deve apelar incessantemente para a sua intuição, sobretudo para
10. 1957. Cf. também Ruwet, 1967.
20
· determinar se as frases produzidas pela gramática que ele preparou
são gramaticais.
As noções de "gramaticalidade" e de ‘gramaticalidade" São, por
vezes, difíceis de deslindar, e alguns casos marginais continuam a
ser objeto de dúvida. Se o exemplo 1 parece inteiramente gramatical,
o 2 provoca uma hesitação:
1 — ]e n'ui pus upporté le petit léjeuner ž mu femme duns su
Cbumbre.
L [Não levei O café da manhã para minha mulher, no quarto
l .'
F dela.] V
{ 2 — ? ]e ne le lui y ui pus upporté. »
' [P Eu não lho levei lá.] ..
Para ue se ve'a melhor 0 ue é a ramaticalidade, é necessário
A . . Í. q g . . ,
opo-la a interpretabrlidade. exemplo 2 foi obtido atraves da pro-
nominalização dos diferentes complementos de 1, como abaixo se
demonstra (distinguimos em cada frase o complemento que foi pro-
nominalizado na seguinte):
—— ]e n’ui pus upporté le petit déjeuner à mu femme duns su
Chumbre.
[Não levei o café da manhã puru minløu mulher no quurto
ulelu.]
— ]e ne l’ui pus upporté à ma femme luns su Claumßre.
[Eu não O levei para minha mulher no quurto lelu.]
— ]e ne le lui ui pus upporté dans sa chamhre.
[Eu não ZÍJO levei no quarto dela.]
' — ]e ne le lui y ui pus upporté.
[Eu não llo levei lá.]
Apresentada desse modo, não há nenhuma dúvida: a frase 2 é
_ gramatical. Subsiste, no entanto, o fato de que ela seria dificilmente
compreendida se fosse pronunciada rapidamente, durante uma con-
versação. Poderíamos ter tomado um exemplo mais chocante, como
o caso dos complementos de nome: um complemento de nome pode
conter um nome, que pode possuir um complemento de nome, que
pode conter um nome, que... etc. Assim a famosa frase:
. 21
Le père du Cousžrz de Z’Orzcle du grmd-père du 1/Ožsžrz de la
l Sœur zîuée de lu :eCO71de femme du rzotuire es! verzu me vožr
bier. —
[O pai do primo do tio do avô do vizinho da irmã mais velha
da se nda es osa do notário veio verme ontem.]
šu P
` Essa frase é indubitavelmente incompreensível, ou, antes, não- _
—interpretável, à primeira vista. Mas é fora de dúvida que ela é gra-
matical e que obedece a uma das regras subjacentes à competência,
a que já nos referimos. Assim, no seu trabalho, o lingüista se depara
com quatro tipos de frases, que São:
a) gramaticais e interpretáveis,
b) gramaticais e nointerpretáveis,
c) agramaticais e interpretáveis,
d) agramaticais e nãointerpretáveis.
Eis alguns exemplos que comentaremos a seguir:
a’) Pierre uime beuueoup Ze Cbocolut.
[Pierre gosta muito de chocolate.] .
b’) Pzul, dorzt ZJØWÍ dont le frère boit est ivre z mmgé Ze
cbocolut. e
[Paul, cujo amigo cujo irmão bebe está bêbedo comeu o
chocolate.] .
c’) * Mumm, dorme `bou Cbocolut bebê. i
[* Mamãe, dá bom chocolate nenê.]
d’) * Cbocolut la avais ëtre Ze Cbmte arbre,
[* Chocolate a tinha ser o canto árvore.]
ou ainda (as frases que seguem foram extraídas do Tbéâtre de Cbzm—
bre. de ]ean Tardieu, Gallimard, 1966):
a") Me collectžo/1 de Crârzes zvzit prís de telles proportíorzs
qu’žl fullut zcbeter uu bmgur pour la Couteuir (p. 105).
[Minha coleção de crânios tinha tomado tais proporções
que fora preciso comprar rum hangar para guardá—la.] j
b") Peuduut tout le début du Cormire, je HÍLZÍ fzít que uicber
de: moulins, Courir Cbez le ludion ou Cbez le tubouret,
fui parte de: puits à Jurveíller leur carbure, ž leur dormer
de: pince: et de: mousrous (p. 211). ,
2Ž . .
Ã
Ï.
c") * Poufeu qzßest pzti? Poufez quer: pu là? Pouka qu’ø
par mzzé zvé rzous, le zami? (p. 173).
d") * Paque 1/íte-vit râtrer mizorz zvé tCu]‘—t'uf (p. 175);
u’ e a" são frases inteiramente gramaticais e interpretáveis. b’ e [/’
são não-interpretáveis, mas gramaticalmente corretas. Isso é menos
Claro para [7’ que para b". No entanto, l7’ formouSe de acordo com
o esquema que segue: _ '
l ir 7 7 7 · ‘. ,
à ÍJOCOZat [Paul comeu o chocolate] e '
7
[··,A
I , 40,,; ]'um¿ , 8,-; ¿,,,¿ [cu]o amigo esta bebedo}
dom Z jrèr boi: [cujo irmão bebe] `
Embora seja uma ilustração grosseira dos esquemas elaborados
pelos gramáticos gerativistas, 0/ esquema acima tem o único escopo
de mostrar que a frase é gramaticalmente bem formada. Quanto
a C' e c", elas representam duas frases agramaticais, e interpretáveis,
ao posso que d' e d" ilustram duas frases agramaticais e não-in-
terpretáveis.
OS exemplos a' — a" são suficientemente claros para ilustrar
as noções de gramaticalidade e de interpretabilidade. E necessário,
contudo, observar que a distinção nem sempre é tão evidente, como
testemunha a frase 2, proposta no início deste parágrafo. POr`outro
lado, bom número de poetas contemporâneos utiliza frases como b".
Mas trata-se, em tais casos, de empregosmarginais, voluntariamente
marginais e que devem ser tomados como tais. Notemos, enfim, que
é possível e, mesmo, desejável, considerar diversos tipos e diversos
graus de agramaticalidade. 2
De fato, a noção de interpretabilidade parece dever ser inte-
grada ao estudo da performance, pois ela depende de fatores como
o limiar da atenção, da compreensão, da memória, etc. Chomsky
fornece alguns pontos de referência para um estudo da performmc',
tomando em consideração tais fatos 11.
. Uma teoria da competência, ao contrário, é uma teoria do me-
canismo da linguagem e deve, por isso, dar conta das frases grama-
ticais e excluir as frases agramaticais. Mas só a intuição do lingüista
— e a do seu meio —-—— torna-o capaz de saber se uma frase é ou
11. 1965, cap. I, § 2, p. 10 SS.
' _ 23
não gramatical. Para tanto, ele deve apelar, constantemente, para
a introspecção. De fato, a noção de gramaticalidade não pode ser
confundida com a de aparecimento em um Corpus, nem com a da
probabilidade estatística de freqüência, visto que bom número de
frases que se pronunciam não são totalmente gramaticais, e as que
são gramaticais às vezes não se pronunciam jamais 12.
Nesse sentido, a teoria da competência, quer dizer, a gramática
gerativa, continua a ser um tanto normativa. Mas não o é a mesmo `
título que as gramáticas tradicionais. Ela não procura preservar o
"bom uso" da linguagem, nem se dá por defensora de um pretenso
"francês correto". Ela considera a linguagem tal como a linguagem
V é, diferente de acordo com os indivíduos, as classes sociais, as situa-
ções, e pretende dar conta de seu funcionamento. Mas sem ditar
nenhuma regra do tipo: "Não se deve dizer... deve-se dizer. . .".
Ela constata que se diz, que não se diz, ou que já não mais se diz A
tal ou qual frase, sem se pronunciar, jamais, acerca das noções de
“bom ou mau francês", "estilo pesado", "inabilidade", etc. Ela j
se contenta com dizer quais são as frases gramaticais e quais as agra 1
maticais, a fim de descrever as primeiras e de eXcluir as segundas.
1.2.4. A NOÇÃO DE GRAMÁTICA GERATIVA
Por diversas vezes já utilizamos a expressão "gramática gera-
tiva" sem defini-la verdadeiramente. Se nos apoiarmos apenas nas
reflexões precedentes, é possível considerar a gramática como uma
teoria que dá conta das frases gramaticais e só das gramaticais.
Mas isso não constitui uma definição satisfatória. Uma gra-
mática é um modelo da competência e, assim sendo, ela deve tomar
explícita z gramática implícita que OS sujeito: falante: possuem. O
termo "modelo" é importante. A gramática é, de algum modo, uma
'máquina, um mecanismo que permite gerar frases. Essa máquina
poderia ser apresentada, tal como fizemos no caso da teoria geral,
sob a forma de um esquema, com uma entrada (ou íuput), para
receber instruções, e com diversos estágios para a constituição das
frases, mais uma saída (ou Output) que forneceria as frases realiza-
das a partir das instruções e dos diversos estágios precedentemente
postulados. Grosso modo, qualquer gramática gerativa tem a se-
guinte forma:
12. Cf. Chomsky, 1965.
24
Irzput (instruções) Constituíção Output (frases realizadas)
, de frases ‘
Conformemente à natureza das instruções e ao modo pelo qual
elas são manipuladas, foram propostas diferentes gramáticas gera-
, tivas, mais ou menos opostas, as quais tentaremos apresentar em
( seguida. O esquema acima demonstra em que sentido a gramática
pode ser qualificada de "gerativa". Ela permite "gerar" o conjunto
infinito de frases da língua. Mas é preciso evitar confundi—la com
uma máquina que permita a emissão real de frases. A gramática não
é uma teoria de emissão ou da recepção de frases. Ela não diz como o
falante se comporta para produzir seus enunciados, nem como se
comporta o ouvinte para recebê-los, analisa-los e compreendê-los.
A gramática é "neutra" tanto com relação ao falante como em
relação ao ouvinte. Ela é uma teoria da estrutura — e do funcio-
namento do código lingüístico, e não se pronuncia quanto ao
mecanismo físico-psicológico que permite falar e compreender.
A gramática gerativa é tão-só a explicação do sistema de regras
que subjaz à competência, e a competência é comum ao falante e ao
ouvinte. Na verdade, o estudo da emissão e da recepção se inscreve
em uma teoria da performance.
O emprego do termo "gramática" para qualificar os trabalhos
dos gerativistas pode parecer impróprio, por vários motivos. De
fato, a gramática gerativa não é uma gramática no sentido que habi-
tualmente se atribui a essa palavra. É lógico que ela também trata
Ù da estrutura da língua, mas, se ela se distingue das outras gramáticas,
isso não se deve unicamente ao ponto de vista adotado, mas, sim, ao
objetivo que ela se atribui. AS gramáticas tradicionais e estruturais
eram, como dissemos, modelos taxionômicos da língua, ao passo que
a gerativa pretende ser um modelo explicativo, que deseja não só
elaborar um inventário dos elementos lingüísticos, mas, também,
explicar O seu funcionamento, a regularidade de cada língua, os uni-
versais da linguagem, e explicar o fenômeno de criatividade. Nesse
. · sentido, as gramáticas taxionômicas são, ao mesmo tempo, anteriores
à gramática gerativa e necessárias para ela: as primeiras descrevem
os fatos que a segunda explica.
± Construir uma gramática gerativa, ou seja, dar conta da com-
petência, poderá parecer uma utopia, na medida em que não existem
dois indivíduos perfeitamente semelhantes. A competência varia para
I 25
T"
cada região e, também de um para outro sujeito dentro da mesma
região. Diretamente colocados diante desses problemas, percebemos · ý
que duas pessoas da mesma idade, tendo a mesma situaçãosociocul- '
tural, e enquadrados nas mesmas condições, nem sempre fazem os
mesmos julgamentos de gramaticalidade. a propósito de uma e dada *
frase. Isso acarreta outras complicações para o trabalho do lingüista, Š
mas se trata de uns poucos casos marginais, do tipo dos propostos
em 1.2.3. Na verdade, para explicar o funcionamento do mundo,
todas as ciências devem fazer abstração de certos parasitas. Assim
como O físico negligencia certos atritos e 0 químico despreza as
impurezas, o lingüista constrói sua teoria a partir de um —falante-ou-
vinte ideal, pertencente a uma comunidade lingüística completamente H
homogênea, que conhece perfeitamente sua língua e que, no mo- j
mento em que aplica a uma performance efetiva seu conhecimento
da língua, não esta afetado por condições gramaticalmente não-per-
tinentes, tais como a limitação da memória, as distrações, os deslo- d
camentos do centro de interesse ou de atenção, os erros (fortuitos
ou característicos)? É uma teoria da performance que deverá tomar
em consideração esses diversos fenômenos.
a ‘ Impõe-se uma última observação antes de abordarmos a eXpo
sição da forma da gramática. De fato, do mesmo modo que há
diferentes gramáticas taxionômicas, podemos conceber diferentes
gramáticas gerativas. `O modelo de estados finitos que Chomsky
apresenta nas Estruturas Sintátieas seria uma gramática possível, mas ¿
ele requereria uma formulação demasiado complexa para ser interes-
sante 14. Outros estudos mais recentes (como a Semântica gerativa,
por exemplo), apresentam uma alternativa seria para as investigações
de Chomsky. Mas estes se acham ainda insuficientemente aprofun-
dados para serem aceitos tal como estão. Por isso eXporemoS, aqui·,
as linhas gerais deuma gramática gerativa — a gramática gerativo- .
-transformaciOnal ——, que se origina nos trabalhos de Chomsky, e
' que parece atualmente o melhor instrumento capaz de dar conta dos
fenômenos a que já' aludimos, relativos à aquisição, à estrutura te, ao 1
. funcionamento das línguas. Essa mesma gramática já fez certos pro~
gressos; tentaremos mostrar como ela evoluiu. Enfim, pareceunos
necessário apresentar, em uma última parte, os desenvolvimentos
recentes que prolongam `essa teoria ou a ela se opõem.` » l
d 13. Chomsky, 1965. d
_ 14. Cf. Chomsky, 1957.
26 s A È
` CAPÍTULO 2 ,
E PARA UMA GRAMÁTICA CIENTÍFICÀ
“SendO inadequado: os métodos da gramática
tradicional, estamos diante ldo problema de subdi-
; . tuí-lo:. Com efeito, asatentativas feitas no sentido
_` do seu aperfeiçoamento pouco contribuíram para a
melhoria desse: métodos. Ao contrário, não foram
Ž poucas as vezes em que elas acabaram revelando
dificuldades suplementares?
' - MAURICE GROSS (1Š71) ·
Ü
` ~ šî
Í
ji

2.1. O CONTEÚDO DA PALAVRA "GRAMÁTICA" &


2.1.1. VSINCRONIA/DIACRONIA ` · [
Pelo próprio objetivo que se propõe, a gramática gerativa não A j
pode estudar a língua senão em um certo momento de sua história.
Os termos "Lingüística sincrônica" e "Lingüística diacrônica" foram
introduzidos por Saussure (1916) para distinguir os estudos que
têm por objeto um certo estado da língua dos estudos que se inte- .
ressam pela evolução da língua. A Lingüística diacrônica deve dar
conta dos deslocamentos de acento no decorrer dos tempos, das «
mudanças de pronunciação, do desaparecimento de certas palavras
e do aparecimento de outras, das estruturas novas, etc. É evidente .
que a gramática gerativa não pode tomar tais fatos em consideração. ê
Se ela é um modelo da competência do sujeito falante, deve fazer j
abstração do passado, da história da língua e de sua evolução, para
ocupar-se tão-só do sistema de regras que permite engendrar a infi-
nidade de frases gramaticais. Para a gramática gerativa pouco im-
porta que o plural de C/Jevzl [cavalo] não tenha sido sempre Cbevuux
[cavalos]: a gramática gerativa é sincrônica e está unicamente inte-
ressada na atual formação do plural.
É lógico que essa afirmação não significa que a Lingüística his-
tórica seja uma ciência sem valor ou desprovida de qualquer funda-
vmento. Não há dúvida de que ela tem uma importância, tão grande,
talvez, quanto a da Lingüística sincrônica. Mas a gramática gerativa
só pode ser sincrônica, no sentido de que a competência só se pode
situar a um momento determinado do tempo e da evolução da língua.
Para construir sua teoria, o gramático gerativista deverá fazer abstra-
ção de tudo aquilo que concerne à história da língua. E, inversa-
mente, não é certo que o lingüista que se interessa pela diacronia
nada tenha a lucrar com a gramática gerativaj
Não dispomos de dados muito claros no tocante a esse assunto.
Na realidade, são poucas as línguas para as quais já se construiu
uma gramática gerativa suficientemente elaborada para ser utilizável.
A 28
— Por outro lado, todas as gramáticas gerativas existentes tratam de
uma língua tal qual ela se fala na atualidade. Não há dúvida de que
é possível elaborar gramáticas gerativas de estados anteriores da
língua, mas os poucos trabalhos que puderam ser feitos nesse sentido
(Kiparsky, por exemplo), deparamse com numerosas dificuldades.
È, às vezes, impossível efetuar julgamentos acerca da gramaticalidade
ou da agramaticalidade para a totalidade das frases que as regras de
tais gramáticas poderiam produzir, pois — como já vimos — os
j julgamentos dessa espécie são intuitivos e nossas intuições são, senão
falsas, pelo menos grosseiras quando se aplicam a línguas que já
j não são mais faladas. V
2.1.2. GRAMÁTICA E SENTUJO —
Deparamo-nos muitas vezes com a questão de saber em que
medida as gramáticas devem apelar para O sentido a fim de dar conta
das línguas. Nesses termos, contudo, o problema fica mal colocado.
Tratase, antes, de determinar se as estruturas das línguas correspon-
dem verdadeiramente a estruturas semânticas. i .
_ Os filósofos gregos já se perguntavam se a língua era regida
pela natureza ou pela convenção, de modo que se poderia distinguir
os "naturalistas", que pensavam que a forma de uma palavra era
determinada pelo seu sentido (exemplo: Cruquer [craquejar, quebrar
` com ruído], tžnter [tilintar], Cbucboter [ciciar], de uma parte, e,
de outra parte, O pé de uma montanha, a boca de um rio...) e os
partidários da “convenção", para os quais o signo é puramente arbi-
trário 1. A querela prolongou-se no curso dos séculos, e dura ainda
` em nossos dias, já que a gramática que se ensina em nossas aulas
pressupõe, entre outras,. uma correspondência particular entre as
categorias do discurso e as do pensamento: dizse que os nomes expri-
mem um ser ou uma coisa, os verbos uma ação ou um estado, e os
adjetivos uma qualidade.
Não é difícil criticar essa aproximação mentalista dos fatos gra-
maticais, reprovando, por um lado, sua falta de rigor e, de outro
lado, a falsidade de suas afirmações. O nome gentileza não expressa
' uma qualidade, e o nome corrida não expressa uma ação? E que
dizer de abstração? Genouvrierz se pergunta se ínclžmzrlse é um
1. Cí. Lyons, 1968. `
2. Em "LeS forxdements implîcites de la grammaíre traditiOnne11e",
in Røchrchs pédagogiques, n.° 46. publicação do INRDP, 1971.
I 29
verbo de ação em O muro está i7zClim1dO" e qual poderia ser a ação
executada por Isabelle em I:abelle desmaiou dimte do noivo". Seria
fácil multiplicar os exemplos desse tipo: pense-se em frases como ‘u
cidade Ollm para O mar", e:tz história ofende O presidente", "tua
irmã banca z :OlteirOm1” e se verá que a noção de verbo de ação
dista muito de ser Clara, sendo, de` qualquer modo, menos evidente s
do que se deseja fazer crer. Poder—se-ia, outrossim, indagar se basta
qualificar de "circunStanciais" os complementos eu Casino [ao cas-
sino] e les jours de pzie [nos dias de pagamento] para explicar a
frase ]e 1/ZŽX au Czsino le: jours de pzie [vou ao cassino nos dias de s
pagamento], quando um deles é necessário à estrutura, mas o outro,
não. Pode-se, de fato, dizer ]e 1/ui: au Casino [vou ao cassino], mas
não ]e vais le: fom': de pzie [vou nos dias de pagamento]. Por
outro lado, um deles é móvel, O outro não: Le: jours de paie, je vai:
au Casiuo OpõeSe a Au Ca:i7¢O, je vai: ler fom': de pzie que é impos- Q
Sível. Enfim, se se introduz a expressão le fzire [fazê-lo], poder—se-á
obter ]e le fzis le: jours de pzie [faço-o nos dias de pagamento], ·
mas não ]e le íeis au Czsizo [faço-o no cassino] como equivalentes
de nossa frase de partida. e /
Essas manipulações todas, que nada têm a ver com as definições
' semânticas, conduzem à condenação ou, pelo menos, à reconsidera-
ção das diferentes classes de complementos tradicionalmente reco [
nhecidas. De fato, as propriedades que au Czsino [ao cassino]
possui (eXcomplemento circunstância] na frase acima) são em parte
las mesmas que as de um grmd wbisley [um bom whisky] que é
complemento de objeto direto em ]e boi: zm grmd wbi:/ey tous leçp
matiu: [Bebo um bom Whisky todas as manhãs]. Podemos, na reali- s
dade, ter todas as frases zz, mas não as frases b que se seguem:
lz — Tous le: mztim', je boi: im grmd wbisley,
[Todas as manhãs, bebo um bom whisky.]
lb — * Un rimd wbisle , 'e boi: tous le: matizis.
8Í.
[* Um bom whisky, bebo todas as manhãs.]
Zu —-— ]e le fui: tom le: mzztin:.
[Paço isso todas as manhãs.] .
Zb — * ]e le fui: zm grmd wbisky. a
[* Faço-O um bom whisky.]
\
O fato de que a frase ]e boi: tous le: mztins- [bebo todas as
manhãs] seja possível mostra uma diferença em relação à frasepre-
30 ’
— cedente, e demonstra que é preciso distinguir os verbos de comple-
mentos essenciais (ir), os verbos de complementos essenciais facul-
tativos (beber), e os verbos que recusam os complementos essenciais
(morrer). Não só a gramática tradicional se mostra inadequada,
mas ela é incapaz de explicar uma boa quantidade de problemas
análogos a esses.
Por isso, assim que deseja explicar certos fatos, a gramática
tradicional é levada a fazer formulações ambíguas ou falsas. A
[ noção de "complemento de objeto" é, fora de dúvida, uma noção
de sentido (ainda que seja demasiado vaga), já que o objeto se define
como "aquilo sobre que incide a ação expressa pelo verbo". Talvez
[ isso seja válido para ]e'Zi: ZC jourmzl [leio o diário], mas que dizer
[ de Eléonore rec'1/rz uma gifle [Eléonore receberá uma bofetada],
Paulette fui! pitié [Paulette dá pena], Czsímir simule la folia [Ca-
simir finge estar doido]? Ainda assim, suponhamos que aquela de-
finição seja adequada; ela se combina com a noção formal de "direto"
ou "indireto", que diz se o complemento é ou não precedido de
preposição. A confusão é, de fato, mais grave do que parece, pois
equivale a confundir descrição formal com descrição semântica.
,É indubitavelmente verdadeiro que "a estrutura gramatical de
uma língua e sua estrutura semântica têm tendência para se corres-
ponderem mutuamente de maneira estreita, mas não de modo inte-
gral"3. Por essa razão, convém separar nitidamente o estudo da
forma do estudo do sentido. Confundi-los totalmente acarreta con-
fusões como as que vimos, além de acarretar outras muitas dificul-
dades que só podem ser resolvidas mediante apelo a artifícios dema-
siado sutis para que possam ser aceitos. Recordamos, acima, a
· definição semântico-lógica do complemento de objeto direto. Obser-
vemos, agora, que ela parece aplicar-se só a verbos de ação, mas a
própria noção de verbo de ação é suscetível de ser criticada (cf. mais
acima, e, do mesmo modo, uttruper [apanhar], em juls César 41
uttmpé la gripp [júlio César apanhou gripe], que não é um verbo
de ação, mas que admite um complemento de objeto direto). Por
outro lado, convém assinalar que essa definição não permite esclare-
cer as diferenças existentes entre os complementos das seguintes
. frases:
1 — Pzul but Pzulette.
[Paul agride Paulette.]
3. Lyons, 1968. 7
31
2 — Mu grumimère fuít uu Ski uuutíque. v` —`
[Minha avó pratica Sky aquático.]
3 — Mou grunuïpère Ueut de: borzbous. I
[Meu avô quer bombons.] A
3 — Le gurçou Surveille lu filie.
[O moço vigia a moça.] s
5 — Muo u uttrupé lu juuuisse.
[Mao pegou icterícia.] _
6 — Octuz/e fuít le Cloum.
[Octave banca o palhaço.]
7 — Celu me fui! une belle jumbe.
' [ISSO mostra ,a minha superioridade.]
E, no entanto, se submetemos esses pretensos complementos de
objeto direto a certas manipulações, eles não se comportam do mes-
mo modo. Pensemos, por exemplo, nas seguintes manipulações:
a) Passivoz Puulette est buttue pur Puul. [Paulette é agredida
por Paul.] ~
b) Pronominalização com "a": Puul lu but. [Paul agride-a.]
C) Pronominalização com "iSso": Mu grud-mèreßeu fuít. [Mi-
nha avó pratica isso.]
d) Interrogação com ‘Íquem, que, o que": Que Ueut mou grumí-
-père? [Que quer vovô?] '
e) Relativização com "que": Lu fille que le gurçou Surveílle. ..
[A moça que O rapaz vigia...]
. Basta submeter à prova cada um desses critérios para perceber
que OS complementos observados admitem ou um ou vários deles,
' mas não admitem jamais os mesmos:
—— 1 admite u, [7, d, e.
— 2 admiterc, ui, e muda de sentido se sofre e (Le Skí uuu
tíque que fuit mu gruud-mère [O ski aquático que pratica
minha avó] tendo o sentido de Mu grund-mère fuít uu Ski
mzutique [Mínha avó pratica um (tipo de) ski aquático]).
— 3 admite C, d, e.
— 4 admite u, [7, d, e.
32
jjyjmjumø•m»»r»«~···~~~ '·'·'''''··''~''`'' a * N “$“‘$ ~'~~'w'Fw•†rU, ,
— 5 admite b, d, e.
— 6 admite [7, d, e muda de sentido quando sofre e.
— 7 admite somente d.
-—— etc.
j - Essas manipulações puramente formais só se utilizam do sentido
das frases para o fito de verificar se o sentido da frase de partida
Š e o daquela que foi submetida ao teste vem a ser o mesmo. Em
nenhum caso o tipo de complemento se define por sua relação semân-
tica com o verbo. Podemos dizer que existe, entre os complementos
essenciais diretos, complementos que se acrescentam a um verbo
transitivo, e que possuem uma serie particular de propriedades. É
necessário, então, suprimir a noção demasiado imprecisa e confusa
de complemento de objeto direto, ou conserva-la distinguindo diversas
subclasses à base de suas reações aos testes que acima se propõem
(completados, é claro, podendose recorrer a Giry—1972 e a Gross
-1968 para completa-lo)4.
Vê-se, assim, que há muito a ganhar se se separa, em um pri-
meiro momento, o sentido da forma. lsto não significa que o estudo
do sentido dos enunciados seja inútil, Mas parece que ele não nos
pode ajudar muito quando queremos evidenciar as propriedades for-
mais, levando-nos, ao contrário, a efetuar classificações muito pouco
rigorosas e pouco reveladoras. A definição do sujeito como "ser ou
coisa que pratica ou que sofre a ação" obriganos a recusar ao il
— impessoal essa função em Il zrržve zm traím [Chega um trem]. No
entanto, žl pertence a uma categoria que e sempre sujeito; os pro-
nomes de conjugação atribuem suas marcas de pessoa e de número
ao verbo, e ocupam o lugar habitual dos sujeitos. Necessitamos, então,
para nos safar desses embaraços, distinguir entre o sujeito real e o
sujeito' lógico. Mas introduzir essa distinção equivale a separar, taci-
tamentë, a sintaxe (estudo da forma dos enunciados) da semântica
(estudo do seu sentido).
, Poderíamos prolongar por quanto tempo desejássemos a crítica
à abqrdagem mentalista da noção de sujeito. Assim, no exemplo, a
distinção sujeito real/sujeito lógico não deveria ser aplicada a outras
modalidades de frases, "como as passivas: em Un piéton z été ren-
versé par zme Uoiture [Um pedestre foi atropelado por um carro] o
sujeito real e pedestre, ao passo que o sujeito lógico é Carro. Quanto
à frase impessoal, poderíamos indagar onde se encontra o seu sujeito
' 4. Ver bibliografia. ,
lógico quando se trata de il pleut [chove], e se a expressão dar
corda: vem a ser um sujeito lógico em II pleut de: Cordes [chove
canivete], frase que tem 0 sentido de Il pleut bezucoup [chove
muito]. Senão, que função lhe atribui a gramática tradicional?
Seria inútil aprofundar tais questões. Bastanos observar que
uma gramática não se pode basear unicamente no sentido das frases
para ser adequada. A correspondência entre o sentido e a forma
existe, mas não é absoluta. É por terem feito tal observação que
as escolas da Lingüística moderna (as estruturalistas) puderam pro-
· gredir como progrediram. Isso não importa em dizer que elas tenham
preterido o estudo do sentido em benefício único do estudo da `
forma. Elas simplesmente fizeram uma separação metodológica entre
as duas coisas, visando a ser mais eficazes. A gramática gerativa deve
conservar essa separação, e veremos, em seguida, como ela organiza
suas diferentes partes. De qualquer forma, ao estabelecer uma dife-
rença entre a noção de gramaticalidade e a de interpretahilidade,
Chomsky provou, de modo claro e categórico, que a gramática não
poderia se basear unicamente no sentido: nem tudo 0 que tem sentido
é automaticamente gramatical, e o que e gramatical é às vezes, senão
impossível, difícil de ser interpretado (cf. 2.3. ),
2.1.3. Os TRÉS NÍvE1s DA ANÁUSE GRAMATICAL
Se retomarmos os objetivos que atribuímos à gramática, pode-
mos dizer que ela deve ser uma teoria das frases gramaticais, ex-
cluindo as frases agramaticais. Faltaria, no entanto, definir O que
compreendemos por "frase". É muito pouco rigoroso dizer que a
frase é uma unidade intermediária entre a palavra e o enunciado,
pois tal definição é aplicável, também, a qualquer outro grupo de
palavras. Observar que ela começa por uma maiúscula e termina
por um ponto poderia ser uma maneira de reconhecê-la se conside-
rássemos unicamente a língua escrita, o que não é o caso. Quanto
aos critérios de entonação, é praticamente impossível manipul-los
corretamente. Em uma primeira etapa, definiremos a frase como
uma unidade autônoma do discurso, formada por elementos agru-
pados segundo certos princípios, realizada materialmente por uma
dada seqüência de sons, e que representa um certo sentido.
Semelhante definição impõe certas coerções à gramática. A gra-
mática, que deve explicar frases, deve, ao mesmo tempo, explicar
os elementos que a compõem, a forma fonética de que ela se reveste,
e o sentido que ela transmite. Vimos, precedentemente, que há van-
34
~`:`1,`1 ``` N M N U N * * 11 ,,. , 4'.., ., — ~ `
tagens em não confundir o estudo do sentido e o estudo da forma. ·
Do mesmo modo, não seria difícil demonstrar que uma gramática
que confundisse o estudo dos contornos sonoros com os demais
estudos levaria não só a complicações inevitáveis, pois seria, além
disso, inoperante para explicar certos fenômenos. Com efeito, ela
não seria capaz de explicar por que a frase [tylafâte] (transcrita em
alfabeto fonético internacional), pode ter três sentidos diferentes.
Tal fato demonstra a necessidade de um estudo da composição formal
È interna da frase, e esse estudo revela que a "frase sonora" em ques-
{ tão corresponde, de fato, às três frases seguintes:
i — Tu la Cbmtais [Tu a cantavas] _
— Tu l’u: Chmtée [Tu a cantaste]
‘ — Tu l’zS Cbmté _[Tu a cantaste]
Poderiamos acrescentar a este muitos outros exemplos. Ruwets
cita, entre outras, as duas frases: zm vieux Copaín quž Ïužmužt bien
[Um velho camarada que o queria muito] e Un 1/ieux ‘COpzž7z qz/il
zžmaít biu [um velho camarada a que ele queria muito]. U71 pzuvre
Ždiot [um pobre idiota] continua a ser uma expressão ambígua quan-
do a escrevemos, e pode significar tanto Un triste imbécile [um
triste imbecil] (adjetivo seguido de substantivo), quanto U71 dérhé-
` ríté peu intelligent [um pobretão pouco inteligente] (um substantivo
-_ seguido de adjetivo).
1 No fundo, tudo isso tende a provar que a descrição gramatical
_ se efetua em três níveis distintos e complementares:
1 a) No nível sintático: Chomskyö assim define a sintaxe: É
— "o estudo dos princípios e dos processos de acordo com os
quais se constroem as frases nas línguas particulares". É o
; estudo formal das relações que existementre as diferentes
partes das frases. Veremos, depois, que essa definição (e
também as que daremos aqui para a semântica e a fono-
ÏÍ logia) é demasiado geral e deverá ser completada ao se
. tratar da gramática "gerativa". I
b) No nível fonológico: a fonologia é o estudo das relações
funcionais e das combinações que existem entre os sons
` das frases de uma língua particular. Não se deve confundir
a fonologia, que tem por objeto os fonemas, ou seja, uni-
5. 1967.
I 6. 1957. ~
35
dades fonológicas mínimas, com a fonética, disciplina que
estuda os sons da fala em geral. A fonética deve deter-
minar os sons que são pronunciáveis e caracterizá—los, o que
a aproxima da Física e da Fisiologia. A fonologia, ao con-
trário, interessa-se pelas combinações de sons na língua
que seja ‘o objeto de seu trabalho. e
c) No nível semântico: a semântica e o estudo do sentido das `
frases. Parece que a semântica vem a ser extremamente
dependente da sintaxe. Como, de fato, se poderia descre-
ver 0 sentido de uma frase sem saber como essa frase está
formada? já fornecemos umexemplo simples que poderia
ilustrar essa afirmação: para descrever 0 sentido de U71
pzuvre idíot é preciso saber se esse grupo de palavras se
compõe de um artigo, de um adjetivo e de um substantivo,
ou se se compõe de um artigo, um substantivo e um adjetivo.
A esta altura interessa-nos voltar, por instantes, à distinção
entre "teoria geral" e "gramáticas particulares". Se as gramáticas
formamse em três níveis, e se a teoria geral estuda os universais
da linguagem, é preciso distinguir, na teoria geral, três níveis que
serão os quehabitualmente chamamos "sintaxe universal", “fonética
universal", e "sernântica universal". A noção de fonética universal
já está bem estabelecida entre os lingüistas (como testemunha 0
alfabeto fonético universal), e numerosos trabalhos, entre os quais
os de jakobson, de Halle e de Chomsky, tentaram trazer uma con-
tribuição valiosa ao estudo dessa ciência. A sintaxe universal é uma
noção talvez menos familiar, mas igualmente importante. Ela se
encarregaria de dar conta de certos universais da linguagem. A des-
peito de ser bastante diminuto o número das línguas que já foram
estudadas no quadro da gramática gerativa, já se tornou possível
fazer uma extrapolação das categorias universais do discurso e das
relações universais existentes entre elas, de modo bastante claro. `
Assim, a noção de transformação (que será retomada mais tarde),
, parece fazer parte dos universais sintáticos. Falta—nos, entretanto,
Ï saber O que possa — e o que não possa — ser uma transformação:
é o que trabalhos recentes como os de Ross, e os de Chomsky. . .,
tentam responder.
O ponto mais difícil de ser resolvido é o da semântica universal.
Na verdade, nenhum trabalho conseguiu, ainda, evidenciar leis se- '
mânticas válidas para todas as línguas, descontado O caso de certos
domínios muito particulares. "Os raros estudos semânticos sérios
existentes na atualidade focalizam, todos, domínios ou "campoS"
36 ,
semânticos privilegiados que se prestam, já, a uma descrição nos ter-
mos de uma teoria geral, independente das línguas particulares"".
Ruwet menciona alguns desses domínios: o do parentesco, o das
cores, o das doenças. .. Mesmo em tais casos, contudo, parece difícil
estabelecer uma semântica universal, por causa das diferenças entre
as civilizações e entre as realidades recobertas pelas palavras e as
frases em questão. Lyonss retoma o exemplo dos nomes de cores
e dos nomes de parentesco para mostrar que eles não recobrem as
j mesmas coisas em línguas diferentes. Conservaremos apenas, a título
de exemplificação, a palavra francesa beuu—]‘rè7'' [cunhado] e [con-
E cunhado], que possui quatro equivalentes em. russo: ’zím‘ (o marido
da irmã, mas também o marido da filha), Sz/Oízk (o marido da
irmã da esposa), Cburirze (o irmão da esposa), e d°ver’ (o' irmão do
É marido). De fato, não há nenhuma garantia de que seja totalmente
impossível construir uma semântica universal — a gramática gera-
V tiva postula que ela existe — mas, no estado atual de nossos conhe-
cimentos, nenhuma tentativa seria para estabelecê-la no seu conjunto
conseguiu obter êxito. É isso, sem dúvida, que explica, em parte, a
importância dos estudos sintáticos nos trabalhos atuais.
2.2. NOÇÕES DE GRAMÁTICA FORMAL
2.2.1. A Noçlšo DE DISTRIBUIÇÄO
,Ï Interessar-nos-ão, aqui, as conseqüências da introdução da no-
ção de "distribuição" no nível sintático, embora tal noção possa ser
e aplicada nos demais níveis.
‘ ]á consideramos, em uma primeira etapa, a frase como uma `
7 seqüência de palavras. Não se requer de uma gramática que ela dê a
lista 'de todas as possíveis seqüências de palavras. É certamente
impossível levantar tal lista, pois as frases de uma língua são de
número infinito; e ainda que tentássemos esboçar tal lista, a sua
Ï própria extensão acabaria por torná-la inútil. Por essa razão, certos
Ï Ãšngüistas —— os distribucionalistas, entre os quais Harris é um dos
Ï principais representantes —-, procuraram caracterizar cada parte do
. _ discurso pelas suas possíveis vizinhanças nas frases. É a soma dessas
vizinhanças, de suas localizações potenciais, que se chama a distribui-
ção de uma palavra. Tomemos um exemplo grosseiro, capaz de ser
ulteriormente aprimorado. Seja o seguinte Corpura (trabalhamos,
7. Ruwet, 1967.
8. 1968.
· 37
aqui, com um Corpas para simplificar os problemas, mas é bom
lembrar o quanto isto é artificial relativamente a um estudo da
infinidade de frases possíveis): _
1 — La fžlle sourit.
[A moça sorri.]
2 —— Le garçoa rougit. `
[O rapaz cora.]
3 — Le garço/1 parle a la fžlle. '
[O rapaz fala a moça.]
4 — La Žlle re arde le ar 071.

