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Jaína-máquina Divino
2
A vontade de muitos
ou
Apresentação da Editora CLAE
Só & Só
John Williams B.
Quebranto
João Gilberto Guimarães Sobrinho
Descontinuidades
José Barbosa de Oliveira Filho
a difícil arte da compreensão
John Williams B.
Bicho
Jonatha de Alencar
Valsa Indelicada
John Williams B.
Estigma
João Gilberto Guimarães Sobrinho
Cartola Vazia por Sensações sem Truques
Adilson Alchuiy
Quarto Escuro
Anielson Ribeiro
Enfermaria 5
Lupeu Lacerda
Moinho
Ruthe Maciel
Dioilson
Sérgio Ortiz de Inhaúma
Bêbado de Amor
Jorge Galego
O suicídio de Bukowski
Lupeu Lacerda
Em Transe
José Barbosa de Oliveira Filho
Canção de Ninar Nêgo d’água
Wellington Monteclaro
4
1.
Giraconga
Yandara SolfêmeaÚtero
subiatômica\/carne
:
mundoAntesMundo
6
Giraconga,
Arreinado Reino Carapinho-Crespo Cabeloduro
Faísca Faiscante GirôCiranda
Solfêmea esbraseada flamejando existências
,Yandara SolÚtero
d’as funduras da quentura da tarde requentada
cantoria vasculhando ponta da rua ponto sem nó
sombrad’ouro vermelha avançando
Jaína-matutada matutando de papo pro ar
Terreno-baldio cacarias
Luzfêmea fazendo cosquinha no rosto
nuvens
sol com mentioláte]
cataventos de algodão-doce soprando firulas olés
coés
samambaias vivas desmanchando folhas
e quintais beliscados
rachados ecoando latidos bichos
sombras escangalhadas
mangueiras+amendoeiras
8
Couro encruado ventania
Já-lá-se-ia tarde em cima de tulha
palha rodopiando na gira da palhoça-redêmoim
Curral paiol amendoim
10
sentiu um sono de primeira
levou a zorra feia
e a boneca chamada Mélinha
pelos cabelos de náilon olhos acrílicos abertos
as pernas tronchas a roupinha manchada
pro meio da rua encarapintada
manicures cor nas unhas
tirando o canto a tessitura as cutículas
moleques jogando bola
punhetas no terreno-baldio atrás dos galpões de
ecos
piruetas
as meninas de vestidinho
caminhões entupidos
a lataria abandonada virando chuva
o
final da rua
verruga
vercejos verbospercevejos estourados
odor líquido na ponta dos dedos
cheiro ruim
catinga
deram um chute cachorro saiu voado
correndo
danado
latindo
zumbindo varejeiras
monturos sacrários
imagens
dendê pipoca
ex-votos
alfinete
11
mandioca
dona Maricota
pelés chutando bola
golzinhos de lata de soja
Jaína ouviu as adedonhas
1 2 3... esconde-esconde
Alguém sumiu pelas ribeiras
Então houve-se Inhaúma Bonsucesso
pelas beiras
a memória das raças triturada
os pretos os bantus iorubas tamoios a senzala a
palhoça-oca
malocas
Espada de Ogum
ao pardieiro
favelas-caatingas
zumbindo axé-Subúrbio
a pivetada
trombadinhas aéreos nadando cola-sapateiro
12
ergueu
pitombeiras
na casca do couro dos ventos
o traçorastro o infeliz
merendeiras hora do recreio
fome na cabeça dor abscesso
pegou-se no riso visto
era Jaína na troça
nos dedos melados no marmelo
caramelo
goiabada
na boca açucarada nos trovejos
na rajada nos pregos
na vista funda
horas que ruminavam
fantasias carameladas
Solfêmea, Yandara, Olho-deFogo Vermelho Útero
Saliência da retina enfogarada
Trisco rabisco
Venda de caguetes
A-amiga abrindo a magia o riso sorriso
Mais outro dia
Anteontem===================Jaína lavou o repertório
reco-reco
chamegos
cafunés que deslizam
Jaína-florida
na ponta da manhã crua
sabonete
sabão de coco tirando
lascas de pele enxaguando lembranças
tanque de pedra cacimbas
13
bica mal-fechada
gritos beliscos nenéns
focinho engatinhando
latidos ecos
misturas cores voz entrelaçada
bichos
ladeiras empenando o rastro
rito dos idos
fofocas escancaradas
Jaína-amanhecida adormeceu lentamente
correu os sonhos na
visões mexericos cristos
subúrbios-coloridos
sangue cromático arrepiando redondezas
sumidouros bairros
vizinhos
bacundum bacundum
repiques pancadas pandeiros
Atabaques molambeiros
muambeiros
festanças pegando-santo emboladas
chão rua quente
atotô ladainhas santo/cristo
novenas
ventos estrebuchados
Jaína-mentirinhas velando
o vento toró trazendo o sangue[
cheiro de terra carne molhada
onças-pintadas rugindo
correria das capivaras
correndo-Jaína das pancadas
14
entre-troças
pernas fininhas
pequeninas
vestidinho de chita vermelha florido
traquinagens com as primas vizinhas
o olhar vago do senhor de olhos de vidro
a velha da rua detrás terreno
vagueando encurvada bengala
goiabeiras na cumbuca de barro
pêlos de gato pata de tatu sangue de preá rabos de girino
fazendo corimba
cajueiros siameses
crianças balançando sustos caem espatifam estouram no chão
a goiaba cheia podre de bichos minhocas
borboletas avariadas
canto das cigarras pelejando tarde
rastros de imensidão
refulgindo aurora
cor de vento quente
alucinando palmeiras
sonhos rastejam
escombros
crepúsculo estilhaçado
parapeitos inquietos
dobras da noitecarne-viva
cabelos-Jaína sarará crespo se precipitando
sorriso nas folhas
até
amanhã
distância
não nos espera
15
sente febre alta acalantos
subindo
cheiros dos lábios
ossatura da alma
invadindo
os olhos
em dois temporais
cântico
pele devaneios
pele úmida
arrepiada
esperando os desejos
altura dois duas
jamais passam
hora ardor brilho flutuante
sonho carne
aceso
flor
Pétalas de gases
desabrochando horizonte de fogo
coqueiros inundados
postiços navegando alto
sombras carapinhos compridos cacheados
