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Galeria de Sonhos
Banidos
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Galeria de Sonhos
Banidos
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TRIAEDRO
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ele ali enfiado na poça ela enfiada no pescoço que sobra ele nela ali ela nele
com asma de enfiada dele dois se cavalgando entre asas
o chiado constante na lama em que viviam
entrou pelo cano zumbindo pelo banheiro o fundo nu da voz
os olhos no substrato da vidraças e eles pediam café que não aconteceu
e eles sim
abaixo das centenas de almas de um milhão de pássaros em misericórdia
em gafanhotos em girassóis levitando
sobre um imaginário de rubi
across 110th street ele olhou e foi um vento que passou em seus cabelos
suados sob a casa esvaziada quando ela no embarque levantou os braços
adeus e ele ao banheiro com um sino apertado no queixo nos encaixes da
caveira entre as mandíbulas estremecendo em mil sóis
nos apegos suados que ela sussurrou o nome em besteiras
o mundo dos vivos
entre brumas de lençóis sob o sol
e se morderam entre quatro cantos de quatro num estribilho
o coração vivo na boca ela ofegou
deve haver um lugar em que deuses dançam entre as nuvens de acrílico
e caem desmaiados sobre as amendoeiras ninam os destinos
...
...
a água batia no encosto do chão
ainda chuveiro as gotas esparramavam-se enrodilhando o ralo
e na soleira do ralo uma dor que arranhava os juízos
o telefone tocou
uma flor que caiu sobre as laranjeiras
ele soldava uma perna dela gotas do chuveiro escureciam
o astro vermelho na sela entre janelas
o crime acontecendo no exato momento em que se acabava
ela incandescente vibrava
outro olhar que amavam-se
um golpe que manchava o Piemonte
na vaga ideia dos cantares que invadiu os subúrbios
ele jurou-lhe uma rosa de ferro acometido por graças
...
...
Atravessaram o mar a pé
flap flap flap
cloach cloach
ele que finalmente se fragmentou e a viu
despertado para o tempo que permanecia
pagou a conta e se foi no quarto em seu escuro ele a lembrou
desceu a gomes freire a pé refém dos desejos que tinham
se aqueles prédios caírem aço e vidro correntes entortavam
o fogo queimando até tarde da noite os monturos sobre os prédios
20 ele a viu no calor dos ribeirões grotas
tudo queimava por isso caiu de joelhos implorando a noite
...
...
...
...
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nem um quinto do empenho se afirmou
ela cavalgava em cima
por cima eu quero
vire de lado
por cima eu quero mais um pouco
hum
leve tudo de mim
isso
um vento apalpou-lhe as curvas
ela deu um longo desembaraço abrochando
ele envergou assombro diante da quina
...
...
...
...
...
“No princípio,
criou Deus os céus e a terra
E a terra era sem forma e vazia;
e havia trevas sobre a face do abismo;
e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas...
......................................................................................”
...
...
...
...
...
...
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naquela véspera de natal o calor ardia intensamente
o lixo paria nas sarjetas legumes gasosos
os ovos cozinhavam na porta das geladeiras
a paisagem variava
sua cabeça era um vetor em aberto
cheio de ar velho acumulado de noites passadas
seu dente latejava ele engoliu sangue
aos nove anos vendo brilhante o vestido da menina
daniele seu sorriso fresco cadelinha fleumática
e depois soube socada nos fundos da rosa no grotão molhado de suas
pernas boiava porra
ele ficou indistinto no gole da noite suava
ficou dando chutes no ar espantando as moscas
um gole aos nove de licor dinamite
pombas veio à cabeça e bicou os olhos
as casas derretiam na banha dos porcos
bocas vagavam pelos corpos indo chocar mordidas
correu da espinha à cabeça um jato
grosso e atrás de seus olhos a tempestade salgada de suas membranas
suadas
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cai o pano
29
30
garotas postiças 31
(cenas de quebra-mar)
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Créditos das Cenas:
Direção, Roteiro e Paisagens:
Sérgio Ortiz de Inhaúma
Elenco (Personagens):
Gilli
Naís
Anônimo (Narrativa em 1º Impessoa)
Padre Ciomar 33
Maria Mindomira
Saderre
Betina & Malva
Margareti
Alibecca
Notas:
Este Breve-Filme foi feito sem nenhum apoio financeiro, seja ele estatal ou de setores privados.