[A moça olha o rapaz.]
5 — La filie. parle ž zm garçO71.
[A moça fala a um rapaz.]
6 — LE garçoa parl.
[O rapaz fala.]
7 —— Le garçoa regarde la filie.
,[O rapaz olha a moça.]
Escolhemos um Corpux em que, propositadamente, a palavra
garçoa aparece na maioria das frases, e procuraremos definir sua
distribuição. A palavra garçom pode aparecer quer após le, quer
após zm; pode colocar-se antes de rougit, antes de parle e antes de
regarde e, combinada com l ou com um, segueSe quer a regarde
quer a parle ž. Se nosso Corþus tivesse sido maior, teria sido possível
caracterizar mais claramente a distribuição de garçoa, mas permanece
o fato de que dessa maneira não poderíamos jamais fazêlo total-
mente, já que essa palavra pode aparecer em uma ir1finidade de
contextos. Por isso é necessário tornar o método mais preciso e
mais eficaz. `
s As categorias da gramática tradicional (substantivo, verbo,
etc.), apóiam-se, de fato, em uma análise distribucional implícita,
mas mal compreendida, não definida, não sistemática, em que entram
de cambulhada considerações semânticas. No entanto, os substan-
tivos são palavras que aparecem antes ou depois de um verbo: os
adjetivos são palavras que se juntam aos substantivos, etc. Mediante Ã
a justificação dessas' noções, podemos aprimorar a análise distribu- *
cional de nosso carpas. Para fazê-lo, coloquemos uma série de con-
juntos, de um lado, e uma série de combinações possíveis dos
elementos desses conjuntos, de outro:
38
N: [
Conjunto das palavras que possuem a mes-
g“Ïç°” [rapaz] ma distribuição que gurçon. I
fzlle [moça] _ ,
em Chamemo-las "110mS' [substantivos] (sim-
bolo: N). `
Art:
Zé, [0], Conjunto das palavras que possuem a mes-
zm [um], ma distribuição que le.
Zß [==l,€ï€- — Cbamemo-las urticles [artigos] (símbolo:
[ _ ' -Art).
Ï [ V: '
ïûügžf iC0Ï0\1l Conjunto das palavras que possuem a mes-
PWÏ [fala] ma distribuição que rougít.
ægärdâšoihal Chamemo-las verbas [verbos] (símbolo:
[ V).
Prep:
{ Conjunto de palavras que possuem a mes- i
“ Íalx Eàl, ma distribuição que à.
em Ä Chamemo-las préporitiorzs [preposições]
V N , (símbolo: Prep).
> Acrescentamos etc. em cada conjunto de modo a mostrar que
` os elementos aqui utilizados não são os únicos. Isto nos permite
_ traduzir as frases de nosso corpus sob a forma de seqüências de
categorias, e focalizar, assim, a análise distribucional ·de um número
L de frases muito maior do que 0 daquele de que partimos (o signo '|
Ï serve para ligar os elementos):
1*; Art + N' + V
( 2’: Art —] N ] V
3’:Art·—l~N—]V—å~Prep1Art—]‘N
Q 4’:Art|—N]Vi—Art+N
' 5’:Art—]N]—V—\—Prep-]Arti}N
6’: Art —]— N ] V
7’:Art—{—N—i—V—]¥Art—]—N
Deixamos de lado, aqui, os problemas de concordância, se-
gundo os quais, por exemplo, la [a] só precede um feminino, e
. 39
Ze [0] só um masculino. Percebe-se, facilmente, que a gramática
distribucional pode tratar desse gênero de fenômenos. Até este ponto,
ampliamos nosso campo de estudo, mas não o simplificamos. `Po-
demos fazê-lo na medida em que certas seqüências apareçam várias
‘ vezes; retenhamos somente, como frases francesas corretas do nosso
campo de estudo (é evidente que há muitas outras frases):
Art —l— N -}— V `
Art-lN-l-V-1-Art-{-N-!-V
Art—{—N-}V-}-Prep+Art—l-N _
Atingimos, desse modo, um importante grau de generalização,
e estamos de posse de um método que nos vai permitir delimitar as
noções de "substantivo" [710/%, N], de "verbo", de "artigo", etc.
De fato, aproximamo-nos`, assim, da descrição de uma das regula-
ridades da língua, antes mencionada. É necessário, no entanto, re-
cordar que tal ilustração incide sobre um conjunto limitado de fatos
e que um estudo mais abrangente poderia nos conduzir a conclusões
mais sérias.
2 .2 .2 . PARA1JrCMÁ'r1CA/s1NTACMÁTrCA
A maneira pela qual apresentamos o método distribucional é,
na realidade, muito esquemática. Convém precisar, agora, o que se
entende, habitualmente, por ‘paradigmática" e "sintagmática".
Os dois princípios retores da análise distribucional são a comu-
tação e a combinação. Utilizamo-los sem os definir quando investi-
gávamos a distribuição da palavra rapaz em nosso corpus de partida,
e, em seguida, a das diferentes categorias "Substantivo", "verbo",
etc. Se agrupamos rapaz e moça no mesmo conjunto, é que eles
podem ser comutados, ou seja, ocupar a mesma posição e, por outro [
lado, podem entrar nas mesmas combinações (diante de um verbo,
adjuntos a um artigo, etc.). Assim, podemos ter:
rapaz
Art —| Imoçal }- V -| Art —í-,N
etc. I
rapaz
Art -†— N-}- —{- V—l— Art -l moça
letc. s I
40
lz
(Doravante as chaves serão utilizadas para agrupar os diferentes I E
termos que podem ocupar a mesma posição em uma seqüência; para k
rormar uma frase é preciso escolher um dos termos da chave.)
F já que consideramos a sintaxe como um estudo puramente for-
A mal, e que rapaz e moça funcionam da mesma maneira, podemos con- e
| . ,. » . «
Siderar que rapaz e moça sao, em certo sentxdo. equivalentes. Diz-se
que eles são paradigmas, e os paradigmas se definem como termos
que podem ser comutados. ‘
Por outro lado, as palavras e os grupos de palavras se combi-
‘ nam entre si linearmente, para formar frases. Dizse que ambos se
a combinam sobre um eixo horizontal, chamado "eixo sintagmático",
por oposição ao eixo vertical que os paradigmas formam, eixo esse
, que tem o nome `de "eiXo paradigmático". O eixo, sintagmático
. — é o eixo da coexistência dos elementos lingüísticos, e o eixo para-
di mático é o eixo das e uivalências ortanto das exclusões . Eis—
1_’
um exemplo simples:
eixo sintagmático
G o rapaz brinca
``U
; IHOÇ2 .
s Q E cão
* ~ .î °°
I 0 gato
Í 3 homem
N
c>.. etc.
“ eixo sintagmático
V 0 o rapaz brinca
ï canta
`G
s 0 E come ·
' -5* °° corre
° >E
3 trabalha
r . Š. etc. _
Ï eixo sintagmático
` 0 0 rapaz brinca Ú
ïU
'= 2*
Q ê Os
· .29 meus
A. "U
¿ <¿¿ alguns
Ï Š, esse ,
etc.
· * 41
"" †
0 p1'lII)êlI`O êSquêIT121 HIOSH`8 que 3.5 palavras 0, fäplf ê brinca `
combinam-se no eixo sintagmático para formar a frase O rapaz brinca,
e propõe alguns dos paradigmas de rapaz. O segundo propõe alguns
paradigmas de 0 e 0 terceiro de brinca. De fato, essa análise não se
l1"1[êI`êSS8 tão-só pelas palavras, ITXZS também pelos 8g1up9.i'I1ê1’1[OS
de alavras e de morfemas mas, a ro ósito disso ve'a-se o Ca í-
·JJ
tulo Sêgulutê). ASSIHI 0 gI`upO 0 7‘ä_D¿ZZ, que denominamos (lê S11'1
tágmá I10IDlD8l, COII1l)ÍD8Sê COIH 0 gI`upO Í7ïÍ?7Cd (ÍOITIIHO, CID HOSS0
exemplo, pO1' um ÚDÍCO êlêI1'1êI1[0), ê que Sê chama Slntgmã verbal.
Os paradigmas dos sintagmas são, também, sintagmas; os dois es-
quêl'I'13S que Sê Sêguêfn 1’I1OSIîI`3II1 OS p31'8dlgI'D8S pOSSÍVêlS (lê 0 rapaz
——- pi‘lI`I1êlI'0 esquema - ê OS de b7'Ží1L`£Z ·— SêguI'1ClO esquema:
\ eixo sintagmático
O
.2 .
0 1`3p8Z l)IIHC3
.E
não Paul
·O Ele
N.-
Ç Meu IHDHO II'1êI’1OI
O Um dos filhos da vizinha
_¿_< Esse aí
°’ etc.
eixo sintagmático ê
O
.9. .
0 fäpîz bîlñêá
ŠD come uma maçã
ro esta no pátio
œx Å . _
— g fala a voces de seu irmao
°‘ espera que ele logo vá embora `
__Š — etc. ‘
‘ 0)
sê aprimorarmos 2 ClêSC1‘lÇãO, pOClêIIê1'I\OS êSÍ3lJêlêCê1` classes pã-
radigmáticas para todos os elementos lingüísticos. De fato, tal modo
de considerar os fatos sintáticos ocasionou um grande progresso na
(lêSCllÇŠO Cl3S lÍI'1guãS, ê Vê1'êI'DOS 2 seguir que êSSê p[`OCêSS0 ainda
utlllZ8dO COITI llgêlI'3S 8l[êIîáÇÕêS I10 Sêu modo (lê 2p1“êSêI'1(3ÇŠO, HOS
trabalhos dos gerativistas. As noções de eixo paradigmático e de
eixo sintagmático acham-se um tanto esquecidas, mas o princípio
42
` continua válido: os elementos se agrupam em classes (paradigma-
ticas) e cada um dos elementos dessas classes se combina com outros
para formar frases.
2.2.3. EXEMPLO: UM FRAGMENTO DE ESTUDO
DISTRIBUCIONAL DO AD]ETIVO '
2.2.3.1. O PROBLEMA
Ï
Se aplicamos esse método a unidades que possuam a mesma
distribuição e às quais chamaremos "adjetivos" (sabendo) que nossa
análise vai repor em questão o processo de agrupar sob um rótulo
único elementos que, na realidade, funcionam diferentemente), obser-
vamos que os adjetivos entram em duas subdistribuições, isto é,··em
duas séries de contextos diferentes. Por um lado, o adjetivo se en-
contra em uma distribuição nominal, ou seja, está em relação com
um substantivo; e por outro lado, ele se localiza em uma distribuição
que se poderia qualificar de verbal, quer dizer, na qual ele entra em
relação com um verbo . No primeiro caso, o adjetivo se emprega,
~ por exemplo, com o modificador "muito", e, no segundo, com, por
exemplo, o morfema "mente":
— une Comluite (très) rapide m’effrziE.
[guiar (muito) rápido me atemoriza.]
‘ — íl Corzduit rapidement.
Ï [ele guia velozmente.]
.Que o adjetivo se relaciona com o substantivo no primeiro caso
1 é algo que se vê no fato de existirem restrições seletivas entre o
E substantivo e o adjetivo (dir-se-á une Conduíte rzpide [guiar rápido]
;, mas não une Comíuitc verte [um guiar verde] ao passo que, se se
Ï troca 0 substantivo, poder-se-á dizer une pomme verte [uma maçã
verde]). Do mesmo modo, no segundo caso, é entre o verbo e 0
adjetivo que existem restrições de seleção (íl Comfuit rapidemnt
ê , [ele guia velozmente] é possível, mas não o é il conclui! Ouverte-
mwt [ele guia abertamente], ao passo que il {exprime Ouvertement
[ele se declara abertamente] torna-se aceitável). Observaremos, su-
Ï cessivamente, os dois` tipos de distribuição, procurando descrevê-los
Ï parcialmente.
, 43
ê
2.2.3.2. A msTR1EU1çÃo "NoMn~:AL" no CONSTITUINTE An] ¢
já não chamaremos de "adjetivo" ao constituinte que estu- Š
damos antes de ter observado sua distribuição; vamos chamá—loý [
por exemplo, X. Seja o seguinte corpus:
— urr Corzseil municipal [um conselho municipal]
urz décret ministériel [um decreto ministerial] `
— une femme blonde [uma mulher loira]
— urr chierz qui est três méchant [um cão que é muito mau]
— uri Chierz três méchant [um cão muito mau] . [
— une bibliothêque universitaire [uma biblioteca universitária] [
— une femme três blonde [uma mulher muito loira]
— urre femme qui est blonde [uma mulher que é loira]
— une femme qui est três blonde [uma mulher que é muito
loira]
— urre Opératiorz chirurgicale [uma operação cirúrgica]
ua Chiea qui st méchant [um cão que é mau] [
— urz chieu méchant [um Cão mau]
Observamos que um certo numero de X, os X,, entram nos
quatro seguintes contextos:
Det — N — X1 .
Det—N—queéX1
Det — N — muito — X1
Det —N-—queë±muitOX, *
os quais podemos reagrupar em:
Det 4 N -— (que é) — (muito) —'X,
em que O elemento entre parênteses é facultativo e onde X1 = "mau",
"lOíra", etc. Ao contrário, outros X, os X2, entram somente no
contexto: '
Det N X2 ‘
em que X2 = municipal, ministerial, cirúrgica, etc.
‘ Criou—se 0 hábito de chamar os X1 de adjetivos, e os X2 de
pseudo-adjetivos porque eles possuem somente um certo número
de propriedades distribucionais dos verdadeiros adjetivos. Mas nossa
classificação é insuficiente, na medida em que ela só leva em conta
44
os X pospostos. A fim de aprimora-lo, tomemos o seguinte frag-
mento de corpusz
- uu beau mmteuu [um belo casaco]
-— uu vieil bomme [um velho homem]
—— urz adroit merzuixier [um destro marceneiro]
— uu grand cbâteuu [um grande castelo]
—— une méchante fucture [uma má execução]
> —— une gentille maisou [umc graciosa casa] A
Se utilizarmos ao critério de inserção de que é (muito), definível
( pelas conclusões precedentes, observamos que temos aqui também
[ um certo número de adjetivos (os quatro primeiros X sublinhados
no corpus) e um certo número de pseudo-adjetivos (os dois'últimos).
A inserção da seqüência (que é) -— (muito) nos põe em presença
de quatorze novas frases (um casaco que é belo; um Camco muito
‘ belo, etc.), as quais, somadas aos dois corpus precedentes, nos
permitem uma melhor apreensão da distribuição dos X, e permitem,
também, que tiremos um certo número de conclusões sobre O assunto,
È o que se representa no seguinte quadro:
distribuição dos pseudoAdi
Det —— N -— pseudoa [
Det —— pseudox, - N
` Pseudoa = municipal, cirúrgica, ministerial...
ê Pseudob = mau, gentil. . .
distribuição dos Adi ,
Ï Det — N —- (que é) (muito)- Adi,
¿ Det —— Adia`— N [
Adjz, = velho, destro. . .
[ que é
Det — N — muito Adib
Ï . que é muito .
Š s na — Adjx, —— N [
Ï Adis _= belo, grande. . . ` `i
Det N — (que é) — (muito) —- Adis lš
Adis = louro, estético, arrivista, vermeic. (
4
Ï
É evidente ue este estudo continua a ser demasiado fra men (
,..,.g-
tario, devendo ser completado mediante uma serie de observaçoes
que não desenvolveremos, apesar de ser recomendável o seu de-
senvolvimento: `
(a) Essa análise foi feita à base de quatro propriedades, mas
ela é confirmada por outras propriedades. Encontram-se,
por exemplo, frases do tipo 1, mas não do tipo 2. De `
maneira análoga, 3 é possível, mas não 4:
1 — SN ser Adj ,
2 — * SN ter pseudo
3 — Este N, eu 0 acløo Adj
4 — * Este N, eu 0 acho pseudo
(Para a discussão desses exemplos, Cf. Zribi na bibliografia).
(b) Certos elementos podem se localizar em várias Subclasses,
em particular os pseudo], que sempre possuem homônimos
nos Adj. E o que a gramática tradicional chamava de Adj
em sentido próprio e em sentido figurado. A vantagem do
tratamento distribucional está em que ele permite com-
provar que uma diferença de sentido provém de — ou,
pelo menos, corresponde a -uma diferença de distribuição.
· (Cf. un Clien méeløant [um cão malvado] ¢ une mé-
Cbante facture [uma má execução]). ,
(C) já observamos o comportamento de muito com os X pos-
postos. Seria útil observälo com os X antepostos, e
também introduzir outros modificadores como verdadei-
ramente, pouco, mais que, vagamente, etc. Isto permitirá,
sem dúvida, aprimorar a classificação.
(d) Há uma classe de X que são Adj pois admitem que é e
, verdadeiramente, mas que não admitem muito: terrível, *
adorável, magnífico. Talvez fosse possível aproximar-se
esse fato do fato de que essa classe é semanticamente um-
‘ ficada, e que os Adj em questão parecem conter em si
mesmos o sentido de muito Adj.
(e) Pode ser — e isso é muito importante -— que o fato de
que um Adj seja um a, um b ou um C seja algo que se «
deva, também, ao tipo de N que o acompanha (não se >
* Exemplos equivalentes em português: não se diz "‘*um livro jovem"
mas se diz "um homem jovem". (N. do T.)
46
' diz uue mažsou grande mas se diz un Íaomme grmd)*.
Esse problema, como todos aqueles que aqui se sugerem,
deveria ser aprofundado se se deseja apreender cientifica-
' mente a distribuição de Adj em um contexto a que já
chamamos "nominal".
2.2.3.3. A DISTRIBUXÇÃO “VERBAL” D0 CONSTITUINTE An]
Vamos chamar de Adj, indiferentemente, as duas classes de X,
sejam pseudo Adj, sejam Adj genuínos, e vamos observá-los em um
E contexto "verbal" (ver acima a definição de contexto verbal). Por
| outro lado, não nos preocuparemos, em nosso estudo, com os pro-
, blemas morfossintáticos que se coloquem para, por exemplo, a com-
i ’ binação dos Adj e do rnorfema "ment"; tais problemas se descrevem `
em Chevalier-1964, Dubois-1967, e Gross-1970, por exemplo (Cf.
bibliografia). Eles poderiam -— e deveriam -— ser integrados em
nosso estudo. '
A primeira coisa que poderíamos observar em um Corpus ade-
quado é que, em distribuição verbal, o Adj vem sempre acompanhado
de um certo número de elementos:
` —— Eustache vožt la Jítuatíou de manière personnelle.
[Eustacbe vê a situação de maneira pessoal.]
— Adolp/Je voit la sítuation d’une manière admirable.
[Adolpbe vê a situação de uma maneira admirável.]
‘ — Nertor voit clairement la Situatíou.
( [Nestor vê claramente a situação.]
— Adržen voit clair. —
[Adriea vê claro.] '
— Ealouard voit mal.
FEdOuard vê mal.]
Podemos decidir chamar de "Advérbio de modo" (abreviação
` Advm) a combinação de Adj e de um elemento E em distribuição
Ï verbal, mas é necessário lembrar que tal denominação se integra em
nossa análise formal, e não cobre o que sechama advérbio de modo
· na gramática tradicional. Antes de colocar 0 problema da distribuição
verbal de Adj, ou antes de Adj { E, isto é, de Advm, poderíamos
— tentar situar E, e ver Ao que o Advm cobre. O Corpur acima per-
mite-nos fazer o seguinte quadro 9: ·
9. No qual Ø significa elemento nulo ou ausência de elemento.
47
——Ïr Í
de uma maneira Adj (rápida) 1
de maneira Adj (gentil)
Advm = Adj—mente (longdmente)
Adj—Ø (Claro)
Adj —(— deformação fonética (bOm dá bem)
quer dizer que E = de um modo, de modo, mente, Ø, e deforma- `
ção fonética.
Em realidade, nem todos os Adj são combináveis com cada uma
das formas de E; poderíamos fazer as seguintes observações:
z) Todos os Adj se combinam com de maneire e com de uma
maneira, exceto uma classe na qual encontramos du ton-
nerre [estupendo] e Jan: bornesw [Sem limites].
b) Os Adj que sofrem uma deformação fonética não podem
se combinar com mente nem com Ø.
~ C) Entre os Adj que se combinam com mente, temos uma
subclasse que admite também a combinação com Ø e uma
outra que não a admite.
Tais observações nos levam a colocar as seguintes seis subclas-
Ses de Adj: _ '
10. Ver Gross, 1970.
48
'' IJII
II ' «î.A
II
Y
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áï.; `S‘°""
' ` “<°· -·:..
_ II
ÜÃ
<í ,'rJ

`W
As observações z, b, etc., precedentes, e as seis subclasses de`
adjetivos acima enfocadas, permitem-nos aprimorar 0 quadro que
mostra como os Adj e os E se combinam para formar Adv:
Adjl
Adlž a
de (um) modo Adj.,
Ad Ad_ Adj,
Vm = Adšl l— mente Adls ~
4
Adi., — Ø
Ad],
Ad]6 —l— deformação fonética
Aqui, também, o estudo da distribuição .dos Adj em um con-
texto "verbal" é muito insuficiente. Dispomos só de observações
acerca do elemento E necessário para que se possa utilizar um
Adj em contexto verbal. Um autêntico estudo da distribuição de
Adj 4- E, uer dizer de Advm, deveria come ar a ora, ara o fim
)Çg.
de demonstrar que certos Advm possuem uma posição f1X3, ao passo
que outros podem ocupar tais ou quais posições, ou que a natureza
do V entra em jogo bloqueando certos Advm, etc. Não prolonga-
remos este estudo na medida em que — conforme já frisamos — o
presente trabalho é antes de tudo uma exposição de método. Mas
procuraremos mostrar, nos parágrafos que se seguem, como a noção
de distribuição deve ser ampliada para abranger outros fatos de
língua.
2.2.4. PALAVRAS E MORFEMAS ’
Todas as noções até aqui expostas (em 2.2.1. e 2.2.2.) não
bastam para que construamos uma gramática gerativa. Elas permi-
tem só classificar os fatos de modo mais sério e mais revelador.
Nesse sentido, a gramática distribucional não pode ser senão uma
gramática descritiva, taxionômica. Mas ela oferece à gramática ge-
rativa um instrumento de trabalho racional, no sentido de que o :
gerativista deve descrever o mais cientificamente possível as frases
que deseja que sua gramática possa engendrar. Mas este é um outro
problema, a ser tratado no parágrafo seguinte.
50 · «
Até agora, vimos trabalhando com as palavras, com a substi-
tuição de palavras no eixo paradigmático e com combinações de
palavras no eixo sintagmático. Ao fazê-lo, postulávamos, implicita-
mente, que a palavra é a menor unidade do discurso. Mas isso não
se dá. As palavras são formadas por elementos menores, que são as
verdadeiras unidades do discurso, e que se denominam "morfemas".
É possível definir O morfema em termos distribucionais. Assim,
tomemos a palavra francesa Xurnzontzble [ultrapassável]. Ela é vi-
sivelmente formada de três morfemas que são: Xnr [ultra] + 7n0nt
[pass] + nbl [ável]. O que nos permite afirmá—lo é que sur
È [ultra] se encontra em outras combinações (xurgeler [ultragelar],
( Snrpzsser. .. [ultrapassar]...), do mesmo modo que 7nOnt (777077- l
l ter [montar, subir], démonter [desmontar], montuge ,1 [monta-
gem]. ..), e que zble [ável] (acœptzble [aceitável], Jémontuble
[desmontável], mungeable [comível] . . . ).
A distribuição de cada um dos morfemas constituintes da pa-
lavra Snrmontable pode resumir-se através dos três esquemas que
seguem: ‘ l
(1) —— distribuição de .vn7'-: (2) — distribuição de n7Ont—:
SUR ——- nzontzble Snr — MONT — zble
geler dê er
passer re age ,
»...é
{ (3) — distribuição de zble:
\ snr — 7n0nt — ABLE
démont-
nzzng-
1} UŽ1)
invio-
š De fato, essa definição de "morfema" acarreta certas dificulda-
des. Por exemplo, as palavras rurais podem ser consideradas como
formadas de vários morfemas, um dos quais é 0 morfema—plural, o
3 qual se realiza freqüentemente sob a forma de "S": ·
, [ 51
—— Hommes [homens] .......... Homm —} S ` (
— Garçons [rapazes] ........., Garçoa —}— S
— Dérivatíom [derivação] ...... Déríva ]— tio:: [ S
—— Démontages [desmontagens] . . Dé { moa! | age —{— S '
É preciso saber, também que o morfema-plural possui outras
realizações que não "S", em certos casos (os quais limitamo-nos a
ilustrar, em seguida, mas que deveriam completar-se através de uma
análise exaustiva):
Ix
’ — Bocaux ........,. bocal —|— morfemaplural (= auX)
— Marécbaax ....... marécbal {— morfema-plural (= aux)
— ;šÏÏõ:èx ......... Cailloa —{— morfema-plural (= X)
Š;;..: ............ Eau —{— morfema-plural (~=X)
— Rpa: ........... Repa: —}— morfema-plural (= zero)
-— Nez ............. Nez + morfema-plural (= zero)
þ Um estudo mais sério desse problema deveria considerar esses e
[ outros casos mais para melhor definir tanto a noção de "morfema- [
plural" quanto a sua distribuição. Mas não é esse o nosso objetivo,
aqui. De qualquer modo, vê-se que é muito mais revelador conside-
rar a frase não como uma seqüência de palavras, mas como uma
seqüência de morfemas que mantêm entre si relações sintagmáticas.
Assim, a frase Les élève: faisaím de: dessinš aalmirablnv et imIeS— [
Críptible: [os alunos faziam desenhos admiráveis e indescritíveis]
pode ser considerada como a seqüência:
— (le —]— S) (élève {— S) (faire + imperfeito | 3." pessoa)
(ur: —{— plural) (desxiø: } S) (admir —} able —{— S) (et)
(ir: —} descržpz —l— íble —†— S).
· Outras teorias tomaram O morfema como uma unidade mínima
de sentido, ou seja, a menor unidade que, na frase, está dotada de
È conteúdo semântico. Isso parece certo quando se considera, por
exemplo, (ir: + viu e}- abl) [in—]—suport—]—ável], pois é possível
dizer-se, com efeito, que o sentido dessa palavra provém da asso-
ciação do sentido de cada um dos três morfemas que a constituem:
ir: significa uma negação, Uív provém da palavra 1/ivre [viver] mas L
tem, aqui, mais o sentido de Xuportar, e able [ável] tem o sentido "
de possibilidade. Irwivable poderia ser parafraseado por "(1) que
não é (2) possível (3) de suportar". A mesma coisa poderia dizer-se '
de démonter [desmontar] (fazer o contrário de 77:0/mar [montar] ou
52
élèz/es (vários alunos). Mas que dizer então, de morfemas como
de em un imbéežle de gendarme [O imbecil de um guarda] ou ŽZ em
žl pleut [chove], y em il y a [há], ou ainda — exemplo freqüente-
mente citado em inglês — de do nas interrogativas Do you go ÍO
SCÍOOOZP [Você vai à escola?]. E patente que uma definição semân
tica do morfema só pode complicar e que uma análise formal como
a análise distribucional é muito mais reveladora.
, 2.3. UM MODELO ELEMENTAR: O MODELO
SINTAGMATICO · _
I 2.3.1. A ANÁLISE EM CoNS'r1TU1NTEs IMEDIATOS
{ A elabora ão de uma ramática erativa deve satisfazer a certos
. . Ç .- g . . . g . .,
critérios sobre os quais não insistiremos agora, em virtude de ]a
terem sido considerados. Antes é preciso aclarar a amplitude do
método distribucional que se conhece sob O nome de ‘análise em
constituintes imediatos". ·
Retornemos a noção de "frase", para mostrar que ela não pode
·ser considerada, ao nível sintático, como uma simples seqüência de
palavras e de morfemas. Evclaro que isso seria possível, mas seria
também pouco esclarecedor quanto à verdadeira estrutura das frases.
Tomemos um eXemplo: ’
“ — Le Contrôleur demande ler billets. [O fiscal pede as pas-
i sagens.]
Uma análise puramente linear daria a seguinte seqüência de
morfemas: ‘
4 — (le {— singular) (contrólear 4- singular) (demande + pre-
; sente —|— 3." pessoa) (le —| plural) (billet -{~ plural).
Se observarmos melhor tal exemplo, verificaremos que um tal
, modo de ver esclarece muito pouca coisa acerca da frase. De fato,
= é muito mais interessante considerar que a frase está formada de
diversos constituintes, os quais, a seu turno, estão formados de ou-
' tros constituintes, etc. Conservando o mesmo exemplo acima, dir-
‘ se—á que a frase está formada de um sujeito e um predicado, sendo
È le Contrôleur o sujeito e sendo o predicado demande ler bílletr. O
¿ sujeito se constitui de um artigo e um substantivo (le e Contrôleur).
Š ]á o predicado se compõe de um verbo (demande) e de um com-
53
, ——————..
plemento (Zes billets), Este compreende um aîigo (les) e um nome
( billets). Em termos formais mais precisos, iríamos que os cons-
tituintes imediatos da`frase são um sintagma nominal (le Contrôleur)
e um sintagma verbal (demande [es Iøžllets). Os constituintes ime-
diatos do sintagma nominal são um artigo (le) e um nome (con-
trôleur). Os do sintagma verbal são um verbo (demande) e um
sintagma nominal (le: billets), etc. Hockett propôs substituir-se ~—
todo o discurso por um esquema que representa uma caixa com
várias entradas: `
ei le COn trôleur demande lei billet:
d le Contrôleur demande ler billets
c le = Contrôleu demande lei billets
b le Contrôleur demande [es ' billets
a le contrôlear demande le: billets
Lê-se a caixa de baixo para cima. Introduz-se, em cada linha,
uma única separação para marcar uma etapa da análise. Parte-se
da linha as
— A linha a representa a frase,
— — a linha [7 mostra os constituintes imediatos da frase,
— a linha C mostra os constituintes imediatos do sintagma "le
cOntrôleur",
— etc.
A fim de tornar a caixa mais interessante é preciso denominar
( os diferentes constituintes através da categoria à qual eles perten-
cem. Desse modo, se F significa "frase", SN "Sintagma nominal",
SV "sintagma verbal", Art "artigO", N "nome" ou "substantivo"
e V "verbO", estabelecemos a seguinte caixa:
1
54 Q
le Contrôleur demande le:
Axx N v Art
Art N V .
Art — N SV ,
( SN “ SV _
È.
Essa caixa não esgota a análise de nossa frase, pois fornece ape-
nas subsídios incompletos a propósito da sua estrutura. Reaparece,
aqui, a distinção entre "palavras" e "morfemas", distinção essa que
a caixa de Hockett deve levar em consideração. Devemos, contudo,
definir certos termos, de que necessitaremos logo mais, antes de
elaborar uma caixa mais precisa. O compartimento superior da caixa
que vamos construir deve representar uma seqüência de morfemas,
não uma seqüência de palavras. Essa seqüência já foi apresentada,
atrás, do seguinte modo:
- (Ze | singular) (contrôleur |— singular) (demande + pre-
. sente l— 3.“ pessoa) (Ze + plural) (billet —{— plural).
Ï Na realidade, em vez de acrescentar o mesmo afixo de número ao
‘ nome e ao artigo correspondente, seria mais interessante e mais revela-
_ dor Considerarque o sintagma nominal está formado por um grupo no-
Í minai que é constituído, por sua vez, de um artigo e um nome mais
È um afixo de número (quer singular, quer plural). Verificaremos, l
¿ assim, que todo o grupo do nome (artigo —i- nome) submetese à
concordância.
Ï Definamos (ou redefinamos), agora, os principais termos de
que nos vamos servir:
;I
Z — convencionemos chamar de sintagma nominal O conjunto
; formado por um grupo nominal e um afixo de número.
— convencionemos chamar de grupo nominal o conjunto for-
mado por um artigo e um nome (sem considerar a questão
¿ do número que eles possam ter).
A F5
-- convencionemos chamar de sintagma verbal o conjunto fOr°
mado por um afixo verbal que representa a pessoa e o
tempo e um grupo verbal.
— convencionemos chamar de grupo verbal o conjunto for-
mado por um verbo (ou melhor, `na realidade, uma raiz
verbal) e um grupo nominal.
Tais denominações são puramente arbitrárias. Poderíamos ter
optado por outras, mas era necessário dar um nome para os diversos
constituintes que vamos utilizar. ‘
Poderíamos ter denominado cada um deles mediante um dife-
rente algarismo. A frase seria constituída, então, de 1 e de 2;
1 seria constituído de 3 e de 4; 2 de 5 e de 6, etc. AS denomina-
ções que empregamos são apenas mais expressivas, mas continuam
sendo inteiramente artificiais e zd ÍJOC. De qualquer modo, são elas
as mais empregadas nos trabalhos sobre a sintaxe do francês.
, Essas considerações todas levamnoS à formalização da seguinte
caixa:
7
1
56 Ü

zå Z
.Ï._, z ’
CD
\) tz
~<
È , ————— Z .
5 C/D
$-1 8-I $-4
3 ,3 .3
$34 D $14 ·
l....__. î> V
_ QD

