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Jaína-máquina Divino

Sérgio Ortiz de Inhaúma


©Sérgio Ortiz de Inhaúma

Projeto Gráfico: John Williams B.


Capa: Maique Souza
Impressão: Editora e Gráfica do CLAE

1ª Impressão: 200 Exemplares

Jaína-máquina Divino

Ortiz de Inhaúma, Sérgio


Juazeiro: CLAE, 2018.
90 p.: 140 x 205 mm

1. Poesia brasileira. I. Título.

CLAE – Círculo Literário Analítico Experimental


Rua do Socorro, 372
Centro – Juazeiro/BA 48904-160
Telefone: (74) 98814-0535 / 98808-4067
https://www.facebook.com/EditoraC.L.A.E/

Este livro é confeccionado artesanalmente.

2
A vontade de muitos
ou
Apresentação da Editora CLAE

A necessidade de exposição é que faz absurdo


acontecer com naturalidade, se bem que foi preciso reunir
muita força para derrubar as muitas barreiras que surgiam
à frente das investidas desse grupo de jovens poetas que
buscavam nada além de seu direito, uma publicação.
Mesmo com tantas portas fechadas soubemos escalar as
paredes e desmantelar a imagem negativa que pairava
sobre este grupo. Bom, desmistificando esta ambientação é
que apresentamos a Editora do CLAE, que proporcionará
aos escritores engavetados a oportunidade de ter seus
pensamentos impressos e visíveis. Esta é uma empreitada
que, com certeza, vai iluminar autores aprisionados nas
sombras das negativas das grandes editoras, aqui há
realização, tanto os perfeccionistas quanto os malditos
estarão no mesmo patamar. Todos estes lançamentos
somente comprovam a força da organização de mentes
que anseiam por descoberta. A Editora do CLAE é o novo
albergue aberto para todos os poetas que precisam de um
lar.
Esta aventura tendencia revolução!

Círculo Literário Analítico Experimental


CLAE
Outros Lançamentos da Editora do CLAE:

 Só & Só
John Williams B.
 Quebranto
João Gilberto Guimarães Sobrinho
 Descontinuidades
José Barbosa de Oliveira Filho
 a difícil arte da compreensão
John Williams B.
 Bicho
Jonatha de Alencar
 Valsa Indelicada
John Williams B.
 Estigma
João Gilberto Guimarães Sobrinho
 Cartola Vazia por Sensações sem Truques
Adilson Alchuiy
 Quarto Escuro
Anielson Ribeiro
 Enfermaria 5
Lupeu Lacerda
 Moinho
Ruthe Maciel
 Dioilson
Sérgio Ortiz de Inhaúma
 Bêbado de Amor
Jorge Galego
 O suicídio de Bukowski
Lupeu Lacerda
 Em Transe
José Barbosa de Oliveira Filho
 Canção de Ninar Nêgo d’água
Wellington Monteclaro

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1.
Giraconga
Yandara SolfêmeaÚtero
subiatômica\/carne
:
mundoAntesMundo
6
Giraconga,
Arreinado Reino Carapinho-Crespo Cabeloduro
Faísca Faiscante GirôCiranda
Solfêmea esbraseada flamejando existências
,Yandara SolÚtero
d’as funduras da quentura da tarde requentada
cantoria vasculhando ponta da rua ponto sem nó
sombrad’ouro vermelha avançando
Jaína-matutada matutando de papo pro ar
Terreno-baldio cacarias
Luzfêmea fazendo cosquinha no rosto

nuvens
sol com mentioláte]
cataventos de algodão-doce soprando firulas olés
coés
samambaias vivas desmanchando folhas
e quintais beliscados
rachados ecoando latidos bichos
sombras escangalhadas
mangueiras+amendoeiras

hirta /a/ dobra da esquina avança


vergalhões pelejam lajes concreto aberto
pó de pedra ciscos poeira transluminosa
vielas pretas sangue grosso
===manha rápida engatilhada
De butuca
fome acesa ronco da barriga ungida que
grassa na interioridade do tronco
tiros na quizumba
corpos latejando vestes desmembradas
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febre,
recinto litros de fumacê rodopiando espantando
mosquitos
dengue na manivela do corrimão
Jaína-cutucando as formigas
de açúcar na boca melado lambuzada
nariz escorrendo cabelos carapinhos
avoados
tarde remendada
bolinhos-de-chuva fritos
som chiado de gordura requentada
beiços enrodilhados remexendo os fuxicos

Construçãocisão da vontade tarde enfarte


torresmo resto
que faz-foz tanto que tempo!
bocadefumo, saliência terreno-baldio pescou-se
girinos boca incerta lambe trechos
vózinha berimbolada esgarçando traçado
trança enrosca na cabeleirameninalanina
reluz dança
Jaína-crespa sararávermelha preta cabeloduro
viu de relance
olhos que onça bébeágua
floriu a trave em flor onde urubu
pousa e cão-não mija

