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Haicai dos Sentidos

Coleção Prato de Cerejas

Copright @2015 by Joana Woo

Edição: Marisa Sevilha Rodrigues


Capa: José Luiz da Silva
Imagem: Izabel Demarchi
Projeto Gráfico: José Luiz da Silva
Revisão: Marisa Sevilha Rodrigues
Coordenação de edição e projeto gráfico:
Marisa Sevilha Rodrigues
Edição digital: Tiago Ferro
Editoração eletrônica: e-galaxia

Taxi Blue Editora Ltda


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Conj. 133 – bloco 1
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(Dados de catalogação Bibliográfica aqui)


Joana Woo

Joana Woo

Haicais
dos
Sentidos

São Paulo
abril de 2015
Haicai dos Sentidos

Feito estações
nossa humanidade
vive mutações
Joana Woo

Dedicatória

Para o André, o grande amor da minha vida,


que me possibilita viver com intensidade todos os meus sentidos.
Haicai dos Sentidos

APRESENTAÇÃO
“Na poesia
o papel esfacela
feito de arroz”

Lembro que o meu primeiro contato com um haicai ocorreu de forma muito
intuitiva, em um período de minha vida que escrevia textos cada vez mais
curtos. Ao entrar em contato com esta forma peculiar de poesia, entrei em
uma espécie de epifania, e a partir de então me envolvi em diversos estudos
e experimentações que acabaram por me levar a escrever alguns textos que
me atrevi chamar de haicais.
Ao ler o livro de Joana Woo, fui tomado de recordações desta fase de meus
estudos. Nomear um texto como haicai é mais complicado que escrevê-los,
conheci muitos exímios haicaistas, que tinham um grande pudor de nomeá-
los assim, acabavam por inventar novos neologismos, só para não dizer que
haviam escrito um haicai, isto além de um esforço desnecessário, também é
uma espécie de etnocentrismo complicado, dizer que no ocidente não
podemos escrever haicais porque não temos as ferramentas para tanto. Para
mim é o mesmo que dizer que um japonês não poderia escrever um romance
ou uma novela.
O haicai é uma maneira de encarar a realidade, em muitos grandes autores, e
mais especialmente em Bashô, não é possível colocar sua espiritualidade de
lado, e encarar a obra somente com a sua relação estética.
Escrever um haicai é um grande exercício de síntese, a mensagem pode e
deve ser vista dentro de inúmeras possibilidades do jogo de palavras. É a
ferramenta de burilar o nada, e ao mesmo tempo criar universos.
Joana Woo faz um caminho mais complicado, procura em seus haicais, muito
bem nomeados assim, percorrer os nossos caminhos de contato com o
sensível, nossos cinco sentidos, e em uma percepção sutil, incluir o sexto
sentido, que é a soma de todos, e um sentido escondido, que nas fêmeas de
nossa espécie parece ser um sentido muito apurado. E finalmente, em uma
sacada de maestria incluir o “sem sentido”, não existe nada mais zen do que
jogar um sentido para a imponderabilidade, o “sem sentido” remete ao
arqueiro zen, que ao atirar sua flecha, não deve focalizar o seu alvo, mas
permitir que o grande acaso a leve para o seu caminho. Um bom haicai é
aquele que pela habilidade da palavra atinge seu alvo, mesmo quando o
autor não se dê conta de estar atirando a flecha.

Edson Bueno de Camargo,


poeta, arte postalista, fotografo extemporâneo, pedagogo, arte-educador.
Joana Woo