‘ ¥> ¥> 1>
S
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5 5 C1 5 5 C1 S:
`C/1 "ÕŠ `É `cn `vz `G "ÕŠ
--1 ,..CÉ DD *4-4 0 "Ö 0 .—D *58
Nessa caixa 11 cada linha introduz uma nova indicação (somente ·
uma) em relação às linhas precedentes:
— A linha II representa a frase;
—— a linha [7 indica os constitutintes imediatos da frase (SN e
SV);
—— a linha C indica os constituintes imediatos do SN (singu-
lar e GN);
a linha d indica os constituintes imediatos do GN (Art e
N);
— a linha e indica os constituintes imediatos do SV (3.“ pes
sing e GV);
— a linha ]‘ indica os constituintes imediatos do GV (V e
SN);
— a linha g indica os constituintes imediatos do SN contido
s no SV;
— a linha ÍJ indica os constituintes imediatos do GN (Art e
N);
— a linha Ž representa a seqüência dos verdadeiros morfemas
de que a frase é formada. `
Não se deve supor que a linha Í seja a- única merecedora de
atenção. É o conjunto da caiXa que representa a verdadeira estru-
tura da frase. Observemos, contudo, que o modo pelo qual apresen-
tamos a caixa não é o único possível, pois há outros modos que
lhe são equivalentes. Seria possível, por exemplo, dar os constituintes
do SV antes dos SN. Mas isso não acarretaria nenhuma conseqüência
para a nossa análise. De modo análogo, poderíamos ter preferido
não escrever nas linhas superiores os símbolos que já não pudessem
'ser decompostos: assim, o símbolo "singular", que já aparece a partir ·—
da linha C e continua tal qual até o remate da caixa, poderia ter
sido escrito uma única vez; do mesmo modo, SV está escrito em
« b, em C e em í, mas ele poderia ter sido escrito uma única vez, etc.
Ainda que seja certamente importante, tudo isso constitui apenas
problemas relativos “ã apresentação, cuja importância se reduz desde
o momento em que pensemos que esse modo de ver as coisas não é
suficiente para culminar em uma verdadeira gramática gerativa. ,
j
11. Dever-se-ia., além disso, considerar Contrôleur como formado de
dois morfemas contrôl- e eur, mas, para simplificar, omitimos essa etapa.
58
2.3.2. A GRAMÁTICA SINTAGMÁTICA COMO MODELO GERATIVO
A análise em constituintes imediatos representa tão-só uma “eX-
tensão — e um aprimoramento — da que considera a frase do ponto
de vista do eixo sintagmático. Eis por que, combinando-a com um
modelo de gramática formal (cf. as cadeias de Markov)‘2 Chomsky
lhe deu o nome de "gramática sintagmática". Tentaremos ver de que
modo a gramática sintagmática pode tornar-se um "modelo", ou seja,
um mecanismo capaz de engendrar (no sentido definido em 1.2.4.)
um conjunto de frases, e veremos, em seguida, as limitações desse
È modelo mais os aperfeiçoamentos que Chomsky lhe sugeriu, tendo
Ï em mira transforma-la em uma gramática gerativa dotada de um
j nível de adequação satisfatório. 1
Para engendrar frases, a gramática deve possuir um conjunto
de instruções. Tais instruções apresentam-se sob a forma de regras
que permitem reescrever um símbolo em uma seqüência de símbolos,
Lembremo-nos da caixa de Hockett. A frase era, ali, formada de
um sintagma verbal e de um sintagma nominal., Nosso problema já
não é mais o da estrutura desta frase em particular, mas o da estru-
tura de qualquer frase potencial. Parece que, na maioria dos casos,
as frases (declarativas) francesas estão também formadas por um
sintagma nominal e um sintagma verbal. Podemos, pois, formular
uma regra que dirá, aproximadamente, o seguinte: sendo dado o
símbolo F, reescrevê-lo sob a forma "SN -j SV". Tal regra terá
‘ a forma
' F > SN + SV
que se há de ler "F se reescreve SN 1 SV”, ou "F deve ser rees-
— crito como SN j~ SV:. Regras desse tipo se chamam "regras de · “
reescrita" ou "regras sintagmáticas". '
. Se queremos engendrar a frase le Coœztrôleur demande [es billets
[o fiscal pede as passagens] (e se, e lógico, desejarmos atribuir-lhe
uma correta descrição estrutural, isto é, a que ela tem na caixa pre-
cedentemente elaborada), devemos colocar a seguinte série de regras
de reescrita (tais regras são inteiramente provisórias, e não se deve
considera-las senão como uma etapa do nosso raciocínio; seremos
_ levados a aprimorá-las mais tarde). Assinalemos que No significa
_ número, sing., singular, plur., plural, e que o afixo verbal que repre-
senta o tempo e a pessoa do verbo (no caso, a 3,3 pes. sing. do
presente) vem simbolizado por Tps:
12. Chomsky, 1957.
59
(1) F > SN —]— SV ‘
(2) SN > No —i GN [
(3) GN ·> Art \ N · _
(4) SV > Tps —}— GV
(5) GV > V —i— SN
s1n
(6) NO —>{P1u=l
(7) Tps —> 3.* pes sing presente...
A regra de reescrita de n.° 6 significa que o afixo numero, localizável
na reescrita do SN (cf. regra 2), deve ser reescrito quer como sin-
gular, quer como plural, um deles excluindo o outro. Em geral, as
diversas reescritas possíveis do mesmo constituinte aparecem coloca-
das no interior de chaves. Mas as regras de 1 a 7 não bastam para
engendrar verdadeiramente as frases, pois necessitamos de 1hEs_aCres— }
Centar uma outra série de regras chamadas regras lexicais:
(a) N > Contrôleur [fiscal], billet [passagem], etc.
(b) Art —> le [o] ,
(C) V —> demandar [pedir], etc.
Aplicando essas diferentes regras, umas depois das outras, po-
demos obter o que se chama uma "derivaçãOÏ’. No nosso caso, a
derivação teria a seguinte forma: -
A) F —> SN + SV
B) F—>No—|—GN¥l—SV
C)F>NOlArt—}N—|—SV
D)F>NoJ;—Art—|N—}TpS-i—GV
E)F——>No]—Art—}—N1—Tps—§—V-1-SN F
, F)F>No+Art+N+Tps+V|NO—l—GN ~
G)F>No—l—Art+N~i—TpS—]—V—{—No—]Art+N
H)F—>Sing{—Art—}—N|—Tps—§—V—!—NolArt+N
( I) F —> Sing —{— Art + N † 3.“ pes. sing presente —{ V
—]— No —)— Art ·{ N
]) F > Sing —]— Art [ N —{ 3.° pes. sing presente —]— V —]— l
plur —{— Art {— N
K) F >'Sing —{— O —}— N —|~ 3.‘ pes. sing presente l V —\
plur -}— Art —}— N
L) F > Sing -\— O }— fžxcal —I— 3.‘ pes. sing presente —]— V
e {—plur+Art—]—N 1 ~i
[ 60
M) F -> Sing {— O | fiscal i 3.° pes. sing presente —{— ped-“
‘ —}—plur—{A1't—{—N
N,) F > Sing | O | físczl. | 3.° pes. Sing presente + ped-
| plur {— z | N
O) F > Sing | O } fiscal —{ 3.** pes. sing presente —l— ped-
| plur —l xz + passagem
Assim como cada linha da caixa de Hockett efetuava uma nova
divisão de um dos constituintes da frase, cada linha da derivação
remete à aplicação de uma nova regra de reescrita (ou de uma nova
regra lexical):
— a linha A é obtida pela aplicação da regra (1).
— a linha B é obtida pela aplicação da regra (2) à linha A.
— a linha C é obtida pela aplicação da regra (3) à linha B.
— a linha D é obtida pela aplicação da regra (4) à linha C.
—— a linha E é obtida pela aplicação da regra (5) à linha D.
—— a linha F é obtida pela aplicação da regra (2) à linha E.
— a linha G é obtida pela aplicação da regra (3) à linha F.
— a linha H é obtida pela aplicação da regra (6) à linha G.
— a linha I é obtida pela aplicação da regra (7) à linha H. .
a linha ] é obtida pela aplicação da regra (6) à linha I.
— a linha K é obtida pela aplicação da regra lexical b à li-
nha ].
a linha L pela aplicação da regra lexical 41 à linha K.
— a linha M pela aplicação da regra lexical c à linha L.
— a linha N pela aplicação da regra lexical 5 à linha M.
— a linha O pela aplicação da regra lexical z à linha N.
Cada linha da derivação se chama "seqüência" ou "série". A
última linha se chama "seqüência terminal" (ou “série terminal").
Acrescentemos que a seqüência terminal é relativamente abstrata, e
que ela deve admitir uma nova série de regras a fim de que a frase
seja definitivamente bem formada. Essas regras, que não estuda-
remos em seus pormenores, e às quais Chomsky (em 1957) denomi-
nou de "regras morfofonológicaS", permitem dar à seqüência de mor-
femas acima uma realização fonológica definitiva, de um modo que
poderíamos esquematizar como segue (usamos O alfabeto fonético
internacional) :
61
!
Sing + le + Contrôleur | 3.“_ pes sing presente + dernand--` —{— plur |— 1*e —|— billet
lakõtroloer darnãd lebije
Ï
lakõtrolœr damãd le bije
(le Contrôleur demande les billets) [O fiscal pede as passagens]
~ -,A5
lîssa derivaçao e, de fato, d1f1C1l de efetuar. Chomsky propos ¿
substituí-la por uma representação agráfica da estrutura da frase. Essa
representação, cujo nome é "indicador SintagmátiCo" (ou mais co-
mumente "árvore"), apresenta-se sob a forma de um diagrama que
se lê de Cima para baixo, assim: .
‘ Á /SV\
· N0 GNÈ Tps . GK
Art N V ŽN
l\
N,
l ri
Sing le Contrôleur 3.** pes lmmd- 'Plur Z' bíllet
Sing
.presente
Apesar de nos dar, acerca da estrutura da frase, a mesma infor-
mação que a derivação, a árvore é, ainda assim, menos rica. De fato,
ela não nos permite saber em que ordem foram aplicadas as regras de
reescrita para a geração da frase. Ela não nos possibilita saber se
reescrevemos inicialmente o SN ou o SV. No entanto, é evidente
que a ordem possui importância em uma gramática de tipo sintag-
mático. Não é indiferente que se escolha qualquer afixo verbal na
reescrita do SV, já que ele depende da natureza do SN: se O SN é
singular, o afixo verbal será também singular e se o SN é plural,
o afixo verbal será plural, E isto que a gramática tradicional exprime
através da relação "sujeito/verbo", e essa relação deve ser levada em
conta ao reescrevermos o SN antes do SV. A reescrita do segundo
SN, ao contrário, não tem nenhuma implicação para com o restante
da frase. A árvore é inca az de nos fornecer esse ênero de infor-
. P . _ g ,.
mações, mas, na medida em que isso nao venha a afetar a analise
62
. estrutural da frase, poderemos utilizala quando for necessário apenas
o conhecimento dessa análise estrutural.
Falta-nos, ainda, definir alguns termos importantes relativos ao
indicador sintagmático:
— O ponto de partida da árvore é o símbolo categorial F.
Ele é, às vezes, chamado de ‘raiz".
— Cada símbolo categorial situa-se em um "nódulo" da árvore,
4 de onde nasce um certo número de "ramos".
— Os ramos que partem de um nódulo terminam nos consti-
tuintes imediatos desse nódulo. O nódulo F é,· desse modo,
constituído de SN e de SV, o SN é constituído de No e
GN. . .
A última linha da árvore representa a seqüência terminal da
derivação: é preciso, também, aplicar-lhe as regras morfofonológicas
que já assinalamos acima. Observemos, enfim, que eXiste um outro
modo de representar a estrutura da frase, o qual consiste na utiliza-
ção de parênteses etiquetados enquadrando do seguinte modo cada
constituinte: (
(Art +,N)
GN GN
Essa representação é conhecida como "parentetização". No nosso
caso, a frase seria representada assim:
(N0 (Art + N) ) (Tps (V (NO (Art —†— N) ) ) )
SN em ou SN sv Cv SN ou ou si: ov sv
A parentetização é exatamente equivalente à árvore: ela possui
as mesmas qualidades e aos mesmos defeitos. Mas, além disso, ela
apresenta dificuldades para a leitura, razão pela qual é muito pouco
utilizada.
Apresentada desse modo a gramática sintagmátîca pode ser con-
siderada um modelo gerativo. As regras de reescrita (mais as regras
lexicais rmitem o en endramento de se üências de morfemas do
Ag,..,.
frances, e as regras morfofonologicas convertem tais series de mor-
femas em séries de fonemas.
63
‘2.3.3. A GRAMÁTICA SINTAGMÁTICA1 UM MODELO ` J
NÃO-CONTEXTUAL `
_ É evidente que as poucas regras acima propostas não bastam
para o entendimento da competência no seu conjunto. No entanto,
aquelas sete regras já são suficientes para gerar um grande número
de frases, desde que as complementemos por meio de regras lexicais
mais detalhadas do que as que vimos anteriormente. Acrescentemos
às regras de reescrita 1-7 do pargrafo precedente mais as seguintes
regras lexicais:
N > Contrôleur, hilleí, Chaí, laží, garçon. .. ý
[fiscal, passagem, gato, leite, rapaz...] Ï
Art -—> le, la,
[O, a,. . L ]
V —> demander, ennuyer. ..
[pedir, amolar. . . ]
]á podemqs gerar uma importante série de frases:
Le Conírôlear demande [es hilleí:. [O fiscal pede as passagens.]
Le Conírôleur demande le hilleí. [O fiscal pede a passagem.]
Le: Conírôleurs demandení [es hilleís. [Os fiscais pedem as
passagens.]
Les Conírôleurs demandení le hilleí. [Os. fiscais pedem a pas-
sagem.]
Le garçon boií le lait. [O rapaz bebe o leite.]
Le: garçons hoivení Ze Zaií. [Os rapazes bebem o leite.]
Le Chuí hoíí le laií. [O gato bebe o leite.]
Le: Chaís hožvení le Zaií. [Os gatos bebem o leite.]
Le garçon ennuie le Chuí. [O rapaz amola o gato.]
Les garçons ennuiení le Chaí. [Os rapazes amolam o gato.] {
· La garçon ennuže le: Chuí:. [O rapaz amola os gatos.] ’
Les garçons ennuiení [es Chaí:. [OS rapazes amolam os gatos.]
Le Conírôleur ennuže le garçon. [O fiscal amola o rapaz.]
Le garçon ennuie le Conírôleur. [O rapaz amola o fiscal.]
Le Chaí ennuie le Conírôleur. [O gato amola o fiscal.]
[ Etc. `
Vê—se, por aí, o poder da gramática sintagmática, a qual, a partir [
de algumas regras, pode gèxax um número muito grande de frases.
Vê-se, também, uma das primeiras limitações da formulação que aqui
se dá: ela permite gerar frases como le hillet demande le Conírôleur
64
l
[a passagem pede o fiscal] ou le lait boit le C/Jat [O leite bebe o-.
gato]. De' fato, nada nos proíbe substituir o símbolo N da seqüência
terminal por qualquer elemento lexical da categoria dos nomes. O
único recurso consiste, então, em solicitar à semântica que esclareça
`as leis que nos permitem eliminar tais frases como desprovidas de
qualquer sentido. E fácil de perceber que essa maneira de apresentar
os fatos não é muito satisfatória, pois as regras de reescrita são de-
masiadamente "forteS".
Mas, na medida mesma em que a gramática sintagmática é uma
gramática independente do contexto (o que quer dizer, entre outras
coisas, que suas regras são incapazes de especificar que o contexto
de um verbo como "beber" deve ser um sujeito animado e um
objeto bebível), ela não pode evitar de gerar as frases acima. Só
mais tarde 13 Chomsky explicitou novas regras capazes de evitar tais
fatos; elas serão examinadas quando da apresentação da "teoria—pa-
drão" (capítulo 4). Tenhamos presente, por ora, que a gramática
sintagmática deverá ser reformulada se desejarmos lograr um bom
nível de adequação explicativa.
2.3.4. ILUSTRAÇÄO E EXTENSÃO; o TRATAMENTO no SV
O mero aumento das re ras lexicais não é suficiente contudo,
.,g.'..
por S1 so, para efetuar-se a descrição de todas as frases potenciais do
francês: é necessário, além disso, particularizar outras regras de
reescrita.
Tomemos um único exemplo, 0 da reescrita de um dos consti-
tuintes do sintagma verbal. A regra, já vista, de reescrita do SV
limita em demasia. Com efeito, ela não nos permite explicar frases
tais como:
· — Le Contrôleur demandažt les bíllets. [O fiscal pedia as pas-
sagens.]
— Le Contrôleur a demande ler billets. [O fiscal pediu as
passagens.]
— Le Contrôleur peut demander les bíllets. [O fiscal pediu as ,
passagens.]
— Le Contrôleur doit avoir demandé [es billets. [O fiscal deve l
.1
ter pedido. as passagens].
Š
?— žl
13. 1965.
65 f
Assim como demande [pede] fora obtido mediante o acréscimo [
de um elemento (3.** pes sing presente) à raiz do verbo demander
[pedir], os grupos demandai! [pedia], a demande [pediu], peut de-
mander [pode pedir], doit avoir demande [deve ter pedido], etc.,
podem ser considerados como o resultado da adjunção de um elemento “
à raiz do verbo demande:'. Tal elemento, chamado de "auXiliar",
pode ter diferentes realizações (uma das quais, é lógico, se representa
no elemento Tps, de que já nos utilizamos). Desse modo, podemos
construir a seguinte árvore: [
ÏF\ [
SN SV\
l Aup GV,
(Nessa árvore indicamos apenas os símbolos que ora nos interessam,
e assim continuaremos a fazer, sabendo, contudo, que semelhantes
árvores são incompletas). .
' Suponhamos, agora, que queiramos descrever as frases que se
seguem (mais todas as que possuam a sua mesma estrutura, le Cbat
[7Oít le lait [olgato bebe O leite], por exemplo), nas quais o auxiliar
realiza-se, a cada vez, de um modo diferente:
Le Contrôleur demande les billets. [
Le Contrôleur demandait [es billets.
Le Contrôleur demandera lei billetr.
Le contrôleur demandeiait le: billets. [
Le Contrôleur a demande les billets.
Le Contrôleur avait demande le: billets.
Le Contrôleur aura demande [es billet:.
Le Contrôleur aurait demande les billets.
4 Le Contrôleur a eu demande les billets. '
Le Contrôleur avait eu demande les billets.
Le Contrôleur aura eu demande [es billet:. —
Le Contrôleur aurait eu demande ler billets.
Le Contrôleur peut demander lei billet:.
Le Contrôleur pourra demander [es billetx.
Le contrôleur pouvait demander le: billetr. _,
Le Contrôleur pourrait demander le: billets. e
Le Contrôleur a pu demander le: billets.
Le Contrôleur avait pu demander les billet:.
Le Contrôleur aura pu demander le: billets.
66 .
_ mil
Le Contrôleur aurait pu demander [ex bílletx. —
Le Contrôleur doit demander [ex billetx. ¿
Le Contrôleur devaít demander [ex billetx. ' `“
Le Contrôleur devra demander [ex billetx.
Le Contrôleur devraít demander [ex billetx.
Le Contrôlenr a dû demander [ex billetx.
Le Contrôleur avait dû demander [ex bílletx.
Le Contrôleur aura dû demander [ex [7i[letx.
Le Contrôleur aurait dû demander [ex bžlletx,
Le Contrôleur peut avoir demande [ex billetx.
Le Contrôleur pom/ait avoir demande [ex billetx.
Le Contrôleur pourra avoir demande [ex billetx. °
Le Contrôleur pourraít az/Oir demande [ex billetx.
Le Contrôleur a pu avoir demande [ex billetx.
Le Contrôleur avait pu avoir demande [ex bílletx.
Le Contrôleur aura pu az/Oir demande [ex billetx.
Le Contrôleur aurait pu avoir demande [ex lyílletx.
Le Contrôleur doít avožr demande [ex billetx.
Le contrôleur dez/ait avožr demande [ex billetx.
Le Contrôleur devra avoir demande [ex billets.
Le Contrôleur dez/raít az/Oir demande [ex bílletx.
Le Contrôleur a dû avoír demande [ex bílletx.
Le Contrôleur avaít dû avoir demande [ex billetx.
Le Contrôlear aura dû avoir demande [ex billetx. .
Le Contrôleur aurait dû avoir demande [ex bílletx.
Para gerar essas e quaisquer Outras frases que possuam a mesma
estrutura, devemos estabelecer uma série de regras de reescrita e de
regras lexicais. As primeiras regras já são conhecidas:
[ 1) F —> SN —}— SV e
2) SN —-> NO —| GN T
3) GN > Art —|— N
4) SV > AuX —| GV ' ·
5) GV > V {# SN >
smg
6) NO > { phn}
a) N —-> Contrôleur, billet, Cbat, etc.
b) Art —> [e, etc. “
’ c) V > demander, boíre, etc. · ‘
Devemos, agora, particularizar a reescrita de Auxx Ä
—— Devemos introduzir o constituinte Tps em todos os ca-
sos, pois a pessoa e `O tempo estão sempre presentes:
Tps > T —| ps. *
— O tempo é ou o presente, ou o imperfeito, ou o futuro,
( ou o condicional 1*. Uma análise distribucional dos tempos
mostra que 0 futuro é, simplesmente, 0 infinitivo mais a
adjunção do presente de avoir (CÍJmterui [cantar-ei], Cbm-
ter-z: [cantar-ás] . . .) e que o condicional é o infinitivo
mais o imperfeito (Cbmter-ai: [cantaria], cÍJam‘eriOm' [Can-
tar-íamos]. . . ). (Pode parecer, de fato,` que isto não é
muito rigoroso, mas os desvios se devem a variações morfo-
fonológicas). Desse modo, podemos reescrever o rnorfema
tempo (T) do seguinte modo (inf significa infinitivo, pres
presente, e impft imperfeito):
. res
T —> (mf) {— {npft}
— Encontramos, ainda, por outro lado, além do tempo, a for-
ma woír [ter], que impõe o particípio passado para a raiz
do verbo (z demmlé, uvaít cÍ€î7Zdf11T...). É evidente
que há uma estreita relação entre zwoir e essa necessidade
de colocar o particípio passado, de modo que considerare-
mos que esses dois morfemas zvoir e “particípio passado"
(símbolo: pp) compõem um único e mesmo constituinte
a que chamaremos uvoir —| pp [ter i- pp]. É de notar
que esse constituinte é facultativo.
— É possível, igualmente, que encontremos zvoír —l— pp uma
segunda vez, como em a eu demmdé, aura eu demmdé, etc.
' Nesse caso, o primeiro zvoir impõe O particípio passado ao
segundo, e o segundo ao verbo. Ele é, outrossim, facul-
, tativo.
— Enfim, acontece que às vezes nos deparamos com o que
se chama "modais" ou "modalidades" (pouvoir [poder],
devoir [dever]...). Os modais são facultativos, e podem
aparecer depois do primeiro woir [ter] (em tal caso, pas-
14. De caso pensado, limitar-nos-emos, neste estudo, aos tempos mais
freqüentemente empregados nas principais. Veja—se, para um estudo mais
pormenorizado, Dubois, 1970.
68
' Sam para o particípio passado)` e/ou aparecer antes do
segundo.
¿ Esse modo de analisar o auxiliar escpa — e muito à análise
por constituintes imediatos erepresenta, por isso, uma extensão do
. modelo sintagmático. Parece, de fato, que o modelo sintagmático
estrito seja incapaz de descrever as frases propostas. Esse modelo
ia da frase aos morfemas, mas atinha-se, exclusivamente, aos mor-
femas contínuos. Ora, é evidente que não é possível descrever, per-
tinentemente, tempos compostos e duplamente compostos sem con-
siderar morfemas contínuos como zz/Ožr j pp. Veremos, agora, que
` a introdução da noção de "morfema descontínuo" introduz sérios
problemas para o modelo sintagmático.
Escolhendo para Tps a terceira pessoa do singular e 0 presente,
podemos construir a seguinte árvore:
F
SN/
. Aux-
· Tps V o SN
È T ps’
3.** pes Sing pres (ter—jpp)
Se nos atemos a essa análise, e ela é, como quer que seja, a
mais explícita, aparecem vários problemas para a gramática sintag-
lmáticaz
` — O morfema "particípio passado" (pp) Colocase antes da
raiz verbal "d·mxmd—" [ped-]. Para que a frase esteja defi-
nitivamente bem formada, porém, ele deve colocar-se de-
pois, e possuir a realização morfofonológica é [ado].
— A mesma observação pode ser feita para os morfemas cons-
tituintes de Tps.
' Em geral, a gramática sintagmática não possui nenhuma
regra que lhe permita dar conta dos constituintes descon-
tínuos, ou deslocar certos constituintes quando tal coisa
seja necessária. .
69
No capítulo seguinte veremos a resposta que Chomsky sugeriu
para tais problemas. Contudo, provisoriamente, eles serão deixados
de lado, já que a sua consideração nos faria ultrapassar o âmbito da
gramática sintagmática; voltemos ao tratamento do auxiliar. Para ~
gerar todas as frases que desejássemos, seria preciso colocar as se- `
guintes regras de reescrita (as quais se adicionam às regras já ante-
riormente asinaladas):
7) AUX —> Tps + (ter + pp) + QM) —+— (ter —i— pp) '
8) Tps -> T ) ps _
. pres
9) T —> (mf) —) {ímpft
1.“ pes Í
0 —> 2F . S ng
1 ) ps pes .t Piur
3."‘ pes
d) M --> dever, poder.
A regra 7 significa que o auxiliar é obrigatoriamente constituído
de T s, e facultativamente de ter { , e ou de M, e ou de ter -}— .
P PP
A regra 8 reescreve Tps em T e os ps obrigatoriamente.
A regra 9 significa que T será formado quer do presente, quer
do imperfeito (um excluindo o outro), e facultativamente do infini-
tivo, de modo a permitir o futuro e 0 condicional.
i A regra 10 reescreve pessoa como 1.“, 2.**, ou 3.", acrescentan- 1
dolhe o singular ou o plural.
Enfim, a regra d é uma regra lexical que permite substituir o
símbolo categorial M (= Modal) por um elemento lexical como
poder, dever, etc.
Desse modo, as `regras 110 e a-d possibilitamnoS gerar todas J
as seqüências terminais correspondentes às frases que havíamos co-
, locado. Tomemos alguns exemplos.
`EX. a: Se escolhermos: —— Tps e M como reescrita de Aux,
—— Impft como reescrita de T,
3.* pes sing como reescrita de ps,
poder como modal, —
obteremos o seguinte auxiliar (o leitor poderá fazer a derivação, se
o desejar, mas omitiremos essa etapa): ,
70
4
*2
/S"\
· Aux GV
Tps M V SN
/\—
T Aps .
II
impft 3.** pes Sing poder pedir
EX. b: Se escolhermos; — Tps e ter —†— pp como reescrita de Aux,
e — inf e pres como reescrita de T
— 2.* pes Sing como reescrita de ps,
Obteremos O seguinte auxiliar:
SV
/“< vi e
` TFS _ t¢r+F·J> e V V ' SN
Ï *5 !\ I
inf }— pres 2. pes Sing ter + pp pedir d À

' . terás pedido îþ '


EX. C: Se escolhermos: — Tps, zz/Ožr { pp, Me øvoír |— pp COmO
reescrita de AuX,
— pres cOmO reescrita de T,
— 3.“ pes plur COmO reescrita de ps, j
— devoir cOmO mOdaI,
Obteremos O seguinte auxiliar: t

A 71 î
g‘°‘“"g ÍÄ d
Tps avoir 4}M avoîr -}~ pp ` V SN
/\.
Ï ps
J PFCS 3.a pes Sîng avoir-—}—pp devoír 2Vòšr—}—pp demundør I
ùøyõ
a dû uvoír demande? ,
EX. d: Se escolhermos: — Tps "vOír —|- pp" e "vOîr l— pp" cO
mo reescrita de Aux,
înf e împft como reescrita de T,
— A — 2.** pes Síng como reescrita de ps,
obteremos O seguinte auxiliar:
SV
Tps voir | pp avoír -{— pp V SN
Ï PS |\ |\ I
irxf{împft 2.* pes Sîng N avoir pp ØUOÍT pp demmder
5,ž\'*;—?
, ül/HÍS _ eu demmdé
72
Não seria difícil tomar todas as possibilidades de reescrita do Å
auxiliar permitidas pelas regras 7-10 e mostrar que podemos engen-
drar desse modo todas as frases que queiramos gerar na partida.
Aumentando as regras lexicais, é lógico que aumentaríamos conside-
ravelmente o número das frases engendráveis pelas regras.
No entanto, esse modo de ver excede o modelo sintagmático.
A introdução de constituintes descontínuos obriga-o a prever novas
regras que, entre outras coisas, deslocariam certos constituintes. Desse
modo, os afixos verbais (como Tps, pp, etc.) que se encontram
antes de um constituinte verbal (V, ter, M, etc.) seriam deslocados
para depois desses constituintes, da seguinte maneirai
Af —|— V => V + Af (Af significando afixo).
Esta é a única maneira de poder converter as seqüências termi-
nais dos nossos exemplos em seqüências prontas para receber uma
interpretação morfofonológica. Essa operação é uma "transformação
gramatical" que tem o nome de "transformação afixo".
Tal como o apresentamos, o modelo sintagmático é uma exten-
são das gramáticas estruturais. Chomskyß mostrou que todas elas
poderiam vincular—se a esse modelo, evidenciando, desse modo, a
sua inadequação. Ele propôs, em seguida, ampliar esse modelo em
outro mais adequado, abrindo desse modo, e graças fã noção de trans-
formação, o caminho que conduziria à "gramática transformacional".