– venhacá minína, disse sua bisatantraravó Primaninha,


tragacá éssa cumbuca de’mandioquinha
Jaína-ziguezagueando rriu lhe-levando-lhe
cumbuquinha
Mão velha enrugadinha

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Couro encruado ventania
Já-lá-se-ia tarde em cima de tulha
palha rodopiando na gira da palhoça-redêmoim
Curral paiol amendoim

semente dura /bate água úmida/


faz focinhoninho na terra funda
Jaína brota seiva-raíz bruta
sentiu o alarde pénasce de goibeirabada
docidocinha
tom amarelo fogo-pensamento! Sentiziu Jaína
menina-máquina moleca margarida manga carapinha
estripulias amarelinha
vertical rabiscada no canto feito do ar
alerta cor bola de fogo
queimado
bola lançada cabelos meninas gritando
alcança rolando pedra nos
até números-luz demove o
tempo[
rela a mão esquerda no chão ralada
vidro-grito
som de maiúsculas no seiopequeno calado besouro
pelo avesso agitando as patinhas
saia girando
ciranda
rodada rendada
ciranda
girando
saia rendada

mosquitos indo luz na treva-poste


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revoando a claridade sódio
magnésio bêbado ruim das pernas
vencido couro curtido furado favela da maloquinha
pétalas inchadas beirando rua
nua a voz tecida imensidão várzea grito da vizinha
[ belos lixos farofando nas calçadas
biroscas escoiceadas fotografias
rabiscos
lápis coloridos lapiseiras
caderno rosaxoque eletrocutando a sabença
teletenas escalenas telhas
latrocínios
Jaína sentiu
viu no quebra-queixo
o doce das perturbações
a mandíbula doendo colada no quengo
ombros de finura fina
os dentes remoendo o açúcar e amendoim
latas espalhadas
a mãe dormindo na sala estafada
fogo calor meio-dia ronco depois
almoço
tevê ligada raios catódicos
entediada a tarde coberta pelas praças
as velas desvairadas resvalando a noite
vapor de fogo sete dias
porta de cemitério
Eguns bebendo cachaça
cuspindo farofa jatobá charuto
fumado
lua paralisada no catimbó
soltando fumaça preta

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sentiu um sono de primeira
levou a zorra feia
e a boneca chamada Mélinha
pelos cabelos de náilon olhos acrílicos abertos
as pernas tronchas a roupinha manchada
pro meio da rua encarapintada
manicures cor nas unhas
tirando o canto a tessitura as cutículas
moleques jogando bola
punhetas no terreno-baldio atrás dos galpões de
ecos
piruetas
as meninas de vestidinho
caminhões entupidos
a lataria abandonada virando chuva
o
final da rua
verruga
vercejos verbospercevejos estourados
odor líquido na ponta dos dedos
cheiro ruim
catinga
deram um chute cachorro saiu voado
correndo
danado
latindo
zumbindo varejeiras
monturos sacrários
imagens
dendê pipoca
ex-votos
alfinete
11
mandioca
dona Maricota
pelés chutando bola
golzinhos de lata de soja
Jaína ouviu as adedonhas
1 2 3... esconde-esconde
Alguém sumiu pelas ribeiras
Então houve-se Inhaúma Bonsucesso
pelas beiras
a memória das raças triturada
os pretos os bantus iorubas tamoios a senzala a
palhoça-oca
malocas
Espada de Ogum
ao pardieiro
favelas-caatingas
zumbindo axé-Subúrbio
a pivetada
trombadinhas aéreos nadando cola-sapateiro

espantos entre portões


ferro aberto quentura no
descendo suor paralelepípedos paralíticos
ranger elétrico do rastro
nos fios
desencapados iam
tropeços a vida a carne da vida
o lusco-fusco
o vendaval
tremeu o céu nas moitinhas
o crime na

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ergueu
pitombeiras
na casca do couro dos ventos
o traçorastro o infeliz
merendeiras hora do recreio
fome na cabeça dor abscesso
pegou-se no riso visto
era Jaína na troça
nos dedos melados no marmelo
caramelo
goiabada
na boca açucarada nos trovejos
na rajada nos pregos
na vista funda
horas que ruminavam
fantasias carameladas
Solfêmea, Yandara, Olho-deFogo Vermelho Útero
Saliência da retina enfogarada
Trisco rabisco
Venda de caguetes
A-amiga abrindo a magia o riso sorriso
Mais outro dia
Anteontem===================Jaína lavou o repertório
reco-reco
chamegos
cafunés que deslizam
Jaína-florida
na ponta da manhã crua
sabonete
sabão de coco tirando
lascas de pele enxaguando lembranças
tanque de pedra cacimbas
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bica mal-fechada
gritos beliscos nenéns
focinho engatinhando
latidos ecos
misturas cores voz entrelaçada
bichos
ladeiras empenando o rastro
rito dos idos
fofocas escancaradas
Jaína-amanhecida adormeceu lentamente
correu os sonhos na
visões mexericos cristos
subúrbios-coloridos
sangue cromático arrepiando redondezas
sumidouros bairros
vizinhos
bacundum bacundum
repiques pancadas pandeiros
Atabaques molambeiros
muambeiros
festanças pegando-santo emboladas
chão rua quente
atotô ladainhas santo/cristo
novenas

