Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
geografia perfeita
para insetos
São Paulo
abril de 2015
Geografia perfeita para insetos
Edson Bueno de Camargo
APRESENTAÇÃO
Ler este livro sem interromper a leitura faz sentir como se fôssemos
as patas dos insetos a explorar caminhos conhecidos, mas nunca
devidamente explorados. É como olhar algo velho com olhos novos.
Redescobrir.
Cada poema nos leva a enxergar através dos olhos do poeta, por
casas, jardins e espaços, um mundo real que se confunde com o
mundo onírico. É como se ao refletirmos o poema, pudéssemos ver
auras, fantasmas e magia onde antes havia apenas “palavras da
pedra ... em um cristal de basalto”.
Cada verso pode esconder sempre uma nova leitura. Convida para
reler o poema e mergulhar numa imensidão transcendente, ou
simplesmente imaginá-lo como o instantâneo de uma foto. Tudo isso
permeado pela sutil influência oriental.
Cecília Camargo
arte-educadora, fotógrafa e poeta bissexta
Geografia perfeita para insetos
Edson Bueno de Camargo
conhecer
há momentos
que somos escravos
da sede de conhecer
o peixe
morde a morte
mais por curiosidade
que por fome
Geografia perfeita para insetos
geografia
todo dia
um horizonte novo
se cria em minha janela
as áureas se costuram
em alinhavos de cores quentes
e a medida que anoitece
se transladam em cinzas de azuis
Edson Bueno de Camargo
sono
uma sombra
percorre meu sono
no sonho
esculpo horizontes com os olhos
Geografia perfeita para insetos
sufocada
descanso a mão
sobre o parapeito da janela
o azul do céu
não está mais
Edson Bueno de Camargo
incertos
gosto de observar
o desenho
que o vento faz
com as folhas na rua
o outono
é a época das imagens
dos incertos
Geografia perfeita para insetos
sexo dos insetos
1
este ano
o inverno foi mais duro
nossos ossos ressequidos? gastos?
desenham o frio em cada cristal de cálcio
depositam flores de crisântemo
sobre o barro cozido
as estrelas mortas
vivem em nós
fizeram-se carbono e carne
e querem nos devolver à terra
nossas dores pedem descanso
mortos não sentem nada
2
o silêncio da casa
tenta estancar
o vento
que jorra lá fora
(o céu enferrujado engendra
furacões em seu ventre)
as flores da pitangueira
caem estéreis
sem o sexo dos insetos
não pode haver frutos nesta primavera
raízes
esta casa
cobre minha cabeça
mas não mais me abriga
minhas pilhas
de livros pelos cantos
são ruínas
de papel
Edson Bueno de Camargo
vermelha
a tarde cai
abrupta
e vermelha
nos subterrâneos
e nos subúrbios
em seus muros
necromantes desajeitados
geram um mundo deformado
Geografia perfeita para insetos
o horizonte
horizonte
o prédio
que cresce
na paisagem de minha janela
priva
orgânica
a paisagem urbana
se amarra ao por do sol
em cabos elétricos e postes
luminárias de fogos ardentes
ao tomar ares de nave espacial venusiana
a cidade é orgânica
monstro vivo e cada vez mais lento
e somos os parasitas
que habitam a sua barriga
Geografia perfeita para insetos
rosácea
vermelho
os dedos espigas
de flora selvagem
cordames de verde
delicado e doce
a enlaçar o ar
inadvertidos
fechar os olhos
e se sentir flutuar de braços abertos
com o ar nas pontas dos dedos
nêsperas verdes
em gravidades
raízes minerais da casa
se afundam em uma alma de granito
buscam o coração do leito argiloso
a casa adquire
conotações vegetais e fractais
de crescimento áureo
matemática de ouvidos sonoros
de esferas
e música pitagórica
as estrelas se derramam
sobre o quintal sem luz
de interruptores fechados
e nêsperas verdes
as crianças no escuro
escondidos em olhos algozes
com asas de corvos agourentos
a sombra
desta árvore
abriga uns silêncios
expectativa
e algo mais que não se distingue
lâminas
(as rãs
em concerto
vigiam a nova prole)
Geografia perfeita para insetos
mariposas
predador e presa
a ninfa do louva-a-deus
confunde o fotógrafo incauto
que pensa outro inseto
bicho-pau
louva-deus
que mundo cruel este
onde predador e presa
vestem a mesma roupa
Geografia perfeita para insetos
beleza e alimento
se lírio sorve
talo taça
a abelha
brinda
flores produzem
aos olhos desavisados
beleza e alimento
quando em verdade
estão a exporem seus sexos
Edson Bueno de Camargo
galhos pendidos
domingos chuvosos
são como o pé de azaléias de meu jardim
com flores rosas e molhadas
com os galhos pendidos
pela água nas folhas
açucareiro
perdidas formigas
insistem em atacar o açucareiro
(fortaleza inexpugnável de plástico)
um resto de primavera
na calçada
da rua de minha casa
neste ano que termina
retorno
sementes secando
no cimento
mata
que espera retorno
em nosso fim
ou coração
Edson Bueno de Camargo
sumi-ê
desenhar bambus
por ofício
gomo por gomo
e folhas agudas
escamas da terra
serpente verde
que ganha o céu
palavras da pedra
sê como pedra
para saber
os desígnios da pedra
falar as lentas
palavras da pedra
que carregam
mais de mil gerações humanas
em um cristal de basalto
Edson Bueno de Camargo
as coisas se criam
a estrada
caminha sob nossos pés
os lugares se criam
à medida que preenchemos
nossos olhos com imagens
as coisas se criam
à medida que as palavras lhes dão nome
(o mundo só existirá
com a experimentação)
Geografia perfeita para insetos
há uma violência
no trespassar dos fótons pelo vidro
há uma dor sílica
destilada em fornos ardentes
o coração da luz
é deveras delicado
cristal indelével
que se rompe e se apaga
a qualquer momento
somos devolvidos à escuridão
Edson Bueno de Camargo
universos
o menino
cria universos
no céu que vê
refletido nas poças da água
Geografia perfeita para insetos
esquecimento
o esquecimento
esfria mais o ar
que este vento polar
que lembra inverno
Edson Bueno de Camargo
nos varais
nos varais
sonhos em fios e pregadores
secam ao sol inclemente
de verão
Geografia perfeita para insetos
enxame
nas escadas
os anjos sobem e descem
minha vida
(em um enxame de abelhas)
se esvai pela boca
Edson Bueno de Camargo
pele
ando tão só
que nem a minha sombra me reconhece
timoneira de naufrágios
o poeta
coleta ossos do verbo
para que se esclareça
o tempo e palavra
a morte fuma
cachimbo de marinheiro
a fumaça entre os dentes sem lábios
paralelos
mapa do mundo
a palavra
constrói arcos
perfeitos em sua simetria
o barro cozido
se confunde com a terra e o fogo
é o âmago do planeta
objetos perdidos
contorno de nadas
objetos perdidos em si
( o passado
brinca
no chão de tábuas da sala )
(outra casa) (outro tempo)
nicho vazio
a espera por novos deuses
inertes
ensinei à água
que corre
contra a gravidade
o alfabeto das coisas inertes
fica em suspensão
gotas elétricas
que buscam
a luz das estrelas
sempre é dia
de se voltar para casa
Edson Bueno de Camargo
BIOGRAFIA