·
1
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l
·|
15. Em 1957. . `
73 ]
\
«
CAPÍTULO 3
A GRAMÅTICA
GERATIVOTR/XNSFORMACIONAL
Enquanto uma gramática, de tipo distribueio-
nal, por exemplo, que se limita a classificar os ele-
mentos lingüísticos em diversas categorias e a des-
crever as seqüências que lhe são permitidas, pode,
no melhor dos casos, dizer quais são os fatos obser-
vados, uma gramática que compreenda mecanismos
mais fortes e mais abstratos, como regras de trans Í
formação, é capaz não só de descrever os fatos mas, Ï
também, em um certo sentido, de expliCálos.”
NICOLAS RUwE'1' (1970) s
\x
lã ;
3.1. OBJETIVOS DO MÉTODO TRANSFORMACIONAL
3.1.1. A NOçÃo DE AMBXCÜIDADE ‘
Uma das principais limitações da gramática Sintagmática tal
como atrás a apresentamos reside na sua incapacidade de explicar o
chamado fenômeno da "ambigüidade", ou seja, o fato de que uma
mesma frase possa ter, às vezes, várias significações diferentes.
Com efeito, há várias espécies de ambigüidades de que as gra-
máticas tradicionais e estruturais podem tratar sem maiores dificul- [
dades. Em particular é o caso da espécie que mostramos no capítulo
anterior, zm pzuvre idíot [um pobre idiota], em que, particularizando
se estamos em presença de um adjetivo posposto a um nome ou de
um nome posposto a um adjetivo, torna—se fácil explicitar as duas
leituras possíveis:
SN\ SR V .
N° GN N/ fi\
\ Art Adšîï \ Jîrt Iî Aîj `
Sxxg un pauvrg ùzèax Sxxg un þww ídívf
[um pobre idiota] [um P0bT€ idivwl '
\ A ambigüidade pode situar-se em diferentes níveis. Ela pode
V ser puramente da ordem lexical, caso em que quase não oferece
dificuldades, já que ela deriva do fato de que uma palavra pode ter
vários sentidos. E assim que a frase Cette pièce ESÍ Urzžment jolže
[Essa peça é realmente bonita] pode significar Cett -pièC· de mon-
mzie ert jolie [Essa moeda é bonita], Ce morcezu d’étO]‘]‘C es! jolž
[Essa peça de tecido é bonita], Ce terrin es: jolž [Esse pedaço de
terra é bonito] ou Ce poisrorz est joli [É uma boa peça] (aqui no
sentido de "pregar uma bela peça"), etc. Assirn, também, a frase
]'ui vu Brígitte Bzrdot et :071 gorílle [Vi Brigitte Bardot com o
76
gorila dela] não nos diz se a atriz foi passear comum macaco ou.
com um guardacostas. Nesses casos, contudo, 0 léxico é suficiente
para esclarecer as diferentes leituras possíveis. Basta considerar que
há duas diferentes palavras gorilas, várias peças, assim como vários
vasos, mesas, etc. “
A ambigüidade sintática é mais sutil. A determinação da estru-
tura da frase basta, às vezes, para explica-la, tal como vimos no caso
de "um pobre idiota". É esse também o caso, ligeiramente dife-
rente, da frase /ênefor/ (transcrita no alfabeto fonético internacio-
nal), que, conformemente à sua estrutura, pode significar tanto urz
e]‘]‘Ort [um esforço] quanto uu uez fort [um narigão]. Esse exem-
plo é uma refacção daqueles que tomamos emprestados a Ruwetl
Uu 1/ieil ami qu’il aimait bžlî [um velho amigo de quem ele gos-
tava] / U71 uieil ami qui Vaimait bieu [Um velho amigo que gosta-
va dele], etc. A gramática sintagmática pode explicar, facilmente, os
problemas colocados pelas frases ambíguas até aqui vistas, em virtude
de elas se originarem ou no fato da pluri-significação de uma pala-
vra ou no fato de duas estruturas diferentemente organizadas pos-
suírem a mesma realização sonora.
Existe, todavia, um outro tipo de ambigüidade estrutural pe-
rante o qual a gramática sintagmática se mostra impotente. É 0 caso
das frases que são totalmente idênticas, do ponto de vista estrutural,
mas que, apesar disso, possuem vários sentidos. Tomemos o já con-
sagrado exemplo:
]'ai lu la critique de Cbomsky.
[Li a crítica de Chomsky.]
sentido 1: ]’ai lu la critique que Chomsky a écrite.
[Li a crítica que Chomsky escreveu.] þ
sentido 2: ]’ai lu la critique que quelqu’uu a écrite sur Chomsky.
· [Li a crítica que alguém escreveu a respeito de Chomsky.]
É.fácil de ver que se trata de duas frases diferentes e que a
gramática sintagmática não nos fornece nenhum meio para diferen-
ciar as duas leituras, poisela geraria as duas frases a partir das mes- «
mas regras de reescrita. Esse fenômeno, contudo, é muito freqüente
nas línguas naturais:
O amor de Deus é uma bela coisa. 7
1. 1967.
77
xi
liá
sentido 1: O amor que Deus tem pelos homens é uma bela coisaq
sentido 2: amor que os homens têm por Deus é uma bela coisa.
Pedro gosta mais de Paulo que ]oão. ·
sentido 1: Pedro gosta mais de Paulo do que joão gosta de Paulo.
sentido 2: Pedro gosta mais de Paulo do que (Pedro) gosta de joão.
Vejo comer os canibais.
sentido 1: Vejo os canibais, e eles comem. .
sentido 2: Vejo os canibais que estão sendo comidos.
Gosto bastante do retrato de Buffet. ·
sentido 1: Gosto bastante do retrato que Buffet pintou.
sentido 2: Gosto bastante do retrato que representa Buffet.
sentido 3: Gosto bastante do retrato que Buffet possui.
Exemplos que tais poderiam ser multiplicados ao infinito. Eles
requerem um tratamento particular que as teorias anteriores à gra-
mática gerativa transformacional (que vamos mostrar neste capítulo)
não lhes podia dar. Com efeito, a fim de que a semântica, que se
apóia na sintaxe das frases para interpretar o seu sentido, possa
explicitar as duas (ou três, ou mais) significações de cada frase, essas
frases devem ser consideradas como estruturas superficiais, direta-
mente audíveis, mas que possuem uma relação para com uma ou
mais estruturas que lhes são subjacentes. Se tiver uma única estru-
tura subjacente, a frase considerada não será ambígua. Mas se ela ~
ligar-se a duas (ou três, ou mais) estruturas subjacentes então ela é
ambígua, e possui duas (ou três, ou mais) leituras que a semântica
pode particularizar. Veremos, em seguida, o que se deve entender
exatamente por estruturas superficiais e por estruturas subjacentes,
e quais são as relações entre elas. Basta-nos por ora, ter assinalado
uma das exigências que devem ser satisfeitas pela gramática gerativa
Í a fim de lograr um nível de adequação que seja válido.
3.1.2. As TAREFAS DE UMA GRAMÁTICA
BaSeandonoS no que até aqui dissemos, e podemos definir as
tarefas que uma gramática deve cumprir para ser adequada, Com
— efeito, é preciso considerar essas tarefas do ponto de vista da ade-
_ 78
quação descritiva, de um lado, e, de outro, da adequação explicativa 2. _
É ocioso tornar a dizer que a gramática gerativa procura chegar à
adequação explicativa, mas é evidente que ela deve primeiramente
atingir a adequação descritiva: como se poderia imaginar uma teoria
que explique razoavelmente as características das línguas se ela não
sabe descrever corretamente tais línguas? Observemos, pois, algumas
das principais tarefas que cabem à gramática.
(a) Do ponto de vista da adequação dercritivu '
—— Para ser descritivamente adequada, na medida em que
seu objetivo é o de dar conta das frases gramaticais e
unicamente gramaticais, uma gramática deve poder di-
zer quais São as frases gramaticalmente bem formadas
e quais não o são. Não tornaremos a abordar esse
ponto, para o qual já fornecemos um esboço de tra-
tamento 3. .
— Uma gramática deve também analisar corretamente as
relações sintagmáticas que existem entre os diversos
elementos das frases gramaticais. Ela deve ser capaz
` de mostrar que as relações entre Pierre e cmtz na frase
Pierre canta são as mesmas que existem entre Murie
e dança na frase Mrie dança, mas são diferentes das
que se estabelecem entre Puul e vem em Vem, Pzul,
que são, também, diferentes de wbe e você em você
sabe? Esses exemplos são propositadamente esquemá-
ticos, a fim de melhor demonstrar de que tarefa gra-
matical se trata. Não seria difícil mostrar que a reali-
dade lingüística é muito mais complexa, mas tal coisa i
nos afastaria de nosso objetivo e complicaria inutil- ,
' mente a argumentação deste parágrafo.
— Uma gramática deve caracterizar as diferentes catego
rias gramaticais que contraem as relações sintagmáticas *
examinadas (por exemplo, em termos de distribuição
ou de funcionamento). Ela dirá, entre outras coisas,
porque um verbo é diferente de um nome, um nome
de um adjetivo, etc. Tais idéias podem parecer à pri- `
meira vista evidentes, mas não 0 são, e diversos tra«ba i
2. Ver 1.1.4. e 1.2.4.
3. Ver 1.2.3 e Chomsky, 1965. . ¿
79 V
E
lhos 4 demonstraram que as três categorias primitivas-
da gramática tradicional (N, V, Adj) podem ser, talvez,
reduzidas a duas, senão a uma única categoria. No
entanto, a maioria dos lingüistas ainda não aceita como
definitivos os resultados dessas investigações, conside-
randoos simplesmente como hipóteses de trabalho.
— Uma gramática deve descrever corretamente a forma
sonora dos enunciados, isto é, precisar os fonemas de "
que eles se formam, dando suas características.
È — Enfim, ela deve descrever o sentido_ das frases. Ela
deve poder dizer que O papel de Pierre em Pierre
marige Sa Soupe [Pierre toma a sua sopa] é diferente
do que Pierre tem em Pierre est marzgé par le: carmi-
bales [Pierre é comido pelos canibais], que marige
exprime uma ação, que essa ação se desenvolve atual-
mente, mas contém um certo aspecto durativo, etc.
É evidente que esses diferentes objetivos estão aqui ilustrados
em exemplos um pouco esquemáticos. Mas eles bastam para de-
monstrar o que se entende pela noção de adequação descritiva. Uma
gramática que desse respostas a todas essas questões poderia ser
considerada descritivamente adequada. Parece que tal é o caso da
gramática sintagmática, mas não é o das gramáticas semânticas tra _
dicionais. Chomsky, contudo, pensa que essas exigências ainda não ·
bastam, já que podemos pedir à gramática que ela tenda para uma
adequação explicativa. Vejamos, agora, quais são os objetivos que
ela deve prOpor—se: ·
(b) DO ponto de vista da adequação explicativa
— Para lograr a` adequação explicativa, a gramática deve
poder explicar certas propriedades das línguas huma-
· nas, e, em particular, o fenômeno da criatividade. Ela
deve dizer porque podemos fazer uso infinito de meios
( lingüísticos finitos (que existem em número limitado,
_ cf. 1.2.1.). (
— Uma gramática deve também explicar porque uma mes-
ma frase pode ter um` ou vários sentidos diferentes,
' ou seja, ela deve dar conta da ambigüidade, que parece
ser uma das principais características das línguas hu-
4. Como, por exemplo, Chomsky, 1968, ou Rossz “Adjetives as noun
PhraSeS" ín SCHANE e REIBEL (cf. bibliografia), etc.
80
manas. Esse objetivo já foi anteriormente ilustrado]
em 3.1.1., para mostrar uma das limitações das gra-
máticas tradicionais e estruturais, e para mostrar como
a hipótese das estruturas superficiais e das estruturas
subjacentes poderia tratar a ambigüidade. Tratase,
entretanto, apenas de uma hipótese que não poderá
ser aceita se ela não nos auxiliar verdadeiramente na
explicação de certos fatos lingüísticos. Veremos, logo
mais, que isso se dá e que essa distinção é a base da
gramática gerativa, no seu estado atual.
Uma gramática explicativamente adequada deve poder
também dar conta do fato de que duas estruturas que
são, na aparência, fundamentalmente diferentes, pos-
sam ter a mesma interpretação semântica (ex.: Une
voiture a éerasé un passant [Um carro atropelou um
pedestre] / Un passant a été écrasé par une 1/Oiture
[Um pedestre foi atropelado por um carro]). Não é
este, contudo, o único tipo de relação entre frases.
A gramática deve, igualmente, poder explicar a noção
4 de "tipo de frases", quer dizer o fato de que existe
uma certa equivalência entre Une voiture a écraré un
passant [Um carro atropelou um pedestre] e Arsène
Lupin a carnbriolé la banque [Arsène Lupin assaltou
0 banco], de um lado, e Un passant a été écrasé par
une voiture [Um pedestre foi atropelado por um Car-
ro] e La banque a été Carnbriolée par Arrène Lupin
[O banco foi` assaltado por Arsène Lupin], de outro
Z lado. Enfim ela deve explicar coisas como o fato de
_ a frase Pierre ne dor! par [Pierre não dorme] ser
intuitivamente percebida como a negação da frase
Pierre dor! [Pierre dorme]. ~
· — · — A gramática deve explicar o fato de uma mesma estru-
tura poder ter uma leitura, duas leituras, ou nenhuma
leitura, dependendo de que se troque um de seus cons-
tituintes. Tomemos como exemplo 1a que pode ter o
V sentido de lb ou de 1c (reencontramos, aqui o pro-
blema da ambigüidade aludido no parágrafo anterior):
la —-— ]ean propore à Pierre de venir.
[jean propõe a Pierre vir.] ~
lb —_]ean propore à Pierre qu’il (]ean) vienne.
' [jean propõe a Pierre que ele (]ean) venha,]
81
1C fem propose ž Pierre qu’il (Pierre) 1/iemže. (
[Jean propõe a Pierre que ele (Pierre) venha.]
2z, ao contrário, pode =ter unicamente a leitura 2b,
A ' mas não 2C (marcada pelo asterisco):
Zz — jerm promet à Pierre de Ueriir.
[]ean promete a Pierre vir;] t
2b — feuri promet à Pierre qu'iZ (jem) 1/iendra. «
[jean promete a Pierre que ele (jean) virá.]
2e — * fem promet à Pierre qu'il (Pierre) 1/ieridm.
· — [* ]ean promete a Pierre que ele (Pierre)
vira.]
Do mesmo modo, 3lZ só pode ter a leitura 3C (e não
$[7): 5
3z ]eur1 Siiggère à Pierre de Uerzir.
[]ean sugere a Pierre vir.]
3b — * fem suggère à Pierre qzfil (jem) 1/ierme. ~
[* ]ean sugere a Pierre que ele (]ean) venha.]
3C — ]eJm suggère ž Pierre qu’il (Pierre) Uiemie.
[]ean sugere a Pierre que ele (Pierre) venha.]
É preciso observar também que 4 é de qualquer forma
uma frase agramatical, que não pode ter nenhuma
leitura: e
’ 4 — * fem affirme à Pierre de veriir.
[* jean afirma a Pierre de vir.]
A gramática deve explicar os fatos 1, 2 e 3, e, igual-
mente, o fato 4. Não se vê, de fato, por qual razão
semântica 4 não é possível. Se não é difícil explicar
5 em termos semânticos: —
5 — * ]em boit à Pierre de venir. `
[* ]en bebe a Pierre de vir.] — _
l já 4 é muito mais difícil e a melhor prova disso reside
no fato de que 6 existe, e que ele possui 0 mesmo
sentido que se poderia supor para 4:
6 — fem zffirme xž Pierre qu’il viendra.
[jean afirma a Pierre que ele virá.]
— Enfim, para chegar à adequação explicativa, uma gra-
mática deve dar conta dos .fenômenoS da aprendizagem
82 o (
N
li
natural das línguas (cf. capítulo 1), em termos de
gramática universal. Não retomaremos mais o proble-
ma, que já foi muito lembrado; limitamo—nos a citar
Chomskyãz "Na prática, o lingüista está sempre en-
volvido, a um só tempo, com o estudo da gramática
universal e da gramática particular. Quando constrói
uma gramática particular, ele se orienta por certas su-
‘ posições sobre a forma da gramática, e essas suposi-
ções pertencem à gramática universal. Reciprocamente,
a sua formulação dos princípios da gramática universal
deve ser justificada pelo estudo de suas conseqüências,
se eles se aplicam às gramáticas particulares."
3.1.3. LIMITAÇÕES E SUPERAÇÃO no MOJJELO s1N'rACMÁT1Co
As tarefas de que deve desincumbir-se a gramática a fim de
alcançar um nível de adequação partinente revelam, de fato, as limi-
tações da gramática sintagmática, mesmo quando a reformulamos
para transforma-la em um modelo gerativo.
Não é necessário relembrar a noção de ambigüidade estrutural.
já vimos° que o modelo sintagmático é incapaz de mostrar que
duas frases estruturalmente idênticas podem remeter a duas leituras
diferentes, e isso porque o modelo sintagmático não pode ir além
da descrição estrutural das frases tais como elas se manifestam.
No capítulo anteriorl quando do tratamento do auxiliar vimos
que o modelo sintagmático tinha grandes dificuldades para dar ..,,.
conta dos constituintes descontínuos como "u1/Oir l— pp", [ter | pp],
e que as regras de reescrita não possuem a capacidade de redistribuir
elementos (cf. a necessidade de colocar "pp" após a raiz verbal).
A mesma demonstração poderia ter sido feita a propósito da reescrita
_ do sintagma nominal, Tínhamos colocado as seguintes regras:
SN > No l- GN
` GN —> Art —|— N
No -> { Síng} d
plur .
Art -> le. . .
N > billet. . .
5. 1968 (a).
6. Ver 3.1.1.
, 7. Ver 2.3.4.
83
Taís regras permitiam-nos obter a árvore: ` *
ÍÑ
Nt îï
. 1 /Tt N ` e
plur le billet 7
Sabemos (pelas regras morfofonológicas) que o morfema "plur" d
realiza-se através de um "S"" que se deve deslocar, de um"ladO,
para depois do artigo e, de outro lado, para depois do nome. Seria
preciso postular uma operação que teria aproximadamente a se-
guinte forma:
S —} Art —}— N => Art—S —i— NS
Essa operação é fundamentalmente diferente de uma regra de
reescrita, o que quer dizer que a gramática Sintagmática não permite
tratar a concordância no sintagma nominal de um modo verdadeira-
mente satisfatório.
Aparece outro problema para a gramática sintagmática. Para
chegar a um nível de adequação válido, a gramática deve dar conta °
do fato de que duas frases que não possuam a mesma análise estru- *
tural possam ter o mesmo sentido. E o caso das frases passivas:
7u —. Una voitur z écrzré zm piéton.
[Um Carro atropelou um pedestre.]
· 7b — Un piétou a été écmsé par une voiture.
. [Um pedestre foi atropelado por um carro.]
Sz — L solei! juzmit ÍE papžer.
[O sol amarelece o papel.]
8b — Le pzpier Exit jzzmí par le solei!.
[O papel foi amarelado pelo Sol.]
9z — Eurtzcfe frzppe Isidore.
[Eustache agride Isidore.]
· 8. Ver 2.2.3.
9. Ver 3.1.2.17.
84 e
9b — Isidore est frzppé pur Eustucbe. `
[Isidore foi agredido por Eustache.]-
As frases 7u, Sz e 9z podem ser geradas pelas regras que ela-
boramos no capítulo precedente. Não seria muito difícil construir
regras de reescrita que dessem conta de 7b, 8b e 9b. Mas tal coisa
seria pouco reveladora. De fato, tais regras seriam absolutamente
incapazes de dizer algo acerca das relações que existem entre 7a e
7b, 8z e Sb, e 9z e 9b. O_que importa em dizer que regras dife-
rentes conseguem gerar frases diferentes dotadas do mesmo sentido.
É fácil de ver que semelhante modo de conceber os fatos é ao mesmo
tempo pouco econômico quanto à forma da gramática, e pouco
[ adequado para traduzir a intuição dos sujeitos a respeito da ·sua com-
petência lingüística.
Enfim, supondo que retenhamos a forma da gramática sintag-
mática já anteriormente apresentada, deveríamos elaborar regras cada
vez mais complexas para engendrar os diversos tipos de frases do
francês. Não somente teríamos uma regra para reescrever as frases
declarativas (Cf. F —> SN —\— SV), mas necessitaríamos de uma regra
para as interrogativas, de uma regra para as negativas, de uma re-
gra para as passivas, etc. Aqui, ainda — e isso é possível z priori —,
a gramática seria obrigada a elaborar uma instrumentação demasiado
complexa para ser facilmente utilizável. Por outro lado, não seria
insensato pedir que a gramática gerativa dê conta da noção de tipo
de frase, isto é, da relação que eXiste entre as frases 10C e 10Z, 11C
e lld, e 120 e 12d:
10C — Mu fermmze me božt pus beuuCOup_
[Minha mulher não bebe muito.]
10Z — Les belles-mères me somt pus fzciles.
[As madrastas não são pouco exigentes.]
A 11C — Tu femme est—eZle remtrée?
[Tua mulher voltou?]
11d — Est—Ce que Nžcole eszf ívre? , `
« [Nicole está bêbeda?] `
12C — Um rmzmžfestumt z été rmztruqué par um policier.
[Um manifestante foi esbordoado por um policial.] ,
12a — Ce professeur sem récompemsé pur som imspeeteur.
[Esse professor será recompensado pelo inspetor.]
Para resolver todas essas dificuldades da gramática síntagmática,
Chomsky propõe acrescentar às regras de reescrita um novo tipo de
85
.———————-—————-——— '~
regras — as transformações gramaticais — de modo a considerar`
cada frase em duas etapas, como as observações do parágrafo 3.1.1.
deste capítulo nos levaram a sugerir: as frases são geradas a partir de .—
uma estrutura superficial, e de uma estrutura subjacente à estrutura
superficial, denominada "estrutura profunda"; Chomsky resolveu,
desse modo, os quatro problemas fundamentais da gramática sintag-
matica, anteriormente assinalados: ` s
p 1 — A ambigüidade provém do fato de que duas estruturas
profundas correspondem a uma única e mesma estrutura
superficial (Cf. 3.1.1. ).
2 — AS estruturas profundas podem comportar constituintes
descontínuos e morfemas que deverão ser substituídos
para chegar à estrutura superficial (cf. 2.3.4. ).
3 — Se duas frases (ativa e passiva por exemplo) têm o mes-
mo sentido, entãotelas possuem a mesma estrutura pro-
funda, mas possuem estruturas de superfície diferentes.
4 — Os tipos de frases (negativas por exemplo) podem ser
considerados como estruturas superficiais obtidas a par-
‘ tir de estruturas profundas diferentes às quais se teria
feito aplicar um mesmo tipo de operação.
Restanos, agora, particularizar o tipo de operação que permite
ligar essas duas estruturas: as transformações. A gramática que
introduz tais operações se chama "transformaciOnal". 'A gramática
gerativa transformacional procede dos trabalhos de Noam Chomsky.
Mas o próprio Chomsky forneceu pelo menos duas formulações da
sua teoria: a primeira vem exposta em Estrutumr Sintáxžczs, e a se-
gunda,' que é uma versão sensivelmente modificada e melhorada dela, .
expõe-se, além de outros lugares, nos Aspector da Ïeoržz Sirztâxica.
Abordaremos essas duas versões da gramática gerativa transforma-
cional, ilustrando primeiro uma e, depois,. a outra.-
3.2. A PRIMEIRA FORMULAÇÃO DA GRAMÁTICA
GERATIVO-TRANSFORMACIONAL
3.2.1. O MECANISM0 NA PRIMEIRA FORMULAÇÃO
Em 1957, Chomsky ainda não emprega os termos de "estrutura
profunda" e de "estrutura superficial". Na medida em que a pri-
86 "
meira formulação (a de 1957) esta grandemente superada, e na A
medida em que parece difícil que se retorne a ela, empregaremos
o vocabulário que é mais usualmente utilizado hoje em dia, objeti-
vando dar maior simplicidade e clareza à exposição, sem, é lógico,
trair o pensamento de Chomsky. .
As reflexões do parágrafo anterior levam-nos a conceber a gra-
mática como um mecanismo que gera frases através de várias etapas:
— Uma primeira etapa, a base da gramática, engendra as estru-
turas profundas, isto é, seqüências de morfemas, graças às
regras de reescrita e às regras lexicais. ,
— Uma segunda etapa converte essas estruturas profundas em
estruturas superficiais com o auxílio de uma nova série de
regras — as transformações gramaticais — que particula-
rizaremos a seguir: essa etapa será qualificada de "transfor-
macional". _
— Uma terceira e última etapa converte as estruturas superfi-
ciais, que são também seqüências de morfemas, em seqüên-
cias de fonemas, graças às regras denominadas morfofono
lógicas (já assinaladas em 2.3.2.).
Tomemos um exemplo, o da transformação passiva. Sejam as
regras de reescrita (e lexicais) contidas na base:
F > SN —| SV
SN -> No —|— GN ,
GN -> Art —§— N '
SV > Aux j† GV .
GV -> V -{— SN ,
Art —> le, la, zm, une. . .
· N -> gzmgirt, freia. . . d
V -> règler. . .
Essas regras permitem—nOS construir uma derivação cuja seqüên-
cia terminal seria a estrutura profunda:
Sing —j— le ,[o] l- garagista [mecânico] + presente 3.“ pe Sing
j Tèglf [consertar] \ plur —\ Ze [o] —j frein [freio]
estrutura que é subentendidapela árvore: A ¿
È
l
N, GN Aïx GV .
— Art N Tps V
`N,,` N
F AF N
Sing Ig garagista pres 3.* pes régler Plur la frein
[0] [mecânico] Smg [consertar] [Q;] [freio]
Essa estrutura profunda pode dar origem a duas frases, que São:
a) ou ativa: LC gzrzgžste règle [es freias. s
[O mecânico conserta os freios.] _
b) ou passiva: Les freim sont réglés par le gzrzgžste.
[Os freios são consertados pelo mecânico.]
Para obter essas duas frases, é preciso fazer com que a estru-
tura profunda se submeta a várias operações — ou transformações
(para simplificar, omitimos as regras morfofonológiCas):
a’) Para chegar à frase ativa, ou, antes, à estrutura superficial
que a gerará, requer—se uma transformação de concordância
em cada SN, e uma transformação afixo 1° no SV. Tenta
remos, abaixo, formulálaS claramente.
b’) Para obter a estrutura superficial que gerara a frase pas-
siva, é preciso, inicialmente, permutar os dois SN, depois
introduzir être [ser] e o morfema "particípio passado"
' (pp), e, finalmente, introduzir par [por] diante do SN
que se encontrará, agora, à direita. A transformaçao pas-
. siva (símbolo TP) será formulada do seguinte modo:
TP : SN, l— AuX —f- V —{— SN2 :> SN2 —l— AuX —{— “êÍre
+ pF" + V + zw + SN1
É preciso, ainda, resolver um problema que até aqui omitimos,
e que se refere à concordância do verbo com O seu sujeito. Uma
10. CÍ. 2.3.4.
88 ¿
gramática sintagmática poderia apenas observar que, se um SNlestá..
no singular, o verbo que o segue está no singular, dando-se O mesmo
no caso do plural. A gramática sintagmática tem a possibilidade de
explicar tal fato à base de uma transformação que poderia ter a forma:
T concordância sujeito/verbo: No | GN —l— Tps ~| Y > No
|— Tps —}— No + Y.
Essa transformação significa que se um SN está no número X,
então é necessário colocar o morfema Tps que o segue no número
X (O Y representaria uma variável, que poderia ser, por exemplo,
V -}— SN, mas poderia ser, também, qualquer outra coisa). No nosso
caso, estando no singular O SN la garagista [o mecânico], O morfema
Tps estará também no Singular,—nãO sendo, por isso necessário especi-
ficar o número do Tps nas estruturas profundas.
Tendo sido aplicada a transformação passiva, devemos aplicar a
transformação de concordância sujeito/verbo (de modo a evitar que
o verbo fique no singular quando o novo sujeito está no plural), de-
pois as transformações de concordância nos SN e as transformações
afixos, de forma que se obtenha uma estrutura de superfície pronta
para receber uma interpretação morfofonológicaz
Estrutura profunda:
Sing —{— la + garagista |— pres 3.“ pes -)— réglar —}- plur —{— la
—}— frain. "
Após a TP: `
Plur -4- la —{— trai/z {— pres 3 pes —} êtra + pp —\— réglar +
A sing + par + la —{— garagista.
Após a T concordância sujeito/verbo: «
Plur —| la { frairz | pres 3.“ pes plur —l— êtra —| pp {— réglar È
| par } sing —| la } garagirta.
Após a T concordância nos SN:
La-plur —} ]‘rairz—plur —{ pra: 3."‘ pes-plur —{ êtra {— pp —I—
réglar + par { laSing —{— garagistasing.
Após a T afixo:
La-plur l ]‘rair1—plur } êtra { pres 3.° pes plur —{ pp —l— a
réglar —l— par + iaSing —| garagista-sing. j
89
Após a segunda T afixo: ` “
Le—plur —|— freia-plur }— être ( pres 3.* pes plur i— réglr |
pp + par | le-sing —( garagžstasing.
Após a aplicação das regras morfofonológicas:
[es —{- freia: —f— SOm‘ —|— réglé: —| par —} ZE —} garagista.
[os l freios —l— são —{— consertados —i— por -1- o —}— mecânico.] *
3:2.2. A NoçÃo DE TRANSFORMAÇÄ0 ·
já utilizamos diversas transformações:
— Transformação afiXo,
— Transformação de concordância no SN,
—— Transformação de concordância sujeito/verbo,
— Transformação passiva.
Antes de passarmos a considerar outras transformações, seria
interessante ver o que é que distingue as transformações das regras
de reescrita, As regras de reescrita são operações que permitem de-
senvolver um símbolo categorial em uma seqüência de símbolos
(eXemplo: F > SN —| SV, SN > No } GN). .Nesse sentido, as
regras de reescrita não podem suportar mais do— que um único ele-
mento à esquerda da flecha, e devem comportar pelo menos um (ou
mais, mas não menos) elemento à direita. Uma regra de reescrita
que tivesse dois símbolos à —esquerda seria praticamente impossível
de manipular, pois não se poderia saber qual dos dois deveria ser
desenvolvido à direita. Semelhante regra só poderia acarretar con-
fusões a gramática. '
As transformações, ao contrário, são operações que convertem
não um símbolo mas uma seqüência terminal (recordemos que uma
seqüência terminal é a última seqüência de uma derivação, cf. 2.3.2.)
·' em uma outra seqüência terminal. Para sermos mais claros, e na
` medida em que as seqüências terminais não são apenas lineares, pois
que devemos atribuir-lhes sempre uma estrutura arbórea, poderíamos
dizer que as transformações convertem um indicador sintagmático em
um outro indicador sintagmático.
. Se as regras de reescrita são consideradas operações de expan-
são, as transformações são consideradas operações de deslocação (de
Af na transformação afixo), de permuta (SN, permuta com SN2 na
transformação passiva), de "cópia" (o morfema plural do sujeito
90
é "copiado" no elemento Tps do sintagma verbal para a transfor ·
mação de concordância sujeito/verbo), de apagamento (cf., à frente,
a relativização), e os únicos constituintes que as transformações estão
autorizadas a introduzir se limitam a alguns morfemas gramaticais
(por exemplo être —| pp [ser —§— pp] e par [por] na transformação
passiva). _ "
A própria concepção da gramática gerativa implica que todos os
sentidos concernentes às frases se encontrem na estrutura profunda.
É o que explica que as frases ativas possuam o mesmo sentido que as
frases passivas correspondentes: elas têm a mesma estrutura profun-
da (cf. acima); e é, também, o que explica as frases ambíguas: a
despeito de possuírem a mesma estrutura de superfície, elas estão
dotadas de diferentes estruturas profundas. Desse modo, as pró-
prias transformações se concebem como regras que, falando grosro
modo, ligam o sentido das frases à sua realização sonoraj Nesse
sentido, as transformações não devem alterar o sentido das se-
qüências sobre as quais se aplicam'. Várias distinções devem ser
feitas no tocante à noção de “transformação". Podemos, para
tanto, observar as transformações de que já nos utilizamos. Algu-
mas delas devem ser aplicadas obrigatoriamente para que este-
jamos em presença de uma estrutura de superfície apropriada: é lo
caso da transformação afixo. Outras, ao contrário não são obrigató-
rias, como a transformação passiva, e levam, então, o nome de trans-
formações facultativas. A distinção entre transformações obrigatórias
e transformações facultativas e fundamental na primeira formulação
da teoria. Posteriormente, contudo, e em virtude das reformulações
praticadas por Chomsky, essa distinção perde cada vez mais seu 1
interesse, e será praticamente abandonada na segunda formulação
(cf. o próximo capítulo), em que eXiste uma tendência para refor-
mular todas as transformações facultativasiem transformações obri-
gatórias, mercê da introdução, na base, de constituintes como "pas-
sivo" ou "negação" na reescrita das frases, constituintes esses que
imporão as transformações correspondentes nas seqüências em que È
apareçam` 11.
Seria preciso estabelecer uma outra distinção entre as transfor-'
mações, a qual se encontratambm nos trabalhos fundamentados na -
primeira formulação da gramática gerativa transformacional. Todas
as transformações que já vimos incidem sobre uma única seqüência
terminal para convertê-la- em uma outra seqüência terminal. Mas há _
1
11. No capítulo 4- retomaremos essa noção para explicita-la. A respeito
disso, cf. Ruwet 1967 e Dubois 1970 para uma aplicação à sintaxe do francês.
91
`
ll,
transformações que operam sobre duas seqüências terminais para con-
vertê-las em uma nova seqüência. É o caso, por exemplo, da trans-
formação de formação das relativas, também chamada de "relativiza-
ção". Consideremos as duas seqüências:
1. sing —l la —i Íøomma —i pres 3.° pes —i êtra —i grand.
[sing l 0 —] homem -|— pres 3.* pes + ser —|— grande.]
Ä 2. sing —i la —’r bomma j pres 3.‘ pes + passar.
[sing + o —†— homem —| pres 3."‘ pes —{ passar.]
As duas seqüências têm em comum o mesmo sintagma nominal.
Ora, quando duas seqüências terminais possuem em comum o mesmo
sintagma nominal, é possível englobar (ou seja, incluir) a segunda
na primeira graças ao operador de englobamento, o operador QU, do
seguinte modo:
sing —i la —{ bomma l QU —|— sing
—i la l— bomma —{— pres 3.“ pes
+ passar + pres 3.“ pes —}— êtra
—i grmd
A seqüência 1 se chama englobante, ou matriz, a seqüência 2
se chama seqüência englobada, ou relativa. Falta executar certas
operações para que a estrutura de superfície seja correta. .
—— apagamento do SN idêntico da englobada,
— substituição desse SN pelo elemento (i) se ele for sujeito,
e pelo elemento (e) se ele for objeto *,
— adjunção desse elemento ou operador QU,
o que nos dá:
1
. a) sing —| la | bomma —i QU —|— sing —l— la —j Íomma +
pres 3." pes {— passar —i pres 3." pes —l~ êtra —| grana'. 3
b) sing { la |— bomma —i QU | —i —j— pres 3.‘ pes —j— passar
j pres 3.3 pes + êtra —| grana'.
‘ C) sing —{— la l Ívomma —l— QUŽ —| pres 3.* pes { passar + Š
pres 3.3 pes —i êtra + graml.
A ós as diversas transformações obri atórias ue devem ser a li- ‘
P8q
cadas a essa seqüência, obtemos a estrutura de superfície a': ’
* È O caso das relativas em francês (com qui / qua) mas não, eviden-
temente das relativas em português. (N. do T.)
92
d) le -1- bommze -1- qui -1- passer-pres 3.“ pes -1- être-presi 3.“ .
pes -1- grama'.
o que, após as regras morfofonológicas, chega à frase e:
e) L’Í7o7m7me qui passe est gramd [O homem que passa é grande.]
Ilustremos agora o caso em que esse segundo SN idêntico é
objeto (e não mais sujeito), mantendo, aproximadamente, os mes-
mos exemplos de modo a não tornar a exposição confusa:
l’. sing -1- le -1- bormrme -1- pres 3.3 pes -1- être -1- gramd
2’. sing -1- le 1 garçom -1- pres 3.“ pes -1- regarder -1- sing -1-
le -1- })O†7Z772€.
Os dois sintagmas nominais idênticos são sempre “sing -1- le -1-
ÍJOm7me", mas o da frase a ser englobada está na posição objeto:
portanto, ele gerará o elemento (e) e não (i) como antes sucedeu:
a’) sing -1- le -1- Íøomrme -1- QU -1- sing -1- le -1- garçom ~1 ~
pres 3.‘ pes + regarder -1- sing -1- Ze -1- Íaomzrme -1- pres
3.a pes -1- ëtre -1- gramd
b’) sing -1- Ze -1- bomme -1- QU -1- sing -1- Ze -1- garçom -1-
pres 3.“ pes -1- regarder -1 -e- -1- pres 3.“ pes -1- être -1-
gramd .
c’) sing -1- Ze -1- bomrme -1- que -1- sing -1- le -1- garçom -1- pres
3.“ pes -1- regaraler -1- pres 3.“ pes -1- êtré -1. gramal
d’) le -1- Ínormme -1- que -1- le -1- garçom -1- regarde-pres 3."
pes -1- être—pres 3.“ pes -1- gramd
'e’) l'bO7m7me que le garçom regarde es! grama'. ·
[O homem que o rapaz vê é grande.]
1 Semelhante transformação, que converte duas seqüências termi-
nais em uma só, chama—se "transformação generalizada", por opo-
sição às "transfOrmações simpleS" que 'empenham apenas uma única
seqüência terminal (fala-se, também às vezes de transformações "uni
tárias e de transformações binárias")‘2.
Todos os exemplos que demos mostram que, ao contrário das
regras de reescrita, as transformações não podem ser efetuadas em 1
uma etapa, mas em duas. A primeira etapa consiste em determinar .
12. Tratase, ainda aqui, de uma distinção que Chomsky faz na pri- 1
meira formulação, cf. o capítulo a seguir. 1

93 1
11;
va estrutura da seqüência sobre a qual há de aplicar-se a transfòrma—
ção, e a segunda em efetuar a mudança estrutural que a transfor-
mação implica se a estrutura for apropriada. Assim a transformação
passiva opera em dois tempos (símbolo TP):
— análise estrutural: SN, -1- AuX -1- V 1 SN2 4
— mudança estrutural: SN1 4- AUX -1- V -1- SN2 : SN2 -1- AuX
·' -1—êtr°-1-pp-1-V-1-pzr1SN;,. `
' Para ser mais claros e expeditos, habituemo-nos a numerar os
diferentes constituintes do seguinte modo:
— análise estrutural: SN, -1- Aux + V -1- SN2
V1234
‘ — mudança estrutural: 1-2-3-4 => 4-2-:r -1- pp—3-por-1
Do mesmo modo, a transformação de englobamento acima vista
será formulada em termos de análise e de mudança estruturais. Com
X, Yie X simbolizamos os constituintes que podem representar ‘
qualquer categoria, e que são, portanto, variáveis. Assim a seqüên-
cia "X -1-, SN -1- Y" significa que nos interessamos somente pelo
elemento SN, que pode vir antecedido ou seguido de que quer que
seja:
X-1-SN-1-Y X-1-SN-1-Y
123123
SN -1- SV - Z -1- V -1- SN
4'5456~
1-2-3 ' 1-2-3
:> 1-2-Qui-5-3 - a :> 1-2-Que-45-3~
a 4 5 4-5-6
Condição: 2 = 4 Condição: 2 = 6
1 Impõe-se uma última observação relativa à noção de transfor-
mação, ou, antes, à aplicação das transformações: e necessário defi-
nir uma ordem de aplicação da transformação. Com efeito, se as
aplicarmos numa ordem qualquer, corremos o risco de obter seqüên-
cias agramaticais. A transformação passiva, por exemplo, só pode
ser aplicada antes da transformação afixo: se desejamos que a raiz
do verbo principal possa aceitar o particípio passado, ela não deve
possuir de antemão as marcas de tempo e de pessoa. De modo aná-
94
Y
l
lo o, a transformação de concordância su'eito verbo só ode` ser
g. . .l »
aplicada apos a transformação passiva, pois é o SN2 e nao o SNl
que deve impor as suas marcas ao verbo. Inversamente, a transfor-
mação de concordância nos SN pode efetuarSe indiferentemente
antes ou após as transformações passiva e afixo. Essa ordem de
aplicação das transformações é realmente muito importante, visto
que só poderemos gerar as -frases desejadas se a ordem foi cuidado-
samente observada. ' , '
3.2.3. SÍNTESE E RECAPITULAÇÃO DAŠ RECRAS UTILIZADAS
. Concebida desse modo, a gramática gerativa surge como um
mecanismo explícito e projetivo, explicito por dar conta das estru-
turas profundaae superficiais das frases francesas, e projetivo por
propor regras capazes de gerar a infinidade das frases gramaticais
possíveis. . °
A gramática gerativa oferece, pois, uma resposta explicativa para
o fenômeno da criatividade. Na sua primeira formulação, ela pro-
põe regras que, como a do englobamento chamamse "recurSivaS",
ou' seja, que podem ser aplicadas ao infinito: é sempre possível
englobar uma frase em uma frase englobada, e em seguida englobar
uma outra frase ainda na nova englobada, etc. (cf. 1.2.1.). Para
ilustrar essa propriedade, citemos um exemplo: - È
— O homem que viu a mulher que viu a moça que ouviu o
padre que encontrou o presidente que conhece o vicepre-
sidente que e amigo do rei que. . . veio.
(Os pontilhados significam que é possível englobar novas frases, até
o infinito).
Em resumo, as regras da gramática gerativa São, na sua pri-
meira formulação, de três tipos:
— As regras de reescrita, que reescrevem um símbolo em uma
. seqüência de símbolos (convém acrescentar-lhes as regras
lexicais que reescrevem um símbolo terminal 13 em um ele- '
mento leXical). · .
— As regras transformacionais (ou transformações) que con-
vertem uma seqüência terminal em uma nova seqüência,
13. Sîmbolos terminais são os símbolos das seqüências terminais das
derivações. Por exemplo, Art, N e V são símbolos terminais em Art + N l V.
95
— As regras morfofonológicas, que convertem as estruturas de
superfície, que são seqüências de morfemas, em seqüências
de fonemas.
É claro que as frases que serão obtidas unicamente mediante a li
aplicação das transformações obrigatórias terão um caráter mais sim-
pies do que aquelas que empenham transformações facultativas: cha s
matemos as primeiras de "frases nucleares", em virtude de ser seu
° número reduzido, e chamaremos as segundas de "frases derivadas",
visto que elas são obtidas a partir das estruturas profundas das pri-
meiras. Citemos Chomsky “: "Qualquer frase da língua será ou uma
frase nuclear ou uma frase derivada das seqüências subjacentes a
uma ou a várias frases nucleares por meio de uma ou de várias trans-
formações sucessivas". Demonstra-se, assim, O poder explicativo da
gramática gerativa — mesmo na sua primeira formulação —, a supe-
rar em muito as descrições das gramáticas taxionômicas, e oferecendo
instrumentação seria, capaz de chegar a um nível de uma adequação
pertinente.
Não seria ocioso talvez, recapitular as regras utilizadas até este
momento:
_a) Regras de reescrita (e regras lexicais) V
F > SN |— SV “ ê
SN —> No { GN
GN —> Art —{ N ~
SV > AuX l GV `
GV —> V + SN e
AQX —> Tps + (øwžr + pp) + (M> + íwvžr + pp)
' Tps > T { ps I
. pres } -.
. T -—>(1nf) }— {împft
l.“ pes
ps ×—> 2.* pes
3.* pes
sing
— 1
NO ipluri ~
Art ——> le, la, zm, zme. ..
14. 1957.
96 V
N —> Contrôleur, bíllt, garçorz, filie, bomme, gzmgÍS1fe..Ï V
V ·> réglr, Jemuzder, rgurder. . .
M > pouvožr, dez/Ožr Z
lo) Trmsformaçõs À ,
— T afixo: Af —{— V ±
12
1-2 => 2-1
— T de concordância no SN: NO ·{— 'Art 4- N
123
1-2-3- => 2 —{-1+3 +1
— T de concordância sujeito/verbo 15:
NO + GN {— Tps —|— Y
1234
1-2-3-4 => 1-2-3 |— 1-4
— T passiva: SNl —}— Aux i V —!— SN2 —
1234
1-2-3-4 => 4—2—ëtre—l—pp—3-par—1
X —|— SN + Y
T1___1123»
— rt1:'
V eawzaçao ) SN + SV É ç
45
1-2- ~ `
4-5 3 }=> 1-2-Qui-5-3 (condição: 2 = 4)
2 X l SN l Y .
123
2) “
Z —}— V —l— SN “
—456
1-2Que45-3 (condição: 2 = 6) 1
15. Para simplificar a demonstração tomamos apenas o número como
domínio de aplicação dessa transformação. Para ser mais exatos deveríamos
aplicála, igualmente, à pessoa, considerando, então, que Tps significa apenas `
"tempo", 0 que importa em considerar que a sétima e a nona regra de reeS _
crita acima não existem, já que 2. pessoa (tal como o número) pode e deve
ser introduzida transformacionalmente. I
‘ 97 1
T
C) Regms morfofonológícasz Não particularizamos a forma dessas re- .
gras: a sua explicitação requereria, por si só, um livro inteiro.
Notemos, por exemplo:
“ Cozztrôleur > /kõtrolœr/ , “
Cbxmter } pp > /_|`ãte/
È être + pp —> /cte/
, Cbmter —{ pres 3.*‘ pes Sing > /_Íãt/
l etc, a
Contudo, não se deve esquecer que, por um lado, essa lista re-
presenta as regras que se utilizam na primeira formulação, e' que ‘
várias delas serão modificadas logo a seguir, além do que, por outro
lado, as regras propostas acima representam uma mera ilustração,
devendo ser amplamente aumentadas para dar conta de toda a língua
francesa. O grupo nominal, por exemplo, pode ser também formado
por um nome próprio ou por um pronome, o que impõe a regra:
Art + N · _
GN ·) N próprio _
pronome Q
Se, por outro lado, acrescentamos que o nome nem sempre vem
precedido de um artigo, mas também, freqüentemente, de um pos-
sessivo, de um demonstrativo, de um numeral, etc., e se reagrupar
mos essas diversas categorias sob o nome de "determinante", terse-á
N próprio
GN -> Det + N s
pronome
Conviria estudar a se uir a reescrita do Determinante, mas como
.ga.
isso extrapola os quadros da nossa exposição, pode-se consultar, por
_ , exemplo, Dubois (1970), para esse assunto em particular.
A lista das transformações é também demasiado limitada. Seria
necessário a transformação de coordenação, de inter-
rogação, de negação, etc. Tomemos o exemplo da negação, simplifi- a
Candoo ao extremo. Para dar conta de frases como: a `
\ — Pau! na manga pus beaucoup [Paul não come muito],
— Paul n’1 pus, rgzaugë beaucoup [Paul não comeu muito],
98 '
|
— Pzul rze peut pa: mmger beøucoup [Paul não pode comer *
muito],
— etc. - `
requerse uma transformação que poderia ser assim formulada:
SN { Tps { V —{~ Y
1234
1-2-3-4 :> 1-ne-2-3-pas-4
Semelhante modo de conceber a transformação negativa é ainda
demasiado simplista e não abrange todos os casos. 'Mas nosso pro-
pósito não é o de dar um tratamento exaustivo à negação 16. Obser-
vemos, simplesmente que o método é bastante rigoroso, e que tal
rigormatemático é que o torna poderoso.
3.2.4. LIMITES DA PRIMEIRA FORMULAÇÄO
Antes de examinar a segunda formulação, ou seja, a teoria, pa-
rece aconselhável examinar os principais limites da primeira, que
acabamos de expor. Com efeito, foi a partir das limitações da teoria
que vimos que Chomsky elaborou a outra e, do mesmo modo que
é necessário reportarmo-nos à análise por constituintes imediatos
com suas imperfeições para compreender a primeira formulação de
Chomsky, é necessário compreender, também, as limitações da pri-
meira formulação antes de começar a examinar a segunda.
Uma concepção de gramática análoga à que resumimos nesse
capítulo não faz mais do que levar o lingüista a ter consciência de
problemas que as gramáticas tradicionais (semântico-lógicas e estru-
turais) são incapazes de resolver e, até mesmo, de se colocar. C
resumido estudo (ou, antes, o esboço do estudo) do auxiliar, que 1
nos limitamos a relembrar, mostra claramente as qualidades essen-
ciais da gramática gerativa transformacional: por um lado, ele con-
sidera muitos fenômenos (conforme os constituintes descontínuos,
a concordância no GN, etc.), e, por outro lado, ele constitui um
modelo da competência, ou seja, um mecanismo que permite gerar
16. Para tanto, cf. Ruwet, 1968, Dubois, 1967 e 1970, e Gaatone. A
obra de Gaatone é puramente descritiva, mas ela é importante porque com-
plementa as duas obras citadas e propõe uma descrição muito particularizada
que se deve ter em mente ao tratar da negação nos quadros de uma gra-
mática gerativa (Etude. dascriþtive du Système de la négatíon En fnznçuis
Contempomín, Droz, Genève, 1971.)
_ 99
uma infinidade de frases gramaticais atribuindo-lhes uma correta
descrição estrutural. A introdução da noção de transformação (no
sentido chomskyano do termo, cf. 3.2.2.) possibilitou fazer da
gramática aquilo que se chamou (na esteira de Lyons, 1968) um
modelo explícito e projetivo.
Semelhante formulação, contudo, apresenta ainda alguns defei-
tos que Chomsky tentou, logo depois, sanar. ]á assinalamos, em `
2.3.3., um dos defeitos essenciais que uma gramática sintagmática
apresenta, ainda quando ela tenha sido reformulada para se tornar
um modelo gerativo, e a primeira formulação de Chomsky não inclui
nenhum progresso a esse respeito. A primeira formulação é, tal como
` a gramática sintagmática, uma gramática independente do contexto,
não resolvendo, assim, o problema colocado por certas agramatica
lidades como le lzit boit l Cbzt [o leite bebe o gato]. As regras
propostas até aqui reescrevem um símbolo em uma seqüência de
símbolos, sem identificar jamais as impossibilidades de combinações
entre certos elementos, entre, por exemplo, O verbo beire [beber]
e um sujeito como le lzit [o leite], e as transformações não podem
dar conta de tais fenômenos sem complicações extremas.
Mas há duas ausências importantes nessa formulação, a do léxico
e a da semântica. Seria possível, na verdade, condená-la pelo fato
de ela não perceber certas regularidades que são de ordem pura-
mente lexical, as quais a sintaxe não pode traduzir sem dificuldades.
A relação entre os elementos božre [beber], le lzit .[o leite], e le
Cbzt [o gato] é um exemplo disso. Até Chomsky 17, o léxico era
considerado uma coleção de conjuntos de unidades correspondentes
e substituíveis por um dos símbolos categoriais das seqüências ter-
minais. No entanto, é evidente que essa visão é um pouco simplista,
implicando na ausência de certas generalizações importantes referen-
tes às relações entre os elementos desses conjuntos: relações entre os
elementos de um mesmo conjunto, mas também entre os elementos 1
de diferentes conjuntos.
Por um lado, a semântica não ocupa, aqui, nenhum lugar preciso
“ na gramática, e Chomsky interessa—se essencialmente pelos processos
formais que permitem gerar as frases. De qualquer modo, ele afirma
em 1957 que nenhum setor do estudo lingüístico dá azo a maiores
confusões e está mais necessitado de uma formulação clara. e pru-
dente do que aquele dos pontos de junção entre sintaxe e a semân-·
17. 1965. [
18. Chomsky, 1957.
100
tica 18. Chomsky demonstrou que não seria possível construir uma
gramática com base no sentido (cf.'2.1.2.'), e seus primeiros traba-
lhos parecem sugerir a necessidade de se levar avante o procedimento
oposto: "Para compreender uma frase, é necessário (mas, natural-
mente, não é o bastante) reconstruir a sua representação em cada
nível, no nível transformacional inclusive, no interior dos quais as
frases nucleares subjacentes a uma dada frase podem ser considera-
das, num certo sentido, como os elementos de conteúdo elementar
a partir dos quais essa frase é construída."
Chomsky limitase a propor determinadas orientações, como a
seguinte: "Um resultado do estudo formal da estrutura gramatical
e o de evidenciar um certo quadro sintático capaz de servir de base
para a análise semântica", e ele salienta certas dificuldades como a
nãoœoncordância sistemática entre as unidades sintáticas e as unida-
des semânticas (cf. ainda, 2.1.2. ), ou, mesmo, a quase impossibi-
lidade de determinar pontos de referência seguros para a análise
semântica; por exemplo, "será preciso determinar a partir de que
momento dois sentidos distintos estão suficientemente próximos para
que os consideremos como sendo o mesmo". Nessa primeira formu-
lação, Chomsky enfoca somente questões concernentes à semântica,
e é em trabalhos paralelos como Osnde Katz e Fodor 19 que se deve
ir buscar os princípios da análise semântica baseada na sintaxe ge-
rativa: a semântica determina a leitura das combinações Sintagmáti
cas de elementos lexicais, cada/um dos quais está dotado de um
sentido determinado. Voltaremos a tratar desse problema no último
capítulo. .
De fato, nosso objetivo diz respeito essencialmente à sintaxe,
mas, na medida em que esta deve preparar o terreno para o estudo
do sentido, é impossível não levar em conta a semântica para a
elaboração da sintaxe. A noção de "transformação" é uma prova do
que afirmamos. Se todo O sentido de uma frase complexa encon-
tra-se nas frases nucleares que a compõem, as transformações que
se aplicam às frases nucleares não devem alterar 0 seu sentido. N0 1
entanto, a primeira formulação de Chomsky menospreza indevida-
mente Os problemas relativos ao sentido, já que ele admite que a
frase 2, a seguir, é obtida pela transformação passiva da primeira
(de fato, para ser mais precisos, deveríamos colocaras seqüências
que lhes são subjacentes):
19. KA'rz e FODOR, "The Strueture of a semantic theory", Languagø
XXXIX, pp. 170-210, 1963. Retomados em Fooon e KATZ, 1964 (Cf. ·Bi-
bliografia) .
V 101 ,
l
1 ± Tout le momle dms Cett pièc Cormuít au mOi7¢S`deux'
lmguex.
[TodoS neste cômodo conhecem pelo menos duas línguas.]
2 — Deux lmgues zu moírzs Sorzt Comzues par tout l momle
lzm Cette pièœ.
[Duas línguas pelo menos são conhecidas por todos neste
cômodo.] `
Fica claro que as condições de verdade de 2 são diferentes das
de 1. Em 1, a soma das línguas conhecidas pode ser muito grande;
em 2, lidamos somente com duas línguas em particular. Isto, é ainda
mais claro quando consideramos as transformações negativa, inter-
rogativa, etc., o que nos leva a reconsiderar esse problema no
próximo capítulo.
Foi para resolver todos esses problemas que dizem respeito às
frases agramaticais de um certo tipo, à estrutura do léxico, ao papel
e à forma da semântica, e, ainda, para tornar mais rigorosa a for-
mulação do método transformacional que Chomsky introduziu inú`me·
ros' aperfeiçoamentos na primeira versão da gramática gerativa; nos
Aspectos da Teoria Siutáticz (1965, traduzida pela Seuil, cf. Bi-
bliografia) ele expôs em detalhes aquela que é chamada às vezes
de "teoria clássica" e, mais comumente, de "teoríapadräo".
V 102 `
F"""'
CAPÍTULO 4
A TEORIA-PADRÃO
"Verdadeira ou falsa, a teoria da gramática
de Chomsky ê, sem dúvida nenhuma, a mais dinâ-
mica, e a que maior influência exerce; O lingüista `
que quiser manter-se em par da evolução da sua diS 1
Ciplina não pode pennitirSe ignorar as posições
teóricas assumidas por ChOmsky."
_]O1xN LYONS (1970)
4.1. ~ O PROBLEMA DA sUBCATEooR1zAçÃo «
4.1.1. A INSUFICIÈNCIA DAS RECRAS DE REESCRITA
Entre as dificuldades que a primeira formulação não podia resol-
ver encontravam-se, como já vimos, as frases agramaticais do tipo
la lai! boi! ZE cba! (cf. 3.2.4. ). No entanto, na medida em que ela
pretende ser um mecanismo capaz de gerar todas as frases gramaticais
e só as gramaticais, a gramática deve poder eXcluir tais frases do
conjunto infinito de frases "engendráveis" por seus diferentes tipos
de regras.
Uma das soluções apresentadas para lidar com esse problema
consiste em dizer que tais frases não são fundamentalmente agrama—
ticais, distinguindo-se de frases como le cba! boi! le lai! [o gato
bebe O leite] ou por uma porcentagem nula de aparecimento na per-
]‘O'rmmce, e/ ou por uma característica freqüentemente qualificada de
"bizarra" e que se diz proceder da "estilística".' Evidentemente, essa
espécie de afirmação, que se limita à constatação, nada resolve; a
gramática deve procurar uma solução mais satisfatória.
Foi proposto desse modo - e isso era o que se retinha, geral-
mente, antes de Chomsky (1965) — que se possibilitasse à gramá-
tica gerar frases que tais, tendo por fundamento o fato de que elas
possuem um caráter muito mais "normal" do que outros exemplos
do tipo cba! le la lai! boi! [gato o O leite bebe] ou lai! le boi!
cba! le [leite o bebe gato 0]. Uma das tarefas da semântica consis-
tiria, então, em dizer que frases como le lai! boi! l Cba! [o leite
. bebe o gato] não possuem nenhuma leitura possível.
De fato, seria muito mais interessante e sobretudo muito mais
econômico, para a gramática, impedir o aparecimento dessas frases »
desde a estrutura profunda. Desse modo, a semântica teria o único
papel de interpretar O sentido de todas as estruturas profundas gera-
das pelas regras. Consideremos os seguintes exemplos:
1 — Le garçori coar!. [O rapaz corre.]
2 — Lc mur cOur!, [O muro corre.]
104
Íw
A fim de que a gramática não engendre frases como 2, ela deve
poder, em virtude de regras apropriadas, dar duas espécies de
informações: , 4
-a) Ela deve dizer que garçom [rapaz] é um nome "animado" e
que mar [muro] é um nome "não-animado". À
b) Ela deve também dizer que Courír [correr] é um verbo que
só aceita como sujeito nomes "animados", nunca nomes
(Š " ' 7)
nao-animados .
Do mesmo modo, para produzir la Cbat boit la lait [o gato bebe [
o leite] excluindo terminantemente la laít boit la cbat [o leite
’...
bebe o gato], a gramática deve dar também informaçoes do tipo
a e bz
a) Ela deve dizer que Cbat [gato] é "animado", "vivo", e que [
laít [leite] é "concreto" e "bebível".
b) Ela deve dizer ainda que boira [beber] admite apenas no-
mes "vivos" na qualidade de sujeitos 1 e nomes "bebíveis"
na qualidade de objeto.
Tomemos um último exemplo, de Chomsky (1965). A frase
La símcérité affraža la garçom [A sinceridade assusta 0 rapaz] é intei-
ramente gramatical, mas la garçom affrai la simcéržté [o rapaz assusta
a sinceridade] é agramatical:
a) A gramática deve dizer que "rapaz" é um nome "hurnano"
e que "sinceridade"’ é um nome "abstrato".
b) Ela deve dizer também que ffrayar [assustar] admite’um
nome "abStrato" como sujeito se o objeto é "humanO" (0
que eXclui também La rimcéríté affraía la rmemdžcité [A sin-
ceridade assusta a indigência]), sem admitir o inverso 2.
Tal observação leva a duas conclusões extremamente importam- .
tes para uma reformulação da gramática gerativa:
1. Exceto no caso de imagens como Catta terra boit bian [Este solo ~
bebe (= absorve) bem], ou Mon buz/ard a bu Fancra [Meu mata-borrão
chupou a tinta]. Mas a metáfora é um rocedimento de viola ão dos rin-
,___P9P
CIPIOS d!SCL1Í1dOS.
. 2. “ASsustar" admite um "humano” como sujeito se o objeto é um
“an1mado" "humano" ou "anima1": La garçon affraia la fílla [O rapaz assusta `
a moça], La garçon a/fraia ÍJOÍJEGM [O rapaz assusta o pássaro], mas não um
“=m1mado" "ob]eto": * La gargon affraia la traiu [* O rapazassusta O trem]. Ã
[ 105 Í
— Por um lado, as regras de reescrita são insuficientes `e de-
vem ser completadas por regras que dêem conta das exi-
gências a e b acima apresentadas.
— Por outro lado, as novas regras deverão levar em consi-
deração certas características dos elementos lexicais (ani- (
mado, humano, etc.), e a estrutura do léxico deverá ser
nitidamente particularizada nessa segunda formulação. Aç
O problema que se coloca e que a primeira formulação não po-
dia resolver é o da divisão das categorias em subcategorias, e o da
inserção dessas subcategorias na gramática: é o chamado "problema
da subcategorização". Apresentado tal como o fizemos acima, é evi-
dente que o problema da subcategorização é um problema da estrutura
profunda, e que o componente transformacional da gramática não
lhe diz respeito diretamente. São as regras de reescrita que têm
necessidade de ser revistas, aumentadas e modificadas. O novo
sistema das regras constituintes, que precisaremos a seguir, tem o
nome de "componente de base" da gramática (mais comumente cha-
mado "a base").
Para resolver o problema acima, poderíamos pensar em aumen-
tar as regras de reescrita de modo a permitir a subcategorização.
Desse modo, para introduzir, por exemplo, os nomes, jezm []oão],
Egypte [Egito], garçom [rapaz], e livre [livro], seria preciso colocara:
N __> { S próprio} [
COIDUIÏFI ‘
N ' __> { próprio-humano }
“°×”‘° própr1o—não—humanO
( N _) { comum—humano }
.°°m“m comumnão-humano
Se uma regra deve aplicar-se aos nomes "humanos" (sugerimos,
atrás, alguns deles), ela deve, sendo dado esse modo de apresenta-la,
‘ V aplicarse ao mesmo tempo aos nomes "próprios-humanos" e aos nomes
"comuns-humanos". É evidente que nos falta, agora, uma generali-
zação da regra em causa. Além disso, é impossível em um tal sistema
chegar a qualquer generalização superior, já que a subcategorização
empenha o que se chama uma "classificação cruzada": os nomes A
feam e Egypte são "próprios", livre e garçom são "comuns", ]ezm e
3. Exemplos tomados de Chomsky (1965) e simplificados.
106
gzrçon “humanos", Egypte e livre "não-humanos". Se tivéssemos
introduzido distinções suplementares como "animado" e "não-ani-
mado", por exemplo, Q as dificuldades se multiplicariam; Chomsky
pensa que é melhor abandonar a idéia de introduzir tais noções me-
diante regras de reescrita.
4.1.2. A NOÇÃO DE NTRAÇO LEXICALN, A SUÅBCATEGORIZAÇÃO
no NOME )
\ De fato, o problema da Subcategorização é formalmente seme-
lhante ao que se coloca no tocante ao nível fonológico. Chomsky
nota que "eXistem regras fonológicas que podem ser aplicadas às
consoantes sonoras [ib] e [2] e às não-sonoras [p] e [S]; outras
regras aplicam-se às contínuas [S] e [2] mas não às oclusivas [p]
e [b], etc."4. Deparamo·nos, aqui, com a classificação cruzada, e a _
solução adotada para esse caso consiste em considerar os elementos _
lexicais como sendo formados de uma série de traços fonológicos,
, aplicando as regras aos elementos que contenham tal ou qual traço.
W ɆŠ;a-Se, dessa maneira, O "cruzamento" e a complexidade que nas-
ceria das regras de reescrita calcadas nas que foram propostas no
‘ parágrafo anterior. ’
Chomsky adotou a mesma solução para a subcategorização ao
nível sintático. Cada elemento lexical é representado no léxico por
uma matriz de traços distintivos, logo fonológicos, mas também sin-
táticos. São os traços sintáticos que agora nos interessam: um ele-
mento I que possua o traço X e o traço y, mas não o traço 2, será
representado no léxico: ‘
(ï,[+X,+y,—zl)
Dessa forma, fm possui os traços [—}—N], [—comum] e
[{—animado], Egypte possui os traços [+N], [—comum], e [——l'Ju
mano], garçom possui os traços [—|N], [—|—comum], e [+humano],
livre possui os traços [|—N], [+comum], e [—-humano]. ,
Eles serão representados assim:
(fm, [—}N, —comum, }—humano]) [
(Egypic, [—|—N, —comum, —humano]) È
(gzrçon, [—|—N, —icomum, —lhumano])
(livre, [—I—N, —|—Comum, —humano]). ç
'l
4. Chomsky, 1965.
“ 107
l
`
De fato, não é possível fazer, desse modo, com que esseS`ele ¿
mentos participem sob a forma de matriz de traços de árvores do
tipo das que até aqui utilizamos. O procedimento que deve ser
seguido consiste em desenvolver a categoria N em um símbolo com- _
plexo (abreviado SC) formado por um certo número de traços. Para ‘
tanto, devemos colocar as regras de reescrita 1, 2 e 3, e as regras
de subcategorização 4, 5, 6, 7, 8 e 9
1 — F —> SN —} SV
2 — SN > No + GN
3 — GN —> Det + N ·
4 — N > SC
5 — SC -> [lN, ±comum]
6 — —lComum -> [±animado]
7 -— —comum > [±animado] *
8 — —l—animado -> [±humano]
9 — —humano > [±numerável], etc.
A partir dessas regras, é possível construir indicadores sintag-
máticos (logo, derivações) que contenham subcategorizações O
símbolo N dará O símbolo SC, que dará uma série de traços obtidos
pelas regras de subcategorização 5-9; faltará efetuar uma operação
que permita inserir um elemento lexical que possua os mesmos traços
de um SC no lugar desse SC. Tomemos alguns exemplos:
eX. 1: Sabemos, por um lado, que Egyptè é representado no
léxico do seguinte modo: (Egypte, [i—N, —cOmum, —huma
no] ), e, por outro lado, aplicamos as regras de reescrita 1, 2 e
3, e as regras de subcategorizaço 4, 5, 6, 7 e 8; obtemos, então: 7
F
/\
, Så SV
N/ GN .
Det N
I
SC
Ž/ Ã s
K Y [—} N] [—cOmum] [—anim2.do]
\EgJ'W s
108 “ ‘ V
V eX. 2: Sabemos, por um lado, que gzrçon é representado no_
léxico por: (grçon, [-{—N, |—comum, —|humanO] ); aplicando
as três regras de reescrita e as regras de subcategorização 4, 5,
6, 7 e 8, obtemos:
/F\
ÍN SV 4
N, GN
Det lî ‘
[+ N] [|comum] [i humano]
\gørçOn
V ~ Aplicando estritamente as regras que escolhemos, deveríamos ter
introduzido o traço [—humano] no símbolo complexo do primeiro
esquema, e o traço [—|—animado] no símbolo complexo do segundo
esquema, mas podemos omiti-los na medida em que o traço [——ina-
nimado] implica necessariamente o traço [humano], em que o
traço [|humano] implíc necessariamente o traço [lanimaClO].
Dir-se-á que tais traços são respectivamente redundantes; e as regras
que os introduzem podem `Ser qualificadas de regm.\ de redundân-
Cíz". Tomamos unicamente exemplos bem simples, mas observações
mais rigorosas demonstrariam que esse fenômeno é bastante comum,
Os indicadores sintagmaticos acima propostos se distinguem níti-
damente dos da primeira formulação, e já não possuem, de fato,
estrutura arborescente. Na medida em que eles incluem a transfor-
mação de substituição lexical, são muito difíceis de manipular, de È
modo que eles são simplificados para o fim de exibir apenas a aplica- a
ção das regras de reescrita; associa-se, então, a cada símbolo categorial
(N, mas também V, etc.) um símbolo postiço, representado pelo
signo A: e