Os personagens e as paisagens foram usados clandestinamente, portanto, sem nenhum aviso
prévio a qualquer uma das partes apropriadas indevidamente.
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gilli olhou de todo vento
ele deitado boca ao ar
gilli alcançou as nádegas abriu com maestria
maliciosa ao chupar o dedo mínimo da mão
desvanecendo-se
o orifício carnudo se pronunciou num arrepio
flor
apontado gilli rebolava
soltou o jato florido
brilhava
ao ar de boca aberta
mijo
ele resfolegou engasgou cuspiu
riram
era a vagina
...
35
“Hoje eu acordei com meu coração padecido, porque senti de dentro de meu
espírito que todas as coisas queimavam.”
“Eu desejo de toda minha alma, de todo meu delírio, de todos os meus
desejos, que a terra arda e renasça pelo Fogo.”
“Todas essas coisas passarão por mim e se revelarão como uma crença.”
...
então
na rua vi aquele osso
os cachorros nos traíam mordiam-no
era uma jabuticabeira acrunhada
e debaixo dela sombras parsas
mordiam os cães aquele osso
depois
não o vi
estava em sobressalto aturdido
onde então eu estava?
cercado ouvi um barulho uns estalos escabriados um grupo acolá
não se via nada uns mexidos
transmutadas
levei pra mais longe que pude
e não consegui
fui cometer crimes em outro lugar
afrontar de perto a raça humana
atrofiados
eu adentrei a cidadezinha capengando
um vento chiado levando as árvores fronhas
36 tive medo que aqui se lembrassem
ninguém me conhecia
ri
passei esquecido por entre eles
sal na boca
cortei uma frente dos olhos
de minha vida chorava sangue
tonto sentei um vislumbre daquele tempo
e nos antevíamos como de costume
uma retirada
tropecei e cai sobre o céu
um lento esgar e o vi
osso
...
póstuma
com as pernas erguidas
abertas
litorâneas
ouvi um silêncio de cobre
doze estacas vinham fincadas
retrocessos olhando
naís arrebitada esteira de chão
trouxe um vão a cena
do sul correu cortes
plano sequência do grelo
sinais de fricções
não se deteve naís num dia
olhou de esmero a danação
sorria
leves e finos seios
cumbucas
dela se estranhou um borrifo de tempo
fábulas castanhas crespas nos travesseiros
ocorreu que friccionava 37
sassaricando com delícia se cumpriu de quatro
amordaçado a via
...
...
gilli preguiçosamente
pernilongos avançando
descascavam no quarto
38 naís muxicou
bateram nas trincas das janelas os devaneios
o calor fazia chover sobre as bananeiras
suor atrevido nas partes
gilli fuxicou a boca
o entortou
um azedo que não o deixava dormir
modorrência no silêncio
alvéolos do mar
...
– De sua formosura
deixai-me que diga:
é belo como o coqueiro
que vence a areia marinha.
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de sombras agitadas
valetas que rompiam
esperma ao solo d’água
no mar que os convinham
...
...
– balela! – retorquiu betina indo a janela olhar
– como assim? – perguntou malva. presente.
implicada.
– vou explicar, se assim lhe parece melhor –
observou betina. lá fora uma breve onda inflava
e explodia a beira-mar – nossa aliança
terminou. nossa parceria era uma veia em falso,
trêmula, frágil. ela se quebrou e caiu espatifada
nos vãos. agora sou prum lado e você pra outro
qualquer.
malva corou de miçangas nos cabelos
encaracolados. seus olhos foram às chamas e
umedeceram. um revoltoso grito buliu-lhe na
garganta, mas ficou preso. betina era direta,
com tudo e todos. suas resoluções eram ligeiras,
possessas, e terminavam com um murro. era o
42 que malva mais odiava.
– não podemos ser tão frágeis – continuou
malva, num retrocesso. queria urgentes
explicações. algo com o que acalmar o espírito.