vento-balangando folhas
cocos
bocas
maresia requebrada
tapa-na-cara
papo pro ar
brisa
16
Olhos cabelo-flor
Vento malícia
semeadura de chamegos
Criadouro de peixes na Vila-Acorizal
num terreno-baldio
Kail, também Jair, pichador,
lhe trouxe na mão
em forma de concha
escamas douradas coloridas serpentando a palma-
poça d’água
Jaína-sorrisos deslumbrada
avistando açudes dobra do mundo
riso carne-vento abrida umidade fogo
pele-negra quentura
pele pelas ruas
pisada
jabuticaba sem casca
polpa crua nua
suco de luz preta líquida
som noite lambida pela manhã
negra beijada pela Solfêmea Yandara
ancestralidade trópica
trôpica
escorrida na
hora de acetileno
labaredas altas
volúpia de todas as fêmeas
encarnam
luas de esmeralda
Sacrifício do sangue
engolindo fogueiras São-João
Curvas de postes
17
vomitando luzes rua úmida
ciranda-quadrilha
fogueiras até
alto da noite
casamento de mentirinha velas sete-dias
revertérios água-de-cheiro
sainhas rendadas
noivar com menino-mais-bonito
bigodinho lápis de olho
Gonzagão
AsaBranca florindo
margaridas
beijo açucarado
na testa funda das ternuras
subúrbio
na caçapa das búlicas
bolinhas-de-gude
quicando nos paralelepípedos
na manhã incendiada
nas curvas das quinas
na lembrança faminta
Transe girando
claridade fincada nas calçadas terreno-
baldiodindo
18
[ novamente Jaína-coroada de Sóis
presença régia rainha de flores de flor-de-maracujá
ipês cajueiros
Reino-Giraconga
rumo vercejos das incertezas]
Manhã criançada incriada
chupando eletricidade dura rapa
Jaína-!
Malcriada grita-mãe
arteirices
Pele-lava
banzé
seiozinhos-bolas-de-gude
rindo bebendo luz no rosto até o dia seguinte
madrugada besteira esquentada
gosto de topázio na barriga
Mélinha a tiracolo
olhinhos-acrílicos/miçangas debatendo
cabelos-náilon
balangando agarrada pelas
mãozinhas-Jaína
tom de-doçuras guloseimas exalando
Manhã elétrica girando ciranda
Imagem Cosme-Damião pretos na
encruzilhada
Despacho
cachaça
alguidar entupido farofa
charuto
samambaias folha de bananeira
doces
saquinho de papel
19
suspiros
maria-mole
cocôzinho-de-rato
pipoca bala gamadinho
sete-belo
mães de terreiro
distribuindo saquinhos-doces
vento prateado
vela sete dias
caboclo sete-flechas
adê franja de vidrilhos-miçangas
reverberando
luz-viva manhã rubra
mangas
nuvens mestiças
o amor que não era
e teu Jaína-ria que ria
faceira
marotices traquinagens
metendo pedra
vidraças
estilhaçadas
janelas trincadas
vasinhos de planta
babados
bijuterias
em queda
riso café-com-leite
hálito de milho fubá
bolo
mungunzá
mandinga suco de caju
20
pamonha cuscuz
vermelho degolado
cabeças de galinha
pululando
sangue esguichando
prato de latão esmalte branco
recolhendo sangue
minhocas na lama preta
Jaína-dançante recolhia
Verde festejo
preto-vermelho
cobra-coral duas cabeças
rastejando no terreiro
] biscoitos
tetas inchadas vacas
sumo que dá sustância
curral bezerro
ordenha
riso cremoso
quente viscoso nos ladrilhos
mulheres
descabeladas fios de sol-menina
barro quente
úmido
peripécias
canjicas
grilos às avessas
tevê ligada
cores cintilando
naufragadas
telas acesas
unhas postiças flores merendeiras
21
nescau quente
bigodinho de leite
Jaína-comendo mandioca
tecendo fios d’água
correndo canto de rua
na quina
imaginações
comendo
carne de sol uhmmm delícia
manteiga-de-garrafa
carrapetas
Jaína-melequenta
rranhenta
catarrenta
fungando
bebericos
sonhos sonhentos tarde
esquina sonhosa
moscas zumbindo
pernilongos carapanãs
bichocas na goiaba espalhada
cheiro de querosene
molecas travessas
brincando queimado
pique bandeirinha
Jaína-mestiça
sarará vermelha
encrenqueira
choradeira manha manha
pirraçenta guerreira
besteiras
tia gorda deitada
22
sala
estufada
entediada
sofá rangendo
mosquitos
zumbindo sobre
tarde quente
dando cascudos moleira
molas quicando
berimbolos
calor danado
cangaço
mormaço
campim pelada 10min dois-gols
capim-guiné
balaios levando
boias
frias
pau-de-arara
contas de vidro
mininocas
algodão-doce rosa
carambolas
filhotes de cruz-credo
vó encruada
reverberando terreiro
cheiro de queimada
capoeiras
laranjeiras
canaviais
cinzeiros
percevejos
23
vargem acesa
IansãRosa-Xoque
mascote
cocorotes
cascudos
bicudos bolas de papel
linhas
deizão
tubos de linha
serpentinas
moleques deslizando
pipas avoadas
Jaína-quicando
nas amarelinhas
mostrando língua
fazendo birra
malcriada arteirinha
cheirando focinho de gato
risonha
fazendo gracinha
pirraçinha
enxerida
descambando ruas
brejudas beijos
sóizinhos florindo
jujubas
beirad’água
bichos
Jogo-do-Bicho
burro
jumento
onça
24
tamanduá
grilos
quina
Dedão-do-pé-Caju-melaço-bombinha-Jaína-
mexericos-
-pancadão-bobinas
tripa de galinha
camundongo
fofinho
Jaína disse
mãe chutou que feiura nojeira
sujo
chorou-Jaína
já ia o dia as horas a rua
a beira das calçadas os ritos
funk alto
proibidão
pagode
cravos rosas ipês
samambaias
tamarindos
mangas mangueiras
cajueiros
abacateiros
morro favela
ladeiras
quebramolas
cristo
iemanjá
oxalá
ogum
exú
25
bichos
vento
deslizando
parapeitos
paralelepípedos zunindo
periquitos
gaiomolas
estouros
biscoitos bicos
] cabeloduro-henê-Jaína
crespo carapinhos
bolas-de-gude
Jaína-jogava
com-meninos
terreno-baldio
triângulo búlica
paredão vinha é-o-rápa!