109 Š
\ fi F ` `
SN . sv
· N, GN\
Det N s
A
Requer—se agora, uma etapa suplementar para aplicar a regra
A —>SC e as diferentes regras de subcategorização. Assim que o
símbolo complexo houver sido inteiramente desenvolvido, podeSe
aplicar a transformação de, inserção lexical. Adotaremos aqui essa
solução, por ser. mais elegante e por produzir indicadores sintagma-
ticos mais fáceis de manejar. Teremos, então, de substituir a regra
4 proposta acima pelas duas regras seguintes:
4:1 — N > A
4b — —Aõ—> SC
Desse modo, o componente de base da gramática gerativa é
formado de dois tipos de regras diferentes: pOr_ um lado, as regras
de reescrita 1 2 3 e 4z uer dizer re ras de ramifica ão sim les,
)7)7ÍgÇ
que reescrevem um símbolo em uma seqüência de símbolos; e, por
outro lado, regras de subcategorização (4z, 5, 6, 7, 8, e 9) que trans-
formam um símbolo complexo em uma seqüência de traços, e aos
quais é preciso associar as transformações de inserção lexical que
substituem um elemento marcado [|x, iy. . .] no léxico pelo sím-
bolo complexo [lX, —{—y. . .] de um indicador sintagmático.
, Com efeito, o componente de base, que produz ~— repetimos —
as estruturas profundas, é formado de dois subcomponentes:
V " — um subcomponente categorial, formado de símbolos catego-
riais (como F, SN, N, etc.) e que empenha unicamente re-
gras de reescrita (às vezes chamadas regras "de ramificação").
— um subcomponente lexical, formado de um léxico, ou seja,
de uma seqüência não ordenada de entradas lexicais (grosso
modo, um dicionário), definidas à base de seus traços fono-
lógicos, sintáticos ’(e semânticos), e que inclui a subcatego-
rização e a inserção lexical.
110
4.1.3. AS RECRAS DE SUECATECORIZAÇÃO CONTEXTUAL; À
A SUECATECORIZAÇÃO DO VERBO _ -
Até aqui estabelecemos regras que desenvolvem um símbolo
complexo em uma serie de traços inerentes, ou seja, não contextuais.
Os traços [—}—animado] ou [ihumano] são inerentes ao nome, e
nada têm a ver com os traços de outras palavras da frase. Mas se
quisermos dar conta do fato (Cf. 4.1.1. ) de que certos verbos como
boíre [beber] não admitem um nome qualquer na qualidade de su-
jeito, devemos postular para esses verbos uma série de traços que
sejam capazes de relacioná-los com os outros elementos das constru-
ções de que eles participam. s
Tomemos alguns exemplos. O verbo božre [beber] deverá ser
especificado no léxico como possuidor do traço [|—sujeito vivo], e
assim ele só poderá entrar em construções em que o nome que
O preceda possua o traço [—|—vivo]. Desse modo, a frase Le lzít boit
le Clmt [O leite bebe o gato] já não pode ser engendrada pela gra-
mática. Mas é necessário acrescentar que boire [beber] possui o
traço [}—objeto bebível], que o proíbe de preceder um nome que
não possua o traço [—[—bebível].
De modo análogo, O verbo effmyer [assustar] deve estar mar-
cado com o traço [—|—objetO animado] de maneira a evitar le gzrçou
effrzie la Sincéržté [o rapaz assusta a sinceridade], sem estar parti- _
cularmente especificado quanto ao seu sujeito, já que podemos en- ·
contrar tanto le gzrçozz effruie la fille [o rapaz assusta a moça] quanto
lz ríncéržtë effrzíe la fille [a sinceridade assusta a moça] ou Ce film
ffmíe la fille [esse filme assusta a moça], etc.
Parece que alguns verbos apresentam problemas. Consideremos
o verbo regzrler [olhar]. Podemos encontrar 1 e 2:
, 1: Ce gzrçon regzrle la mer. [Esse rapaz olha o mar.]
2: Ce mar regmle la me:'. [Esse muro olha (para) O mar.]
Aparentemente, tal como ocorria no caso anterior, regzrler não
seria especificado relativamente ao seu sujeito, podendo este último
ser quer [—|animado] quer [—|concreto e —animado]. De fato, a
coisa é mais complexa, visto que encontramos 3 mas não 4:
3: Ce garçorz regzrde. [O rapaz olha.] j
4: * Ce mur regzrle. [* Este muro olha.]
1
111
As frases 3 e 4 são o índice de que não há um único verbo regrder,
mas dois, que são distintos e se especificam no léxico mediante traços
diferentes:
regurderlz l— V, [—i-sujeito animado]...
regzrderzc —l— V, [—\sujeito concreto e animado]. ..
Convém, além disso, acrescentar que regmlerl pode ter um e
objeto marcado [—}—visível], ou não ter objeto, e que regzrderz deve,
obrigatoriamente, ter um objeto []visível], o que se poderia repre-
sentar assim: -
ægmxlx + v wsujcxa animado], [{g’bï’*° "“’€l} 15
regarderz: —| V, []—sujeito concreto e —animado], [objeto vi-
Ä Sível]
Dois argumentos apóiam essa apresentação. O primeiro é de
ordem uramente semântica: os dois verbos re arder evidenciados
-».g..
nao possuem absolutamente o mesmo sentido, porque um rmphca
uma atividade real, e o outro uma atividade passiva. O segundo
argumento é puramente formal: ïgáfdëïl e regøríerz não participam
das mesmas construções, sendo, portanto, dois elementos diferentes.
As frases 3 e 4 acima são um exemplo dessa afirmação, mas também
o são as frases 5 e 6, 7 e 8, 9 e 10:
5 — CC gzrçon z l’ÍJabituz'e de rcgzrder lz mar [ESSE rapaz
tem o hábito de olhar o mar.] ‘
6 — * Ce mur z l'Ímbitude de regzrder lz mer. [*ESse muro
tem o hábito de olhar o mar.]
7 -— Pzul regzrde quelquefožs la mer. [Paul às vezes olha
o mar.]
V 8 — * Notr maison regrde quelquefois lz me:'. [’ Nossa
casa às vezes olha o mar.]
9 — julie regará tom frère. []ulie olha o teu irmão.]
10 — * Le Cbateau rcgarde tom frère [* O Castelo olha o teu
irmão.]
etc. l
Poder-se-ia encontrar outros exemplos ainda, e uma análise mais i
profunda daria conta desses fatos graças ao sistema dos traços de a
5. O signo Ø significa "zero" ou "ausência de".
112
Subcategorização. Basta, contudo, termos dado um exemplo que uma
gramática distribucional ou mesmo uma gramática gerativa dotada
unicamente de regras de reescrita na base não conseguiria explicar. 6
Os traços que tivemos de postular para 7'egardEr” (1 e 2) são,
a mesmo título que os que postulamos para os nomes no parágrafo
anterior, traços de Subcategorização, mas estes diferem daqueles na
medida em que dependem do contexto. Tendo em vista que eles
se referem ao sujeito, ao objeto (e a outros constituintes), denomina-
molos "traços conteXtuais". a
Da mesma maneira pela qual evidenciamos, no parágrafo ante-
rior, regras de Subcategorização não-contextuais, podemos, aqui,
observar regras de subcategorização contextuais. Para demonstra-lo,
retomemos o exemplo de regørdr. A fim de distinguir nitidamente
regarderl de regzrderz, convém precisar que o primeiro aceita facul-
tativamente um objeto, ao passo que o segundo deve obrigatoria-
mente ter um objeto (cf. Ze gzrçon regzrde [o rapaz olha] mas * le
mur regará [*0 muro olha]). Os traços contextuais que atribuire-
mos aos dois verbos regarder deverão, pois, tomar em consideração
o seu contexto categorial: regarderl será especificado como verbo que .
vem obrigatoriamente precedido por um nome, e que vem facultati-
vamente seguido por um nome; e 7'egzrlerz será especificado como
verbo que vem obrigatoriamente precedido por um nome e como
obrigatoriamente seguido por um nome. Chomsky preconiza em tais
casos uma notação do tipo (em que a barra horizontal — representa
o lugar em que se insere o elemento em causa):
rgarderl —}— V [—lN.—], [—|— —(N)]...
regzrderz —}— V [—l—N é-], [|— —N]...
O traço + V é um traço inerente aos elementos propostos e os
traços [—|—N—], [—|—N] e [—}—(N)] são traços contextuais
que Subcategorizam os elementos na base de seu contexto categorial;
chamamo-los ‘traços de subcategorização estrita".
Chamam-se, por oposição, "traçoS de subcategorização Seletiva"
os traços que subcategorizam .um elemento à base dos traços sin- _
táticos do seu contexto. Desse modo, os dois verbos regørder serão
especificados do seguinte modo, do ponto de vista de seus traços
seletivos:
6. Para uma proposta de aplicação da teoria dos traços à estilística,
cf. Chomsky (1965) e Dubois (1970), p. 62: frases como le Cíõl te regarde š
[O céu te olha] são gramaticais apenas porque Ciøl, que é habitualmente sub- 1
categorizado como [—·animadO], é recategorizado como [-4- animado].
l
` 113 l
regzrderl, [—l— animado —], [+ — (visível)]. . . li d
regarderz [—|— concreto e -animado —], [—}— -——visível]. ..
A Vê-se, assim, que os traços de subcategorização estrita e os traços
seletivos se completam e que, por outro lado, eles permitem descre-
ver, de modo econômico, as características sintáticas particulares dos
elementos, lexicais. s
Estávamos preocupados, até aqui, unicamente com a estrutura
do léxico, mas precisamos voltar, agora, às regras de subcategorização.
Tenhamos em mente o exemplo já visto. Para gerar uma frase com
um outro dos verbos regzrder, devemos estabelecer uma série de
regras de reescrita, uma das quais será:
V> Ad
o que nos permitirá elaborar a árvore da frase em questão; é ne-
cessário, em seguida, estabelecer uma serie de regras de subcatego-
rização, capazes de permitir transformar 0 símbolo postiço A em
um símbolo complexo SC, formado por um conjunto de traços (de
que provêm o traço inerente [+ V] e os traços contextuais antes
apresentados) quando ele se localiza em um certo contexto. Distin-
guem-se, pois:
a) Asi regras de subcutegorizaço ertržtz, que analisam um sím-
bolo, no caso A dominado por V, à base de seu contexto
categorial, por exemplo:
1; -—> SC/N 4- (N)
. Essa regra se lê "A é analisado em SC no contexto em
que um N o precede obrigatoriamente, em'que um N 0
segue facultativamente (a barra / significa ‘no contexto
' em que’)".
Se as regras de reescrita introduziram um N diante
( de um V,' pode-se aplicar a seguinte regra de subcategori-
zaçao estrita: 7 `
A —> SC/N — — V
O símbolo complexo terá, então, a forma:
SC -—> [I—N—], Ø] 7
7. Recordemos que Ø representa um constituinte nulo.
114
w•~·-··""‘
Se as regras de reescrita ántroduziram um N diante do
V e um N depois do V, poderseá aplicar a seguinte regra
de subcategorizaçãor
, A —> SC/N —N d
O símbolo complexo terá, então, a forma:
SC—> [|N—], [+N] `
De fato, trata-se de fragmentos de símbolos comple-
Xos, já que faltam os traços seletivos, que serão introduzi-
dos pelas regras [7. '
b) A: iøgms de subcztegorizzço seletiva, que analisam um
símbolo à base dos traços sintáticos do seu contexto, por
% exemploz
[—lanimado — (j—viSível)]
A > SC/ {[—}—conCreto e —animado —| visível]
Essa regra se lê [A é analisado em SC no contexto
em que ele é obrigatoriamente precedido de [| animado]
e facultativamente seguido de [—}— visível], ou no contexto
em que ele é obrigatoriamente precedido de [—| concreto] e
[ animado] e obrigatoriamente seguido de [—| visível]".
Se as regras de subcategorização estrita introduziram
os traços [—IN~—] e [|—— Ø], e se o sujeito possui o
traço [+ animado], então poder-se—á escolher unicamente:
A ——> SC/ [—l animado —]
e o símbolo complexo terá, além disso, o traço: SC> [—{— ani-
mado —]. -
Se as regras de subcategorização estrita introduziram 1
os traços [—I— N-] e [—j—N], então dois casos se apre·
sentam:
— seja o sujeito dotado do traço [—| animado] e o objeto do
traço [—|— visível; aplica-se, então, A > SC/[—{— animado
—{ visível], o que dá o seguinte SC: SC —> [| anima-
do —], [—— + visível] ,
— seja o sujeito dotado dos traços [{— concreto] e [— ani-
mado] e o objeto do traço [+ visível], ao qual se a
115 j
1
Å
aplique A —> [lconc1'eto e —animado——}—visível], “
o que dá O seguinte SC:
SC > [—}— animado e' — concreto —], [—— -}— visível].
Nesse estágio, convém fazer uma recapitulação. As diferentes Ã
regras de reescrita e de subcategorização (estrita e seletiva) permitem ç
elaborar derivações que culminam em símbolos complexos formados
por uma série de traços inerentes e contextuais. OS elementos do
léxico são representados como matrizes de traços fonológicos e sintá-
ticos. Uma transformação de substituição lexical pode substituir um
símbolo por um elemento lexical se ambos possuírem os mesmos tra-
ços sintáticos. Assim, retomando os traços sintáticos dos dois verbos
‘Ïregarder":
regzrderlz —';— V, [lN—] —} [—(N)], [—]— animado ],
[— —{ visível]... ·
regzrdergs —|— V, [—}—N—] { [—N], [—|ConCreto e -ani-
mado —], [— 4- visível]. . .
e se retomarmos as diversas regras de subcategorização estrita e sele-
tiva acima apresentadas, obteremos três derivações que esquemati-
zamos nos três seguintes fragmentos de indicadores:

SV
N, N\ I
. Det. Iî T
A
SC /SC\
[4— N] [+ animado]... [+ V] [+ N-] [+ =mimad<>—J
gllïfüïi I ÏØgTd€T1
_ wpßzl [olhar;]
116
1r·"*

N], GN V N., GN
/\/\
Det IÏI Det IÏT
AAA
IÍI
/Si\ Ä Žk
[}N] [i—animadO]...[—|·-V] [—{—N—] [|animadO·—][—}——N] [—{——vísíve1]Ï [—{N] [+viSível]...
gxxxx šžv
ê'“†€°" røgurderx m"
[rapaz] [olham] lmãïl

;~\ / *1;
N, GN V N? GN
/\I/\
Det N Dct Iîí
I
A ·, A
l·I
SC SC ’ SC
[;N] [-pcøncretn, — animado].-- [+V] [—}-N—][—|—N] [+cOncretO, animadø][+viSíve1][+NJ—l'+víSíve1
71'MLT YTLET
[muro] [ølhari] [mar]
I De fato, até aqui apresentamos unicamente as regras de subca-
tegorização que permitem formar os símbolos complexos possuidores
dos mesmos traços que regzzrderl e regarderz. Para aumentar as regras,
é preciso verificar qual possa ser 0 contexto de um verbo. ObServe
mos as poucas frases seguintes:
— Ce gurçon mmge Sz Soupe. [Esse rapaz toma (1it.: come) a
sopa.]
— Ce garçorz monge. [Esse rapaz come.]
— E garçon jouc. [Esse rapaz brinca.]
117 “
Ï `“""‘
— Ce gzrçorz est gentil. ` [Esse rapaz é amável.]
— Ce gzrçoiz est mO7z fils. [Esse rapaz é meu filho.]
— Ce zrçorz est duas la com'. ·[EsSe ra az está no ãtio.]
8PV
Para erar as estruturas rotundas sub'acentes a tais frases é
SPJx
preciso estabelecer, entre outras, as seguintes regras de reescrita: \
GV > Vx I (SN) 4
GV ·—> V1
Adí (Vt significa verbo transitivo, V
GV __> Vw _I_ SN verbo intransitivo, Vm verbo do
SN mesmo tipo que ser e SNPNP sintag-
PP ma nominal preposicional.)
Tais regras nos permitem, ao mesmo tempo, aumentar igual-
mente as regras de subcategorização estrita do verbo, de modo que
devemos estabelecer:
(SN)
Ø
V > SC/—— Adi p
a SNPFEP ·
Uma análise mais detalhada possibilitaria dar maior precisão à
subcategorização do verbo. Cada um dos traços dos constituintes que
entram no seu contexto dá lugar a uma regra de subcategorização
seletiva. O mesmo procedimento deveria ser empregado para a sub-
categorização na base do sujeito.
4.1.4. A SUBCATEGORIZAÇÄO no ADJETIVO 7
* Assim como o verbo é subcategorizado na base de seu contexto
(subcategorização estrita e seletiva), o adjetivo é, também, subcate-
gorizado na base do seu contexto.
Tomemos o adjetivo sincère [sincero]. Contrariamente ao que
ocorre com fier [or ulhoso], em ier de [ui [or ulhoso dele], Jincère
- .g g .
nao pode ser seguido de um complemento, mas deve ser precedido
de um nome. Por outro lado, ele só pode ser precedido por um .
nome que possua os traços [|bumano] (im Íøomme sincère [um
118
7-·"
homem sincero]) ou [—{— abstrato e —}—controlável]“ (une /JO;·zhêteté_
Jiizeère). O elemento "SinCero" será, pois, representado no léxico
como possuidor dos seguintes traços; ,<
« [i— humano —]
sincero: —|— Adj [4- N—], [complemento], [+ abstrato e
V —l controlável —]
Se desejarmos precisar as regras que permitem inserir "sincero" no
lugar de um símbolo complexo que contém os mesmos traços, deve-
mos elaborar regras de subcategorização (estrita: 2, e seletiva: 3)
acrescentando-as à regra de reescrita 1: ' 4
1 — Adj > A ' .
2 — A > SCÍ l'l'N— [ complemento]
[—l humano] — }
3 — A ) SC/ {[4- abstrato e —}—Controlável]—
Antes de propor a derivação que permite inserir sincero, é pre-
ciso voltar a uma importante distinção entre duas espécies de adjetivos.
Alguns, rouge [vermelho], grmd [grande], gentil [amável], em
a) zme voiture 1'Ouge [um Carro vermelho]
b) zm_ Íøomme gmmi [um homem grande] ~
C) im gentil garçoii [um rapaz amável] ` 4 ,
parecem provir da redução de uma relativa ido tipo:
a’: une voiture qui ert 7'Ouge [um Carro que é vermelho]
b’: zm bomme qui est grmd [um homem que é grande]
c’: im garçon qui est gentil [um rapaz que é amável]
mediante a seguinte transformação:
Det + N 4- guá —l— est + Adj
1234
1-2-3-4 => 1-2-4
8. O traço [4- controlável] aplica-se aos elementos que representam uma
realidade sobre a qual podemos agir (honestidade, gentileza), e o traço
[—cOntrOlável] uma realidade sobre a qual não podemos agir (beleza, menino).
s 119
Uma transformação suplementar permitiria fazer passar os adje-
tivos do tipo gentil, que possuem 0 traço '[—{~ anteposto] diante do
nome: ‘
Det —}— N —}— Adj
[}— anteposto] _
123
1-2-3 =:· 1-3-2 .
Essas operações permitem, por um lado, generalizar a relação
que eXiste entre as frases a, b e C, e as a’, b’ e C’, e permitem, por
outro lado, opor esses adjetivos àqueles que não podem entrar nas
construções do tipo a’-b’-C’; type [tipo], Seul [único], etc.
d: L’élèz/e type [O aluno tipo]
e: Le Xeul élève [O único aluno]
d’ * L'élèzJe ui es! t e [* O aluno ue é ti 0]
4 LV Q P
e’: ` L’élèzJ' quí est Seul [* O aluno que é único]
Esses adjetivos não podem provir de uma transformação de
redução de relativa e devem, portanto, ser engendrados a partir da
base mediante regras de reescrita:
SN —> No -f— GN
GN -> Det —| N —}— (Adj)
Vimos, no capítulo antecedente, que a primeira formulação Con-
siderava a relativa como uma frase encaixada na frase matriz mediante
uma transformação; veremos, agora, no próximo parágrafo, que a
þ segunda formulação introduz a relativa como o adjetivo da segunda
forma, ou seja, diretamente nas regras de reescrita. Se simbolizarmos
a relativa por QuF (é uma frase que começa por Qu), teremos uma
regra da forma:
GN —-> Det —{— N —}— (QUF)
O adjetivo é obtido, agora, pela regra de reescrita já anteriormente
assinalada
GV ——> Vw —{— Adi l _,
«l
il
120 , Q
Ï"'`Y
na frase encaixada; aplica-se, em seguida, a transformação de redução
da relativa dizse também, "e itetiza ão" ou "forma ão do e itero".)
)
Trata-se de uma transformação de apagamento (ver 3.2.2.), que
se torna possível pelo fato de que ela suprime apenas morfemas gra ,
maticais, ou seja, desprovidos de sentido.
A distin ão entre os ad'etivos da rimeira e da se unda forma
_,_Ç,_JP8_
nao e diretamente util para tratar do problema da Subcategorizaçao,
já que nos interessamos essencialmente pelo nome a que "se refere"
o adjetivo (conforme a expressão tradicional), quer dizer, pelo nome
que o precede na estrutura profunda. No entanto, convém recordar
a divisão em duas formas, pois si/zcère pertence à primeira forma em
zm Ívomm Sžucère [un homem sincero] sendo proveniente da trans-
forma ão de zm bomme ui est Xíncère [um homem ue é sincero],
, ‘Ï .,.. , . .
e pertence a segunda forma em une homætte Smcere [uma modestia Y
sincera].
Essas considera ões todas ermitemnos fazer as deriva ões ue
. .. . . Ç P . Ç
possibilitam inserir o elemento Smcer no lugar do Simbolo com-
plexo formado por traços idênticos aos seus. Representamos uniCa _
mente os dois fragmentos de indicadores que figuram essas derivações.
Recordemos que esses indicadores são apenas fragmentos cuja
única finalidade é a de ilustrar as observações precedentes. Falta COm
pletá-los mediante a reescrita dos seus diferentes constituintes.
.
SIK
N,/yCîN
î`
S§ Åå
r+1~:] [{»abStrat0] t+csxx±m1ve1]... [}Adj] t+N·—] [—c0mDl i+ßbS¢m°, ~ °°××ff°ïV°1!···

honnêtetè S-mcèw
l
121 Ï
/FA
SN .
N/ \GN
I\
1Ja/ N Quk
(3;]/ P\ i
5}/ A S\\
Aux/ Gk
êt1‘€/
AA
;\
sã žš
[+N—}—humanO]... [—}—Ar1j] [+N—1 [—c0mxJ1} [—}—hum:mo—]

