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Geografia perfeita para insetos

Coleção Prato de Cerejas

Copright @2015 by Edson Bueno de Camargo

Edição: Marisa Sevilha Rodrigues


Capa: José Luiz da Silva
Imagem: Izabel Demarchi
Projeto Gráfico: José Luiz da Silva
Revisão: Marisa Sevilha Rodrigues
Coordenação de edição e projeto gráfico:
Marisa Sevilha Rodrigues
Edição digital: Tiago Ferro
Editoração eletrônica: e-galaxia

Taxi Blue Editora Ltda.


Rua Prof. José Horácio Meirelles Teixeira, 1129
Conj. 133 – bloco 1
Morumbi – São Paulo – SP - CEP.05630-130
Tel. (011)37432276
www.taxiblue.com.br

(Tiago: colocar os dados da e-galaxia, aqui)

(Dados de catalogação Bibliográfica aqui)


Edson Bueno de Camargo

Edson Bueno de Camargo

geografia perfeita
para insetos

São Paulo
abril de 2015
Geografia perfeita para insetos
Edson Bueno de Camargo

APRESENTAÇÃO

Ler este livro sem interromper a leitura faz sentir como se fôssemos
as patas dos insetos a explorar caminhos conhecidos, mas nunca
devidamente explorados. É como olhar algo velho com olhos novos.
Redescobrir.

Cada poema nos leva a enxergar através dos olhos do poeta, por
casas, jardins e espaços, um mundo real que se confunde com o
mundo onírico. É como se ao refletirmos o poema, pudéssemos ver
auras, fantasmas e magia onde antes havia apenas “palavras da
pedra ... em um cristal de basalto”.

Cada verso pode esconder sempre uma nova leitura. Convida para
reler o poema e mergulhar numa imensidão transcendente, ou
simplesmente imaginá-lo como o instantâneo de uma foto. Tudo isso
permeado pela sutil influência oriental.

A presença da casa, do quintal, da rua de suas memórias, coloca em


foco momentos microscópicos ou tão rotineiros que sob outros olhos
passariam desapercebidos, mas que são revestidos de extrema
beleza como:“um cão coleta seu latido/em uma lua descalça/que
atravessa a rua molhada/diante de minha casa”.

Definitivamente Edson Bueno de Camargo leva a sério o conselho de


Leon Tolstói “canta tua aldeia que cantarás o mundo” e ainda
transcende, pois ao cantar sua geografia perfeita para insetos, canta
também as estrelas.

Cecília Camargo
arte-educadora, fotógrafa e poeta bissexta
Geografia perfeita para insetos
Edson Bueno de Camargo

conhecer

há momentos
que somos escravos
da sede de conhecer

o peixe
morde a morte
mais por curiosidade
que por fome
Geografia perfeita para insetos

geografia

todo dia
um horizonte novo
se cria em minha janela

geografia que pássaros trazem


florestas incrustadas nas garras
ou andaimes de guindastes gigantes
com força titânica a empilhar viadutos

a janela que sobrou da velha sala


a que dá para o quintal
dos fundos
é a janela para outro mundo
a pores de sol coloridos

as áureas se costuram
em alinhavos de cores quentes
e a medida que anoitece
se transladam em cinzas de azuis
Edson Bueno de Camargo

sono

uma sombra
percorre meu sono

no sonho
esculpo horizontes com os olhos
Geografia perfeita para insetos

sufocada

descanso a mão
sobre o parapeito da janela

a paisagem é aos poucos sufocada

o azul do céu
não está mais
Edson Bueno de Camargo

incertos

gosto de observar
o desenho
que o vento faz
com as folhas na rua

o outono
é a época das imagens
dos incertos
Geografia perfeita para insetos
sexo dos insetos

1
este ano
o inverno foi mais duro
nossos ossos ressequidos? gastos?
desenham o frio em cada cristal de cálcio
depositam flores de crisântemo
sobre o barro cozido

as estrelas mortas
vivem em nós
fizeram-se carbono e carne
e querem nos devolver à terra
nossas dores pedem descanso
mortos não sentem nada

a água já não mata a sede


é amargo o alimento
morrer é como dormir
nos braços da mãe
sem ter de acordar depois
neste estranho salmo sem deus

2
o silêncio da casa
tenta estancar
o vento
que jorra lá fora
(o céu enferrujado engendra
furacões em seu ventre)

as flores da pitangueira
caem estéreis
sem o sexo dos insetos
não pode haver frutos nesta primavera

os sapos coaxam a noite


que hoje
se constrói sem lua e estrelas
Edson Bueno de Camargo

raízes

meus pés se fincam


como raízes e árvores
nesta casa

minha voz está em suas paredes


Geografia perfeita para insetos
Babel

esta casa
cobre minha cabeça
mas não mais me abriga

minhas pilhas
de livros pelos cantos
são ruínas
de papel
Edson Bueno de Camargo

vermelha

a tarde cai
abrupta
e vermelha

nos subterrâneos
e nos subúrbios
em seus muros
necromantes desajeitados
geram um mundo deformado
Geografia perfeita para insetos