ela menino-Jaína
rapelava a molecada
dando vários gansãos
Yandara
feixes vermelhos
raios sangue
SolÚtero
ovários
vários
raios-cabeçudos
luzsemên
Girôgunhê
girando
subindo poeira
terreiro
26
gritos estalos assobios
batuques
empoeirados
ferroada marincalombondo
rincho de jumento
cangaceiros bando enfogueirado
Caatinga-Çubúrbio empenado
rasga-embaixo
fuzarcas
bandidos-de-morro estalando céu
vermelhos traçantes
fogos de doze tiros
fogueteiros
ônibus ziguezagueiam
bancosantos
bingos
proliferados
restos
de luz mênstruo
rodovias incineradas
rodoviárias abandonadas
empoeiradas
tocos cotocos
ciscos
ébos
cataventos
novenas tranvestidas bebidas
birras
deus mandingueiro
quarta-feira de cinzas
quaresma em festa
exúmenino carapinhos
27
diabosolto
capirotos
boca
lascada malcriada
entra varejarteiras
moscas zumbigo
monturos
ossadas
bichos
extermínios
Mélinha plástico
Jaína-cantadeira berreira
pirraça
bicuda
metendo
bedelhos
bolo quente
fubá cenoura
cobertura
chocolate
glacê morango
pavê-vê
festa-aniversário
brigadeiros
cajuzinhos
olhos-de-sogra
bonecas
dedo creme
labirintos
docinhos
bracinhos
vela-apagada
28
velharada
coca-cola
Mélinha enjoada
largada
canto do quarto
balangando olhinhosmiçangas-acrílicos
pirulitos
que bate-bate
que já bateu
quem gosta de Jaína-é
Jaína-num-morreu
refrigerante
pipoca-franqui
[ beterrabas
sonhos-algodão-doce
picuinhas
Jaína-enxerida
procurando pessoinhas
dentro-caroço de azeitona
travesseiros
guerra-pena
quem tem
é-galinha
tardinha
caldo
suculento
quinór
pra ficar bonito
inspiração
piração
misturas
feijoada
29
tutu
mocotó
vaca-atolada
feijão-mulatinho
-amigo
altar da igrejinha
santo mulatinho
búzios-fitinhas-de-Bomfim
pernocas saracoteando
pagode
samba
carnaval-de-rua
clóvis coloridos[
no sereno
perfumados
lança-perfume
água-de-cheiro
céu rubro-Flamenegro
eixos
beijos
remelexos
coziinhas
buzinas
brincar - de - médico
bilhas
trintas
biritas traquinas
ciscos
beliscos
malandro
-ma-ncada
30
acumba
turuna
saúvas
bundas formigas
tanajuras
preás
Mélinha-Jaína correndo
meio
do
mato
guiné bambuzais
capim gordura
mangueiras
eitos
maçaroca
morro dorso
vargem vadimiragem
micróbios hortas
leitoas
murundus muntuns
cacimbas
moringas
pique-peganiques
marimbas
birimbau
linha ferro
dedilha
quadrilha
boquinha
mexerica
tangerina
31
pandeiros
tantans biscoitos
biqueiras
bebedeiras
um pouco
assopro doce
seios ondulantes passa
sutiã sem mulher
testamentos
inconfessáveis
crimesbreus
orla de arrepios
escorrêgorrer
língua intacta
a desolação
campos mais confusos
fragmento deolhos
percorrendo paisagem percorrida
festajunina
fogueira
pé-de-moleque barraquinhas
canjicas
pesquinha
joaninhas
varapau
metralhados
à toa
serena face da manhã
prece em
de cores vivas hirtas
amigocaranguejo Chicocientista
32
gritos
florestas abstratas
ilusões amarelecidas
páginas arrancadas bolinhas
roça
lábios gozozos
Axé desmedido
Ogum enfurecido
afagos quando chora
e mito
destroços das almas
estilhaçadas
exílio bairro vizinho
alembranças
deliciosamente póstumas
Jaína-matutando tarde
vasculhando breu terraúmida
canaviais mangues brejos sumidouros
terra preta
beira dos valões
esgoto
urubus sobrevoando redemoinhos
círculos
revoadas
céu vermelho
Pedra da Redonda
Giraconga
Terra Faíscante
RAINHA-MINÍNA-JAÍNA
preta-marrom carapinhos
33
dengosa
beiçuda
bençosa
cirandóla
Colosso,
,Morro ancestral Sangue dos Antigos,
Onde
iam
Se imolar
rebentos BarroVermelho
Mélinha olhinhos acrílicos
decorando paisagem
lumiosa
fronte brotosa
paixões repentinas
Yoruba
Minina
Yoruba!
caiu na
boca-tupinambá
34
Gritaram de lá
,selva: oba so!
oba so!
E o velho Nonô
a cantar:
...oba ko so!
oba ko so!
ruas
Fogo ria
queimadas favelas arretadas
rasta-rasta debaixo-viaduto
êmuito
muito de lá
inda vêm
gritos:
axé
raça
axé!
Girô roda
Girô ciranda
Girô roda a-rodar
35
Luzfêmea luz vermelha
raiosemên Yandara minina Yandará!