hommg Sžncère
4.1.5. CONCLUSÃO: o COMPONENTE DE BASE
A `introdução da noção de subcategorização modificou pro- A
fundamente a concepção do componente de base da gramática ge-
ratlva, visto que as estruturas profundas já não são mais geradas
unicamente por regras de reescrita, mas também por regras de sub-
categorização que empenham símbolos complexos, e mediante trans-
formações de substituição lexical.
O componente de base constitui-se, assim, de dois Subcompo-
nentes; um Subcomponente categorial, que inclui regras de reescrita
epermite chegar aos símbolos postiços que representam as categorias
sintáticas; e um Subcomponente lexical, que abrange, por um lado,
regras de subcategorização, a fim de desenvolver 0 símbolo postiço `
em um símbolo complexo formado por uma serie de traços inerentes
e contextuais, e abrange, por outro lado, um léxico, concebido como
uma lista não-ordenada de entradas lexicais, cada uma das quais é uma
matriz de traços (fonológicos, sintáticos e semânticos) e, finalmente,
transformações de substituição lexical que operam conformemente ao
teorema proposto por Chomsky em 1965: ,
I "SendO dada uma entrada lexical (D, C), em que D é uma
matriz de traços fonológicos, e C um símbolo complexo, a regra
lexical permite a substituição de D por qualquer símbolo com- _
plexo K não diferente de C." '1
la
l
Podemos, em suma, distinguir três espécies de regras de base,`
inscrevendose a primeira no subcomponente categorial, e as outras
duas no subcomponente lexical: '—
1) Regras de reescrita (F > SN | SV N > A).
2) regras de suócategorização (A —> SC, SC —> .. . ):
a) não-contextuais (SC > [| N], [| humano]. . . )
estritas (SC —> [+N—]. . .)
b contextuais . . .
) <sel·tz1Jas (SC > [—{ animado —]. . . )
3) regras de transformação de substituição lexical (Cf. O teo-
rema acima, de Chomsky).
4.2. ALGUMAS MODIFICAÇÕES DA NOÇÃO DE
"TRANSFORMAÇAO"
4.2.1. 0 PROBLEMA DA RECURSIVUJADE
Na primeira formulação, a recursividade estava assegurada me-
diante o componente transformacional da gramática gerativa. AS
transformações generalizadas (ver 3.2.2.) permitiam encaixar as
frases umas nas outras infinitamente. O encaixamento não é o único
processo recursivo: a ele se acrescenta a coordenação. Não é difícil
verificar como a primeira formulação dava conta da coordenação: .
grosso modo, ela diria que quando duas estruturas são perfeitamente Ï
idênticas, pode-se juntar a segunda à primeira graças a um morfema
chamado "conjunção de Coordenação" 9. A transformação que se
operaria, então, abarcaria duas frases, ou melhor, duas estruturas pro-
fundas, e seria, por isso, classificada entre as transformações gene-
ralizadas.
. Contudo, a própria noção de "transformação generalizada"
implica um problema para a gramática gerativa. Se as estruturas pro-
fundas devem conter todos os elementos necessários para a interpre-
tação semântica das frases, as transformações não devem trazer nenhum
elemento capaz de modificar o sentido das estruturas profundas. No
entanto, as transformações generalizadas modificam sensivelmente o
sentido das estruturas profundas, visto que elas tomam duas estru-
turas profundas diferentes e as reúnem. Elas supõem que duas frases
9. Essa apresentação é totalmente esquemática e deveria ser retomada
com rigor. Cf. Chomsky, 1957. V
123
diferentes, F, e F2, possuem o mesmo sentido queuma única frase na
qual F, estará encaixada em F2, ou F encaixada em Fl, ou, ainda,
na qual F, e F2 estariam coordenadas. Isso equivale a dizer, de
fato, que as frases 1 e 2 seguintes são equivalentes, do ponto de vista
do sentido, a 3, 4, 5 e 6:
1 — La Uoiture a percaté zm arbre. o
[O carro bateu numa árvore.]
2 —— La voíture a renversë zm passam.
[O carro atropelou um transeunte.] `
3 — La Uoiture qui a percuté zm arbre a renversé urz passam. Ã
[O carro que bateu numa árvore atropelou um transeunte.]
4 —— La voiture qui a renversé un parxant a prcuté zm arbr.
`[O carro que atropelou um transeunte bateu numa
árvore.]
5 — La 1/Ožture a remzersé um passam] et percuté øm arbre.
[O carro atropelou um transeunte e bateu numa árvore.]
6 — La voiture a percuté urz arbre et rerzversé zm passam`.
» [O carro bateu numa árvore e atropelou um transeunte.]
É evidente que o sentido de cada uma dessas frases é sensivel-
mente diferente. Chamemos X o sentido de 1, e y o sentido de 2.
O sentido de 1 e 2 reunidos seria, então: x.y. (ou y.x.). O sen-
tido de 3 seria essencialmente y (X servindo apenas para qualificar
um dos elementos de y). O sentido de 4, inversamente, seria essen— a
cialmente x (y qualificaria somente um dos elementos de X). A
frase 5, para muitos falantes, parece dizer que o carro atropelou um §—
transeunte antes de bater numa árvore, isto é, que ela teria o sentido
,x e, em seguida, o sentido y. Contrariamente a ela, a frase 6 teria o ,
sentido y e, depois, X. Assim, se cada um dos exemplos comporta 1
as mesmas afirmações, eles não dão ênfase aos mesmos fatos e não
L pressupõem as mesmas coisas. Temos: 1Í_
12 reunidos: x. y. (ou y. x.) Ï
3: y. _
41 X. [ ` "
5: x, depois y.
_ 6: y, dpoix x. , “
124 ' I A ` a A
Parece, assim, que as transformações generalizadas incluem um——
problema sério na medida em que alteram o sentido das estruturas
profundas. Para explicar a recursividade — o encaixamento e a coor-
denação, portanto —, Chomsky propôs que se permitisse às regras
de reescrita da base introduzirem o símbolo F à direita das flechas.
]á no parágrafo precedente sugerimos uma regra de reescrita que
introduz a relativa por meio do símbolo QuF (quer dizer, "fraSe
começando por Qu"):
GN>DetfN—|—QuF
Podemos, agora, reescrever QuF em: '
QuF >eQu |— F ’
e desenvolver o símbolo F graças às regras de reescri que já co- d
nhecemos, o que permite obterá derivações infinitas, esquematizadas
pelo fragmento de árvore abaixo (para simplificar a representação
gráfica, omitimos por um lado toda a etapa da Subcategorízação e da
inserção lexical e, por outro lado, esquematizamos a regra de reescrita
dos SV em Tps —| V: é fácil comprovar que essas diferentes etapas
não são pertinentes para o nosso propósito, e tornariam a árvore
muito mais difícil de ler): .
F
SN\ · SV
NU/ ÏN Tps V È
Dgt N \QuP
d ` N,, GN Tps V
°**" Det N
Sing le Ímmme Qu Sing Zé? hommø pres IHISSØÏ pres chanter
125
7 7 7 (ri 7 -7 7/:::;
Poderíamos ter reescrito o GN da QUF com uma QuF, depois
o GN desta QUF com uma outra QuF, e assim por diante até O
infinito, descrevendo uma das manifestações da recursividade. A de-
rivação proposta chegaria à seguinte estrutura profunda:
sing + Ze | homme {— Qu —{— sing —§— le i— homme l pres
—{ passer —|— pres —i— chamer
[Sing —l O —{— homem —\— Qu —i— Sing + 0 |— homem + pres
+ passar —i— pres l— camar]
Para que essa estrutura profunda se transforme em uma estru-
tura de superfície, é preciso aplicar—lhe todas transformações afixo
e as transformações de concordância mencionadas no capítulo anterior,
de modo a obtermos:
Le —| homme —I— Qu + le —\— homme —{— passe \— chame. ~
Como temos dois SN idênticos ("le í hOmme" e ’le l— hOmme"),
podemos apagar o segundo e substituí-lo pelo morfema "_i" que marca
o sujeito, e que se acrescenta a Qu para formar Quí; temos, agora:
` le —i— homme —{— Qu + i }— passe l— chame.
[o —l homem | Qu —{ e -1- passa —\— canta.]
le {— homme + qui —{— passe ,| chame. .
[o —{— homem }± que —l— passa | canta.]
Observemos que essaS·diversas transformações só são possíveis
graças à identidade dos dois SN, um da frase matriz, outro da frase
encaixada. Se lidássemos com uma estrutura profunda sem SN idên-
ticos, como por exemploz `
le —}— homme }— Qu | le —|— Ožseau -| chame + passe
[O —l— homem \ Qu —{— o —l—- pássaro —|— canta —}— passa]
` não teríamos podido obter a estrutura de superfície, visto que não
poderíamos efetuar a transformação necessária, isto é, a relativização.
, A diferença relativamente à transformação ide relativização da
primeira formulação reside no fato de que o operador Qu e a frase
encaixada estão presentes a partir da base e no fato de que eles são
introduzidos por regras de reescrita. Mas as operações a efetuar —
excetuado, é lógico, o encaixamento —-— continuam a ser as mesmas:
apagamento do SN idêntico da relativa, e substituição por "i" se
ele for sujeito, e por "e" se ele for objeto, e adjunção deste elemento
126
Ï"""""”w
ao morfema Qu *. A transformação de relativização, cuja fórmula já
Í tínhamos apresentado em 3.2.2., nos quadros da primeira formu-
a ão, eve á a `ca -Se, e a o, so re as se üências era as eas
lçdrâlirdft b_ gdpl
regras de reescrita, e será reformulada do seguinte modo (lembrar
que X, Y, Z e W representam variáveis): (
X-|—SN—lY—}—QU—l—SN—|—SV—l—Z
123456«7
1—23-45-6-7- :> 1234li67
X—l—SN{—Y+QU+Z—|V—l—SN+\7(Í
1 2 3 4 5 6 7 8`
1-2-3—45-6-7-8 :> 1-2-34{—e56-8
Concebida dessa maneira, a transformação de relativização já
não é mais uma transformação generalizada que opera sobre duas se-
qüências, mas é uma transformação simples, que opera sobre uma
única seqüência e cuja aplicação ou não—aplicação está condicionada,
à presença ou ausência do morfema QU em uma estrutura. Ao mesmo
tempo, ela perde também o seu caráter de transformação facultativa
para se tornar condicionada à presença de um certo elemento, ou
seja, obrigatória nas seqüências que apresentem a análise requerida
para a sua aplicação.
Tomamos um único exemplo, que é, de propósito, simples, para
a finalidade de evidenciar as diferentes operações necessárias. De
fato é fácil de ver, graças ·àS regras de reescrita que introduzem
QuF à direita da flecha, que poderíamos, de modo igualmente fácil,
descrever frases infinitamente longas como:
Le garçon quž a rencomšré l'ÍJOmme qui Conmzît le médicín quí
fréquente le uotužr? qui est vem; cbez moí.
[O rapaz que encontrou o homem que conhece o medico que
fre üenta o tabelião ue veio à minha casa.]
(1 (1
Em casos semelhantes, seria preciso aplicar as diversas trans-
formações necessárias na frase encaixada, mais profunda, em seguida
na frase que lhe serve de matriz, depois na frase matriz desta última,
* As observações são válidas para o francês, em que é funcional a opo-
sição Qu + i (caso sujeito) vs Qu —|— e (caso objeto); já o português
acrescenta ao operador Qu um único *morfema "e". (N do T.)
( 127
e assim por diante, até a frase matriz, do conjunto, ou seja, em nosso [
esquema, à F4, e logo após à F3, à F2 e, enfim, à F1:
/F1\
/gN\ SV
/F2\
[ /SN\ SV .
/F3\
/SN\ SV
F4.
É, portanto, a base que se encarrega do fenômeno da recursividade. A
mesma demonstração poderia ter sido feita a partir de completivas
(eX.: Pierre peure que Pzul Croit que feuu ueut que que Mzrie
uiemie [Pierre pensa que Paul crê que ]ean deseja que que
` Marie venha]) ou de coordenadas (Pierre Cbuute eu Pzul imre
[Pierre canta e Paul dança]): deveríamos elaborar, então, regras
de reescrita capazes de permitir gerar tais frases, regras essas que
teriam, aproximadamente, a seguinte forma: ç
~ F —> F i— e —l F (para as coordenadas)
F —> SN —i— SV _ e [
SV _è V _I_ Que F {fpâfã S COI'l`1pl€Í1VS) _
. De fato, a noção de "transformação generalizada" já não tem
mais porque ser utilizada em uma gramática gerativa. Ela apresenta
defeitos sérios (Cf. o acima) e pode ser substituída com vantagem
` por uma ampliação das regras de reescrita. Estas traduzem a recur-
sividade permitindo introduzir o símbolo F não somente como raiz
das árvores, mas também na reescrita de certos constituintes. O
componente transformacional pode, pois, ser considerado como
um componente que inclui unicamente transformações simples, ou
seja, transformações que se aplicam a uma única seqüência, se esta
for analisável do modo requerido.
128
Í"""'°""`"
4.2.2. Os Co1~1s'r1'rU1N'rEs DE FRASE .
Da mesma maneira pela qual percebemos .;e transformações
generalizadas alteram o sentido das estruturas p::;;rdaS, percebemos
que existe um outro grupo de transformações que, tal como haviam
sido apresentadas na primeira formulação, implicavam certos pro-
blemas: referimo-nos às transformações que permitem passar de um
a outro tipo de frase, como a transformação passiva, a transformação
negativa, a transformação interrogativa, etc. »
A frase Pierre Cbzmte [Pierre canta] não possui, evidentemente,
o mesmo sentido que Pierre me Cbzmte pus [Pierre não canta] ou
que Pierre Cbamte-t-il? [Pierre canta?]. De fato, deveríamos dizer que
a seqüência Pierre pres —l Cbzmter não tem o mesmo sentido que
Pierre f— me —i pres —|— Cbzmter, etc. É que as transformações nega-
tivas ou interrogativas incluem um elemento novo, o que é incom-
patível com a afirmação de que as estruturas profundas por si só
contenham a informação semântica necessária para a interpretação
das frases realizadas, e que as transformações são simples procedi-
mentos formais que permitem obter diferentes estruturas de super-
fície. Yimos, contudo, que essa hipótese é a única apta para explicar
certos fenômenos como a ambigüidade.
A mesma comprovação poderia ser feita a partir de outras trans-
formações. Uma frase passiva não é nunca totalmente equivalente
à frase ativa que lhe corresponde. Se eu digo Um piétom a été rem-
Uersé par ume voiture [Um pedestre foi atropelado por um carro],
eu falo acerca do pedestre, dizendo O que foi que lhe aconteceu. Se,
pelo contrário, digo Ume voitmre z remversée mm piétom [Um carro
atropelou um pedestre], falo do carro, e digo o que foi que ele fez.
Uma correta análise semântica deve dar conta desses fatos, mas se
ela os leva em conta acabará por dizer que há uma diferença entre
a ativa e a passiva, e que foi a transformação que causou essa dife-
rença, já que ambas possuem a mesma estrutura profunda. Há, toda-
via, um fato mais notável, assinalado por Chomsky em 1965. Con-
sideremos as frases 1 e 2:
1 — Tous [es étmiizmts de Cette faculte Omt vm iemx filma: de
Z Goimi. { [
[Todos os estudantes desta faculdade viram dois filmes
de Godard.]
2 — Deux films de Goduri Omt été vu: par tom: lei étmiiømts
de eette faculté.
129
' —î
[Dois filmes de Godard foram vistos por todos os estu-
dantes desta faculdade.] ·
De acordo com a primeira formulação, as duas frases possuem
idêntica estrutura (SN, —}— Prux }— V —|— SN2), a qual se aplicaram
diversas transformações, além da transformação passiva, para obter
2. Tendo em vista que a interpretação semântica opera sobre a s
estrutura profunda, 1 e 2 deveriam ter o mesmo sentido. No en-
tanto, isso é falso, pois 1 pressupõe que cada estudante viu dois
filmes de Godard, mas não especifica se todos os ·estudantes viram
os mesmos dois filmes (O que parece improvável, penso) ao passo
que 2 afirma que há dois entre os filmes de Godard que foram
vistos pelo conjunto dos estudantes. Chamemos z, [7, C, d e e os
filmes de Godard. A frase 2 significa por exemplo que z e d foram
vistos por todos os estudantes, e a frase 1 significa que um estu-
dante viu z e 5, um terceiro z e e, outro ainda 5 e C, etc. O exemplo
de Chomsky era:
1’ — Tout le mande dum Cette pžèce eomzzît au molas deux
lmgue:.
[Todos neste cômodo conhecem pelo menos duas línguas.]
2’ Deux lmgue: zu moim som CO7mu'.v de tout le mande
duas Cette pžèce. ·
[Duas línguas pelo menos são conhecidas por todos neste
cômodo.]
A fim de conservar o princípio da análise transformacional e
para o efeito de fazer com que as transformações não incidam sobre [
o sentido, Chomsky propôs, em seguida a Klima, Katz e Postal (que
trabalharam com as interrogativas e as imperativas) reformular as
regras de base de modo que os elementos de sentido que eram intro-
duzidos pelas transformações na primeira formulação estivessem já
. presentes a partir da estrutura profunda. Para tanto, é preciso con-
siderar que as frases estão formadas por um núcleo e por um cons-
tituinte de frase que pode ser "afirmativo", "passivo", "negativo",
“interrogativo", etc. Vejamos alguns exemplos:
3 Le gzzrçon fmppe la fille.
[O rapaz agride a moça.]
4 — La fille est frzppée par le garçom
[A moça é agredida pelo rapaz.]
130 `
1 5 — Le garçom 7z fmppe pz: Zz filie. M ,
[0 rapaz não agride a moça.] `
6 — Le zrçon rz '-Í-il la žlle?
Š.
[O rapaz agride a moça?] 1
A frase 3 é formada por um núcleo que é "SNl |— AuX l— V —{—
SN2" e pelo constituinte "afirmativo". A frase 4 é formada por um
núcleo que é "SN, —\— AuX —}— V + SN2", mais o constituinte afir-
mativo", ao qual se acrescenta o constituinte "passivo". A frase 5
é formada pelo núcleo "SN, + AuX —{ V —}— ’SN2" mais os consti-
tuintes "afirmativo" e "negativo". A frase 6 é formada por um
núcleo que é "SN, —|— Aux | V —} SN2" mais o constituinte "inter
rogativo" ("afirmativo" e "interrogativo" se excluem, naturalmente).
Dessa maneira, a relação entre essas diferentes frases é mar-
cada, já que elas possuem o mesmo núcleo, e suas diferenças provêm
do fato de não terem elas os mesmos constituintes de frase. Todavia,
para que estejam presentes na estrutura profunda, os constituintes
devem ser introduzidos pelas regras de baSe,1cOisa que levou à refor- ,
,., — . I
mulaçao ——— que a seguir veremos — das regras de reescrita.
Seguindo Dubois (1970), chamemos à frase Z, ao constituinte
da frase "Const", e ao núcleo F; as regras de reescrita necessárias são:
Z †> Const -}— F
F —> SN }— SV 1
o que permite construir as derivações que produzem as estruturas
profundas de 3, 4, 5 e 6, representadas pelos indicadores 3’, 4’, 5’
e 6’ (tais indicadores serão abreviados ao máximo):
/S\
Const /F\
` SN Sî
Afirrnativo o rapaz agride a moça
131
"Y
COnSt /F\
/ SN SÍÍ e
Afirmativo Passívø 0 1‘8·P8Z agride a moça
/\
Const /F
SN SV V
|eI
À Afirrnativo Negativc. 0 rapaz agride a moça
/€\
COnSt /F\
I \ SN Sïf
. Interrogativo ,0 rapaz agride a moça
Nessas COHCÍÍÇÕS, 38 ÍIQHSÍOIIÏIZÇÕCS passiva, I'1€g21ÍÍV21 C Í1’l'£€1îIO
gativa já nãO pOdem mais ser Consideradas como transformações
facultativas, mas cOmO transformaçõe Obrigatórias condicionadas pela
pI`€SC1'1Ç do IT1ã1‘C2\dOI do I1’16SIDO—1'1OII1C. ,
132 4 I
Y*’”""
Omitimos uma etapa nessa apresentação: a da reescrita do conså
tituinte da frase. Com efeito, é necessário indicar uma regra que
introduza "afirmativo", "negativo", "interrogativo", É preciso acres-
centar a esses constituintes "enfático" e "imperativO’Ï, que corres-
pondem respectivamente às frases 7 e 8, e são introduzidos nos indi-
cadores sintagmáticos 7’ e 8’: —
7 - C’e:t Z garçom quž fmpp la filie. _
[E o rapaz que agride a moça.]
8 — Fmppe lu fílle 10.
[Agride a moça.]
Const F `
/ \ SN SV
Afirmativo Enfático 0 rapaz agride a moça
Const /I\
I 'SN Sff 1
Imperativo nãOeSpecificado mas agride a moça
contendo O traço
· [| 2.â pes Sing]
. Seria possível supor que uma regra reescrevesse Const sob a
forma de um dos diferentes constituintes à escolha. Na realidade,
é preciso considerar as combinações possíveis ou impossíveis dos
constituintes entre si. Conservando ainda os mesmos exemplos, eX— l
perimentemos as diversas combinações possíveis: °
10. Nesse caso, o sujeito não está realizado na estrutura de superfície,
mas ele possui na estrutura profunda. O traço [}— 2.* pes sing], por exemplo,
a fim de permitir a aplicação das transformações de concordância e a inter— `
pretaço semântica.
. 133 ·
—- Afirmativo: Le garçom frappe la fille. [O rapaz agride ai
moça.] ·
—— Interrogativo: Le garçom frappe—t—il la fille? [O rapaz agri-
de a moça?] A
—— Imperativoz Frappe la fille. [Agride a moça.]
[ -—— Afirmativo |— negativo: Le garçom me frappe par la fille.
[O rapaz não agride a moça.] .
—— Afirmativo —|— enfático: C’eSt` le garçom qui frappe la fžlle. [
[.É O rapaz que agride a moça.]
Q ——— Afirmativo —}— passivo: La fille est frappée par le garçom.
[ [A moça é agredida pelo rapaz.]
—— Interrogativo + negativo: Le garçom me frappe-til pas
la fille? [O rapaz não agride a moça?]
— Interrogativo —| enfático: EJÍ-Ce le garçom qui frappe la
fille? [VÉ O rapaz que agride a moça?]
— Interrogativo —l— passivo: La fille m'eSz—elle par frappée par
le garçom? [A moça não é agredida pelo rapaz?]
— Imperativo —} negativo: Ne frappe pas la fille. [Não agrida
a moça.]
-—— Imperativo + enfático: Toi, frappe la fille. [Tu, agride a
moça.] , “
` — Imperatívo + passivo: Sois frappée par le garçom. [Sê
agredida pelo rapaz.] `
—— Afirmativo —| negativo | enfático: C’est le garçom qai
' _ ne frappe pa: la fille. [É o rapaz que não agride a moça.]
— Afirmativo l— negativo + passivo: La fille m’eSt par frappée
par le garçom. [A moça não é agredida pelo rapaz.]
—— Interrogativo —{ negativo ,— enfático: Est-Ce que C’eSt le _
garçom qai me frappe par la fille? [Será que é o rapaz que
não agride a moça?] ·
' — Interrogativo —|— negativo —{— passivo: La fille m’estelle pas
frappée par le garçom? [A moça não é agredida pelo rapaz?]
« — Afirrnativo —] enfático —\— passivo: C'eSz la fille qui est
frappée par le garçom. [ÇÉ a moça que é agredida pelo rapaz.]
— Interrogativo |— enfático —]— passivo: E:t—Ce la fille qai est
frappée par le garçoa? [Será que é a moça que é agredida
_ pelo rapaz?]
V — Imperativo —{ negativo —i— enfático: Toi, me frappe pa: la fille.
[Tu, não agridas a moça.] [
— Imperatívo | negativo —|— passivo: Ne sois pas frappée par.
' _ le garçom. [Não sejas agredida pelorapaz.]
134
'È""°°°-Y
— Imperativo -1- enfático l passivo: Toi, sois frappée ~par le
garçori. [Tu, sê agredida pelo rapaz.] > `
— Afirmativo | negativo —}— enfático —| passivo: C'eSt la fille
[ qui 7z’e:t par frappée par le garçom [É a moça que não foi
agredida pelo _rapaz.] _
— Interrogativo ~| negativo + enfático —1 passivo; E.vt’Ce la
fille qui 71’eSt par frappée par le garçori? [Será a moça que
não foi agredida pelo rapaz?]
— Imperativo —|— negativo —}— enfático + passivo: Toi me sois
pa: frapée par le garçom. [Tu, não sejas agredida pelo
( rapaz.] _
São impossíveis outras combinações dos constituintes de frases:
afirmativo e interrogativo se excluem, interrogativo e imperativo
também, etc. A partir desses exemplos isolamos a regra de reescrita
do constituinte de frase que tomamos emprestado de Dubois (1970):
Afir
Const -> flnterl —| (Neg) —i— (Enf) —} (Passivo)
Imp
Citando Dubois: "Essa fórmula significa que o· constituinte de
frase Const é formado por um elemento obrigatório que é ou Afir-
(abreviatura de afirmação), ou Inter (abreviatura de interrogação),
ou Imp (abreviatura de Imperativo), mais constituintes facultativos
que são Neg (abriviatura de Negação), Enf (abreviatura de ênfase)
«e PasSivO." Aplicando todas as possibilidades de combinações per-
mitidas por essa regra, vemos que é possível explicar os diferentes
exemplos acima propostos.
Graças a essa concepção, tende a desaparecer a distinção entre
,"transformaçõeS obrigatórias" e "transformações facultativaS". Quan-
do uma estrutura profunda possui um certo constituinte de frase, ou
uma combinação de constituintes de frase, as transformações corres-
pondentes devem ser necessariamente aplicadas. Assim, se estivermos
em presença da seqüência:
Afir |— Passivo l le —i garçorz |— frappe —} la'-}- fille
[Afir } Passivo-}- o —{ rapaz —} agride { a —{ moça]
somos obrigados a aplicar as transformações afirmativa e passiva a
ih; de obter uma correta estrutura de superfície. A transformação
· , 135
—† Y
afirmativa consiste em introduzir urna entonação afirmativa na se- «
qüência de superfície, e em apagar O constituinte Afir na
Aüx + X + F —
123
1-2-3 :> 2-3—Entonação afirmativa.
Quanto à transformação passiva, demos o princípio do seu fun-
cionamento no capítulo anterior. Ela continua a ser aproximadamente
a mesma, à parte o fato de que ela deve, agora, apagar o constituinte
Passivo:
X+Passivo—l—SN1—l—AuX{—V+SN2—l—Y·
1234V567
1—2-3—4-5—6-7- :> 1-6-4-ser —l— pres-5-por-3-7
As estruturas profundas 1a e 2a, correspondem, pois, após a
aplicação das transformações necessárias, às estruturas de superfície
lb e 2b que lhes foram associadas 12:
la: Afir 4- l l garçom —l— frapp + la l fille
. 1b: LE { garçoa } frappe -l— la |— filie 4- entonação afirmativa.
ç_\, ppppp Za; Afír l passivo —|— Ze —|— garçon —l— frappe | la 1— fžlle
2b: La —| fílle + être | frapper | pp + par l— le + gar-
çoa —l— entonação afirmativa. ·
DO mesmo modo, podemos reformular a negação de forma a
descrever os constituintes da frase 13: *
_ X{—NeglY—|AuX|V—}Z
123456
' 1-2-3-4-56 :> 1-3-ne-4-pas-56
1 Se a estrutura profunda gerada pelas regras da base é 3a, as
transformações afirmativa e negativa serão aplicadas e darão auto-
maticamente a estrutura de superfície 3b:
11. Para maior precisão, cf. Dubois (1970).
12. Simplificamos ao extremo: seria preciso introduzir os rnorfernas
No, Tps, etc., e utilizar as transformações afixo e de concordância.
13. Trata-se, repetimos, de uma fórmula demasiado simples da trans-
formação negativa, a qual não se limita só ao rnorfema "ne-pas".
136
3a: Afir —l Neg —]— le + gurçon —| fruppe —]— lu -| fille. Ñ .
3b: Le + gurçon \ ue ] fruppe ï]— pus —| lu | fille + ento-
nação afirmativa.
Se a estrutura profunda gerada pela base for 4a, então deverão
ser aplicadas a transformação afirmativa, em seguida a transformação
passiva, e, enfim, a transformação negativa:
4a: Afir ]~ Passivo —]— Neg —]— le }— gurçon —l fruppe l lu —|—
~ fille.
4b: Lu l— fille —]— iie + être l pus —}— frupper —}— pp —| pur ~
—l— le l gurçon —{— entonação afirmativa. p
De fato, essa apresentação da reformulação das transformações
não esgota 0 problema, e várias outras transformações deveriam ser
consideradas no quadro da teoria padrão. Tomaremos apenas o
exemplo da transformação impessoal, que permite obter as estru-
turas de superfície subjacentes a frases como 5 e 6:
5: Il urrive um fruiu.
[Chega um trem.] ,
6: Il pleuzf der Corles.
[Chove canivete.] 7 ' _
Admite-se geralmente que 5 tem relação com 7: V
N 7: Uu t7'ui7z urrive. ‘ — e
[Um trem chega.]
I
e se coloc entre 5 e 7 (ou melhor, entre 7 e 5) uma transformação
impessoal que opera aproximadamente do seguinte modo: ’
t SN l V I~ X _ o
123É
1-2-3 => i1—21—3
` Para engendrar a frase 6 acima (Il pleut de: Corde: [Chove
canivete]) não possuímos regra de reescrita, mas, a fim de mostrar
a relação que existe entre 5 e 6, certos lingüistas propuseram intro-
duzir 6 a partir de uma estrutura profunda que teria, grosso modo,
a forma 8, e para a qual possuímos regras de reescrita: >
8: de: —}— corles —} pleuvoir
N
137
à qual dever-se—ia obrigatoriamente aplicar a transformação impessoal i
proposta acima, o que daria: a '
der —{— cOra'er —}— pleuvoír I `
íl —| pleuvoír 4- der Corder. , —
Mas, no quadro de uma reformulação das transformações do e
tipo das que acima expusemos, seria necessário sem dúvida introdu-
zir um constituinte de frase a que chamaríamos "impessoal" (abre-
viatura: impes), o qual permitiria gerar as estruturas profundas 9a
e 10a subjacentes a 9b e 10b:
» 9a: Afir | Impes + um i— traím —{ arríve.
9b: Il }— arríve —|— um + traím —|— entonação afirmativa.
10a: Afir 4- Impes l— der 4- Coraler + pleuvoír.
10b: Il —{— pleut + der —i Coríer —l entonação afirmativa.
Desse ponto de vista, a transformação impessoal considerada
a teria, então, a seguinte forma:
X—|—impes—|—SN|V—}Y
123“45
1-2-3-4-5- => 1-il435 `
Trata-se apenas de uma_ exemplificação, já que um estudo apro-
fundado da transformação impessoal deveria considerar numerosos
fenômenos, entre os quais citaremos os mais evidentes:
— O SN deve conter um determinante não definido (Il arríve '
um traím / * íl arríve le traím).
Se esse determinante é definido, deve-se acrescentar uma rela-
tiva (ou um outro qualificativo) para que a frase fique correta
(Il arríz/a alorr la Chore que tu raír / * íl arríua alorr la chore
[Aconteceu então o que sabes / * aconteceu então 0 que]).
— Certos verbos somente são susceptíveis de entrar em Cons-
truções impessoais:
- — Um traím arríue / íl arríz/e um traím.
— Um traím roule / " íl roule um traím..
— Um traím fume / * Il fume um traím.
138
\\ 7
-— A estrutura do SN à esquerda do verbo desempenha, sem
dúvida, um papel, já que se pode dizer a, mas não bz
a) I! me c!ígmOte aucum feu dam: !a 1/í!!e.
b) * I! clígmote um feu dam: !a 1/í!!e.
— Certos verbos transitivos que não podem entrar em frases
impessoais podem fazê-lo no caso de serem precedidos por
ÅÍSJÍ: I
— * I! hoít um bom petít vím chez Pau!.
— I! se hoít um hom petít uím chez Pau!._
— Parece impossível combinarse a coordenação com a trans-
formação impessoal em Certos casos, pois encontramos a e b
separados, mas nunca C, sendo possível, no entanto, dizer da
a) I! arríue um traím chague rmímute.
b) I! repart um traím chague rmímute.
c) * I! arríue et repart um traím chague rmímute. “
d) Um traím arríue et repart chague rmímute.
. . — EncontramSe, também, exemplos como a, a seguir, os
quais São, por outro lado, equivalentes a bz
a) I! arríue gue Píerre uíemme.
b) I! arríz/e ž Pierre de vemír.
— Certos verbos são empregados sem nenhum SN à esquerda:
ïl pleut [chove], I! meige [neva], etc. Deve-se nesses casos
supor que há na base um SN nulo, tendo em vista que tal
coisa exigiria que a regra de reescritatsdomšhksejamompl;- de e
. mentada mediante a adição de um constituinte Ø à direita
“ da flecha? ,
— A frase a, abaixo, tem relação com as frases b e C, que são
equivalentes, mas por que d e e não são possíveis?:
_ a) Um ímspecteur pourraít vemír aujOuraÏ'huí.
[Um inspetor poderia vir hoje.]
b) I! pourraít uemír um ímspecteur auj0ur!’huí.
[Poderia vir um inspetor hoje.]
C) I! Je pourraít gu’um ímspecteur víemme aujOur!'huí.
[,E possível que um inspetor venha hoje.]
139
d) * IZ pourruít qz/urz Žmpecteur viemze dZljOüí‘d)Í7üÍ.`.
e) * Il se pourrzžt verzžrzm žrzspecteur zujOurdÍJui.'
— Expressões como réflécbír ž [ponderar], džscuter de [dis-
cutir acerca de], débattre de [debater] não podem entrar
em frases impessoais a não ser que o constituinte pas_sivo
seja também escolhido: `
— Il z été réflécbž ž Cette question.
[Essa questão foi ponderada.]
— II a été débzztu de Ce problema ‘
[Esse problema foi debatido.] A
4 etc. [ _
V Essa lista de fenômenos relativos à frase impessoal não é exaus-
tiva, havendo muitos outros casos que requerem uma melhor obser-
vação a fim de que possamos, em seguida, formular com precisão a
transformação impessoal. Gaatone 14 e Martin 15 tentaram considerar È
a maior parte dessas observações para estabelecer regras que per- j
mitiss-em gerar as estruturas de superfície subjacentes às frases im 1
pessoais. Notemos, entretanto, que seus estudos deixam ainda muitos
problemas sem solução. Contudo, eles estão entre os poucos que'
tratam do modo correto — se bem que fragmentário — a constru
ção impessoal em francês contemporâneo. Não temos, aqui, a ambição
de propor respostas para tais problemas. Desejamos, unicamente,
mostrar que os fatos da língua são aparentemente muito complexos,
podendo, porém, receber um tratamento que descreva a regularidade
que a eles subjaz _( ver 1.1.2.), Tais fatos devem ser observados,
descritos, compreendidos, e explicados pelolingüista, exatamente como
o físico deve observar, descrever, compreender e explicar o mundo. ·
4.3. RECAPITULAÇÄO: o MECANISMO NA TEoR1A—1>A1>RÃo
.É justamente para explicar os fatos de língua de um modo mais
adequado e mais completo do que O das gramáticas tradicionais e
estruturais que a gramática gerativa se coloca como um mecanismo
que opera do seguinte modo:
14. GAATONE David: "La transformation impersonnelle en fra.nçais", .
in Le Françaís Modeme, n.° 4, Ed. d’Artrey, outubro 1970.
‘ 15. MARTIN: "La transformation impersonnelle", in Rez/ue de Línguis-
tzque Romane, tomo 34-, julhodezembrO 1970.
140
vF•""" _
\L
a) AS regras de reescrita permitem gerar seqüências catego-
riais cada uma das quais indiciada por um indicador sintagá
“ ` mático. `_ V
b) As regras de subcategorização desenvolvem as categorias
das seqüências geradas pelas regras de reescrita acima alu V
A didas em símbolos complexos formados por uma série de
traços inerentes e contextuais. As regras de subcategoriza-
ção são não-contextuais ou são contextuais. Se são con-
. textuais, podem, então, ser ou regras de subcategorização
s estrita, ou regras -seletivas.
C) As regras chamadas de "Transformações de substituição le-
Xical", a partir de um léxico concebido como uma lista não
ordenada de entradas léxicas (D C) sendo D uma matriz
de traços fonológicos e C uma matriz de traços sintáticos,
permitem substituir qualquer símbolo complexo gerado pe— e
las regras a e b acima por D se ele for equivalente a C. A
seqüência obtida pela aplicação das regras a, b e c, toma
o nome de estrutura profunda. A estrutura profunda con - l
, têm todos os elementos necessários ao sentido da frase.
d) As transformações convertem as estruturas profundas em
estrutura: de ruprfície (ou estruturas superficiais), pron-
tas para receber uma interpretação fonológica. As trans~
formações são procedimentos puramente formais e não de-
vem alterar o sentido das estruturas profundas.
e) As regras de interpretação semântica, que aqui apenas assi-
' nalamos, aplicam-se sobre as estruturas profundas para expli-
citar—lhes o sentido (cf. O último capítulo).
f) As regras fonológicas apliCamse sobre as estruturas de su-
perfície para o efeito de elaborar-lhes uma interpretação
fonológica. Tal como no caso anterior, não fizemos mais
, * do que menciona-las: a exposição do seu funcionamento
. requereria por si só um outro livro.
Em resumo, a gramática está formada por três componentes: a
sintaxe, a semântica e a fonologia. A semântica e a fonologia são
unicamente interpretativas. A sintaxe gera as estruturas sobre as
quais os dois componentes anteriores se aplicam, e indica o modo
pelo qual estes se relacionam. Para esse efeito, a sintaxe é formada
de um componente de base (subcomponente categorial —|— SubcompO
nente lexical), e de um componente transformacional. Tudo isso
pode ser representado no esquema a seguir:
141
L
Regras de .
reescrita. _
8
Š R Regras ·
ŠÄS de subcate-
Š ë gOr1zaçaO
U Regras
O lexicais Componente semântico
U
'ZJ
`f
_E Estrutura profunda \

Q \" Re ras de
—.· _ Š « _ Interpretaçao
x xnterdreteçao semântica
g Semaxmca
C.
{E.
O
OT ~
8ŠV‘
=':
É =<= - 4
à Š Transformaçoes
U
S—•

Estrutura de superfície
ll \\
\
Rešms d Interpretação
“`œIP`Ét?9"·° fonológícz.
fOnOIOg1ca