o horizonte

uma linha morta


traça mortalha de montanhas
que vemos
mas ali
não estão
Edson Bueno de Camargo

horizonte

o prédio
que cresce
na paisagem de minha janela

come aos poucos


o (meu) horizonte
Geografia perfeita para insetos

priva

o silêncio não fala


priva
não ouve
a ausência de som

há uma folha que cai


em algum canto desta sala
pétala branca
de flor que não está viva
Edson Bueno de Camargo

orgânica

a paisagem urbana
se amarra ao por do sol
em cabos elétricos e postes
luminárias de fogos ardentes
ao tomar ares de nave espacial venusiana

os fios costuram o céu


em armações e nervuras
como capilares sanguíneos
que se enredam por toda cidade
onde sangue de elétrons
transportam movimento e números

as construções buscam a luz


competem em devorar horizontes
dia a dia
jardins estéreis da babilônia
recobrem a terra ao infinito

muralhas sem reboco


babel que nunca termina
devora cimento virado nas calçadas
em manhãs de domingo
fome insaciável de pedra e cal
e lajotas vermelhas
que nunca cobrem suas vergonhas

a cidade é orgânica
monstro vivo e cada vez mais lento
e somos os parasitas
que habitam a sua barriga
Geografia perfeita para insetos

rosácea

a luz passava a copa das árvores


como se em uma catedral estivesse

a mais deslumbrante rosácea gótica


seria pouca
Edson Bueno de Camargo

vermelho

brotam dos joelhos


rosas de carne
como vestes que devoram trigais
pomares
e olhos espiões

vermelho de amoras silvestres


em meio ao verde pastel peludo
e grama rala

os dedos espigas
de flora selvagem

cordames de verde
delicado e doce
a enlaçar o ar

éramos cães vadios nas ruas e terrenos baldios


deste arrabalde
Geografia perfeita para insetos

inadvertidos

o olfato capta cheiros como afetos


e a primavera desaba como cristais de gelo
fere a sensibilidade da retina do vento
com a luz coada de nuvens

fechar os olhos
e se sentir flutuar de braços abertos
com o ar nas pontas dos dedos

quando pisarmos a grama nova


inadvertidos
deixaremos o perfume de nossos passos
Edson Bueno de Camargo

nêsperas verdes

em gravidades
raízes minerais da casa
se afundam em uma alma de granito
buscam o coração do leito argiloso

a casa adquire
conotações vegetais e fractais
de crescimento áureo
matemática de ouvidos sonoros
de esferas
e música pitagórica

as estrelas se derramam
sobre o quintal sem luz
de interruptores fechados
e nêsperas verdes

as crianças no escuro
escondidos em olhos algozes
com asas de corvos agourentos

as feridas cobertas com as penas rotas


de ave jovem
renovadas em tombos breves
joelhos arruinados penitentes
e cotovelos cascudos

no calor das tardes de verão


a luz que agredia os olhos
era a grandiloqüência de deus
em nossos corações
e braços abertos no vento
Geografia perfeita para insetos
mas tudo tem seu fim

geografia perfeita para insetos

a sombra
desta árvore
abriga uns silêncios
expectativa
e algo mais que não se distingue

linhas do tempo dos sonhos


já não se desenham
em sua casca

estas se fazem na calçada


suas irregularidades
geografia perfeita para insetos
contam histórias aos geomantes
Edson Bueno de Camargo

lâminas

ancoro estas utopias


em asas de borboleta
hastes duplas
delicadas
e precisas
como lâminas de cortadeiras

meus olhos já foram inundação


e secaram tantas outras vezes
(e medraram nos esquecimentos)

açude pisado no barro


das estrelas desta noite

respire o frio possível


no ar da alunagem

(as rãs
em concerto
vigiam a nova prole)
Geografia perfeita para insetos

mariposas

um cão coleta seu latido


em uma lua descalça
que atravessa a rua molhada
diante de minha casa
onde o granito
a estilhaça em miríades
de pontos brancos

latido que se atreve ao brilho


luz de atrair mariposas
silício fundido e tratado
mecanismos complexos
e vácuo

não são visíveis as estrelas e vagalumes


Edson Bueno de Camargo

predador e presa

a ninfa do louva-a-deus
confunde o fotógrafo incauto
que pensa outro inseto

animais camuflados tem a função de confundir

bicho-pau
louva-deus
que mundo cruel este
onde predador e presa
vestem a mesma roupa
Geografia perfeita para insetos

beleza e alimento

se lírio sorve
talo taça
a abelha
brinda

flores produzem
aos olhos desavisados
beleza e alimento

quando em verdade
estão a exporem seus sexos
Edson Bueno de Camargo

galhos pendidos

domingos chuvosos
são como o pé de azaléias de meu jardim
com flores rosas e molhadas
com os galhos pendidos
pela água nas folhas

o poema estava escondido


nas asas de um anjo vagabundo
enfim se materializou

penso que a chuva está em mim


pari o poema
e não me dei conta
Geografia perfeita para insetos

açucareiro

perdidas formigas
insistem em atacar o açucareiro
(fortaleza inexpugnável de plástico)

