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NA
GRAMA
Pedro Marcos Pereira Lima
2022
O homem está na cidade
como uma coisa está em outra
e a cidade está no homem
que está em outra cidade
enquanto
o ser filhote humano floresce pássaro voando peixe fluorescente
na encantação da criança correndo entre as mesas
da praça de alimentação
em outras águas das palavras em outro lugar sem lugar
outras crianças ondulam - ratos roendo os lixos
em outro plano
nas áreas sujeitas a inundação
de descasos boia a vida arrastada
com entulhos e chorumes
carregados de ossos direto do matadouro
guardados na geladeira de alimentos
viaduto do chá
vou e volto para as Casas com Asas
pedras brasas em chamas se esquecendo
fumaça se esvaindo lá vai o rosto do poeta
molhado de águas da chuva e das lágrimas
em direção à biblioteca mario de andrade
o rosto que sempre soube sopro ressurgido do sonho
na Paulicéia Desvairada
da nuvem que na mesma curva vai dobrando a luz sob nas sombras perpassadas
de resumos arrasados territórios de cartas rasgadas nos vãos
das esquinas voa um papel do chão da calçada num repentino
redemoinho de ventania revirando páginas de um tempo
perdido como as luzes mercúrio dos postes de antigamente
aqui na são são paulo das palavras um silêncio de gemidos
no banco da catedral da sé
oro
ÁCIDA DE
a poesia roça
o osso do amor
rói o ódio
desse fosso
só o amor
toca esse osso
***
se carinho
não há nesta praça
e seu jardim
foi pisado e cortado
se não há mais
caminho
para quem passa
É PROIBIDO
PISAR NA GRAMA
e também ao desabrigado
que reside acampado
debaixo da única árvore
que resiste neste sonho
LAR
o acolhimento
encontre um espaço
nesse cimento
na criança ou velho
de toda idade
pelos becos da cidade
onde pouse
um lugar de luz
resplandeça
acorde os sonâmbulos
a fé ouse
o amor apareça
A CASA ONDE MORO
é uma cidade
com sala quarto cozinha
o povo família daqui caminha
de um cômodo a outro
e quase não se vê
xingamentos e gritos
fazem parte desse trânsito
por invasão do espaço alheio
no estacionamento proibido
cortando os ares
as pétalas espadas
traçando letras
deixam pendidas
entre os galhos
num covil de violetas
exalando silêncios
escoradas nas paredes da noite
nos postes nas bancas de revistas
escolhidas a dedo
umas
tecidas negras
outras chamuscadas
de orvalho e gelo
outras em arco-íris
dançam asas abertas
suas estrepitosas inocências
marca das borboletas
***
de suas travessuras
empinando pipas com cerol
no céu de sol aberto em leques
no jardim da fome
florescem bocas mudas
dos lábios abertos
das meninas
no jardim da fome
crescem frágeis
ramos duros
dos meninos
***
a FOME
pede habitação
pede escola
pede educação
pede saúde
pede pede pede
pé de brincadeiras
nos jardins
pé de danças
nos tablados
pé de correrias
nos parques
pé de futebol
nos campos
no pé de sonhos
pede alimento
pede VIDA
no nascimento
DANÇA DOS PÁSSAROS
eu aqui insisto
no minuto de silêncio
dos poemas
porque sei a cor deles
suas palavras pretas
de onde o passaredo
explodirá o ar de ferro
arrebentando algemas
e grades?
***
leio nos olhos dos meninos e das meninas leio em suas cascas de árvores negras leio no
tronco riscado de seus peitos leio nas raízes de suas pernas braços bundas confusas leio
na tatuagem de suas folhas asas de jornal cobrindo o leito leio em suas mãos galhos
ressequidos leio nos seus cabelos crespos copas coloridas em chama leio na carne de
seus frutos ilustrações tatuadas à bala leio nos riscos de seus cadernos sem leitura leio
no poço dos olhos de suas mães leio lá no fundo a lágrima leio-os intocáveis plantas
tontas num vaso quebrado leio seus gritos no jardim queimando
O MENINO DO REVÓLVER
ao ver
ao vivo
um revolver
de verdades
e mentiras
engatilha atira
pensamentos
de revólver
de brinquedo
na mão
insegura
que segura
um
uma
nenhuma
palavra
revolve
um alvo
real
FÁBULA
por cúmulo
que pareça
viu-se de repente
acesa serpente
despretensiosa
musa desatenta
voando
de chão em chão
de sua boca labareda
a borboleta dragão
jorra
fogos de sonhos
correndo
ora com pernas
ora com penas
da infância
enquanto assovia
o vento
bem te via
já agora uma criança
pois a vida
nela
é perambular pelo fabular
da poesia
que fantasia
nua pelas ruas
ETERNIDADE PASSAGEIRA
ao que parece
o tempo não encontra lugar
na paisagem delas
a viagem é só o sonho
NA PRAIA
desafogando silêncios
fala a alta voz
saindo de dentro
do fundo do sono