× Componente fOnO1ógíc0
Semelhante gramática, pela própria estrutura das regras que ela N
utiliza, preenche o objetivo a que se propõe: ela é um mecanismo
finito capaz de gerar um número infinito de frases, a saber todas as
frases gramaticais potenciais do francês (e de outras línguas naturais),
e unicamente aquelas que são gramaticais. Elaultrapassa, portanto, a
concepção descritiva, classificatória, taxinômica, das gramáticas tra-
dicionais e estruturais, e se propõe como um modelo da competência.
Não há dúvida de que inexiste um procedimento para descobrir
a melhor gramática: foi através de estudos sucessivos, através de
reajustamentos que se tornaram necessários em vista do tratamento
de tal ou qual ponto particular que se constituiu, gradualmente, 0
método da gramática gerativa transformacional de Chomsky. Muitos
problemas continuam sem solução — assinalamos o das frases impes-
soais — e o seu eXame obrigará os lingüistas a reconsiderar tal ou
qual ponto da teoria, ou a propor novas hipóteses. É, todavia, isso, “
precisamente, que constitui, para a Lingüística, uma prova de valor,
de dinamismo e de rigor.
E a despeito de a teoria padrão datar apenas dos meados da dé-
cada de sessenta, Chomsky e seus discípulos já puderam demonstrar
alguns dos defeitos por ela apresentados no estudo de certos fenôme-
nos lingüísticos e, graças a isso, evidenciaram algumas das suas ina-
dequações. Alguns de seus discípulos chegaram a aprimora-la e a
dar—lhe outro alcance e outros vieram a rejeita-la, elaborando um
modelo de competência que é por eles apresentado como radical-
mente oposto ao modelo chomskyano.
Aproximamo-nos, nesseqparticular, de um aspecto especialmente
sensível da pesquisa lingüística, que opõe os partidários da teoria-
-padrão aos "semanticiStas gerativistas". No transcurso do próximo
Capítulotentaremos apresentar as linhas gerais desses desenvolvimen-
tos recentes, focalizando "a hipótese leXiCalista" de Chomsky, a sua
concepção da "teoria—padrão expandida" e, por último, a teoria da
"semântica gerativa" defendida por lingüistas como Mac Cawley,
Lakoff, Postal,-e severamente criticada por Chomsky.
143
, CAFÍTULO 5
DESDOBRAMENTOS RECENTES
DA GRAMÁTICA GERATIVA s
“Os trabalhos efetuados nos últimos anos re-
velaram Certas inadequações reais da teoria-padrão,
e a maior parte do debate teórico da atuali-
dade tem O objetivo de superar alguns desses pra-
blemas.” V ·
CHOMSKY (1970)
A HIPÓTESE LEXICALISTA Ä
5.1. VÁRIAS SOLUÇÕES PARA UM PROBLEMA
5.1.1. ENRIQUECIMENTO E SIMPLIFICAÇÄO DOS DIVERSOS
COMPONENTES
Se nos colocarmos no quadro da teoriapadrão tal como a eXpu-
semos no capítulo 4, devemos observar que há várias maneiras de
gerar as frases francesas. Supondo que devêssemos gerar as duas
frases a b C e z C b, podemos fazê-lo apenas com o auXílio do com-
ponente de base, ou seja, colocando as duas regras a Seguirlz
R1: F > a b C
R2: F > a C b V _
Poderîamos, também, simplificar o componente de base man-
tendo, apenas, a primeira das duas regras de reescrita acima, e Colo-
Car uma transformação do tipo:
abc—
123
. Tí: 1-2-3 => 1-3-2
Esse procedimento representa de modo grosseiro o tratamento
que se dá à interrogação por inversão. De fato, contudo, nesse caso
abstrato, nenhum argumento teórico permite escolher uma das duas
soluções. O que vai determinar o que será mantido e o que será
rejeitado são unicamente argumentos empíricos. Se, por exemplo,
— 1. Por amor à clareza simplificamos consideravelmente. É evidente que
seria necessária a interferência dos diferentes subcomponentes da base, os
componentes interpretativos, etc. Cf. o esquema no final do capitulo 4.
146
Yl
l
1
as frases ùz b C e z C [7 possuem o mesmo sentido, pode parecer pre-
ferível derivá-las uma da outra mediante a transformação Ti da"
hipótese. Se, por outro lado, o esquema da transformação em causa
(ou seja, neste caso, a inversão de dois constituintes) revelar-se útil
em outros casos além do presente, torna-se interessante adotá-lo para
compreender a relação que eXiste entre as nossas duas frases. Se Ti,
contudo, for útil apenas para o caso que aqui nos preocupa, então
convém lembrar que é sempre desaconselhável criar uma nova trans-
formação, já que tal coisa importa em umgaumento considerável do
mecanismo-gramática, dificulta o seu manejo e acaba sendo, afinal,
pouco revelador do modo como funciona. a competência.
Sem ir mais longe, observemos que estamos, teoricamente, diante
de, pelo menos, duas soluções para descrever as frases z b C e z C [7.
Chamemos a primeira de "solução sintagmátiCa" (ela se vale das
regras de reescrita ou regras sintagmáticas) e chamemos a segunda
de "solução transformacional" (ela se serve de uma transformação).
A escolha da solução sintagmática permite simplificar o componente
transformacional, já que nesse caso não necessitamos da transfor-
mação Ti; mas ela implica na complexificação do componente de
base, O qual deve possuir as duas regras R, e R2. Mas, pelo contrário,
a opção pela solução transformacional, se permite simplificar a base
(que possui apenas Rl) complexifica o componente transformacional
ao acrescentar Ti às demais transformações que ele contém. Há, de
algum modo, um equilíbrio entre os dois componentes. Esse equilí-
brio não é gratuito, porém, de modo que só argumentos empíricos
bastante sólidos devem nos levar a decidir por um ou por outro. .
Tomemos um eXemplo concreto, o do passivo. A relação entre
as frases passivas e ativas é uma das que mais têm sido debatidas.
Para o efeito único de ilustrar as reflexões anteriores, examinemos,
sem discutir os seus fundamentos, duas das apresentações que Choms-
ky faz da passiva. Em uma primeira etapa, Chomsky fez as passivas
derivarem, mediante uma transformação, das ativas correspondentes.
A transformação passiva tem, aí,`a forma:
SN, + Aux 4- V —[ SN2
1234
1-2-3-4 :> 4-2-ser + pp—3—por-1
Mas Chomsky mesmo afirma (1965) que semelhante transfor-
mação se fez ud ÍJOC, apresentando vários defeitos: e · .
147 W
—— Ela introduz por sem especificar de onde provém esse ele~“
mento. . '
— Ela não pode ser aplicada a todos os verbos transitivos;
obServaSe, com efeito, que se os exemplos z, a seguir, são
gramaticais, não o são os exemplos ZJ que lhes correspondem:
a: Pierre a me vožture. 4
b: * Uzze 2/Ožture est eue par fem.
a: fea/1 épouse jezrme.
b: * jeume ert époz/Xée par fem. -
a: Pzul père Cem kilor. _
bz * Cem Íeílox Somf peses par Pau!. '
— A frase assiva nem sem re tem o mesmo sentido ue a
'P
frase ativa correspondente:
qcz Tous [es étudimts Omf ou zm der films de Godzrd,
[Todos os estudantes viram um dos filmes de Godard.]
s d: Un de: films de Godzrd z été zzu par tous ler étudžmts.
[Um dos filmes de Godard foi visto por todos os es-
tudantes.]
c: Dm: Cžnq mžmztes, je mmge ma soupe.
[Em cinco minutos, tomo minlia sopa.]
d: Dm: Cžnq mžrmtes, ma Soupe est mmgée.
[Em cinco minutos, minha sopa está tomada.]
Por outro lado, Chomsky observa que os verbos transitivos que
admitem livremente o passivo admitem também livremente ser mo- ‘
dificados por um advérbio de modo, ao passo que os verbos que não
admitem a forma passiva parece não admitirem o advérbio de modo:
rapždement
— *]em époure gentžmeut fezmze
fžèvreurement `
Por isso, ele propõe dar conta dessa similitude colocando como
estrutura profunda dela uma seqüência que introduziria facultativa-
mente um morfema chamado "pasSivo" ou um advérbio de modo, a
qual se oporia a uma seqüência que não introduziria nem um nem
outro. Só os verbos que admitem a forma passiva (e, portanto, tam-
148 A
bem um advérbio de modo) poderiam integrar a primeira seqüência,
ao passo que umcamente os verbos como épouser ou pesar integra-
riam a segunda. , _
Voltemos ao passivo, isto é, à primeira dessas seqüências. Cha-
mamos "pOr passivo" o elemento passivo anteriormente pressuposto.
A seqüência em tela teria, assim, a seguinte forma:
(1) — SN1 —{— AUX | V —|— SN2 (por passivo)
Convém assinalar que "pOr passivO" é facultativo. Se optarmos
pela sua não-realização estaremos, então, diante de uma estrutura
que subentende uma ativa: `
(2) — SN, —|— AuX —l— V —l~ SN2
une voiture a renverse un pieton
Se optarmos pela sua realização, é necessário e bastante fazer
incidir sobre a seqüência (1)~~as seguintes operações, a fim de obter
uma estrutura de superfície correta:
— "passivoÏ’ é apagado.
— SN1 toma 0 lugar de "passivO". .
— SN2 toma o lugar de SN1.
Aux deve ser realizado por Tps |† ser .+ pp.
Seria preciso, evidentemente, traduzir essas operações em ter-
mos de transformações. Mas observemos que, com o segundo trata-
mento do passivo, Clromsky simplificou o componente transforma-
cional, já que ele suprimiu a necessidade de uma transformação pas-
siva; mas, em contrapartida, ele teve de tornar mais complexa a base
propondo-lhe novas regras de reescrita que introduzem "por passivo".
No entanto, devemos ter em mente que as duas formulações não
são equivalentes, existindo argumentos que nos obrigam a escolher
uma delas de preferência a outra. No caso do passivo, a dificuldade
de explicar o aparecimento de "pOr", O fato de O passivo não se
aplicar a todos os verbos transitivos, 0 fato de a ativa e a passiva
nem sempre possuírem o mesmo sentido, e a existência de uma seme-
lhança de comportamento dos verbos transitivos perante o passivo
e o advérbio de modo, induziram Chomsky a apresentar uma solução
sintagmática contra a solução transformacional, habitualmente aceita.
Não é nosso propósito, aqui, optar por uma ou outra solução.
Assinalemos, simplesmente, que os argumentos negativos de Chomsky
149
(que expõem as dificuldades implicadas na solução transformacional) `
são ponderáveis, mas parece que há verbos transitivos que admitem
ser modificados por um advérbio de modo (cf. os exemplos abaixo)
sem, no entanto, admitir O passivo (cf, os exemplos b):
a — fazy Counm (mpždemem) le Cem mètres. ‘
b — * Le cem mètre: étm coam (mpiíemem) par fzzy. Ä
a — Pau! a Czssé Sa pipe Z’u7¢e mømère effmyzme.
b — * Su pipe z étéuczsrée par Pau!. . . . e (
De fato, essa segunda formulação do passivo raras vezes foi con-
siderada satisfatória pelos lingüistas franceses. Não a analisaremos,
aqui, nos seus pormenores: para adotar uma decisão seria necessário
estudar muito mais detalhadamente os problemas que O passivo sus-
cita. Observe-se, aliás, que certos pontos que são problemáticos
nos quadros da teoria-padrão (cf., acima, a questão das passivas
que não possuem o mesmo sentido das ativas que lhes correspondem),
já nenhum problema apresentam quando os situamos no âmbito da
teoriapadrão expandida (cf. 5.2.), o que retira algum peso à se-
gunda hipótese de Chomsky. Seja como for, é bom notar que a
gramática gerativa possibilita dar dois tratamentos, pelo menos —
O Sintagmático e o transformacional — aos fenômenos lingüísticos.
Há, de fato, uma terceira solução, que não tinha sido explorada ante-
riormente a Chomsky (1967) e que será denominada, daqui por
diante, de "hipótese leXiCalista".
5.1.2. SITUAÇÄO DA HIPÓTESE LEXICALISTA
já vimos que, quando existe uma semelhança de sentido entre _
duas estruturas, é preferível supor que ambas possuem a mesma
estrutura profunda e, portanto, como regra geral, é preferível derivar
uma da outra por meio de uma transformação. Desse modo, as duas
seqüências abaixo: d
[ 1 — Le dírecteur z refusé.
[O diretor recusou.] .
2 — Le 7'efus da lžrecteur.
[A recusa do diretor.]
são habitualmente consideradas como possuidoras de, respectivamente,
1’ e 2’ na estrutura profunda (em que "nom." significa ‘marcador
de nominalização", sendo a nominalização a transformação de uma
frase em sintagma nominal):
150
`*""
1’ — Det ] N —| V ` ,_
2’—nom.—I—Det—]—N—iV .
O marcador "nom." ordena uma transformação de nominali-
zação que ocorre mais ou menos do seguinte modo:
nom.lDet—lN—1V
1234
1-2-3-4- => le—4-de-2-3
e que permite obter a frase 2 anterior (Le refus žu dircteur).
Isso representa o que já chamamos de solução transformacional
do problema. A solução Sintagmática teria consistido em gerar a
frase 2 diretamente, por meio de uma regra de reescrita, mas tal coisa .
não explicaria a relação semântica existente entre 1 e 2. Na realidade,
as duas seqüências possuem quase o mesmo sentido, residindo a unica
diferença entre elas na diferença existente entre os elementos lexicais
refu: [recusa] e rfuser [recusar]. Uma terceira solução consistiria,
portanto, em propor uma formulação capaz de traduzir tanto as se-
melhanças quanto as diferenças entre tais elementos e, desse modo,
as semelhanças e diferenças entre as duas seqüências.
Semelhamce formulação teria sido impossível na primeira versão
da gramática gerativa (cf. capitulo 3), mas se torna possível na
teoria-padrão expandida. De fato, na teoria-padrão expandida os ele-
mentos lexicais são considerados conjuntos de traços. Refus [recusa]
e refuser [recusar] são dois elem—entos I(1) e l(2): I(1) é repre-
sentado pela matriz de traços z, 5, C, d, e. . ., e I(2) por 771, [7, 71,
0, d. . . Observando melhor o problema das nominalizações, Chomslcy
especificou uma formulação que possibilita descrever a relação entre
as seqüências 1 e 2 à base das reflexões anteriores, e destacou um
' certo número de argumentos que legitimam a sua "hipótese lexi-
calista". ±
5.2. O PROBLEMA DAS NOMINALIZAÇÕES
5.2.1. A 1-UFÓTESE TRANSFORMACIONAL
O problema das nominalizações é relativamente diferente em
francês e em inglês. O inglês possui em particular uma oposição
entre dois grupos de nominalizadas (isto é, de seqüências que pro-
, ` 151
cedem de uma transformação de- nominalização), ineXistente em)
francês, as "gerundivas" e as "derivadaS", que correspondem, 1'es-
pectivamente, aos exemplos 1 e 2 a seguir:
T 1 — ]0h7z’S refusíug zfhe Offer (um: Cztegoržcøl). ' '
2 — ]07¢h’: refusal O]‘ the Offer (wz: Cutegoricul).
que parecem estar em relação com 3 e 3’: À
3 — ]Ob7l ha: refused the Offer.
3’ SN um: Cztegoriczl. '
sendo o SN não explicitado de 3’ destinado a ser substituído pela
nominalização de 3.
Na medida em que esse fenômeno não eXiste em francês, vamos
manter os exemplos ingleses fornecidos por Chomsky em Remzrfes
071 uomimzlžsatžon (1967, Cf. bibliografia).
Dois tratamentos transformacionalistas foram propostos para o
efeito de descrever esse tipo de nominalizações. O primeiro consiste
em encaixar a frase 3 em 3’ sob o nódulo SN, depois de tê-la nomi-
nalizado, é claro, tal como anteriormente se sugeriu.
A outra solução, ainda transformacionalista, distingue as ge- (
rundivas das derivadas. As gerundivas são obtidas a partir de uma
estrutura profunda com a forma de 4, e as gerundivas de 5:
4: The munuer which ]ol'm refused tbe offer um: Categoržcl.
( 5: The fact uzžch jobnrefused the offer wzs Categorical.
Uma transformação Tl permite obter 4’ a partir de 4, e uma Tg _
permite obter 5’ a partir de 5: .
I 4’ — ]Oh7z’: refuszl O]‘ the Offer um: Cztegoržcøl.
5’ — ]Oh7¢'S refusžng the Offer wzr Cztegoržczl.
5.2.2. C1<ÍT1CAS DE CHOMSKY
Na realidade, se derivarmos os dois tipos de nominalizadas da
mesma maneira, isso significará que elas pertencem ao mesmo tipo,
desempenham o mesmo papel sintático, e mantêm para com as estru-
turas profundas subjacentes o mesmo tipo de relações. Chomsky
pensa que tal suposição é falsa e em apoio da sua teoria fornece
três séries de provas, concernentes 1) à produtividade das estruturas
152
em causa, 2) à relação entre as nominalizadas e as estruturas pro-_
fundas que lhes estão associadas, e 3) à estrutura interna das nomí-
nalizadas. Vejamos esses três tipos de críticas.
1) A produtividade das estruturas: d
Se podemos associar a 5a as duas estruturas Sb e Scz:
5a — _ÏOÍJn ir eager to please.
45b ~— ]oÍ7n’S being eager to please.
5c —-— ]OÍJn'S eagerness to pleare. .
o mesmo não ocorre com os exemplos 6, em que 6c e agramatical:
óa — ]olJn is easy to please. ,
6b — ]o/Jn’S being easy to please.
óc — * ]oÍ7n’s easiness to pleare.
ou, ainda, os exemplos 7, em que 7c é, também, agramatical:
7a — foln is Certain to win tle prize.
7b — ]oÍøn’X being Certain to win tbe prize`.
7c — *]oÍJn'S Certainty to win the prize.
De fato, qualquer frase afirmativa pode ser transformada em
gerundiva 3, mas nem sempre pode ser transformada em derivada.
Se desejássemos obter as derivadas mediante uma transformação, seria ‘
necessário, por isso, impor graves restrições a essa transformação.
2) A relação entre a nominalizada e a frase correspondente:
, A relação entre a gerundiva e a frase que lhe está associada é
sempre a mesma. Para falar com alguma impropriedade, é uma
relação de comprovação do fato ("O fato de que ]`ohn recuse");
a relação entre as frases a e b, a seguir mencionada é sempre a
mesma:
aí — ]oÍ7n refases tbe O]c]l€ï.
bl — ]obn’s refusing the offer. ..
2. Tomamos os exemplos emprestados de Chomsky (1967).
3. Exceto em certos casos; por exemplo, quando O N principal da
gerundiva não pode ser determinado por um possessivo. Cf.`ChomSky (1967).
153
az — ]OÍm rzds tbzt bOOÍe. È
, bg — ]OÍm’S rezíírzg thzt boo/e. ..
as — ÏOÍJ71 drivcs tbut Cør. -
bg — ]OÍJr1’s drivžrzg tbzt czr. .. °
Isso é diferente no caso das derivadas. Com efeito, cl não
mantém para com dl, a mesma relação que liga cz a clzr `
cl — ]Obr¢ refuses tive Offer.
dl — ]O/J7z’s refusul of tb Offer. ,
CZ Peter Corzstructs. . .
dz — P°tEr’s Corrstructžorz. . .
dz é até mesmo ambígua, podendo significar ou o objeto que Peter
constrói ou o fato de que ele constrói alguma coisa, ou a maneira
que ele adota para construir alguma coisa, ao passo que c2 não é
ambígua, absolutamente. E difícil, por isso, dizer com que frase
poderia estar associada uma nominalizada derivada, ao passo que isso
é bastante claro no caso de uma gerundiva (para outros exemplos,
ver Chomsky1967, ou o último capítulo de François Dubois-1971).
Esta é uma das razões que fazem pensar que as derivadas dificil-
mente poderiam ser consideradas como provenientes de uma trans-
formação de nominalização, coisa que parece possível para o caso
das gerundivas. g
3) A estrutura Žutrmz das uomžrmlžzulusz
As gerundivas não possuem a estrutura de um SN. Elas ocupam
a posição dele, mas não podem conter nenhum artigo:
— * The refusiug z‘/se Offer. V
—— * Man re usin S tb 0 er.
.y . Š
. — * Tbzs refusmg tbe Offer.
— Petr’s refusírzg tbe O]‘]‘er.
— His refusing tbe Ojtfï.
Só os possessivos são aceitáveis nas gerundivas. Por outro lado,
não é possível acrescentar-lhes adjetivos:
— * P·tCr’s real refusirzg Ž/Je O]‘]‘er.
— * PEtCr’s Íeirzd refusing the Offer.
Parece, pois, que as gerundivas não são verdadeiros SN, e esse
é um argumento de peso em favor da idéia de fazê—las originar-se de
154
d transformação de uma frase subjacente; Tanto mais que, não `pos- A
suindo ·elas as características de um SN, conservam, no entanto, todas
as características das frases: elas podem. comportar advérbios, com-
plementos e uma marca de aspecto:
— ]OÍm'S ÍJZZ/Íîlg firmly refured tbe Offer. ,
As derivadas, ao contrário, têm a estrutura interna de um SN,
podendo comportar um adjetivo e/ ou um determinante qualquer:
— The refuszl of tbe Offer.
— TÍJC real refural Of the Offer. 1 `
mas não comportam marca aspectual: ·
— * ]O/m’S Ímz/Žrzg rfuml Of tbe Offer.
nem advérbio:
— * ]OÍ77z’S refuta! firmly Of tbe Offer.
Ainda aqui parece difícil associar as derivadas com qualquer
estrutura de base sobre a qual se aplique uma transformação de
nominalização, sem suscitar problemas muito complexos. Esses pro-
blemas, ao contrário, não existem com as gerundivas, e semelhante
tratamento daria conta, além disso, da sua estrutura interna. »
5.3. APRESENTAÇÃO DA HIPÓTESE LEXICALISTA
5.3.1. OBJETIVO DESSA HEFÓTESE
Dada a complexidade de uma análise transformacional, Chomsky
propõe simplificar o componente transformacional mediante a rees_
crita das derivadas a partir da base (as gerundivas continuam la ser
geradas por uma transformação). V A
Q Essa proposta leva-o à tentativa de formular as necessárias re-
gras de base para tentar explicar a derivada e a frase que lhe corres-
ponde: daí provém a hipótese lexicalista.
5.3.2. Fo1<1\/1U1.AçÃO DA HIPÓTESE LEXICALISTA
Na medida em que as derivadas devem ser geradas a partir da
base, e em que elas comportam um complemento idêntico aos com-
. ` 155
plementos verbais, seria necessária uma regra de reescrita com ai
forma: _
- SN—>Det—{—N-[Comp V
(onde Comp significa complemento). EStabelecese, então, um pa-
ralelo entre X-N—CO/up e X—V-Compz
— ]O/m’S refuszl Of tbe Offer (X-NCo1np)
— ]OÍm refused tbe Offer (XVComp)
Podemos encontrar pares como refute [recusar] / refusul [re-
cusa], Coustruct [construir] / Courtructžou [construção], e Cržticize
[criticar] / Criticžsm [crítica], etc., em que se observa ser quase
idêntico o símbolo complexo dos dois elementos do par: eles parti—
cipam dos mesmos contextos e possuem exatamente os mesmos traços,
tirante [| N] para um e [—|— V] para o outro.
Chomsky postula a não-introdução desses dois últimos traços
nos símbolos complexos de refuse/refuml. Segundo essa hipótese,
poderiam derivar-se seqüências com a forma
]OÍm — refuse — ÍÍJe Offer
nas quais refuse seria um termo "abstrato", nem nome nem verbo,
capaz de adotar ·a forma refuml [recusa] quando estiver dominado
por um nódulo N, e de adotar a forma refuse [recusar] quando
. estiver dominado por um nódulo V:
9/ \SV SN SY\
a Jît N Cgmp [ \Í Coínp
]0/m refuxg the Ojfgy Ívhrr refuse îhß vffør
Diversas transformações devem ser aplicadas a seguir a tais
seqüências. No segundo caso (muito simplificado na nossa repre-
sentação), refuse toma todas as marcas dos V (Tps, aspecto, etc.).
NO primeiro caso (também . simplificado), uma transformação acres-
Centa ’S entre ÏOÍJ71 e refuse, mais Of entre refute e tbe Offer. AcreS
156 “
vi
centando—se que a realização de refute dominado por N é réfusalp
obtemos ]OÍm’.v rfušzl Of tbe 0]C]t€ï.
A vantagem dessa hipótese lexicalista consiste em descrever a
relação entre os dois tipos de estruturas, resolvendo concomitante-
mente as dificuldades suscitadas por uma análise transformacional
—(cf. anteriormente). Uma de suas mais promissoras conseqüências
repousa no fato de ela considerar que um certo número de elementos
leXicais já não seria mais subcategorizado como [| N], [—|—V] ou
yl [—|— Adj]. Eles seriam somente matrizes de traços distintivos, des-
providas de quaisquer traços categoriais, matrizes essas às quais se
deveria acrescentar [—|— N], [—j—V] ou [—{Adj] de acordo com a
natureza do símbolo categorial que os dominasse (N, V ou Adj).
. É na medida em que essa hipótese se opõe à análise transformacional,
levando à reconsideração do componente de base e, em particular,
do seu subcomponente lexical, ao afirmar que os elementos lexicais,
são, de algum modo, elementos "abstratoS" que apresentam várias
facetas, é nessa medida que Chomsky qualificou-a de hipótese "leXi
calista".
A hipótese lexicalista impõe certas modificações à teoria-padrão
(essencialmente modificações do subcomponente lexical) mas não
se opõe a ela como a semântica gerativa. Pelo contrário, essa hipó-
tese se inscreve no quadro da teoria que o próprio Chomsky de-
nominou de "teoria-padrão eXpandida", aqui enfocada em 5.4. e
5.5.
. Apesar disso, no entanto, aparece um grave problema: uma
nova regra do tipo SN ->~Det —I— N —l— Comp não pode legitima-
mente ser introduzida para o fito único de explicar um fenômeno,
já que tal coisa introduziria uma complicação na base por causa de
um fenômeno isolado, e aumentaria consideravelmente O poder da
gramática. É necessário pesquisar outros casos em que a noção
. de "Comp" se justifique na reescrita do SN e não somente na rees-
crita do SV. Por outro lado, o Det das derivadas pode ser um "caso
possessivo" (]«OÍm’:) e é preciso, igualmente, justificar o fato de
poder o caso possessivo aparecer a partir da estrutura profunda, e
de nem sempre ser ele obtido mediante uma transformação do tipo
— The but tfazt ]OÍJ7¢ Ím: :~ ]OÍm’S Ímt `
{57
5.3.3. OS FROELEMAS no COMF E no DET EM ` j
SN —> DET —š— COMP
5.3.3.1. Há um grande número de SN que comportam um Comp
semelhante aos Comp verbais: `
a: The hzch of the room.
bx The zoezther Ž71 1965.
C: The zuthor of the hooh.
d: The rezsou whezher I Should go.
Há três soluções para dar conta dessas estruturas: ou o N é
um V nominalizado e o Comp é, naturalmente, um Comp verbal,
mas os N dos exemplos -d não provém de V; ou o Comp se ori-
ginou de uma relativa reduzida, o que não parece possível nos exem-
plos z-d (Qual poderia ser O sentido de The hzck whžeh ŽS of the
rOom?); ou — terceira solução — o Comp é gerado diretamente
por uma regra de reescrita e essa regra seria, evidentemente, SN ->
Det —}— N —| Comp. Apenas a terceira solução pode ser mantida,
o que confirma que a hipótese lexicalista não é infundada.
5.3.3.2. Para que possa ser mantida a hipótese lexicalista, é pre-
ciso ainda poder afirmar que Det pode ser reescrito na base sob a
forma de um caso possessivo. Parece difícil, por um lado, gerar
]oh7z’: refuml a partir de The refuszl thut fohh hzs como se faz
para os demais casos possessivos, porquanto não se diz nunca que
se "tem" uma recusa. Por outro lado, existem exemplos em que O
caso possessivo é ambíguoí ]Oh7z’S Zeg pode representar a própria
perna de ]ohn ou a perna (de boneca, por exemplo) que ele segura
na mão. Só o segundo caso pode, pois, ser gerado por uma transfor _
mação de The leg thzt fohh hzs e deve—se supor que O primeiro é
obtido por uma regra de reescrita com a forma Det —> SN.
' Essa regra pode também ser empregada para explicar derivadas,
e constitui um argumento suplementar em favor da análise de
, Chomsky.
A hipótese lexicalista não resolve todos os problemas das no-
minalizadas. Existe, por exemplo, uma terceira espécie delas em Á
inglês, e ao lado de 1 e 2 (gerundíva e derivada) encontrase a
seqüência 3:
1 — ]Oh7¢’S proožng the theorem.
2 — ]Oh7z’S proof Of the theorem. `
. 3 — ]0h7z’: pro:/žhg of the theorem.
158 ‘
7"
Chomsky confessa ter grandes dificuldades para eXplicar` esse i
terceiro tipo de estruturas. Mas O fato de que isso seja difícil não ’
pode constituir um argumento contra a hipótese lexicalista. Para
maiores detalhes, reportarse a Chomsky (1967) e também a Fran-
çoise Dubois (1971) e Chomsky (1970), onde se retoma o essencial «
da argumentação. É preciso lembrar, no entanto, que a hipótese
lexicalista não teve, até o momento, nenhuma aplicação direta em
francês. Algumas sugestões foram feitas mas, tanto quanto sabemos,
nenhuma delas chegou a ser desenvolvida. jacqueline Giry, por
exemplo, na Amzlyre Syntzxique der comtructiorzs du verhe fzire
(cf. bibliografia) observa que em francês as relações existentes entre
verbos como regzrder [olhar], piller [pilhar], zccuser [acusar] e
seus derivados regzrd [O olhar, o olhado], pillzge [pilhagem], accuxd
tiorz [acusação], são, também, muito menos regulares do que pa-
recem à primeira vista. Poder-se-ia perguntar, então, se existe mesmo
uma relação transformacional entre as frases do tipo de z e do tipo
de [7, abaixo: .
a — fezrz decrit ce pzysizge.
[jean descreve essa paisagem.]
b — jem fui: lz descripzfiou de ce pzysuge.
[]ean faz a descrição dessa paisagem.]
Podemos fazer, então, várias observações:] -
— Do ponto de vista da produtividade: a frase com fuire N [fazer
N] é muito menos freqüente do que a frase com V. Ter—se-á,
por exemplo, Pierre recite une prière [Pierre recita uma prece]
fazer V) mas não Pierre fzit Ze récit d'u71e prière [Pierre faz
a_ recitação de uma prece] (fazer N).
Do ponto de vista da estrutura interna, o sintagma que vem após
' fuire tem a estrutura de um SN, nunca a de uma frase. Não se
encontra nunca SN faz Det N se F. Por isso, a transformação,
. se é que existe alguma, nem sempre será possível.
— Do ponto de vista da relação entre as duas frases, deve ser no-
tado que muda a relação semântica. Se dëcrire quelque chore
[descrever alguma coisa] é faire la descriptiorz de quelque chore
[fazer a descrição de alguma coisa], désespérer quelqzßurz [deses-
perar alguém] não é exatamente fzire le désespoir de quelqzfzm
[fazer o desespero de alguém] e a frase Pierre fuit pitié à fulie
[Pierre causa compaixão a ]ulie] tem um sentido passivo, ao
, 159
passo que Pierre apitoie ]ulie [Pierre compadece ]ulie] pode ter
um sentido ativo, etc. [
Todas essas observações repõem em causa o próprio princípio
de uma transformação entre os dois tipos de frases. A hipótese lexi- [
calista, originada da aplicação das mesmas observações a um outro
problema, poderia oferecer-se como um modo de tratar esse fenô-
meno. Elementos como observer [observar] e Observutiorz [observa-
ção] seriam representados no léxico por um elemento abstrato observe
[observa] que não seria marcado nem [l— N] nem [}— V], mas cuja
inserção seria possível tanto sob um nódulo N quanto sob um nódulo
V. Inserido sob o nódulo V, esse elemento poderia ser seguido de '
se F (Pierre observe si Pau!. .. [Pierre observa se Paul. . .]).
Inserido abaixo do nódulo N, tal coisa não seria possível, mas esse
elemento teria, então, todas ·aS possibilidades dos outros N, e ele
presidiria, além disso, ao aparecimento, na superfície, do operador
fzire que serviria, de suporte para as marcas verbais.
. ]. Giry propõe essa hipótese, particularizando, contudo, que
apesar do interesse que apresenta, ela está longe de ser confirmada.
OS fatos diferem, é lógico, em francês e em inglês. Possuímos ape-
nas argumentos negativos que permitem recusar a derivação mediante
a transformação de certas estruturas com fzire, mas não temos nenhum
argumento positivo que nos permita aceitar a hipótese acima. Além
disso, essa hipótese acarretaria conseqüências para a própria forma
da gramática gerativa, o que nos levaria a modifica-la sem razões
bastante sérias que autorizem tal coisa. O trabalho de ]. Giry pa-
rece-nos particularmente interessante por levantar um problema e
por, sem dispor dos meios para resolvê-lo, procurar descrever exaus-
tivamente as diversas propriedades das estruturas em causa, que es-
. tamos longe de conhecer 4.
5
4. Tentamos demonstrar em nossa "tese de terceiro Cic1o", Etude syn "
tuxique de: 'détermimzntes le et un duns la phrase à verba être (novembro
de 1973, ParisX), que a hipótese lexicalista parece ser a única, na atualidade,
capaz de explicar fenômenos como a presença facultativa de “un” em “]ules
est (un) ídiOt" [jules é (um) idiota].
160 —
AVÍEORIA-PADRÃO EXPANDIDA .
L 5.4. O COMPONENTE SEMÄNTICO NA TEORIAPADRÃO
5.4.1. PAFE1. E ESTRUTURA no COMFONENTE SEMÃNTICO `
Se nos reportarmos ao esquema do capítulo 4 (4.3.), compro-
varemos que o componente semântico, na teoríapadrão, é um com-
ponente exclusivamente interpretativo, O que quer dizer que ele se
limita ao papel de fornecer uma interpretação do sentido das frases
[ geráveis pela sintaxe. Portanto, tal como ocorre com a sintaxe 5,
O problema com que a semântica se defronta é um problema proje-
tivo: tratase de particularizar um mecanismo formado por um con-
junto finito de regras de projeção capazes de dar conta do sentido
[ da infinidade de frases francesas potenciais e fornecer, assim, uma
[ explicação para O fato de que um falante nativo pode compreender
þ o sentido de qualquer frase da sua língua, ainda e sobretudo quando
È não a tenha jamais encontrado anteriormente. [
j Observemos, desde já, que o problema fica reduzido pela própria
î forma do componente sintático da teoria-padrão. Concebendo-se as
{ transformações como mecanismos formais que permitem passar de uma
estrutura profunda a uma estrutura superficial sem mudar o sentido
. da primeira, o componente semântico pode e deve operar unica-
1 mente sobre estruturas profundas. [
Š [ É claro que o sentido de uma frase depende, ao mesmo tempo,
do sentido das palavras queela contém, e da sua estrutura sintática.
Se se substituir a palavra bière [cerveja] pela palavra limonale
[limonada] na frase 1 li
1 — Pierre boit de la bière. _
, [Pierre bebe cerveja.] ,
a frase mudará de sentido. Por outro lado, as frases 2 e 3 são _
interpretadas do mesmo modo:
2 — Pierre rnange le gîteau.
` [Pierre come o doce.]
3 —— Paul lance la balle.
È [Paul arremessa a bola.] ~ “
1
5,. Que deve, repetimos, conter um conjunto de regras "projetívas", ou. À
seja, capazes de explicar a infinidade das frases gramaticais possíveis, e uni-
camente das frases gramaticais.
{ 161
ou seja, como frases que relatam um processo que empenha `simul-
taneamente um actantee um objeto, ao passo que a frase 4 não
pode ser interpretada de acordo comesse esquema:
4 — L Ciel est toujours bleu quelque par!. a
[O céu está sempre azul em algum lugar.]
O papel da semântica consiste, por isso, em relacionar o sen-
tido das palavras com as representações semânticas das estruturas `
profundas. O sentidodas palavras acba-se definido no que se chama
' "dicionário", e as regras que os relacionam com a estrutura pro-
funda foram denominadas "regras de projeção" por Katz—Fodor \
(1963), que foram os primeiros a falar delas; o termo "projeção"
explica o fato de que 0 problema semântico é um problema projetivo
(cf. acima). Pode-se, então, representar o funcionamento do com-
ponente interpretativo através de um esquema como o seguinte:
. O G.)
a 1: " aê '
-> Ïnput: estrutura profunda—> Š šw > Output: interpretação
· j 3 semântica do
O M ß žnput `
O input [entrada] desse componente constitui-se de estruturas
profundas, sobre as quais operam (do modo que a seguir
definiremos) o "dicionário’? e as "regras de projeção"; o Output
[saída] é a interpretação semântica das estruturas profundas toma-
das como Župut.
Seria preciso, enfim, assinalar que, se o papel de uma teoria
semântica é interpretar as estruturas profundas, devese atribuir a L
esse termo "interpretar" um sentido lato. A teoria semântica deve,
com efeito, explicar o sentido das frases gramaticais, mas deve tam-
bém explicar como e por que certas frases são agramaticais-ou so-
‘ mente desviatórias; ele deve explicar, ainda, por outro lado, as rela-
ções que podem existir entre várias frases. Para tanto, a estrutura
do dicionário e a forma das regras de projeção devem permitir expli-
car as noções de sinonímia, de antonímia, de ambigüidade, de pará~
frase, etc. Vejamos, pois, sucessivamente, esses dois subcomponen- ~
tes do componente semântico, a começar pelo dicionário que é estru-
turado por aquilo que se chama, a partir de agora, "análise com-
ponencia ". È —
762
5.4.2. A ANÁLISE COMPONÈNCIAL ` _
A noção de análise componencial foi elaborada por Katz—Fodor
(1963) (cf. bibliografia). Ela define o sentido dos elementos
’ lexicais mediante traços semânticos. Assim, a palavra gzrçon seria ’
analisada pelos traços: .
gzrçon, [—}— animado], [+ humano], [— adulto], [—}— macho].
Observemos, desde já, que uma regra, chamada de "redundân-
cia", permite demonstrar que certos traços estão em relação com
Outros. (3 traço [—j— humano] é, de certa forma, um subconjunto de
[+ animado], coisa que se exprime mediante a regra:
. [—j— animado] > [—{ humano]. . . d
Desseimodo, é ocioso fazer figurar, entre os traços de garçom,
o traço [—|— animado], já que ele está automaticamente implicado no
traço [+ humano]. Basta colocar, portanto, para o sentido de garçom .
gzrçon, [+ humano], [ adulto], [—l— macho].
De fato, foi a extensão da análise componencial que permitiu
a ‘teoria dos traços", subentendida na segunda formulação da gra-
mática gerativa de Chomsky; talvez fosse conveniente, do ponto de
vista cronológico, que a apresentássemos aqui antes de desenvolver
a teoria-padrão. Mas, tendo esta exposição um objetivo mais peda- A
gógico do que histórico, pareceu-nos preferível propor uma síntese i
delas ao invés de uma sucessão de teorias que se respondem, se
opõem, se completam e dão origem às teorias subseqüentes. Recor-
demos, todavia, que na segunda formulação de Chomsky O subcom-
« ponente lexical é concebido como um conjunto de entradas, cada
uma das quais é representada mediante uma matriz de traços fono-
lógicos, sintáticos e semânticos (Cf. capítulo 4).
O componente semântico recebe como input uma seqüência de
elementos lexicais (isto é, uma estrutura profunda). Mas ele deve
poder explicar o fato de que alguns desses elementos sejam ambíguos.
Para tanto, Katz-Fodor propõem representar a matriz dos seus traços
sob a forma de uma árvore formada pelo símbolo categorial do ele-
mento lexical em causa, dos seus marcadores semânticos (extraídos,
`talvez, de um vocabulário universal, hipótese que ainda deverá ser
estudada), e de diferenciadores que permitem especificar a definição
16ï
do elemento em uestão. Desse modo, os diferentes sentidos da
q
palavra ‘Zzvre" poderiam ser esquematizados do seguinte modo 6:
livre
. [+ objeto físico] [— Objcw fíSí¢<>]
[-ž— que se pode abrir] [— que se pode abrir] [+ medida]
i I [—{- peso] [{- moeda]
` (formado (cédula bãnßåfî (valor de meio (20 Jhillinggj
de páginas COÏH f valor de quilograma) na Inglaterra)
`impressas) \-11'H8 libra) `
O símbolo categorial é único nesse caso: []— N]. Mas isso nem
sempre se dá, cf. bleu [azul], que é ou []— N] ou [|Adj]. Na
árvore, representamos os marcadores semânticos entre colchetes e os
diferenciadores entre parênteses comuns. Partindo da raiz em direção
a um dos diferenciadores, cada percurso da árvore representa um dos
sentidos de "livre". Veremos, no parágrafo seguinte, que a aplicação
das regras de projeção está condicionada por essa representação
arbórea. '
Observemos, desde já, que a análise componencial permite eX—
plicar noções como as da sinonímia, da antonímia e da hiponímia:
— Duas entradas lexicais são sinonímicas se seu sentido é re—
V presentado pelo mesmo conjunto de traços semânticos (sím-
bolo categorial -1- marcadores —|- diferenciadores: plzžsz7¢ÍE
ric [gracejo] / boutzíe [chiSte]).
— Duas entradas lexicais são antonímicas se, exceto por um
traço T na primeira entrada e um traço T’ na segunda, F
6. Deixamos de nos referir ao problema do masculino e do feminino,
a fim de simplificar a argumentação. É claro que uma análise mais deta-
lhada deveria leválOS em conta. r
164
F"""'ý
T e T’ excluindo-se mutuamente, ambas possuírem um sen«—
tido representado pelo mesmo conjunto de traços (/707727726
s [homem] / fmme [mulher] ).'
[ — Duas entradas lexicais são hiponímicas entre si se o con-
junto dos traços semânticos de uma delas estiver compre- °
[ endido no conjunto de traços semânticos da outra (animal
[animal] / Chaval [cavalo]).
A análise componencial preenche, como se vê, alguns dos obje-
tivos a cargo da teoria semântica. Antes de passarmos a ver como
ela explica as noções correspondentes às anteriores, ao nível da frase
(isto é, a paráfrase, a antonímia e a inclusão), devemos examinar
como Katz e Postal formulam as regras de projeção.
5.4.3. As RECRAS DE FRo]EçÃo
As regras de projeção têm a tarefa de explicitar a leitura ou as
leituras que se possam atribuir a uma dada estrutura profundae a
uma dada análise componencial dos diferentes elementos dessa se-
qüência. As regras devem, por isso, relacionar os elementos leXicais
das estruturas sintáticas. Tomemos como exemplo a estrutura pro-
funda le ga7'çO7z — (677718 —— ler — livre: [o-rapazfecha-os-livros],
subentendida pela seguinte árvore" ‘ [
uI\
SN SV
Det N V SN
A Í ` I [ Det N‘ }
le garçom ]‘'7772€ [es livre:
Cada um dos elementos dessa estrutura pode constituir o objeto
de uma análise componencial que daria, aproximadamente, os resul-
tados a seguir:
7. Omitimos, de propósito, os problemas dos constituintes da frase, do
auxiliar, etc., visto que eles não alterariam as conclusões.
165
la gzrçov ` ·Ï
ll )\1't] ( · [ll Nl
[| Ddfinido] [| hulnano] a
[+ shlgular] [— adulto]
[—j— nlaclnol d
(mais jovem dolque adolescente)
fermer [es
[+1V] li lm]
[+ tranlformar] [4- delinido] ,
[— lbrir] [+ plural] ,
[—j— aninliado —·—]
[+ —objLtO físico]
[—j — objeto! trabalhável] `
(aplica-se a lalgo aberto) livre (ver a representação
dada acima).
Observemos que a nossa análise indica que apenas a palavra V
"livre" é ambígua, já que a sua árvore semântica comporta vários
·"perCursoS". Chamemos de A1, A2, A3, A4 e A5 as árvores Semân- `
ticas dos elementos que nos preocupam. Estamos, assim, em presença
da estrutura: a ·
F
( SN/ \SV
A/ \A2 A/ \SN {
‘ ( ( A4/ \Aõ
166 A
W"""`°`""
Ern seguida, as regras deprojeção vão "amalgamar" os diferen-_
tes A para dar a estrutura semântica da frase. Para tanto, elas
tornarão os dois A mais profundos .ligados pelo mesmo nódulo (F4
e F5, por exemplo), e promoverão o seu amalgamento; depois farão o'
amálgama desse resultado com o A dominado pelo mesm-o nódulo
que ele (logo, com F3) e assim por diante, remontando até a raiz
da árvore, Acrescentemos que as regras de projeção suprimem no
amálgama os traços que se tornem redundantes e inúteis (c-omo os
traços contextuais no amálgama de um verbo com o seu sujeito).
Ilustremos tal coisa através do exemplo dado: o amálgama de Fl
com F2 é obtido mediante uma primeira regra de projeção que teria
M;. a forma:

li ÍŠ R; ——— {Elemento, —> [] N] —> [a]