ventos estrebuchados
Jaína-mentirinhas velando
o vento toró trazendo o sangue[
cheiro de terra carne molhada
onças-pintadas rugindo
correria das capivaras
correndo-Jaína das pancadas

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entre-troças
pernas fininhas
pequeninas
vestidinho de chita vermelha florido
traquinagens com as primas vizinhas
o olhar vago do senhor de olhos de vidro
a velha da rua detrás terreno
vagueando encurvada bengala
goiabeiras na cumbuca de barro
pêlos de gato pata de tatu sangue de preá rabos de girino
fazendo corimba
cajueiros siameses
crianças balançando sustos caem espatifam estouram no chão
a goiaba cheia podre de bichos minhocas
borboletas avariadas
canto das cigarras pelejando tarde

rastros de imensidão
refulgindo aurora
cor de vento quente
alucinando palmeiras
sonhos rastejam
escombros
crepúsculo estilhaçado
parapeitos inquietos
dobras da noitecarne-viva
cabelos-Jaína sarará crespo se precipitando
sorriso nas folhas
até
amanhã
distância
não nos espera
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sente febre alta acalantos
subindo
cheiros dos lábios
ossatura da alma
invadindo
os olhos
em dois temporais
cântico
pele devaneios
pele úmida
arrepiada
esperando os desejos
altura dois duas
jamais passam
hora ardor brilho flutuante
sonho carne
aceso
flor
Pétalas de gases
desabrochando horizonte de fogo

coqueiros inundados
postiços navegando alto
sombras carapinhos compridos cacheados
vento-balangando folhas
cocos
bocas
maresia requebrada
tapa-na-cara
papo pro ar
brisa

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Olhos cabelo-flor
Vento malícia
semeadura de chamegos
Criadouro de peixes na Vila-Acorizal
num terreno-baldio
Kail, também Jair, pichador,
lhe trouxe na mão
em forma de concha
escamas douradas coloridas serpentando a palma-
poça d’água
Jaína-sorrisos deslumbrada
avistando açudes dobra do mundo
riso carne-vento abrida umidade fogo
pele-negra quentura
pele pelas ruas
pisada
jabuticaba sem casca
polpa crua nua
suco de luz preta líquida
som noite lambida pela manhã
negra beijada pela Solfêmea Yandara
ancestralidade trópica
trôpica
escorrida na
hora de acetileno
labaredas altas
volúpia de todas as fêmeas
encarnam
luas de esmeralda
Sacrifício do sangue
engolindo fogueiras São-João
Curvas de postes
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vomitando luzes rua úmida
ciranda-quadrilha
fogueiras até
alto da noite
casamento de mentirinha velas sete-dias
revertérios água-de-cheiro
sainhas rendadas
noivar com menino-mais-bonito
bigodinho lápis de olho
Gonzagão
AsaBranca florindo
margaridas
beijo açucarado
na testa funda das ternuras
subúrbio
na caçapa das búlicas
bolinhas-de-gude
quicando nos paralelepípedos
na manhã incendiada
nas curvas das quinas
na lembrança faminta
Transe girando
claridade fincada nas calçadas terreno-
baldiodindo

Jato de flores árvores mestiças


Mimos miçangas
Guias fios-de-conta
de brilhos
cromáticos
alcance tamanho de jacas
raio dispersando as paisagens

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[ novamente Jaína-coroada de Sóis
presença régia rainha de flores de flor-de-maracujá
ipês cajueiros
Reino-Giraconga
rumo vercejos das incertezas]
Manhã criançada incriada
chupando eletricidade dura rapa
Jaína-!
Malcriada grita-mãe
arteirices
Pele-lava
banzé
seiozinhos-bolas-de-gude
rindo bebendo luz no rosto até o dia seguinte
madrugada besteira esquentada
gosto de topázio na barriga
Mélinha a tiracolo
olhinhos-acrílicos/miçangas debatendo
cabelos-náilon
balangando agarrada pelas
mãozinhas-Jaína
tom de-doçuras guloseimas exalando
Manhã elétrica girando ciranda
Imagem Cosme-Damião pretos na
encruzilhada
Despacho
cachaça
alguidar entupido farofa
charuto
samambaias folha de bananeira
doces
saquinho de papel
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suspiros
maria-mole
cocôzinho-de-rato
pipoca bala gamadinho
sete-belo
mães de terreiro
distribuindo saquinhos-doces
vento prateado
vela sete dias
caboclo sete-flechas
adê franja de vidrilhos-miçangas
reverberando
luz-viva manhã rubra
mangas
nuvens mestiças
o amor que não era
e teu Jaína-ria que ria
faceira
marotices traquinagens
metendo pedra
vidraças
estilhaçadas
janelas trincadas
vasinhos de planta
babados
bijuterias
em queda
riso café-com-leite
hálito de milho fubá
bolo
mungunzá
mandinga suco de caju