36
2.
foz da
manhã queimada
Giraconga ou
EstradaVeredas das Funduras ou
–santa,
sapo,
jegue–
37
38
Fumaça lunar acrílica Sol vermelha fêmea
Luz ríspida
Sonar cabeça de mico-leão dourado
Onça-Pintada rugindo
Mata fechada
Cheinha
Curupiras
Passos-pra-trás assobios
Mandioca raiz choranrrindo
Sacis encapetados azedando leite
metendo nó na crina dos bichos nos rabos dos cachorros
dias em que pensado reluz
atabaques
pi-rim-pi-lan-do
ecos novenas povoados
viventes no furo foz voz etc e tal risco
Lamparina-Jaína sentada banco de madeira
Mélinha entediada entardecida boneca plástico
Olhinhos miçangas reluzindo
acrílicos cabelo-náilon
Cidade passada
Cruzada esticada
Roça roçado girimum
– quero durmi
Olhos dengosos fechando lua na cara de Jaína-soninho
açudes beira de estrada
40
coxinhas de galinha kibe
achocolatado
Dorme nenê dorme
Dorme que Cuca vai chegar
Jaína-mandinga
nenhumanuma só palavra
sinos dobram poço
mulher barriguda tacho na cabeça
homens encruados ordenhando rancando leite das tetas
pedras subindo cachoeira águas possessas
barro espesso
brilho atraente perda de borda
do mundo mundo
41
mundo que se esconde no labirinto das coisas / caixa de barro
/ imensa secreta
BarroVermelho
42
envolve / todos os bichos e matos com sua menstruação
malandra
Cérebro testudo
mó moendo parto
/ casulo de gente geme
Pilão socando moendo lembranças
44
merendeiras
vendavais reluzem
susto da madrugada
bate-bolas brincam lançam perfume
bate plástico oval no chão
metem medo crianças
mulheres sambam se enxugam
tufos de panos remendados /
imolam as cores
mundo se potencializa em força absoluta Giraconga
de dentro dos cantos / sobrevoo onde percorrer olhos
Desapercebido na laje
caminha criança à beira com os dentes de cobre
refletindo passeios cortes abertos
, lindeza
caminhos da surdina
pedindo ao mundo que se quebre se abra em miudezas
partículas
artesões da vida
pálpebras apanhando
os ladrilhos flores pétalas abertas
as cores
45
boca
pequenas palavras
som áspero
pedra-raspando-pedra
chupar infinito
com as mãos
perfume percorria
olhar rasgado
pequenina lavoura
sopé onde deita palhoça
roça desliza
Giraconga
um homem uma menina
tocarem
o amor quebrado na boca-morro
sussurrado nos mocambos
serpen
tea
ndo o incêndio
consumiu a favelinha debaixo-viaduto
mexericos disseminados
vão das calçadas
46
sem pecado de Adão algum
aqui
nesta Terra
bençoada
alastrada
onde guerra se engasga
desfilam umbigadas delírios sambas
comissão-de-frente
corpo nu
um luxo a se beber
vida um luxo a se comer
serenamente vazia
nuamente sequiosa
ritmos
abraçando
rindo
47
rimas
no seio-calor das favelas
no cisco dos concretos rijos
na umidade das matas enfiadas
no calor dos agrestes sertões vadios
no liso dos morros maciços
ê-sim, vamos!
sonhos
alegrias a sorrir
vislumbre efêmeroterno
na eternuraterna do calor’Alvorada
sem resistir
contratempos
línguas sorrateiras
barreiras de fios grossos desencapados
curtocircuito
afogamento das marés
ver ante assim
Antetudo
Dilúvio
48
onde mais ir?
beijando notas
batuques istmos
faiscando no impacto
mordidas mútuas
carne-vadia
sim!
afastando do fim
contrameleixos
todas antitoxinas terrestres
sustos celestes
mercadorias jogadas
quinta-feira fulminante
querendo gritar!
gritar!
gritar!
gritar!
grite!
grite!
grite!
49
grite!
metendo a vida
surrupiando
abusando
gemidos
relinchos
Ja-ína-Mélinha
no contorcer dos alvoroços
entretida mais vida
lá fora...
50
carregando
o sangue da menina
nas reviravoltas de dormir
sumir
Além dele
52
salada-mista / protoprofetas
melecas
postes tinindo
viravoltas nàs rodas dos pneus que andam
Almas / descarrilham /
sem rumos
desunas desnudas
plumas
cadelas
Canarinhos perambulando-asas
Praça descabaçada
54
rumo à praia / futuro vislumbrado cometa em colisão
ondas se acometem
56
madeira ao suicídio
término
cadeiras fumegantes
fumaça ardor se aproxima
pipocas estalinho gudinhas
olhos de acrílico brilhantes Mélinha desgovernada
malcriada
dorme tomba
se aconchega colo de Jaína
Finalmente o brilho
A calma da alma
da tarde intacta
calçadas sem margem
realidade se quebra /
farrapos / trapos cacos / travessias
crista amanhecida...
58
A lua guardiã
coisas simples
jorram para dentro dos sonhos
Jaína-bitocas
vulcão em chamas
conduzindo poeira
na passarela
na avenida purpurina o tambor afundado
60
E é tão bom – amor –
seringüela e as filhas
que o mar levou
Os dias e os dias
que Deus sonhou
E tudo
e mais que tudo
e nem para onde se vai Jaína-lembrou
61
62
3.
Girôgunhê, o Empalhoçado
fruta-flor catimbó macumba
(Glossolaliauô)
tranca-rua trava-língua
mandingarranchos
PARLENDÁRIAS
Caantigas
63
64
Yandara
Mundo Extinto, Sol’A Útero Extrema
Boca do forno
!Forno!
Tira um bolo
!Bolo!
Tudo
que o
mestre mandar?!
Faremos todos!
E se não fizer?!
Levaremos bolo!
Terra de mártires
Terra de brutos
65
A todo ano rebenta um beato
Em cada canto
um canto
um tudo
um bandido na beiçada
Na inteireza da peleja
pajelança
uma maria a mais anunciada
cabelos despenteados
crespo-duro
Ônix
opala
barracos
cabeças-de-bagre na córnea
o trem em Manguinhos tremia inchado
66
A cada lidalinda
o sangue ferve e borbulha as árvores despertam lançando ebós
na atmosfera
o horizonte explode num último crepúsculo
intenso e mágico
em tons convulsionados
Gira girando meio-da-rua Girôgunhê Empalhoçado
Girando na gira soltando poeira
Terreiro-baldio quilombeira
Quylombobó
No batuque nos agogôs
Nos caxambus
Nos atabaques
Gira atotô gira girando Girôgunhê seu danado!
