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Algum sábio disse uma vez que a juventude é a fonte da arrogância, fato que observo com

frequência em meus escritos. A pouca idade – ainda que disfarçada pela proveniente calvície -
me faz ter uma visão extremamente taxativa das coisas. Certezas que só uma vida mais longa
me tirariam são cuspidas com velocidade e prepotência bastante similares. No entanto, nestas
e nas linhas que se seguem, resolvi dar de ombros e expor, mais do que simples lições tiradas
da minha e de outras vidas, dúvidas e incertezas. As mesmas que ontem me foram jogadas em
uma mesa engordurada de lanchonete e me fizeram dirigir até quase nascer o sol. Afinal de
contas, estou no caminho certo?

Acreditem, apesar da juventude, já vivi bastante coisas. Boas lembranças, más lembranças,
arrependimentos, traumas, saudades que doem no peito, expectativas, planos frustrados,
planos em andamento... Ufa! De fato, não tive uma vida tão desacelerada quanto a vã filosofia
familiar pode, por vezes, pregar. E se fosse morrer amanhã, como se sentiria? Bem, acho que,
dentro de algumas horas, morto; porém, verdadeiramente, sereno. Não digo que feliz ou
triste, mas sereno. Em paz. Não tenho filhos, nunca plantei uma árvore e quanto ao livro,
estamos trabalhando nisso. Mesmo assim, olho para minha vida e não consigo vê-la aquém do
que supostamente deveria ser. Ou melhor, talvez aquém, sim, em alguns aspectos; mas muito,
muito superior em outros. Aliás, desculpem a curiosidade, o que é mesmo que a vida deveria
ser?

E é assim que voltamos à tal mesa engordurada, onde, ao som de Ozzy Osbourne, eu devorava
um delicioso cheese-salada e ouvia as maiores barbaridades sobre um homem na faixa de seus
60 anos, que, trabalhando com sua esposa, não tinha o menor pudor em proferir grosserias
para suas funcionárias e falar de casos extra-conjugais na frente da suposta corna. Nossa, que
homem nojento, dizia uma. O que ela viu nele?, perguntava a outra. Cara, ela tem grana; não
precisava disso, reprovava a terceira. E o sanduíche descendo com o refrigerante...

Racionalmente, e até por ser filho de historiadores, eu sei perfeitamente que um casamento é,
antes de mais nada, um negócio. Famílias que desejavam aumentar suas posses se juntavam a
outras, através de uma união formal entre seus herdeiros. Amantes – de ambos os sexos –
eram quase tão comuns quanto um rolo de macarrão. Para que esconder, não é verdade? Ao
longo dos séculos, porém, descobriu-se que era muito mais agradável dormir com alguém de
quem realmente se gostasse; e, assim, a vida conjugal passou a dispor de muito mais
intimidade, o sexo matrimonial se transformou em um autêntico ato de amor, enquanto
impérios e famílias que se fodessem, para usar de bom português.

E chegamos ao século XXI, onde, após 100 anos de camisinhas, pílulas anticoncepcionais,
revolução sexual, hippies, drogas e rock’n roll, a esmagadora maioria das pessoas ainda fala
em amor eterno, casais feliz, amor da minha vida, comprar uma casa juntos, dentre outros
clichês românticos. Muito legal! Muito mesmo! Mas é aí que eu paro e penso no casal
devastado pelas minhas acompanhantes. Ué, se o casamento é um negócio e ambos estavam
em cargos de chefia, parece-me que a empreitada deu certo, não? E se a mulher tinha grana,
parece-me mais ajeitado ainda. Pense bem: não se trata exatamente de um golpe do baú nos
moldes novelísticos, mas, segundo o relato que acompanhava as batatas fritas, ao mesmo
tempo em que havia dinheiro, havia a solidão. Logo, ambos se resolveram. Enquanto isso, um
grupo de quatro jovens nascidos na década de oitenta – aquela mesma, conhecida como “a
década perdida” – estava mais preocupado em criticar o casamento alheio do que em achar o
seu próprio, fosse ele romântico, como os do século passado; fosse ele contratual, como o de
todas as outras épocas.

OK, crítica feita, eu posso dizer que realmente adoraria entrevistar as outras três pessoas
envolvidas no tal diálogo. Entretanto, respeito o sono alheio e fico apenas com a opinião deste
que aqui escreve. Eu acredito em casamento romântico. Acredito em amor. Aliás, já tive
experiências sexuais dos mais variados tipos: com amor, sem amor, por vontade, por
necessidade, profissionais, loucas, selvagens, agradáveis, ruins... E querem saber? John Lennon
tinha toda a razão. Ainda não inventaram nada tão fantástico quanto dormir abraçado com
quem se ama. Não se trata de sexo. Trata-se de amor, parceria, carinho. Algo que poucas
pessoas experimentam na vida, mas que, todo mundo acha que sabe como é. Será que isso
explica a quantidade de solteiros com marcas de batom na camisa dizendo que está chegando
a hora de “se ajeitar na vida”? Ou será que o que explica tal falsidade é a impressão de que o
casamento ainda é um negócio, e que, para crescer na vida ainda devemos juntar os trapos?
Afinal, comprar uma casa em duas pessoas me parece mais viável do que comprar sozinho. Ou
não?

De minha parte, sigo acreditando no amor. Sigo achando que dormir com alguém de quem
realmente gostamos é uma dádiva que não deveria estar à venda, mas, honestamente, será
que sou eu quem está certo nessa história? Ou será que, em alguns anos, não serei eu de terno
e gravata, inventando reuniões para fugir de uma mulher que desprezo, mas que mantenho ao
meu lado em nome de toda uma estrutura igualmente desprezível? Só o tempo irá dizer. Não
serei eu, nem o som baixo do carro, nem os faróis da Av. 23 de maio, e nem o sábado, que
começa para alguns, mas que fecha a noitada de sexta para mim. Boa? Apenas livre. Quanto
ao caminho certo e o que a vida deveria ser, eu realmente não sei. Conforme prometido, aqui
expus mais dúvidas do que as tradicionais e juvenis certezas.

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