de nós náufragos
um poema morto
foi encontrado no calçadão
da praia
à beira do cotidiano
vivendo
do salário da morte
sob bordoadas
arremessa gritos
de fim de escravidão
mal resolvida
semeadas na praia
guarda chuvas
de sol sangrento
lá se foi o tempo
quando se brincava
com a cabeça
descalça de pensamentos
tendo por fone de ouvido
uma concha
aguando sons
vindos distantes
aguardando
das areias brotar
uma profundeza de mar
assim pensando me vi
rompendo o rio turbulento
transbordante e sem horizonte à vista
deixando-me levar
no onde enquanto
o sonho peregrina a noite
TRANSFIGURAÇÃO
***
encontrada no
pântano deserto
se desloca
não se sabe
se em fuga
ou a passeio
grávida do sonho
gravita
pouco acima do chão –
a árvore vida
na cabine ventre
ou tubo de ensaio
um bailarino negro
flutuando de cócoras
pilota a nave enredo
POÉTICA DAS ÁRVORES
árvores pensam
seu tempo
no espaço do vento
na eternidade da chuva
gotejam
suas folhas uma a uma
até a próxima estação –
sob sua sombra
estão pássaros cantando
***
***
tantos mundos
tantas mudas
sementes
de tantas mentes
estar atento
é o que aconselha
o vento
tocando a folha
distraída
em seus inventos
de circunavegar o ar
a brisa alerta:
viajai e vigiai
pois olhos à espreita
podem te naufragar
a folha
qual passarinho
nada sabe de perigos
sua inocência
é da relva que lhe aceita
***
de um corpo tronco
transitório –
outros olhares
encontrem nesses voares
a beleza
terra plana
cavada
escavada
na enxada
na serra elétrica
na máquina
na usina
no agro negócio
no total espólio
até o último grão de terra
sem planos
sem terra
expulsos de suas terras
de terra em terra
não encontram terra
onde por seu pé
sua fé
o homens mulheres crianças
bichos e plantas
estendidos na planitude
dessa terra sem mistérios
o ser humano
foi assim achado
só encontra a fundura
do poço humano
onde a terra foi enterrada
e não se cabe mais
em si de aquecimento global
soterrados
na terra plana
carcomidos
despossuídos
uns dos outros
derrubados
no chão queimado
***
***
Terra plana
Terra plana
em seu todo campo
de concentração
se corporifica
toda ideia concentrada
na escravidão
em sua rede de mentes robôs
por fios invisíveis
pelas raízes de algorítmos
aviltantes invasores
nos interligando a um
distópico plano
da Terra plana
***
a pá lavra o vento
dessa terra plana
que desinvento
tecendo a fantasia
humana
de um tempo
futuro guardado
no passado
onde procuro
a harmonia
daquele mundo
girando sem planos
atravessando avessas
criaturas de sonhos:
em pé ou de ponta cabeça
arrastando histórias
em figuras de roupas
coloridas e risonhas
desfiando as horas
muitas, agora poucas,
e catando as sobras
em grãos de poeira
trazendo na pá
a lavra do poema.
DEUS PLANTA
a planta Deus
suas raízes
o pai a mãe o filho a filha
florando sonhos ossos
no jardim
do cosmos
dentro de nós
cantam
girassóis crianças
plantando manhãs
galáxias em arco-íris
soltas notas musicaos
em brilhos sonantes
longe se vê ouve
a tanta força do silêncio
a planta Deus
é a palavra e sua gesta
na dança oculta
da semente
DEUS
deuses poetas
deuses profetas
que Deus lhes deu
a Palavra?
a Palavra é Deus
e as palavras
são Deusas?
Deus é deuses?
deuses são Deus?
que Deus é esse
DeusConhecido?
RODAVENTO
rodavento
na boca da seca
o ninho d’água
rodopia no poço
é o pensamento
em alvoroço
querendo voar
palavras que vêm
de ecos silenciosos
abrindo outros poços
de sentimentos
chegando banhados
de cores vertidas
em feitiços
de penas enfeitados
pés na terra em giros
de danças cantos gritos
possuídos de pássaros
deuses e demônios
chegando dos sonhos
armado
da palavra
BURACOS
buracos quânticos
como dizem os teóricos
estão constelando ao nosso redor
sem que saibamos
mas sabemos que estão por aí
dançando à nossa volta
se agora dorme
e me morde o sonho
não o acorde
alguem me dizia:
fantasia é ilusão
utopia é esperança
com razão
a poesia
é uma
criança de rua
nela fisgo
recolho
seus sonhos mendigos
e trago
para que escutem
suas vozes
em risos ruidosas
SONANTE II
ruídos do silêncio
falam mais do que penso –
a mudez dispenso.
palavras amam-se
mas cuidado
palavras tramam-se
o que é essência
pode ser excrescência
esse som enviesado
***
palavras se descon
versam
o que querem
erram
emperram
para o sonho
quando menos se espera
não desespera
lixa que lixa
capricha
e se vê remexendo
rabo cortado de largatixa
rasteja
na terra do céu caído
caiado de rudeza
a língua
como anjo voa
não explica.