Rei Empalhoçado
Oràmáé Orixá Solar
De sangue nos olhos no batuque na cantoria
Roda a gira da palhoça
Cospe palha e fogo mordido
Gira na gira da giranda
Batucada ciranda batendo palmas estalo na língua assobios
Gira que Jaína-lhe-vendo quica
Carapinhos ao vento ri e quica
Na palha soltando poeira do terreiro
Redemoinho-palha
Na noite cozida no angu
No tacho onde se bebe doce e caju
Ah
em outro lugar
em outra vida
em outro tempo
67
outras meninas cirandando
Mais perto do que nunca de uma qualquer tarde
um pranto meeiro
que envelheceu antes do tempo
Aprisionado noutro’corpo
entre as veredas
o arame-farpado
a carne
desparafusada
é feita da terra
de suas húmundincíes
de seus urros de suas fendas de suas entranhas
todos cheiros de sol
Nada mais que sol
Ah e como giram!
Cantem então um redemoinho!
Tudo que penetra o mundo e a poeira se dilatando
as partículas cuspindo luzes
Tem tudo de toda uma vida por aí
A música batucativa
se encosta na parte imóvel
de olhos extraviados cromáticos
Cenas tiradas de Glauber Rocha
Alumínio pedalado perto dos tijolos vermelhos
num mundo turbulento
das ondas e outras tempestades
subjaz uma silhueta aflita
um olho cru úmido
abrindo a centelha de sua esfera
nos recantos de um pranto de fogo
68
A alma estancada na Existência
tem formigamento no
esboço do tempo arrepiado
e os agogôs
e atabaques
na impermanência das ruas pegando santo
Ô dô tê cá
70
Lê pepino lê tomá
Cinco mafagafinhos
Pra desmafagafizar!
Lê café
com chocolá
sete ninhos de mafagafinhos
sete ninhos desmafagafizar!
Ô dô tê cá
emanações dilatadas
fundos
acabariam os ventos e começaria a guerra
o Adê-Coroa iridescente
franjas-vidrilhos
de topázioimperial-esmeraldas
na cabecinha carapinha da Rainha-Jaína
E a menina
Seu nome perdido nome Jaína
Fundo de paisagem entupida
Fios desencapados borbulhando horizonte elétrico
Cães
crianças correndo atrás dos carros
Olhos escangalhados
Fundo de pétalas acesas
Ipês
Margaridas
Brotoejas
perebinhas
Sentimentos úmidos
Carne desabrochada
alma rachada
Bacundum Bacundum nem tudo virou zum
Sonhos brotando
quintais ladram
ecoando na carne das
alembranças o cheiro de anágua dependurada nos varais
boca que não esquece as entranhas do defumador
fumaça negra subindo
estopas na beira das esquinas
abraço de querosene pinicando cacos de vidro sobre muros
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mangueiras cajus e galhos
perfurando o tempo
revertérios de bocabamba
ninando crianças para ventinhos
paredes deslocadas
som das canelas batendo canelinhas
Jaína-menina correndo nas ladeiras
empenadas
contra os rios que se foram
voltam
Giraconga
gosto barrento esbarrando nas sombras
horas sedentas parindo caatingas
extensão entreaberta de coqueiros
hoje é domingo
pé de cachimbo
bate sino
dobra neném
hoje é domingo
dá no jarro
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o jarro é fino dá no sino
dobra sino
o sino é de ouro dá no touro
três tigres tristes
o tigre é valente dá na gente
a onça é pintada dá guinada
a gente é buraco
dá no trato
cai no buraco
buraco é fundo acabou-se o mundo
urucubacas
vento catarrento outrora
criançada fungando
som o bum do calor do tambor
gosto quente de ar fervido
estilhaços de passado
anteontem varrido pela Sol’A que bebe a cidade
Yandara
74
sal das horas pelando as bocas secas
o canto relou rodopiou
disseram que era um tombo de um vislumbre rachando as
iminências
abracundum zabralázázá
sôfanô jamurí bembêcá kujújú
embiná manênê
gicajú jôjágê
imalá mêmêná
sanfozê
íquicá xanolá
xaxôngegê
caburés tectônicos
nos igarapés
nos igapós
nos cílios vermelhos nas pálpebras da vitória-régia piscando a
existência
nos seringais
extinguindo
no som das borrachas
no Subúrbio entreaberto parindo Sóis
Óia sinhô
sei que tu veste a manguaça do rodopêlo
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Girôgunhê rastando palha no terreiro
que aqui tua casa luz e sal e sol
fêz-menina sua sina
mas digo que lua é estrada nossa
pousada na noite das cantorias
e, cismando, caminho ao nascer de Yandara no horizonte
77
78
4.