– somos sim – disse betina ainda à janela
olhando o passeio das gaivotas sobre o mar
tempestuoso num baque sobre o quebra-mar –
matamos todas as possibilidades fogosas,
arredias, furiosas como garanhões. preferimos o
conforto da bobagem e balela, e acatamos o
óbvio. o cansaço apropriou de nossos sentidos,
cada uma de nossas moléculas e nos deixou
desprezíveis. a pior das dimensões vingou, e
rastejamos fartos em nome dela. esse nosso
vilarejo se criou em nome da covardia
desbaratinada. temos uma gente mole, casas
enquincalhadas e crianças débeis. nossos
cachorros não deviam usar focinheira, mas sim
enforcados. nossa parceria termina aqui, malva.
malva corou, mordeu o lábio.
...
...
naquela rapsódia
entrou padre ciomar
no antro palafitas
acesas lamparinas
duas velhas no parto
a mulher encruada berrava de seu antro
vozes turricadas beiçavam a fumaça das
lamparinas
padre ciomar marejava
como de princípio
o fogo dos resultados
ele entre os ribeirinhos
pronto a abençoar o sorriso de cristina
os que estavam ali se entreolharam
uns olhos amarelos no passo dado a cada do
padre ciomar tremendo de euforia e
arrebatamento tremia ao longe o luar sobre o coqueiros
padre ciomar marejado passo dado tremulava
os ribeirinhos entreolhavam-se
padre ciomar se aproximou 45
ué
cadê cristina?
...
um proscrito
inválido levado entre estacas
à mercê inundado do que ia me acontecer
chuvas de frequência instantânea nos atingem
eu olhava os vitrais iluminados frouxamente
dezenas de lírios pendidos sobre as ombreiras
das portas
era o dia do anjo da morte passar
com suas asas de enxofre incendiando as
palmeiras
levantando a areia até a altura dos ombros
levaram-me pro subsolo úmido goteiras
deslizando pelos cantos
deslizamentos
ouvia-se gaivotas em círculos sob céu cagado e
penas
gilli atenta soltou riso caiu e quebrou em
tramas
naís cadelinha arredia lambendo um pedaço do
escuro
lamparinas dependuradas pendiam nos esmos
querosene fumaça negra rondando a treva
houve um desabamento em minha existência
a vida comungou em mim e de mim
tive acessos de pânico
...
cadê cadê cadê cadê cadê cadê cadê cadê cadê cadê cadê cadê cadê cadê
46 cadê cadê cadê cadê cadê cadê cadê cadê cadê cadê cadê cadê cadê cadê
cadê cadê cadê cadê cadê
cadêcadêcadêcadêcadêCADÊCADÊCADÊCADÊ?
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as escórias que ele inundado no topo
olhou vértices correndo o céu estrelado
espatifado sua onda de espantos
expiar expiar expiar expiar
zonzozonzozonzozonzozonzozonzozonzo
nada por onde ir a quem ou quê?
acessos que lhe inundava a corrupção à batina
onde se for?
padre ciomar atolado nos mangues
da saia pra baixo o ar da lama
andou
anteviu os olhos de prantos corridos nas bordas
saciou em murmúrios oscilando nas ânsias
confessa confessa confessa!
o que vês daí?
NADA
DESCIA O SUOR NA ESPINHA ENVERGADO
DE JOELHOS NA LAMA CINCO HORAS
ANDANDO? A MADRUGADA INTEIRA?
olhou controverso a latida vinda dos antros
um troço submergiu reluzente
oval pequenina entre os galhos atolados na lama
se aproximou
entre os braços padre ciomar apalpou-o em
concha
o feto afogado inchado inexistia
engasgos na garganta padre ciomar só repetia
murmúrios
morto 47
morto morto morto morto morto morto morto
morto morto!
e se desfazia
em sorriso de Cristina
...
...