e observo todos os seus fracassos


(e secretamente comemoro)

a vida deve ser isso


um imenso açucareiro

nós sabemos como abri-lo


e não fazemos
Edson Bueno de Camargo

um resto de primavera

na calçada
da rua de minha casa
neste ano que termina

varri um resto de primavera


que insistia em ficar
Geografia perfeita para insetos

retorno

sementes secando
no cimento
mata
que espera retorno
em nosso fim
ou coração
Edson Bueno de Camargo

sumi-ê

desenhar bambus
por ofício
gomo por gomo
e folhas agudas

escamas da terra
serpente verde
que ganha o céu

assim como o gume da espada


o pincel corta a folha
com o poema
Geografia perfeita para insetos

palavras da pedra

para Nydia Bonetti

sê como pedra
para saber
os desígnios da pedra

pensar como o veio do granito


e sua alma de magma endurecido

falar as lentas
palavras da pedra
que carregam
mais de mil gerações humanas
em um cristal de basalto
Edson Bueno de Camargo

as coisas se criam

meditando em Antonio Machado

a estrada
caminha sob nossos pés

os lugares se criam
à medida que preenchemos
nossos olhos com imagens

as coisas se criam
à medida que as palavras lhes dão nome

(o mundo só existirá
com a experimentação)
Geografia perfeita para insetos

a luz para Fabrício Carpinejar.

janelas engolem o sol por inteiro


e o golfam em forma de luz
para dentro da casa

há uma violência
no trespassar dos fótons pelo vidro
há uma dor sílica
destilada em fornos ardentes

o coração da luz
é deveras delicado
cristal indelével
que se rompe e se apaga

a qualquer momento
somos devolvidos à escuridão
Edson Bueno de Camargo

universos

o menino
cria universos
no céu que vê
refletido nas poças da água
Geografia perfeita para insetos

esquecimento

o corredor da casa nova


engole rajadas de vento
e folhas soltas

o esquecimento
esfria mais o ar
que este vento polar
que lembra inverno
Edson Bueno de Camargo

nos varais

nos varais
sonhos em fios e pregadores
secam ao sol inclemente
de verão
Geografia perfeita para insetos

enxame

nas escadas
os anjos sobem e descem

minha vida
(em um enxame de abelhas)
se esvai pela boca
Edson Bueno de Camargo

pele

ando tão só
que nem a minha sombra me reconhece

ando tão sombra


que nem a solidão se reconhece minha

reconheço tão sombra


que a solidão nem anda sobre minha pele
Geografia perfeita para insetos

timoneira de naufrágios

lendo Daniel Mazza

o poeta
coleta ossos do verbo
para que se esclareça
o tempo e palavra

a morte fuma
cachimbo de marinheiro
a fumaça entre os dentes sem lábios

velha timoneira de naufrágios


ancorada em um cais seco
nas margens do Mar de Aral
Edson Bueno de Camargo

paralelos

as águas correm em paralelos


os papiros desenham o vento

há um Nilo esverdeado de esmeraldas


correndo em nosso sonho

o que não vemos


Geografia perfeita para insetos

mapa do mundo

tomar tijolo por tijolo

a palavra
constrói arcos
perfeitos em sua simetria

o barro cozido
se confunde com a terra e o fogo
é o âmago do planeta

nas linhas do corpo


a pele é um mapa do mundo
Edson Bueno de Camargo

objetos perdidos

contorno de nadas
objetos perdidos em si
( o passado
brinca
no chão de tábuas da sala )
(outra casa) (outro tempo)

nicho vazio
a espera por novos deuses

as saudades não tem forma


esta tarde
Geografia perfeita para insetos

inertes

ensinei à água
que corre
contra a gravidade
o alfabeto das coisas inertes

esta tão leve


que
a luz não a toca

fica em suspensão
gotas elétricas
que buscam
a luz das estrelas

sempre é dia
de se voltar para casa
Edson Bueno de Camargo

BIOGRAFIA

Edson Bueno de Camargo, de Mauá


– SP, foi pedagogo, fotógrafo
extemporâneo e entusiasta de arte-
postal. Publicou: “a fome insaciável
dos olhos” - Editora Patuá - 2013;
“cabalísticos” Orpheu – Editora
Multifoco – Rio de Janeiro – 2010;
“De Lembranças & Fórmulas
Mágicas” Edições Tigre Azul/ FAC
Mauá -2007; ”O Mapa do Abismo e
Outros Poemas” Edições Tigre Azul/
FAC Mauá -2006, “Poemas do
Século Passado-1982-2000” e o
eBook “linho branco”, participou de
algumas antologias poéticas e publicações literárias diversas: Babel
Poética, Zunai, Germina, Meiotom, Diversos Afins, Confraria do
Vento, O Casulo, Celuzlose, 7 Faces, entre outras.
Seu blog: http://umalagartadefogo.blogspot.com
Geografia perfeita para insetos

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