Elementox —> [—}— Art] —> [E1'] [m’] x
Elemento, }— Elemento; —> [l SN] > [a'] [m'] ·> [21] [m]
Tal regra significa que o amálgama de um elemento, com um
elementoz representados na forma acima indicada constituiuma se-
qüência dominada pelo símbolo SN (sintagma nominal) formado de
todos os traços do elemento, e.do elemento, Apliquemos essa regra
aos dois elementos le e garçom, por referência às árvores A, e A2, já
vistas; obtemos: a
garçom —> [}— N] > [—{_humano] > [— adulto] ——> [—{—ma
cbo] > (mais jovem do que adolescente)
l' —> [i Art] —> [—{— definido] > [—i singular]
l —j— garçom —> [{—SN] —> [—|— definido] —> [—l singular]
—> [+ humano] > [— adulto] > [—l macho] > (mais
( jovem do que adolescente).
Ressaltemos que o amálgama de la e de garçom produz uma se-
qüência única, ao passo que o amálgama de ler e de livres produziria
tantas seqüências quantos sentidos possíveis tenha a palavra líz/r·;
frisemos, todavia, que uma outra regra de projeção vetaria o amál-
gama de fermer com o elemento liz/r' quando este possui o sentido
de rmerure (de peso ou de moeda) e se acha em posição de objeto, ao
especificar que um verbo e seu objeto devem compartilhar de certos
traços (± que se pode abrir, no caso presente). Uma análise mais
167
detalhada será encontrada em Fodor e Katz (1963), já que o `essen-
cial, para nós, e demonstrar aqui o método utilizado pela semântica
interpretativa. O amálgama final seria, em nosso exemplo:
le —}— gzrçou j— ferme †— les —| livre: > [—j— definidO]_->
[+ singular] > [| humano] -> [— adulto] > [i— ma-
cho] > (mais jovem do que adolescente) -> [—}— transfor-
mar] > [— fechar] > (aplica—Se a algo aberto) —> [|—d
finido] -—> [l plural] -—> [} objeto físico] > [4- que se
pode abrir] -> (formado de páginas impressas).
Em resumo, as regras de projeção especificam as combinações
possíveis de elementos léxicos em estruturas sintáticas determinadas,
e interpretam o sentido dessas combinações. De fato, é preciso acres-
centar que o componente semântico apresenta sérias dificuldades para
os lingüistas. Note—se, por exemplo, que a formulação da interpreta-
ção semântica que Bierwisch propôs em 1970 é sensivelmente dife-
rente. Por outro lado, os fenômenos concernentes aos enunciados
mostram-se vagos, intuitivos, dependentes dos contextos (lingüístico
e Situacional) e são, assim, difíceis de observar e de descrever de
modo racional.
X—Ò1ÏÕŠÍI11'~3—{lLÓþIl2 natureza dos traços semânticos parece, às
vezes, duvidosa: será que eles se justificam realmente? Que dizer
dos diferenciadores? E os marcadores, pertencem, de fato, a uma
semântica universal? A noção de semântica universal terá sentido?
A maioria dos estudos que hoje se fazem tocam em pontos parti-
culares: são estudos de campos semânticos 8 ou de conceitos precisos,
ou do sentido de certos prefixos, etc. Basta, para prova-lo, 0 su-
mário do número quatro da revista Lzrzgue Frmçaírez "AnalySe ·
Sémantique du mot ‘peu’, de l’ambiguït sémantique dans les lexies
préfixes par auto’ ", etc. Tudo isso parece confirmar a observação
de Bierwisch (1970): "a análise semântica deve, contudo, começar
com subsistemas reduzidos e claros que desenvolvam os necessários
. conceitos de base. Fragmentos assim podem ser extrapolados para
abranger conjuntos mais vastos e problemas mais complexos. . . Esse
processo encontrase nos seus primórdios. Ele provocará, sem dú-
vida, importantes modificações na hipótese aqui apresentada. Mas
há boas razões para crer que é possível uma teoria do sentido". Uma
8. Pode-se definir, no interior da análise componencia], um campo
semântico como um conjunto de elementos que possuem em comum um ou
vários marcadores semânticos: termos referentes à cor, ao parentesco, etc.
168
nu-·~
das mais importantes modificações propostas diz respeito à própria
estrutura do componente semântico; ela obrigou Chomsky a intro-
duzir pequenas modificações na teoriapadrão, levando—o a preconizar
o que ele mesmo chamou de "teoria-padrão eXpandida".
5.5. A TEORIAPADRÃO EXPANDIDA
5.5.1. Foco E sUFos1çõES ,
As noções de foco e de pressuposições foram tardiamente intro
duzidas nos trabalhos dos lingüistas gerativistas. Não que fossem
desconhecidas — as próprias gramáticas tradicionais levavam—nas em
consideração —, mas elas suscitavam graves problemas e era muito
difícil explicá-las no âmbito da teoria—padrão. O fato de terem co-
locado tais noções entre parênteses não impediu que os trabalhos de
sintaXe se desenvolvessem; posteriormente, porém, ao explorar o
domínio da semântica, foi necessário tomá-las em consideração, e foi
isso, entre outras coisas, que levou Chomsky a refundir a sua con-
cepção de gramática gerativa.
Recordemos que na frase 1, abaixo, se supomos que um acento
enfático recai em ]ean (transcreveremos a palavra que tem o acento
enfático em letras maiúsculas): ,
1 —— E.vÍC' que ÏEAN es! zllé zu Cžnéma?
[Foi ]EAN que foi ao cinema?]
o foco é fem e a pressuposição é qu°Zqu’zm est allé au cžnémz [alguém
foi ao cinema]. Com efeito, se é possível responder 2 a 1:
2 — NOU, C’'st PAUL quž est zllé zu Cinéma.
[Não, foi PAUL quem foi ao cinema.]
não é absolutamente possível considerar 3 como uma resposta lógica
para 1:
3 — Non, C’St ]em qui ert zllé à lø PECHE.
[Não, foi Jean quem foi à PESCARIA.]
Portanto, a frase 1 pressupõe que alguém tenhacido ao cinema
e que o foco dessa frase é fem.
Ainda que menos visivelmente, o fenômeno é 0 mesmo em
uma frase afirmativa. Em 4:
169
1
_ 4 — ]EAN z bu 772077 UÍ77. “
[]EAN bebeu meu vinho.] 7
o foco é ]'z77 e a pressuposição é "alguém bebeu meu vinho". ]á
em 5, ao contrário:
5 ]·z71 z bu 777077 VIN.
[jean bebeu o meu VINHO.] ·
o foco é "vinho" (ou "o meu vinho"), e a pressuposição é "]ean
bebeu alguma coisa". De maneira gerai, o foco é o termo que leva
o acento enfático e a pressuposição é obtida mediante a substituição,
na frase, do foco por uma proforma (alguém, alguma coisa, em algum «
lugar, etc.). U
É evidente que a interpretação semântica deve explicar as no-
ções de foco e de pressuposições. Não é possível pretender fazer a
descrição do sentido das frases 1, 4 e 5 anteriores sem particularizar
O foco delas e o que elas pressupõem. Desse modo, tais noções
devem ser integradas no componente que gera as frases, ou seja, na
sintaxe, a fim de que o componente semântico possa leválas em
consideração quando forem aplicadas as regras de projeção.
Aparece, aqui, um problema. Se o foco é o termo sobre o
qual incide o acento enfático, ele só pode ser evidenciado através
da observação das estruturas de superfície, ou, melhor, das estru-
turas de superfície que já tenham recebido uma interpretação fono-
lógica. Realmente, o acento enfático é uma marca fonológica, intro-
duzida pelo componente fonológico. Assim, o foco não pode ser
determinado pela observação da estrutura profunda, em virtude de
ela não ter recebido, ainda, nenhuma interpretação fonológica, motivo
pelo qual ela não permite reconhecer 0 termo portador do acento
enfático (cf. o esquema do capítulo 4). Por conseguinte, se o com- '
ponente semântico quiser explicar as noções de foco e de pressupo-
sição, ele deve poder utilizar certos elementos (os acentos enfáticos) '
que se localizam nas estruturas superficiais. Ora, voltando ao já
mencionado esquema do capítulo 4, recordemo-nos de que o princípio
` de base do componente (interpretativo) semântico na teoria-padrão
era o de tomar como input unicamente as estruturas profundas.
Chomsky foi levado a propor uma modificação da teoria-padrão ao
perceber que as estruturas de superfície desempenham um papel na Ú
interpretação semântica ”.
9. Anteriormente, Chomsky havia demonstrado ser impossível explicar
as noções em causa, na base, mediante regras de reescrita. Para os argu-
mentos, ver Chomsky (196821) e Chomsky (1970).
170
Essa afirmação, todavia, não importa numa reproblematização
do funcionamento da interpretação semântica., Realmente, as relações
gramaticais que contam para a formulação das regras de projeção
e os elementos lexicais queese submetem a uma análise componencial
procedem sempre do componente de base e este fornece, assim, o
essencial do žnput do componente semântico. Os princípios enuncia-
dos no parágrafo anterior (análise componencial e regras de projeção)
continuam a ser o fulcro do componente semântico. As reflexões
de Chomsky em torno das noções de foco e de pressuposição impli-
cam na adição a ambos de uma serie de regras que permitam explicar
os fenômenos de sentido que estamos discutindo. ·
Por importante que seja, a necessária modificação da teoriapa
drão não nos obriga a rejeitála inteiramente, obriga-nos somente a
conceder que ela possa ser capaz de tratar novos fenômenos, e foi
por isso que Chomsky denominou a nova teoria que daí decorre,
simplesmente, de "teoria-padrão expandida".
5.5.2. OUTROS FENÔMENOS DA MESMA ORDEM l
Como acima (5.1.) indicamos, qualquer modificação da teoria
deve ser motivada por uma série de sólidos argumentos empíricos.
A noção de foco e de pressuposição é um deles, tanto mais que está
reforçada por outros argumentos constantes de Chomsky (1968),
Chomsky (1970) e Chomsky (1972) (estandoeste último traduzido
em francês). Vamos examinar dois desses argumentos: a influência
da palavra même na interpretação semântica, e o` papel do sujeito
superficial na determinação das pressuposições.
5.5.2.1. O reposicionamento de mêm é um fenômeno de super-
fície. Realmente, essa palavra pode aSSoCiarse a sintagmas que não
existem na estrutura profunda. A estrutura profunda 1 pode ser
convertida na estrutura de superfície 2:
1 — Comzzizcre fxm — ex!
[Convencer ]ean — é — difícil.]
2 -— fem — est ——— difficžle ž Comzzincre.
[Jean —- é —— difícil de convencer.]
Vê-se bem que dífficile ž Corzvzincre é unicamente um sintagma
de superfície. No entanto, podemos acrescentar-lhe même em 3:
3 —— fem — es: — mêm džffícíle à com/uincre.
[jean —— é — realmente difícil de convencer.]
É 171
Mëme é, portanto, colocado na superfície por uma transforma-`
ção que incide sobreestruturas profundas em que mêm não tem
nenhuma posição definida: ` _ _
(même) — CO7¢z/æincr fem — Crt — diffícile ,
[{realmente) — convencer jean — é — difícil]
]em —- es! même difficile à Corzvažrzcre. a
[]ean — é — realmente difícil de convencer.]
Contudo, a despeito de não ser definível na estrutura profunda,
a posição de même possui uma influência direta sobre o sentido das r
frases. Retomemos o exemplo já clássico de Chomsky. A frase 4a
pressupõe que os pigmeus são pequenos:
4a —- ]'m Ert grmž pour zm pygmée,
[]ean é grande para um pigmeu.]
ao passo que a frase 5a, que pressupõe que os wattusis são pequenos,
é semanticamente anormal ma
5a — ]€Z71> ert gramž pour zm Wuttusž.
[jean é grande para um wattusi.],
Se se introduz même, 4b pressupõe a mesma coisa que 4a, mas
4c é semanticamente anormal:
4b — Même Ïõm ex! grmd pour zm pygmé.
L]ean é realmente grande para um pigmeu.]
4c — jem st grzmž mê/me pour zm pygmée.
[jean é grande mesmo para um pigmeu.] V
Inversamente, é Sb que é semanticamente anormal e Sc é que
pressupõe que os wattusis são grandes, sendo, por isso, inteiramente
aceitável: A
5b ——·- Même ]·m est grml pour um Wøttusi.
[]ean é realmente grande para um wattusi.]
5C —— Ïem '.\'t grzmí mêmc pour zm Wøttusi.
[]ean é grande mesmo para um wattusi.] `
IO. Pois todos sabem (pensa Chomsky) que os wattusis são todos gran-
des, ao contrário dos pigmeus,
172 I
Essas poucas frases demonstram que a posição de même deve
ser levada em consideração para determinar o sentido e as pressupo-
sições. Portanto, se como acima _mostramos, même adquire uma
posição definida apenas na superfície, faz—se necessário, que o com-
ponente semântico leve em consideração a estrutura de superfície.
5.5.2.2. O exemplo que utilizaremos a seguir éi intraduzível em
francês, mas pareceu—nos interessante asSinalálo visto que ele tem
sido raramente notado. Só é possível ernpregar,_em inglês, o passado
composto quando o sujeito é um ser vivo. A partir daí, Chomsky
. observa que 6 é gramatical, ao passo que 7 não:
6 — Eirzrteirz Zíved ia Prirzeetoa.
[Einstein viveu em Princeton.] _
ou ainda: . _
1 6’ — Einrteia taugbt me pbyrics.
[Einstein instruiu-me em Física.] ·
7’ — * Eirzsteín Íøar tbaugbt me pbysíes. `
Contudo, se 7’ e impossível, o passivo de 7’ possível:
8 — I bave bem taugbt pbysics by Ežnrtein.
[Fui instruído em Física por Einstein.]
impõe-se, pois, considerar que é -0 sujeito superficial que deve
ser marcado pelo traço [11- vivo] a fim de que o passado composto
possa ser empregado. Logo, se uma frase está no passado composto,
ela comporta a pressuposição de que seu sujeito é, atualmente, um ser
vivo, e Chornsky nota que "desse ponto de vista, a estrutura super-
tficial contribui par 0 sentido da frase no fato de ser pertinente
para a determinação do que é pressuposto na utilização da frase".
Para outros exemplos acerca do papel da estrutura de superfície na
interpretação semântica, ver os três artigos de Chomsky (1968a,
1970 e 1972), já mencionados.
5.5.3. ESQUEMA no MECANISMO DA '1*EoR1A—FADRÃo EXPANDIDA
Baseados nas reflexões anteriores, podemos, agora, reelaborar
O esquema do funcionamento da teoria-padrão expandida:
1
173 `
i1
1
Í
ê Regrs de d
'Ž reescrita
'·CJ . ‘
U Regras
šd
Š de sub-
— Š categorização
Y
E Regras .
O··
1 icais A . .
8 U ex . Cømponente Semmico
~:
‘ Estrutur profunda _ ~
Q, e ga e ~ InterpretçãO
` eip ação semântica
g e Semnt1c
O
ê` * ' e
$5
O g¿ Š . '
U G —U A
° es ' ,.
Š 5 Trnsførmçoes
cx. =~ 7
E8.
O {/1
Oš×—
È
Estrutura de
superfície X
. A BSMS de _ Interpretção
mterpretçø · fonológîœ
fcnciógic
Componente fOnOIógiCO
Comparando esse esquema com o que figura no capítulo 4,,
observamos que a única modificação consiste no žnput do compo-
nente semântico: ele já não se constitui apenas da estrutura profunda,
a mas, também, da estrutura de superfície. Vinculamos, entretanto,
a estrutura de superfície semântico por meio de um traço simples
(ao passo que empregamos um traço duplo no caso da estrutura
profunda) de modo a demonstrar que o papel da superfície tem
muito menos importância que o da estrutura profunda.
Teria sido preciso, talvez, unir o Output do componente fono-
lógico ao componente semântico para mostrar que o acento enfático
. influi na determinação do foco e das pressuposições. Não se pode
afirmar, contudo, que seja impossível determinar o acento enfático
a partir da estrutura de superfície. lsso é algo que mereceria ser
melhor estudado. ,
Convém, enfim, lembrar que a hipótese lexicalista pode, sem
nenhum problema, ser integrada na teoria—padrão expandida, e que
esta se propõe como o melhor instrumento para descrever a compe-
tência de um falante—ouvinte ideal, sem se impor, todavia, como ,
definitiva, visto que os estudos de novos problemas lingüísticos pode
sempre vir a tornar problemáticos alguns dos seus princípios.
A SEMÅNTICA GERATIVA
5.6. PROPOSIÇÕES PARA UMA NOVA TEORIA V
5.6.1. O FROELEMA l
Depois de se terem oposto radicalmente (Cf. o "estruturalismo")
ao mentalismo no estudo das línguas, e de, em conseqüência, terem
.descartado todos os problemas referentes ao sentido dos enunciados,
os lingüistas retornaram, gradativamente, a eles, a partir da elabo-
ração da gramática gerativa chomskyana. Vimos que o sentido en-
contra um lugar nessa teoria mas é bom lembrar que prepondera o
estudo da forma da língua, visto que, na teoria-padrão expandida
. é O componente sintático que é "gerativo" (ou "projetivo", para
empregar O termo de Lyons). Nessa mesma teoria, o componente
semântico é, ao contrário, somente interpretativo, O que quer dizer
que o sentido das frases pode ser deduzido (ou "interpretado") a
partir da sintaxe das frases, graças ao mecanismo que descrevemos
no capítulo anterior.
175
É interessante observar que o fenômeno da "semântica igeraä
tiva" parece continuar essa evolução da Lingüistica, tendo em vista
que os problemas do sentido nessa. nova teoria reocupam o lugar
central que atinham perdido com o nascimento do estruturalismo. (
Mas os próprios autores que estão na origem da semântica gerativa
(Mac Cawley, Lakoff, Postal. . .) são discípulos de Chomsky e, por
muito importantes que sejam as suas divergências para com este,
compartilham de seus objetivos e de seus métodos. No presente
capitulo examinaremos rapidamente algumas das críticas de Mac,
Cawley à teoriapadrão, as suas proposições para uma nova teoria,
por um lado, e, por outro, veremos as respostas de Chomsky a essas
proposições. _
5.6.2. A CRÍTXCA no MOEELO CHOMSKYANO FOR MAC CAWLEY
Parece que há diversos fenômenos difíceis de ser tratados no
âmbito da teoria-padrão; reunindoos, lingüistas como Mac Cawley
puderam evidenciar o fato de que eles possibilitam e até mesmo,
no seu modo de ver, impõem a construção de um novo modelo. En-
contra-se, abaixo, uma enumeração sumariamente comentada de
alguns desses fenômenos, seguida das conclusões que daí podem ser
extraídas. Para maiores detalhes, consulte-se, por exemplo, Mac
Cawley (1968) ou Françoise Dubois (1972).
A teoria dos traços de seleção é utilizada ao mesmo tempo
para gerar as frases no componente de base e para interpreta-las no
componente semântico (cf. capítulos '4 e 5). Poderia parecer que
essa teoria se presta a uma dupla utilização, que a teoriapadrão
leve ia tratar duas vezes do mesmo fenômeno, uma vez na sintaxe,
outra vez na semântica. .
Mas há algo mais grave, pensa Mac Cawley. Na teoriapadrão,
os traços de seleção, que permitem — lembremonOs — tratar certas
agramaticalidades, são os sintáticos ([+ comum], [+ plural], etc.),
ou semânticos ([) animado], [l visível], etc.). Contudo, Mac
Cawlev afirma que todos os traços de seleção, na realidade, são
traços semânticos, inexistindo traços de seleção sintática. Tomemos
um exemplo: o verbo Compter [contar] é habitualmente tratado como
um verbo que exige um objeto plural. Essa necessidade exprime-se
mediante o traço puramente sintático [—|— — SN plural]; lsso é falso, .
todavia, já que se pode encontrar tanto 1 quanto 2:
1 —— ]’zi compiá ler Curieux.
[Contei os curiosos.]
176
2 — ]’zi Cornpté lz foule. ~
[`Contei a multidão,] `
O objeto de Cornpter não devenpossuir 0 traço sintático l‘l" Piu-
ral], deve conter um traço que exprima O fato de que ele representa
um conjunto, e esse traço só pode ser semântico. Do mesmo modo,
Mac Caxvley reduz todos os traços sintáticos a traços semânticos e
supõe poder concluir daí que a representação semântica de uma frase
é idêntica à sua estrutura profunda, podendo, portanto, confundir-se
com ela.
Essa conclusão leva-0 a afastar-se da teoria-padrão. Mas nã—o
é esse fato único que o induz a tal observação. Vejamos o fenômeno
das frases chamadas "conjuntaS". Chomsky 11 afirma que uma frase
do tipo 3 deriva da estrutura subjacente a 3’:
3 — Ïezn et Pzul sont gentil:.
[Ïean e Paul são amáveis.]
3’ — Ïezn est gentil et Pzzzl est gentil.
[jean é amável e Paul é amável.]
Entretanto, deve-se observar que 4 não deriva da estrutura sub-
jacente a 4’:
4 ———— Pierre et Léon Sont sernblzbles. I
[Pierre e Léon são semelhantes.]
4’ — Pierre est Semblzble et Léon est Jernblable.
{Pierre é semelhante e Leon é semelhante.]
Daí Mac Cawley deduz que os sintagmas nominais conjuntos
do tipo ]ezn et Pul ou Pierre et Léon não são obtidos mediante a
transformação imaginada por Chomsky, mas que eles devem ser ge-
_radoS diretamente na base. Por outro lado, convém assinalar que o
sujeito de Sernblzble não deve ser um plural, visto que ler Cireuux
[as tesouras] (no sentido de une paire de Ciseaux [um par de tesou-
ras]) não pode ocupar essa função, devendo .ser, portanto, um sin-
tagma nominal que representa um coniunto. Ele propõe, assim, mar-
car qualquer nome mediante um índice de referência à realidade, e
marcar qualquer sintagma nominal conjunto com a soma dos índices
de nomes que ele contenha. Desse modo, simplificando a represen-
tação semântica, considerar-se-á que:
11. 1965.
177
Pierre é representado por [Pierrelx Ñ Ç
Pzul por [Paul],,
e Pierre et Pzul por [Pierre —†— `Paullx + ,
notação em que X e y são os índices de referência do elemento à
realidade que ele representa. Bastará, então, postular que o sujeito
de semblable deve ser marcado por uma soma de índices. Tudo isso
o leva a postular que a diferença entre os exemplos 3 e 4 acima
resume-se a uma diferença de representação semântica do adjetivo,
devendo ambos ser tratados do mesmo modo pela sintaxe. Para
evitar qualquer agramaticalidade, e para gerar as frases dotadas de
sintagmas nominais conjuntos na base, parece necessário gerar as
representações semânticas desde a base e, em particular, parece
necessário possuir seus índices de referências.
Um dos outros defeitos da teoria-padrão —— que foi, de resto,
observado várias vezes em outros lugares ——, reside na sua incapa-
cidade para tratar com certos fenômenos que são de ordem puramente
lexical. Considera-se, geralmente, que existem dois elementos Cbaud,
o primeiro, Cbuuíl, significando "de temperatura superior à tempe-
ratura habitual", e o segundo, Címudz, significando "que proporciona
uma sensação de calor". Semelhante tratamento não pode perceber
a relação existente entre cbzud, e Cbaudz. Parece eXistir, contudo
— em todas as línguas —, uma lei (universal, 'nesse caso) que per-
mite utilizar qualquer elemento que denote uma idéia de temperatura
para denotar uma sensação da mesma ordem provocada sobre o ho-
mem. Dessa forma, il fužt Cbzud [está quente] autoriza Ce mmtezu
est Cbeud [esse casaco é quente]. Se quisermos descrever esse fenô-
meno, a inserção leXical não pode ser, efetivamente, tão simplista
quanto é na teoria-padrão. O elemento chaud, em particular, só '
deveria poder ser inserido após o reconhecimento da representação
semântica qui procure une sensztžon de cbzleur [que proporciona
uma sensação de calor], e após a aplicação de uma transformação
Ï particular que permita inserir, no lugar dessa representação, um
[ elemento que simplesmente denote a idéia da `temperatura corres-
pondente. Segue-se daí que nem todas as palavras que utilizamos
estão registradas no léxico (ou, melhor, naquilo que Katz e Fodor
chamam "o dicionário" — ver O capítulo anterior —) e que algumas
delas são obtidas a partir de outras. O estudo do que Postal chama
de "1'eificação" levaria à mesma conclusão: tratase da operação que
permite passar de frases semelhantes a 5 e 6 e 5’ e 6’, mediante
um procedimento análogo ao abaixo apresentado:
178 ' `
li`]
“z
{
ux;. Ñ
5 — Mor: urticle Conceme le pari de Pzscal. '·
[Meu artigo enfoca a aposta de-Pascal.]
6 — ]eu72 est 02077 Cousirz. À
[]ean é meu primo.]
5’ —— MO7i zrticle est posá sur Z'étzgè7'e.
[Meu artigo está colocado sobre O aparador.]
6’ — IÉLZI1 fui: bien zm mètre Soixmte de Ímut.
[]ean tem bem um metro e sessenta de altura.]
Essas observações todas permitiram supor que, por um lado, a
representação semântica completa e necessária antes da inserção lexi-
cal e, por outro lado, que essa inserção lexical nem sempre é orde-
anteriormente às transformações.
Um exemplo mais convincente para a última afirmação é forne-
cido por Mac Cawley como conclusão do já mencionado artigo. Se
a inserção lexical se efetua antes das transformações, como afirma a
teoria-padrão, podemos estar diante de estruturas profundas seme-
lhantes a 7:
7 — Passivo — PÍTÏ-bZÍPdZll€Í-¿`€d€ï71Í€ïpÍ€Z¢ï€.
[Pierreagride-Paul-e-este-último-chora. ]
que se torna, depois da aplicação da transformação passiva imposta
necessariamente pela presença do morfema "Passívo":
8 — Pau!-eSt—[7uttii-par-Pierre-eÍ-Ce-demier-pleure.
[Paul-éagredido-por—Pierre-e-este-último-chora.]
É patente que os exemplos 7 e 8 não possuem o mesmo sentido,
já que em um dos casos Ce iemier [este último] se refere a Pzul
e no outro caso, refere-se a Pierre. Se desejarmos que a transforma-
ção não altere O sentido da seqüência sobre a qual ela se aplica,
devemos considerar que o elemento em questão, o sujeito da segunda
frase, só pode ser introduzido, em casos semelhantes a este, depois
da a lica ão da transforma ão 12. Seria ssível então, ue o Í72 ui
.)
do componente transformacional fosse constiturdo quer de repre-
12. Ele deveria, então, ser realizado como il [ele] ou la premiar [0
primeiro], etc., no caso de aplicação do passivo (e em ce dernier [este último]
no caso de não-aplicação do passivo). O fenômeno é 0 mesmo com Celui-ai
[este] e Celui—lâ [aquele].
179
sentações semânticas, quer de seqüências formadas de representações
semanticas e/ ou de elementos lexicais. A inserção lexical, desse ponto
de vista, ]á não está mais ordenadapreviamente às transformações.
5.6.3. A SEMÄNTICA CERATEVA
Com base em todas essas observações e em outras análogas,
Mac Cawley assinala que a noção de estrutura profunda, tal como
a concebe Chomsky, não é satisfatória, visto quer _
—- As restrições de seleção necessárias na base são, de fato,
exprimíveis em termos semânticos,
— As restrições semânticas bastam para dar conta dos fenô-
menos de seleção,
— Os elementos lexicais nem sempre podem ser inseridos na
base,
— O irzput das transformações deve ser constituído, às vezes,
de uma se üência de re resenta ões semânticas e/ou de
Q
elementos,
— As re ras de inser ão lexical da teoria- adrão não odem
8Ç_I
descrever certos aspectos da estrutura do lexico das linguas.
Pode-se comprovar, paralelamente, a "similaridade embaraçosa
entre o modo pelo qual a semântica foi igualmente tratada nas gra-
máticas transformacionais e o modo pelo qual a sintaxe foi tratada
pela gramática fonológica de Trager e Smith" 13. No parecer da
gramática fonoloica são geradas inicialmente as seqüências fonoló- V
gicas, as quais são interpretadas pela sintaxe. Para a gramática gera-
tiva transformacional, as seqüências de morfemas são geradas pela
sintaxe e são interpretadas pela semântica. Mas Cawley propõe, por
sua vez, gerar diretamente as estruturas semânticas, e em apoio de
sua hipótese postula haver uma estreita correspondência entre o que
Chomsky chamava estruturas profundas e as representações semân-
ticas. Tendo em vista, por outro lado, que as representações semânti-
cas devem, conforme o que ele pensa, ser dadas no irzput de certas
transformações, e considerando, ainda, que os elementos lexicais não
podem ser introduzidos desde a base, Mac Cawley propõe, depois
de ter demonstrado que as representações semânticas não são Seqüên- '
13. Mac Cawley (1968). Citado em francês por Ronat (1972).
180
cias lineares, devendo ser estruturadas sob a forma de árvores 14, con-
siderar a~ gramática sempre como um mecanismo finito capaz de gerar
uma infinidade de frases gramaticais, funcionando, porém, como se
ilustra no esquema abaixo:
àU"
aê Q) V
È g Regras de formação
. .g‘“ das representações
Š °å semânticas
.9
È àç Transformaçoes e,
Šù _ã regras de inserção
Š Š Š lexicais Regras de
7 ãîälrîço Interpretação
> [ · g L. , .
Estmtums de Superflcœ fonologica
U esquema poderá facilmente ser comparado com o que mostra
0 mecanismo da teoria-padrão expandida e desse modo se verá cla-
ramente o que parece opor radicalmente as duas teorias.
- 5.7. INADEQUAÇÕES DA HIPÓTESE DA
SEMANTICA GERATIVA 4
' 5.7.1. As CRÍTICAS DE CHOMSKY
É essencialmente em um artigo datado de 1970 ("SOme Empi-
rical Issues in Linguistic Theory") que Chomsky critica as hipó-
teses da semântica gerativa. Aliás, é interessante notar que no
mesmo artigo ele elabora — ou, melhor, aperfeiçoa —- a sua con-
cepção da teoria-padrão expandida. Para ilustrála, retomaremos
apenas algumas dessas criticas, agrupando-as, de um lado, em torno
14) Cf. artigo já citado, mas também ver Chomsky (1970), que re-
toma certos argumentos para resumi1Os (e criticá-los), fornecendo outras
referências.
181
da noção de estrutura profunda, de outro lado em torno da dualidade '
semântica gerativa/ semântica interpretativa, e, enfim, em torno do
tema "a semântica gerativa como variante da teoria-padrão expandida".
5.7.2. A NOÇÃO DE ESTRUTURA PROFUNDA
Uma das propostas mais inovadoras dos Semanticistas gerativis *'
tas consistiu em negar a existência de uma verdadeira estrutura pro-
funda e em confundila com a representação semântica, Ora, deixan-
do de lado O fato de que ela servia de irzput para 'a interpretação
semântica, o papel da estrutura profunda na teoria-padrão era múl-[
tiplo: ela servia de ponto de apoio para as transformações, explicava
certos universais formais, definia as funções gramaticais, determinava
`a ordem dos constituintes, e propunha um quadro formal seguro
para a inserção lexical. Seria necessário que a semântica gerativa
pudesse redistribuir essas diferentes funções no interior do novo
modelo que ela preconiza.
As diferentes restrições que se possam fazer para as transforma-
ções na teoriapadrão expandida São, às vezes, dificilmente exprimíveis
na teoria da semântica gerativa, já que tais restrições incidem sobre os
input: das transformações, ou seja, sobre as estruturas profundas
que, na verdade, a nova teoria já não reconhece.
Por outro lado, umçproblema aparece quando se considera que
os elementos lexicais não são mais inseridos antes das transforma-
ções. Se se afirma, como os semanticistas gerativistas, que 0 sintagma
é gerado mediante regras semânticas e é subentendido por um indi-
cador não-sintagmático mas,,isto sim, semântico, então já não é mais
possível explicar os fenômenos de que trata a hipótese lexicalista. _
e Na realidade, não será possível explicar porque as nominalizadas
gerundivas mantêm todas a mesma relação para com a sua frase-
originária, ao passo que as nominalizadas derivadas podem manter
todas as espécies de relações para com aquelas das quais provêm;
de acordo com Chomsky, esse fenômeno só é explicável através de
um tratamento sintático das nominalizadas do tipo daquele que ele
mesmo postulou em Chomsky-1968. É somente à base da sua estru-
tura profunda (frase num caso e sintagma nominal no outro) que
se pode explicar as suas respectivas interpretações semânticas. Parece,
portanto, tendo em vista as razões assinaladas, que a semântica
gerativa padece de um defeito quanto à concepção que faz do com-
ponente de base e da forma das estruturas profundas.
182
5.7.3. A DUALIDADE SEMÃNTICA GERATIVA/SEMÄNTICA ,
INTERPRETATWA —
No fundo, o problema resume—se nisto: podem as representações
semânticas ser geradas diretamente ou temos de gera-las passando ,
pela mediação das estruturas sintáticas?
Se nos atemos à primeira hipótese — a da semântica gerativa —-—,
ser-nosá impossível dar conta do papel de certos elementos super-
ficiais na representação semântica. A semântica gerativa postula uma
igualdade total entre as estruturas profundas e as representações
semânticas. Chomsky demonstrou, no entanto, que `tal correspon-
dência não é total e que os fenômenos do foco e das pressuposições,
a natureza do sujeito superficial, etc., influem na representação
semântica. Nessas condições, as representações semânticas não podem
ser geradas direta e totalmente na base, podendo unicamente ser
interpretadas a partir de estruturas sintáticas.
V Um exemplo célebre que corrobora a hipótese da semântica
interpretativa é O do elemento Orpbelin [órfão]. A semântica gera-
tiva introduz na base não o próprio elemento Orpßeliu, mas unica-
mente a sua representação semântica, isto é [pessoa que perdeu seus
pais]. Semelhante tratamento, na medida em que as transformações
não são ordenadas em relação à inserção lexical, não pode explicar
o fato de que a frase a seguir seja, senão agramatical, incompreensível:
-— Mux ert Orpbelin, et il ler zimait bezucoup.
[* MaX é órfão, e ele os amava muito.]
A teoria-padrão considera essa frase como incompreensível por-
que les [os] refere-se a um elemento que não está presente. Mas nos Àt
quadros da semântica gerativa o elemento em questão (que é, logi-
camente, "pais"), está presente na estrutura profunda já que esta é,
de fato, a representação semântica da frase e se apresenta sob a
seguinte forma, abstraindo-se a representação semântica dos demais —
elementos:
[
— Mux est [persona qui a perdu Ses parentsj, et il ler aimuit
bezucoup.
[Max é [uma pessoa que perdeu seus pais], e ele os amava
muito.]
Para evitar essa agramaticalidade, a semântica gerativa envereda —
por procedimentos tão complexos que Chornsky os julga anti-econô- ‘
183 [ .
micos em demasia quando comparados aos procedimentos utilizados i
pela teOria—padrãO. O poder descritivo da semântica gerativa é mui- _
tíssimo mais amplo, já que ela não pode evitar o engendramento de
frases agramaticais. Por outro lado, seu poder explicativo é defi-
ciente, já que ela não dá conta do papel da superfície na interpretação
semântica. - '
5.7.4. A SEMÄNTICA CERATIVA COMO VARIANTEYINADEQUADA
DA TEOR1A—1>ADRÃO EXPANDIDA _
O defeito mais grave da semântica gerativa parece residir, se- A
gundo Chomsky, no fato de ela pretender ser radicalmente oposta
à teoriapadrão expandida quando não é mais do que uma variante
desta e, o que importa mais, e uma variante imperfeita. A teoria-
-padrão expandida procura gerar a infinidade das frases potenciais
especificando as suas representações sintática, semântica e fonológica.
Para tanto, ela supõe que as representações sintáticas são, por um
lado, estruturas profundas e, por outro lado, estruturas de superfície,
colocando as primeiras em relação com a representação semântica e
relacionando as segundas com a representação fonológica. s
A semântica gerativa, por sua vez, tenta também descrever a
infinidade das frases potenciais especificando, igualmente, as suas
representações sintática, semântica e fonológica.· Mas ela confunde
a estrutura profunda com a representação semântica e gera a repre-
sentação semântica em primeiro lugar. De fato, se nos lembrarmos
de que o papel da gramática não é o de descrever mecanismosde
produção e/ ou de recepção das frases, mas somente o de propor um
modelo da competência, isto é, finalmente, da organização da língua,
da sua propriedade recursiva e das relações que existem entre 0 '
som e o sentido das frases, não há nenhuma razão para supor que
tal ou qual componente deva intervir antes de tal ou qual outro.
Nenhuma importância tem para a gramática que as representações
_ sintáticas sejam geradas a partir das representações semânticas ou
que ocorra o inverso, já que a gramática não é uma teoria da per-
formance. Tratase somente, no seu caso, de dar a melhor descrição
do conjunto infinito das frases gramaticais, excluindo as frases agra-
maticais e fornecendo a explicação mais racional das relações exis-
tentes entre as estruturas sintáticas, as representações semânticas e
as representações fonológicas. K
O modelo da semântica gerativa não é, pois, a priori, melhor
do que O da teoria-padrão expandida, visto que ele não é, no fundo,
184
senão uma simples variante deste último. Passava-se, em última ,
análise, de uma teoria da sintaxe para a semântica e agora, na nova
teoria, passarse-ia, mediante uma inversão das regras interpretati-
vas, da semântica para a sintaxe. Unicamente argumentos empíricos
podem, ainda aqui, permitir que se escolha entre as duas soluções:
deverá ser mantida a solução que explique o maior número de fatos
do modo mais simples. Parece que a semântica gerativa é poderosa
demais, permitindo até mesmo gerar línguas que não eXistem, sendo,
por outro lado, incapaz de explicar certos fenômenos de que a teoria-
—padrão expandida trata sem maiores dificuldades.
Semelhantes querelas entre escolas não esgotam os -temas de
pesquisa em Lingüística. Tender a aceitar, por causa de argumentos
empíricos, uma dada hipótese de preferência a uma o—utra, não signi-
fica que se pense possuir definitivamente a forma do modelo de
competência. A teoria-padrão expandida depara-se — e ainda haverá
de se deparar —— com numerosos problemas que vão, certamente,
obrigála a se modificar. Mas, tendo em vista que não existe nenhum
procedimento para descobrir a melhor gramática, os lingüistas deve-
tão continuar a estudar fenômenos particulares a fim de aperfeiçoar
a sua construção de um modelo da competência. E isso eles mal
começam a— fazer. Os trabalhos situados nos quadros da gramática
gerativa demonstraram, porém, que não basta descrever, que se deve,
também, explicar, coisa que nos leva, às vezes, ia tomar-consciência
de novos problemas, que uma simples descrição não pode localizar.
É, de certo modo, o que afirmava Poincar, muito antes do nasci- “
mento da gramática gerativa, ao escrever em La Science El l’Í7ypOtÍJè.v': V
"A ciência se faz com fatos, assim como uma casa se faz com l
pedras; uma acumulação de fatos, contudo, não é uma ciência, assim l
como um monte de pedras não é uma casa."
. `Kl
i
Ä
no ,i
BIBLIOGRAFIA
A bibliografia proposta abaixo é fragmentária, pois agrupa apenas as
obras que serviram de base à argumentação ou que a prolongam diretamente. '
em Ruwet (1967) e Ruwet (1972) encontra-se uma bibliografia pormeno-
rizada. Por motivos fáceis de adivinhar, Opt0u—Se pela referência à versão
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Ï Este livro foi composto e ·
impresso pela EDIPE A1't2s
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Paiva, 60 — São Pauo.
PSICOLOGIA DA LINGUAGEM* — I V
Rober F. Terwilliger
INTRODUÇÃO À LINGÜÍSTICA
ROMÃNICA — Maria Lužza F, Miuzzi
Å LINGÜÍSTICA E ESTILOÍ* — Erzkvist,
. Spzrzcer e Gregory
ELEMENTOS DE SEMIOLOGIA* — V
Rolrmd Bartges
° A CONTROVÉRSIA ESTRUTURALISTA —-
Møc/Csey e Domzto (orgs.)
SEMIÓTICA E FILOSOFIA* —: C/Jzrles
Smders Peiræ
MENSÀGENS E SINAIS * — Luž: ]. Prieto
OS PROBLEMAS TEÓRICOS DA
TRADUÇÃO — George: Mozmin
' TRADUÇÃO: OFÍCIO E ARTE * —— Érwirz
` T/aeodor
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INICIAÇÃO METÓDICA À
GBAMÁTÏCA GERATIVA · e
Christian Nique
Especialmente preparado para o leitor nãoespeCializado e,
sobretudo, para aqueles que iniciam seu curso de Linguistica
nas Faculdades de Letras, este volume expõe os princípios bási-
’ cos da Gramática Gerativa e estuda as diferentes etapas de sua
evolução a partir dos primeiros anos da década de 1950. O
objetivo da INICIAÇÃO METDICA Ã GRAMÁTICA GERATIVA
U é. introduzir o estudante no método chomskyano, do qual põe
em relevo o duplo aspecto, gerativo e transformacional, ilus-
trando-0 com numerosos exemplos de análise. Conciso, didá-
tico e claro em sua linguagem expositiva, o presente manual,
V que encaminha o leitor para o entendimento de obras mais
complexas sobre a matéria, conclui com uma breve apresen-
tação das pesquisas recentes nesse campo dos estudos lingüis-
» A ticos, destacando a teoria lexicalista e a Semântica Gerativa.
d EDITORA CULTBIX

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