amordaçado a via
goteiras de úmido esplendor
levantado jogado no canto
eu vi dezessete de cassete erguidos
suados molhados infames
vim de longe de outras paragens
desnascido onde quer que eu fosse
implícito na seteira errante
fui banido para nunca mais outra vez
aqui vim parar no instante
que de outro lugar fui saindo
não morri quer que mesmo se diga
nem parei se mesmo me perguntassem
no primeiro dia que alibecca eu vi
loucamente me apaixonei num furor
se distante vim num galope
foi porque estes ventos daqui
de sal e graça num cortante te invade
foi porque alibecca me sugou
num vórtice de cada instante de sua carne
láudano distinta de pele diamante
de cupuaçu ao leite no cálice
e de longe vim pros seus braços
que logo me tentaculou num relance
rendido na ponta de seus seios estacas
fui prensado a verter meu sangue
de cada soluço no peito que batia meus desejos
ah, que volúpia de tardes cantantes alibecca! 49
amordaçado eu via
alibecca rodeada por uns dezessete de cassetes
erguidos
e por vez ao mesmo tempo sobrepujando seus
orifícios
alibecca saudava as glandes que em seu corpo
entrava
e a cercavam todos eles em círculos
penetrando-a na boceta, cu, boca e ouvidos
e suas mãos erguidas excitavam ainda mais
outros membros
e amordaçado eu num canto rendido
no que naís ria em trapézio
e gilli me olhando em desvio
aquela a armadilha que me preparam em
vinhos
em 7 noites de estrelas cadentes
todo vilarejo contra mim conspirou
que depois fui saber
distraindo os que podiam me ajudar
padre ciomar com seu cristo no mangue
e maria mindomira com saderre na lâmina
e neste ínterim caí na arapuca
por alibecca elas me fizeram jurar tudo o que
pude
e minha vida em suas mãos entreguei num
instante
tendo agora aquela satãneza alibecca
sendo currada por uns dezessete infames
que riam suados em volta de seus orifícios
gilli num prenúncio de êxtase
alisava as nádegas embriagantes
naís numa louca dança de alongamentos
esfregava na boca os pés
50 alibecca a discípula das duas
de boca aberta recebia o gozo de cada um por
sua vez
e gemiam num estridente coro de languidos
bestiais
com todos gozando na boca de alibecca
aquela enorme poça de porra que ela me
olhando me viu
engolindo cada sêmen de dezessete cacetes em
seus orifícios
sorrindo para mim alisando os lábios com a
língua ainda pingando a semente de porra de
todos
garotas postiças
o som das ondas quebravam uníssonas
excitando o voo das gaivotas em transe
vendavais salgados atiram contra os mangues
rebatendo o sopro do mar nas falésias
numa tonteira não segurei meus antros
reproduzindo o clima fincado na janelas
vomitei amargo e magro sem comer dias
todos sorriram ao ver minha queda
uma silhueta dentre todos vi se aproximar
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tu bi continuédi
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O Dia Em Que Não O Queimaram 55
(Operetta Falsificata)
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ATO I
FUGITIVO I
Que merda, mermão, que merda!
FUGITIVO II
Pulemos pro lado de lá.
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ATO III
“Então Herodes, vendo que tinha sido iludido pelos magos, irritou-se muito e mandou
matar todos os meninos que havia em Belém e em todos os seus contornos, de dois
anos para baixo, segundo o tempo que diligentemente inquirira dos magos.”
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ATO IV
GIULIANO
Onde se encontra o chamado?
MARCO
Ainda está por chegar. Paciência vem com o que precisamos. Não
sejamos imprudentes.
ALFREDO
O Vescovo Lorenzo nos disse bem. A Tradição e a Cultura é que nos
mantêm coesos, eretos, prudentes, certos de que as demandas serão 63
cumpridas e as virtudes nos acudirão.
GIULIANO
Certo, certo. Não falei por mal. O que faremos será vital para a Nação.
Ainda que o povo nada saiba, nossas incursões nesta maré que nos assombra
darão o futuro almejado para todos.
MARCO
Pode ser e pode não ser. Isso independe. Não de nós, é claro. Nosso
comprometimento é exeqüível, porém um faro que tateia as estátuas e vigia
as piazzas. Os dados, contudo, podem nos enganar, como presenciamos
outras vezes. A questão agora não é mais de permuta ou acordos, mas metas
que serão traçadas sobre quaisquer medidas. Iremos nos pautar, não nos
levantamentos que fizemos, nem nos resultados que virão, se assim posso
dizer, mas nos laboriosos caminhos que abrimos ao refletir sobre isso tudo.
GIULIANO
Sim, sim, de acordo.
MARCO
Então este é o chamado?! Parece mais um vagabundo!
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ATO V
MARCO
Bem, continuemos nobres senhores, o que poderia nos importunar num
futuro possível, foi enfaticamente posto de lado. Nossas atribulações, ao
menos quanto a isso, terminaram.