VISÃO
Haicai dos Sentidos

Vejo as folhas
árvores são despidas
Sinto solidão
Joana Woo

Olhos de Maria
pintam o céu de cores:
É primavera
Haicai dos Sentidos

Eu vi a noite
chegar fria no inverno
Me fez chorar
Joana Woo

Lindo é rever
cada por de sol nos seus
cabelos tão gris
Haicai dos Sentidos

Para ver o mar


olhos jabuticabas
pinto-os de azul
Joana Woo

Luz e sombra
o peixe que é cego
não se conhece
Haicai dos Sentidos

Nascem desejos
na miragem do olhar:
estrelas gemem
Joana Woo

Memórias são
fotografias guardadas
em lagos fundos
Haicai dos Sentidos

Noite cor rubi


lençol de cetim sujo
tinto de sangue
Joana Woo

Os olhos fazem
e refazem as curvas:
gata está no cio
Haicai dos Sentidos

Pobre velho
da vista desgastada:
Terra grisalha
Joana Woo

Avisto o mar
coração se acalma
no seu balançar
Haicai dos Sentidos

O olho espia
a íris se abre
feito uma flor
Joana Woo

Preto no branco
Rios Negro e Solimões
Amores vivos
Haicai dos Sentidos

De frente pro mar


Janela é com vista:
Pulsa coração
Joana Woo

Os vulcões queimam
o povo em erupção:
Os reis estão cegos
Haicai dos Sentidos

Lua minguante
cobre ruínas de branco
Negros lamentam
Joana Woo

Sussuram todos
segredos da liberdade:
Terras são surdas
Haicai dos Sentidos

Cisnes no lago
assistem um pôr-do-sol
O cuco avisa
Joana Woo

Cegos amantes
se beijam nos trilhos:
Borboleta voa
Haicai dos Sentidos

AUDIÇÃO
Joana Woo

Ouço um rio
ele navega em mim
Não há licenças
Haicai dos Sentidos

As folhas caem
nenhum barulho se faz
Coração solto
Joana Woo

Sol é ardente
tem um som metálico
Panela quente
Haicai dos Sentidos

O passarinho
encantou muitas manhãs
Hoje silenciou
Joana Woo

Os seus agudos
estalam feito cipós
tristes e secos
Haicai dos Sentidos

O tempo sempre
diz tic tac tic tac tic tac
Ursos hibernam
Joana Woo

Todos suspiros
são estrelas cadentes
Rios de luzes
Haicai dos Sentidos

A sua floresta
meu coração habita:
ensurdecedor
Joana Woo

Meu pensamento
bate rebate bate:
eco nas pedras
Haicai dos Sentidos

Toc toc toc toc toc


Porta que não se abre
Casa de pedra
Joana Woo

Adentro em mim
O sarau das estrelas
é meu abrigo
Haicai dos Sentidos

Cala o silêncio
das pedras mortas:
a fome grita
Joana Woo

O leão ruge
dentes são afiados:
não existe paz
Haicai dos Sentidos

Feito cascata
quando a mente fala:
nada se ouve
Joana Woo

Nasceu Narciso
Contou todas estrelas
do céu da boca
Haicai dos Sentidos

Gemidos tristes
foram ouvidos no cais
A lua é cheia
Joana Woo

Seus passos são tão


íntimos aos ouvidos
como som de mar
Haicai dos Sentidos

Um grito eco
Apenas as montanhas
feitas de medo
Joana Woo

Na sua placidez
escondo as palavras
Lago sem ondas
Haicai dos Sentidos

Olhos negrumes
Coração grita de dor
na luz da noite
Joana Woo

TATO
Haicai dos Sentidos

Luas passaram
nos meus dedos tão frágeis
Tez enrugada
Joana Woo

Na poesia
o papel esfacela
feito de arroz
Haicai dos Sentidos

Primavera chegou
vestindo pele de onça
Me fez uma tola
Joana Woo

Mãos usam luva


amortecidas do frio
Crianças morrem
Haicai dos Sentidos

Por que os lobos


não podem se abraçar
fazem a guerra
Joana Woo

Escorre areia
grãos entre os dedos contam
minha jornada
Haicai dos Sentidos

Faz muito frio


a brisa dos seus lábios
é cor de fogo
Joana Woo

Beijo o dia
vestido de bem-te-vi
sem suas asas
Haicai dos Sentidos

Outono passa
Minha boca suplica
a sua presença
Joana Woo

Feitas de amor
as lágrimas são quentes
Descem cascatas
Haicai dos Sentidos

Pele de seda
Demônios escalpelam
Tormenta no mar
Joana Woo

Pedra com musgo


Natureza transborda
Rios paridos
Haicai dos Sentidos

PALADAR
Joana Woo

Amarga vida
faltam sal e açúcar
Rio sem águas
Haicai dos Sentidos

Verão tem gosto


de sorvete na praia
beijo na boca
Joana Woo

Tenho um gosto
de outono na boca
Árvores nuas
Haicai dos Sentidos

Beber a água
do rio antes que gele
Última chance
Joana Woo

O Sabor rosa
Na minha boca, flores
fazem a festa
Haicai dos Sentidos

Sinto na boca
o gosto da infância
de um dia de sol
Joana Woo

Mastigo a lua
os desejos frustrados
viram rios de fel
Haicai dos Sentidos

Chuva é doce
suave ao meu paladar
Amor em gotas
Joana Woo