Jaína-Çarabina Rainha de Giraconga
Arreinado Reino Carapinho-Crespo
Cabeloduro Faísca Faiscante
GirôCiranda
Pontos-de-Macumba
SYMPA
T
CORYMBAS
AS Myçangáganzá
Quylombobó
Primaninha-Bisatantraravó
Geneageologia Bastarda
79
80
-Em-nenhuma-vez-
muito-entreperto-de-talvez-
Havia-Giraconga-Arreinado-Reino-Carapinho-Crespo-
Cabeloduro-Faísca-Faiscante-GirôCiranda-Eparrei-na-
Aruanda-
A-nossa-mãe-é-Iansã-
Gira-deixa-a-gira-,-girar-
Gira-deixa-a-gira-,-girar-
Oh-deixa-a-gira-,-girar-
Sarava-Iansã-
Meu-Pai-Xangô-e-Iemanjá-
Eh-oh-,-deixa-a-gira-,-girar-
E neste Reino Arreinado há muito que muito outrora
lá mesmo nas funduras do tempo feito rabiola
embolada saia rendada tricô
palhoças joças meeiros
terreiros veredas eitos
existia então As Terras-Terreiros-Baldios Mágicos de
Giraconga
dentroadentro D’elas esferas de topázio-imperial
]amarelo
dançavam
flutuando acima dos postes de madeira de
maçaranduba
soltando cheiro de alfazema defumador canela espada
de SãoJorge
dos lampiões suspensos erguidos nas pontas
dependurados sobre as ruas de chão batido e
paralelepípedos
também descaminhos
balangavam ao vento bandeirinhas de São João
cintilavam vidrilhos de esmeraldas miçangas ganzás
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maracás chacoalhavam cintilando brotando a
manhã
quente transbordando melaço marmelo doce goiabada
cozida
queijo minas
existiam corte-régia de bonecas desgrenhadas princesas
duquesas rainhas-Ieabás
reis-Orixás donzelos filhinhas-de-santos pais-e-mães-
de-santo
todos
até o povo era régio arreinante e pululavam na farta
várzea-terreiro verde de chão batido coqueiros mandacarus
saboneteiras amendoeiras cajueiros goiabeiras capimguiné
curupiras sapos sacis metioláte
pererecas pulando nos sumidouros
grilos-esmeraldas chilreando no entardecer das
grotas
sanhaços vinham na palma da mão comer milho moído
e também os trinca-ferros curiós canarinhos
avoavam sobre a terra molhada e outras vezes seca e
rachada
os beija-flores parados no ar flutuando lambendo
trechos de raios solares-fêmeas
brilhava então sobre os horizontes encravada no céu
Yandara Rainha-SolfêmeaÚtero
raios-cabeçudos de luzes vermelhas
entrando nos antros e canaviais
na carne rebenta mandigueira
lavadalevada na seta que
corta caminhos fundePrecipícios
veredas-sapecas
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reluzindolinda vermelha lançando luzesêmens
enfogaradas sobre os ermos becos vielas mestiças
velas-sete-dias
e viviam encarapinhados
doce vidadoce e acima mas embaixo rente a todo mundo
com Adê-Coroa com franja de vidrilhos esmeraldados
coroava a cabeça de Jaína-Çarabina Rainha Carapinha Crespa
Cebeloduro Cintilante
vestindo saião rendado até os tornozelos girando na gira
batendo nos olhos o vermelho-mole das corimbas
abebé na mãozinha de Jaína refletindo seu rosto
sorrindo mostrando linguinha mlummmmmm
cacimbas ecoando os latidos e os soluços dos desamores
enterrados estufados enganchados na boca do peito
tesouro soluço enterrado talismã nos lábios
veio então um dia assim
entre Terreiros-Baldios que nem dias que passados
cabrunco Mendigorrei beçudo
talvez sendo Girôgunhê Empalhoçado
no sacode a poeira girandogirô
estrupiado degolado na ribeira em cima da fresta
fizeram três vez o sinal de Deusmelivre logo na entrada
“–Meu Deus! –Deus me livre! –É feio feito Cabrunco”
correram caíram de joelhos se benzeram em deus-me-livre
correram fizeram preces feito excomungados
era rente o dorso D’aquele que vinha coxo
pele pretavermelha na cabeça um rolo de poço
juízo perdido há muito bebido cachaça
um pro santo um pro canto um pro Tinhoso
quererência escapulida que vem e não fica
tinindo na pancada que pau morre torto
vem que não tem é danada na sabença
83
quando procura todo boteco tem um pouco
num corre que é rasgo na goela
do rezatório da bulia da sossegarice dos santos
vai não pense que cai o abre-alas
que-e-vêm os romeiros no folguedo dos doidos
de dia Cabrunco ri e-vái que vai na cantiga
de noite rincha raspa os cascos feito capeta louco
mendigada lhe traz pão-e-água dos monturos
molecada canta zune pula cai nos risos
quem não sabe sabe nada sai de ré vai batido
não se endireita não se apruma nem entra no fino
dente no dente rói osso no trato
sem gola camisão sem dente marmelado
macumbando nas estórias é lenda é fábula é fatiado é sorriso
é dia é noite é atropelo é canseira é roda é fome é giro é
preciso
Jaína de risossorrisos arreinava com junto a
Mélinha bonequinha cabelos de náilons olhos pretos acrílicos-
miçangas
pretos feitos jabuticabas caroços de feijão
de longe dia assim viu de longe tal Cabrunco
fez pirraça rodopiou mostrou-língua
de noite dormiu sonhando sonhosa as corimbas
quando queria então conselhos simpatias pra
amor passar agarrar ia Jaína pedir conselho sua bisatantraravó
Primaninha que lhe dizia que amor é fundo cumbuca sem
fundo onde cabem sustos risos e até rinchos de jumento
pra amor voltar bote água numa bacia e jogue pétalas
de três ipês e deixe por uma tarde até que de noite jogue mais
água morna e tome banho na água de pétalas passando por
todo corpo e em três dias amor volta pra te beijar
84
cheira duas vezes meia-noite fumaça de alguidar pra
catarro sair peito melhorar
água boa de beber fresquinha de moringa gosto de
barro bebia Primaninha e deixava torrar ao sol os caroços de
café e ia moê-los no pilão devagarinho com custo os braços
enrugados e a cara de madeira entalhada couro cru marrom
de bode
toda manhã Jaína-Çarabina Rainha de Todo
A’Quele Reino por sobre a curva de barranco adispois de um
lajedo via arreinada e régia as luzes vermelhas de Yandara cair
sobre cenho de bisatantraravó velhinha atravessando meio