ALFREDO
Perfeito!
VESCOVO LORENZO
As insurgências logo terminarão. O novo governo se fundará pela
abstração dos planejamentos. Nossa Ordem se baseará em agentes
implícitos, em coações destacadas, na inteligência dos departamentos, na
revolução gerencial que apontará e implementará a utilização dos termos. E
isso é tudo senhores. Obrigado e até mais.
O Vescovo Lorenzo levantou-se, fez um gesto de despedida a todos e se
retirou. Aos pés de Marco, a barra de ferro ainda vibrava com o sangue
escaldante que a cobria. Serviços internos deveriam ser resolvidos pelos que
eram servidos. Do lado de fora, o vermelho e o laranja cobriam o longo das
ruas. Sangue e fogo pesavam sobre os pavimentos. O término de uma Era
alcançava as ruas.
CANNAVARRE
Estou aqui pronunciando a voz que eclode das ruas
e ainda mais profundo,
o som que emana da Vida que palpita nos subterrâneos.
Nunca poderei sentir uma coisa de cada vez.
Poderosa demais a chuva que se levanta da terra.
Tudo passa por mim num turbilhão, pelos cabelos, pela pele, minha carne, me
arrastando.
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ATO VI
As cinzas que cobriam as città ainda fumegavam. O cheiro de concreto
chamuscado e carne queimada dominava o ar. Os destroços cobriam as
piazzas, invadiam os quintais, engoliam a beira dos rios. Os pedaços rasgados
e retorcidos nas paredes, mal lembravam os cartazes que um dia haviam sido.
Rodovias e avenidas arruinadas, postes quebrados e latas de lixo e tapumes
perfurados por estilhaços, edifícios abandonados e com os topos sob
incêndios, cachorros loucos arrastando os cadáveres pelas ruas.
Engataram alto-falantes em alguns carros e eles atravessavam as città
anunciando a morte de Maurizio di Santino, O Abençoado, encontrado morto
em seu quarto com a garganta cortada de orelha a orelha. Disseram que a
causa fora suicídio e o Governo Provisório tratou logo de tomar as medidas
necessárias e se apropriar do lugar de Maurizio. Depois das palavras de
anúncio, os alto-falantes tocavam Una Furtiva Lacrima de Enrico Caruso.
Nunca se soube o que acontecera com o cadáver de Maurizio di Santino.
VESCOVO LORENZO 67
As insurgências não serão mais toleradas, os rebeldes deverão ser
punidos severamente, caso voltem a levar a desordem novamente para as
ruas. Todas as formas e medidas de punição serão tomadas a fim de
restabelecer a Ordem. Os estupros foram gerenciados, estatizados, somente
nossos oficiais estão autorizados a cometê-los. Afinal, o que fazer? Essa gente
de quinta, sexta categoria, vivem como uns velhacos por aí, suas mães à
esmolar encurvadas pelas sarjetas e com um copo à frente para as moedas,
as irmãs nos prostíbulos para aumentar a renda, as doenças a carcome-los
diariamente, os irmãos uns vagabundos a rolarem no chão com os cachorros,
o pai um sujo, aleijado, alquebrado, entravado, humilhado rastejando pelas
calçadas. Quando morrem, nem nos demos conta. Uma limpeza que só! Vida
nova, regras novas. Os crimes comuns e os calhordas terão ocorrências até
quando forem necessários. De resto, entraremos em cena encarcerando e
esmagando os culpados. Espero que estejamos entendidos. Até logo.
Todos assentiram.
O Vescovo Lorenzo se despediu dos demais e saiu. Os outros se
entreolharam assegurados e também saíram. O silêncio continuou o mesmo
após a partida daqueles estranhos homens. Uma fumaça espessa cobria a
sala e um azul perdido se escamoteava pela escuridão.
O cadáver de Cannavarre fora encontrado numa vala comum cravejado
por rajadas e todo quebrado ao som pesado das pauladas. O Governo
Provisório esquartejou o corpo de Cannavarre e pendurou os pedaços pelas
piazzas das principais città para servir de exemplo àqueles que um dia
quisessem se insurgir.
CANNAVARRE
Meu coração ouvia Caruso porque queria se entregar...
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