Sol tem gosto bom


de fruta amarela
colhida no pé
Haicai dos Sentidos

Dia de chuva
Sabor de infância no
bolo de fubá
Joana Woo

Engulo os ossos
e os restos dos dentes
O mar é morto
Haicai dos Sentidos

Homem sem alma


Peixes se multiplicam
mas não bastará
Joana Woo

OLFATO
Haicai dos Sentidos

Tempo toma conta


Cheiro de chuva sempre traz
velhas memórias
Joana Woo

Olor de terra
A morte é a suspeita
de roubar vidas
Haicai dos Sentidos

Jardim de Jasmim
Brancas são todas as minhas
noites sem você
Joana Woo

Hálito acre
Pele judiada de sol
cultivo a dor
Haicai dos Sentidos

Todos perfumes
revelam lilith, lua
dentro de nós
Joana Woo

O cheiro é verde
A espera é madura
já pode colher
Haicai dos Sentidos

Tempo atrasado
Os cães farejadores
roem as unhas
Joana Woo

As flores nascem
exalando odores
Gata se lambe
Haicai dos Sentidos

Rio selvagem
Coração é essência
com notas de paixão
Joana Woo

Perfume no ar
Gatos se entrelaçam
Semeio a brisa
Haicai dos Sentidos

Festa bacana
Ternos parecem caros
Coiotes fedem
Joana Woo

Fecha a porta
a maldade tem cheiro
de flor morta
Haicai dos Sentidos

SEXTO SENTIDO
Joana Woo

Poema nasce
feito trigo que brota
Boa colheita
Haicai dos Sentidos

Fantasmas dançam
Nos rios dos ancestrais
Carmas se revelam
Joana Woo

Colheita farta
Poetas psicografam
astros se beijam
Haicai dos Sentidos

Orixás rezam
as florestas não têm paz
O mar vomita
Joana Woo

Águia anuncia
a chegada do novo
Nasce um poema
Haicai dos Sentidos

Casa de ferro
Fogo que arde e queima
fé que não morre
Joana Woo

Corujas piam
se em terras áridas
maçã é grátis
Haicai dos Sentidos

Os lobos uivam
A vida e a lua
mostram suas faces
Joana Woo

Rios de sangue
Bruxas carregam fardos
pelos milagres
Haicai dos Sentidos

Acordei triste
Corvos pousam no muro
fazendo amor
Joana Woo

O mar agita
Serpente sibila
presa no frasco
Haicai dos Sentidos

Dias ligeiros
Entre o sol e a lua
uma só chance
Joana Woo

Numa piscada
o ciclo que era novo
acorda velho
Haicai dos Sentidos

O mar secou
as lágrimas rolaram
o rio voltou
Joana Woo

Vermelho é sangue
Abutres são parentes
Viver é risco
Haicai dos Sentidos

Deus e Diabo
Espíritos e homens
Céu e a Terra
Joana Woo

Se está claro
meu escuro espera
um anoitecer
Haicai dos Sentidos

Celular tocou
Borboleta não pousou
Ele não vem mais
Joana Woo

Meu silencio
no topo da montanha:
Neve é branca
Haicai dos Sentidos

Sou a semente
Levada pelo vento:
Fecho os olhos
Joana Woo

Brota o desejo
no lado mais oculto:
Raposa negra
Haicai dos Sentidos

Na terra seca
os corações estão duros:
choram os xamãs
Joana Woo

SEM SENTIDO
Haicai dos Sentidos

Luas grisalhas
dançam nos anéis cobres
Montanhas uivam
Joana Woo

Peixes de ferro
voam sempre em bandos
Céus são púrpuras
Haicai dos Sentidos

Ursos dourados
enfeitiçam os mares
Rios se afogam
Joana Woo

Sapos são bocas


Crianças comem terra
Sol ametista
Haicai dos Sentidos

Tudo farfalha
água terra fogo ar
O Rei é Rubi
Joana Woo

Um mar de farpas
engolem lagos azuis:
cobras safiras
Haicai dos Sentidos

Florestas amam
os filhos feitos de pó
Pedras se movem
Joana Woo

Saturno olha
Homens explodem almas
Balé sem sol
Haicai dos Sentidos

Urubus cantam
Flores são movediças
Amo cerejas
Joana Woo

Beijo os astros
O mago está morto
Madeiras brilham
Haicai dos Sentidos

BIOGRAFIA

Joana Woo, nascida em São


Paulo no dia 31 de outubro de
1962.
Signo Escorpião com ascendente
Áries, estudou Direito na
Faculdade São Francisco e Artes
na Faculdade de Belas Artes.
Desde muito jovem sempre foi
apaixonada por literatura e
poesia.
Optou em estudar Direito no
Largo São Francisco por ter sido
a faculdade de grandes poetas
brasileiros
(Álvares de Azevedo, Castro Alves e Fagundes Varella).
De natureza empreendedora acabou fundando em 1987 a Símbolo,
uma editora de revistas.
Ao completar 50 anos, voltou a poesia criando sem pretensão a
Libertária,
uma página de poesias que hoje tem mais de 1000 poetas
publicados.
Ama o mundo poético, mas é nos haicais que transborda seu papel
de poeta.
Joana Woo

Selo Prato com Cerejas


Dezembro de 2014
São Paulo

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