trecho de terreiro para moer café e o milho pras galinhas
ao passar os cravos-de-brejo jacarandás flores-de-
maracujá juremas-pretas ipês amarelos feito gema de ovo-
caipira abriam as pétalas e o perfume se estendia feito
rosaxoque no ar até beijar o açude por detrás das mangueiras
cheiro de beijos e bois batendo rabo no dorso pra espantar os
sabiás e mosquitos no arroxeado dos jacarandás
Primaninha Matriarca-Vó de toda uma
linhagem bastarda largada debandada pro outro lado do
morro só onde ela velha e seus rebentos existiam e ela os criou
na peleja e no duro da casca do osso cavoucando de Sol-a-Sol
a terra pirraçenta plantando mandioca feijão abobrinha milho
pra alimentar as bocas de suas crias sem lamúrias ou
lengalenga na ponta dos beiços mas de mãos duras e palmas
grossas no cabo da enxada cavando terra e semeando semente
que havia de crescer com Sol fêmea vermelho e chuva
chorando da água dos açudes que ferviam e viravam nuvens
até desabar chuva sobre a várzea roçada tantas e tantas vezes
e daquela linhagem largada debandada pr’outro lado de lá
do morro nasceu Jaína-Çarabina
85
moravaravam num quilombo há muito aguerrido
Primaninha e suas crias pra lá pra dispois do morro do lado de
lá e viviam num fundo de brejo e roçados pequenos cavoucado
na pele dura lamacenta do barro BarroVermelho do Sangue e
da Vida
num dia lá nas prefundas do tempo
fazia seca de quente rachando terra e parecia que nunca ia
nunca de acabar fome se alastrava deixando o seco dos ossos
dos bois saliente nos dorsos e dobras de pernas e braços das
gentes e viviam numa palhoça lá num quilombobó de inhame
há muito fresta-crespa de gente-preta terra aguerrida que se
ajuntaram e se foram mas ficou Primaninha e seus rebentos
sozinha cuidava de suas crias e a seca avolumava rachando
terra e bebendo água dos açudes pelando as árvores
emagrecendo os bichos que se encarrapatavam
– dêus mêu dêus mê livri qui peleja! dizia peditórios
gemia pro céu Primaninha ao ver tudo secar que nem palha
seca e se desfazer ao toque
inchada Yandara comendo torrando o sangue pingar a
poeira e alguns rebentos de Primaninha morreram na faina na
sede de dias secos beiços ásperos feito pedra lascada carne
arrancada ficando só ossinhos chorou Primaninha quase que-
se adoidando de desespero dor caía tinha vezes de joelho no
meio do terreiro subia poeira galhos esqueléticos cambitos os
ossos-meninos dos bichos o roçado amarelado morto
enterrou os rebentos no sopé de um lajedo próximo ao
dorso do morro carregou um a um os pequenos amarelinhos
mortos até cova rasa voavam urubus em rodopios céleres
sentindo no ar a carne dos bichos mortos dos peixes mortos no
açude seco chorava Primaninha na boca da noite
em peleja Primaninha continuava roçando lascando
pedra com pá enxada soltando faíscas até anoitecer aparecer
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estrelas despontarem no céu o negrume da noite canto dos
grilos brejos secos mas ainda sapos coaxando pedra pulante
numa noite qualquer sacis pulando veredas
espantando bichos pelados encarrapatados ouve-se um
estrondo até que no dia seguinte calor fervilhando ermos na
quentura no mormaço quando Primaninha pelejando na terra
com enxada viu descerem de céu coroado de topázios bocas de
fogo reverberando a terra misturando os farelos as árvores
ressequidas o gosto de pó de barro na boca a secura
arranhando garganta
soltando a chuva temporal sobre ermos
molhando o talo a língua estendida os cabelos desgrenhados
das crianças mulheres entupindo garganta pedregosa poços
cacimbas
do açude se encorpando vento da chuva derrubando
cercas telhados debaixo da palhoça Primaninha se grudava
junto abraçando seus rebentos que restavam tintilavam de frio
medo gemendo ladainhas misericórdia-deus-pai! som de
trovoadas espantando ainda os bichos vivos
calmaria
saiu-de-dentro-da-palhoça-Primaninha-andou-até-
capoeira-aberta-deixando-os-rebentos-dentro-da-palhoça-
assustados-
viu-açude-novamente-não-mais-seco-atrás-das-
mangueiras-entrevadas-pingando-água-da-chuva-dos-
galhos-partidos-quebrados-no-chão-
de-dentro-das-águas-do-açude-subiu-mulher-nova-
manceba-negra-vestindo-vestido-de-chita-florido-da-cor-
d’ouro-sinuoso-Adê-Coroa-na-cabeça-esguia-cabelos-
encaracolados-crespos-caindo-lhe-pelos-ombros-delgados-
pedra-de-topázio-amarelo-tamanho-de-um-punho-
87
fechado-grudado-pouco-acima-de-seu-plexo-solar-Eu-vi-
mamãe-Oxum-na-cachoeira-Sentada-
na-beira-do-rio-
Colhendo-lírios-,-lírios-ê-
Colhendo-lírios-,-lírios-á-
Colhendo-lírios-pra-enfeitar-nosso-Congá
E Yandara por entre nuvens reluzindo por detrás de
sua cabeça feito coroa de fogo ilustre
Oxum andou por sobre a face das águas até
Primaninha tirou o Adê-Coroa de cima da cabeça e deu a
Primaninha que lhe estendeu as mãos e pegou o Adê-Coroa
- de seus rebentos de lá-lá na frente ainda por vir, virá
um dia menina-Jaína e a ela darás esse Adê de esmeraldas. Inté
lá, guarde-o. Ela será Rainha de Giraconga, a moleca-Rainha
de todas estas Terras-Terreiros que vão até dobra de curva
deste mundo afora, disse Oxum pra Primaninha
a velha Primaninha sem entender mas sentindo pegou
o Adê-Coroa e levou pra dentro da palhoça onde suas crias
choravam com medo agarrados uns nos outros e passou um
vento o céu avermelhado soltou chuva de pipocas e miçangas
que caindo se espatifavam cataploft! crack! em vidrilhos
estourados colorindo a terra os matos e terreiros
os topázios-imperiais brilhavam amarelados ecoando
luzes até o horizonte margeado de morros
luzes que dançavam nas retinas
olhos abertos entronizados na dança perpétua
tinta encrustada na paisagem cores e seus amores
silêncio houve-se
nem os latidos dos cães enfiados dentro da tarde
houveram