à poesia
um dever –
ver de cima
verde
que te quero
ver-te
e voar
pisar
anagramas
CAMALEÃO
caminhante recluso
pelos lugares da mente
o poeta
em pensamento
se contorcendo
de cor em cor
escorrega pelo dia e noite
saindo pela
ramagem ocular
entre galhos
atenta a língua
fareja o ar
com olfato longínquo
oblíquo olholuar
espia poesia
dentro de si
deslizando lá
descreVendo cá
pelo espaço e tempo
imãs ancestrais
nascidos há milênios
– quem veio primeiro?
poema – venho
das palavras
que desconheço
sem medo
ambas brincam
de esconde esconde
sem se acharem
fugindo uma da outra
quando então:
a criança adulta
se esconde na sombra
é quando se vê
e se assusta.
***
todo corte
inteiro
é tudo sol
ombra
O MENINO QUE DESCOBRIU O VENTO
Poema de um filme.
o lápis é a agulha
que a esperança rascunha
escuro tempo
num túnel mundo desabado
meteoro rondando ameaçador
ferro de barro despejando
nuvens de lama
asa de rocha mergulhando
no trilhos de águas
das cabeças imprevistas
bolhas de sementes crepitam
um deserto de águas brotando
dentro da zona do quarto
pisando na grama
andamos os pés enterrados no lago
de sombras movediças
de joelhos no chão do rio
encontrei a voz
da manhã em oração
ondas se erguem em vozerio
de peixes sedentos
sobre os cacos de ruídos
uivando dos pelos latidos
do cão tremebundo na tubulação
mas há um mistério de vida
na menina esperança
correndo no futuro
sobre os trilhos da fé
bebendo no copo da última música
NO AVESSO DA PELE
Sobre o livro de Jefferson Tenório
a marca da cor
do poema
as palavras
são pretas
como a pele
e queimam
o pelo da poesia
é ar
invisível olhar
de dentro
do inquieto vento
brisa e ventania
a contrapelo
a pele e seu avesso
são o mesmo espelho
que da janela reflete
o avesso da pele
PERGUNTA
milton
você não é daqui
você vem de onde
de que planeta sonho?
você trouxe seus amigos
seus bichos
suas estrelas
para nos encantar
cantar cantar cantar
qualquer dia amigo
a gente vai se encontrar
nos bailes da vida
caçadores de nós
corações civis
nos encontros
e despedidas
GERA CIRCO
Em memória da atriz Edna Rosa
Integrante da Cia. Gera Circo
que partiu em 12.03.2022
mas sem antes tirar seus sonhos
da cartola mágica da vida.
o mundo é circo
onde Deus jogou dentro a Vida
e a Vida
é feita de palavras
que se viram reviram
se põe em raras fantasias
nesse devir
ir e vir
de ver rever
Sonho e Realidade
se trançam as pernas
no trapézio
saltam no vazio nada
jogados no ar
sem cama elástica
sem rede de segrança
no contorcionismo
da bailarina incerta
a poesia
nos braços
do malabarista palhaço
aquele a quem chamam – poeta
no fundo
o que Deus quer do mundo
é a alegria do viver criança
nesse picadeiro
onde o tigre e o jumento
jun tos
num mesmo cumprimento
ao respeitável público
a pata do elefante
no peito do domador
numa mútua confiança
de amor
o cadeado emperrado
a chave não entra
vejo que o céu
continua longe
desde a infância
quando a velhice
ainda caminhava
despercebida
contudo hoje vi
a passagem é curta
ou senão imediata
FAMÍLIA
a família
bem sabe
sou o que dizem
sou poeta
com muito de feito
MARILDA
mira no mar
de amor
de marilda
vinda em Vida
prosa poesia
desentendendo
nos entendemos
o que tem
de ser
sempre será
sua força
minha fraqueza
nessa leve pena
nos escrevendo
ÁGUA ACESA
Ao meu mano Juarez Reinaldo de Lima
vejo a vela
queimando em lágrimas
e a água acesa
derramando luz
nos lugares clareando
uma voz ventando
um rio vivendo
pela raiz da fé
germinando oásis
trazendo refrigério
em tudo mais
que dizes em sua vivência
a casa maior
era a mãe
e toda a sua manhã
estendida no amor
para abrigar
a quem chegasse
e o primeiro abraço
foi para os dois irmãos
depois três em um coração
andarilhos exploradores
de uma confraria
de imaginadores
caminham
nas sendas dos livros
trilham uma e outra
folha solta
da árvore dos signos
tocando os sinos
o tempo da ilha
nos conduz
pela eterna idade
histórias tecidas
nos corpos dentro e fora
acontecendo na pele do fogo
em lendas e histórias
documentadas
nas páginas das pedras
gruídos indecifráveis
fraseiam sons nas rochas
buscando silêncios
da sombra da chamas
as curvas ilustram
futuras imagens
e aqui chegamos
nas telas de computadores
postos holograficamente