nos açudes e rios nem as tilápias e cascudos nadavam
o vermelho das caliandras se derramava sobre o barro
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de dentro da chuva que passara nasceu novamente
novamente brotava até mato por sobre o espinhaço a
caveira dos bichos mortos
os botões com as pétalas abertas
a dança bailarina do pólen seduzindo os insetos
os brotos na terra se contorciam num parto
Primaninha subiu vereda e foi até meio do mato
rrancar mandioca
dura enfiada no barro
enraizada
e pela noite nasciam os grilos dos brejos rasgando o
breu chilreando
Primaninha fez bobó pras crias que
comeram famintas lambendo os beiços metendo os dedos nas
cumbucas
dormiram todos deitados abraçados agarrados nas
esteiras de palha estiradas no assoalho rangendo
a madeira carcomida
dormiam no zumzumzum das muriçocas mordendo
as pernas canelas
houve então o assobio de vento pensou Primaninha que
fosse saci deixou tesoura debaixo de travesseiro pra assustar o
troço do moleque-perneta retinto danado arisco
e saiu Primaninha de dentro da palhoça deixando os filhos
tinindo de medo por debaixo dos panos em que dormiam
levava sem saber em suas mãos velhas duras o Adê-
Coroa deixado por Oxum
travessou o terreiro chão lamacento
grudando BarroVermelho Ancestral do Sangue desde a Pedra
da Redonda e Morro do Colosso entrando em seu sangue na
carne de suas alembranças retintas
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Primaninha ainda sentia no peito abraço quente forte
taludo de Sérgio Gomes da Silveira
naquelas tardes em cima da esteira de palha
fazendo saliência
ela que era amante dele quando ele se indispôs com a
esposa-mulher e a procurou lá dentro da palhoça Primaninha
jovem esguia bunduda no canto da mocidade naqueles dias
idos abriu sua carne praquele homenzarrão
Primaninha era em todas Terras-Terreiros-Baldios
considerada catimbozeira de marca maior metida em
urucubacas que fazia sympatias feitiçarias mandingas pra
curar arrumar amarrar renovar roubar amor meter medo
matar inimigos curar doenças era pra todos também rezadeira
titular
muitos então a temia
a torto e a direito em tudo que era canto e muitos anos adentro
Sérgio Gomes da Silveira sem medo deitou com Primaninha na
cama-esteira de palha dela em sua palhoça num quilombo
adentro das Terras Brejeiras pra lá da Pedra da Redonda
foram anos e anos e anos assim fazendo Primaninha
entrar na prenhação anos e anos e anos e toda uma linhagem
bastarda principiou saída de Primaninha
Deolinda mulher de Sérgio Gomes da Silveira que já
tinha seus filhos grandes e taludos mandou que procurassem a
catimbozeira que roubara seu homem-marido
foi um fuzuê dos diabos pois Sérgio, o Grande, sem saber
de nada que seus filhos iam atrás de Primaninha quando soube
se enfureceu mas já era tarde pois Primaninha mais catiça que
todo mundo ao olhar pras folhas de mamoeiro e entranhas de
galinha aberta estiradas numa tábua do terreiro viu que
vingança viria da Casa de Campo Grande onde arreinava
Sérgio Gomes da Silveira e seus Herdeiros
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fugiu com suas crias pro outro lado de lá do
morro onde diziam ter cemitério de bichos caveiras chifrudas
dependuradas em pau de cercas galhos de árvores
se meteu num quilombobó com inhame onde havia
palhoça esquecida abandonada com suas crias
O-rio-que-te-trouxe-
É-quem-te-leva-pro-mar-
Auê-,-auê-,-auê-seu-canzuá-
Quando-vento-passou-já-velha-Primaninha-a-pele-
retinta-enrugada-engelhada-vento-então-a-despenteou-e-
atravessando-o-terreiro-as-galinhas-em-disparada-cachorros-
latindo-contra-temporal-se-anunciando-e-por-detrás-de-
um-pequeno-paiol-já-em-ruínas-ao-lado-de-uma-
saboneteira-de-galhos-estirados-sobre-o-teto-pobre-de-
palha-Primaninha-foi-
Vento soprou ainda mais forte cheiro de terra molhada
anunciando temporal o Adê-Coroa saltou das mãos de
Primaninha foi flutuando por sobre um redemoinho que
levantou do chão e subiu girando na gira folhas secas e poeira
de barro até a copa dos abacateiros
e no olho do redemoinho rodopiou o Adê-Coroa
parecia também haver mulher jovem preta com sorriso
de estrelas-miçangas brilhando no rosto de traços fortes
Mamãe Iansã
,pensou Primaninha
Iansã Moleca-Ieabá toda saída metida em fuzuês
tudo luziu d’ouro no brilho dos topázios
então Abacateiro se atornou Rei Reisante de todo
Arreinado das Tribos e Bandos Acangaceirados que Quicam
Rodopiam Traçando Ciscados nos Terreiros-Baldios embaixo de
Yandara Fêmea Mãe Fogo Vermelha
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Primaninha sentiu então a terra tremer em espasmos
numa sanha barrenta
como que gritando a terra gemeu então por um trecho
de brejo lamacento galhos retorcidos cercados por imenso
Abacateiro e pedras explodiu um só momento reunindo todos
os instantes
eternidade
Primaninha caiu de joelhos sobre terra e de dentro do
estrondo do pequeno brejo explodiu-parto água terra lama
rolou rodopiando cambalhotas de dentro de um buraco-
invaginado
Jaína, A Çarabina, Rainha Carapinha Crespa
Cabeloduro
coberta de lama da cara ao pé
cordão umbilical de cipó e galhos de goiabeira
entrelaçados-renda
entre o barro Primaninha viu bistantraneta enlameada
mexendo perninhas bracinhos na beira da boca-útero aberta
da terra lama pedras
e Jaína-lhe sorriu
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Sérgio Ortiz de Inhaúma é nascido e criado em Inhaúma,
Império Barroco-Macumbeiro, Subúrbio do Rio de Janeiro.
Torce pelo Mengão, Mangueira e Império Serrano. É autor
de Zona da Mata Eletrônica (Editora RBX, 2011), A Guerra
de Plástico (Editora Oito e Meio, 2015) e Dioilson (Editora
CLAE, 2017).
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