20
pamonha cuscuz
vermelho degolado
cabeças de galinha
pululando
sangue esguichando
prato de latão esmalte branco
recolhendo sangue
minhocas na lama preta
Jaína-dançante recolhia
Verde festejo
preto-vermelho
cobra-coral duas cabeças
rastejando no terreiro
] biscoitos
tetas inchadas vacas
sumo que dá sustância
curral bezerro
ordenha
riso cremoso
quente viscoso nos ladrilhos
mulheres
descabeladas fios de sol-menina
barro quente
úmido
peripécias
canjicas
grilos às avessas
tevê ligada
cores cintilando
naufragadas
telas acesas
unhas postiças flores merendeiras
21
nescau quente
bigodinho de leite
Jaína-comendo mandioca
tecendo fios d’água
correndo canto de rua
na quina
imaginações
comendo
carne de sol uhmmm delícia
manteiga-de-garrafa
carrapetas
Jaína-melequenta
rranhenta
catarrenta
fungando
bebericos
sonhos sonhentos tarde
esquina sonhosa
moscas zumbindo
pernilongos carapanãs
bichocas na goiaba espalhada
cheiro de querosene
molecas travessas
brincando queimado
pique bandeirinha
Jaína-mestiça
sarará vermelha
encrenqueira
choradeira manha manha
pirraçenta guerreira
besteiras
tia gorda deitada

22
sala
estufada
entediada
sofá rangendo
mosquitos
zumbindo sobre
tarde quente
dando cascudos moleira
molas quicando
berimbolos
calor danado
cangaço
mormaço
campim pelada 10min dois-gols
capim-guiné
balaios levando
boias
frias
pau-de-arara
contas de vidro
mininocas
algodão-doce rosa
carambolas
filhotes de cruz-credo
vó encruada
reverberando terreiro
cheiro de queimada
capoeiras
laranjeiras
canaviais
cinzeiros
percevejos
23
vargem acesa
IansãRosa-Xoque
mascote
cocorotes
cascudos
bicudos bolas de papel
linhas
deizão
tubos de linha
serpentinas
moleques deslizando
pipas avoadas
Jaína-quicando
nas amarelinhas
mostrando língua
fazendo birra
malcriada arteirinha
cheirando focinho de gato
risonha
fazendo gracinha
pirraçinha
enxerida
descambando ruas
brejudas beijos
sóizinhos florindo
jujubas
beirad’água
bichos
Jogo-do-Bicho
burro
jumento
onça

24
tamanduá
grilos
quina
Dedão-do-pé-Caju-melaço-bombinha-Jaína-
mexericos-
-pancadão-bobinas
tripa de galinha
camundongo
fofinho
Jaína disse
mãe chutou que feiura nojeira
sujo
chorou-Jaína
já ia o dia as horas a rua
a beira das calçadas os ritos
funk alto
proibidão
pagode
cravos rosas ipês
samambaias
tamarindos
mangas mangueiras
cajueiros
abacateiros
morro favela
ladeiras
quebramolas
cristo
iemanjá
oxalá
ogum
exú
25
bichos
vento
deslizando
parapeitos
paralelepípedos zunindo
periquitos
gaiomolas
estouros
biscoitos bicos
] cabeloduro-henê-Jaína
crespo carapinhos
bolas-de-gude
Jaína-jogava
com-meninos
terreno-baldio
triângulo búlica
paredão vinha é-o-rápa!
ela menino-Jaína
rapelava a molecada
dando vários gansãos
Yandara
feixes vermelhos
raios sangue
SolÚtero
ovários
vários
raios-cabeçudos
luzsemên
Girôgunhê
girando
subindo poeira
terreiro

26
gritos estalos assobios
batuques
empoeirados
ferroada marincalombondo
rincho de jumento
cangaceiros bando enfogueirado
Caatinga-Çubúrbio empenado
rasga-embaixo
fuzarcas
bandidos-de-morro estalando céu
vermelhos traçantes
fogos de doze tiros
fogueteiros
ônibus ziguezagueiam
bancosantos
bingos
proliferados
restos
de luz mênstruo
rodovias incineradas
rodoviárias abandonadas
empoeiradas
tocos cotocos
ciscos
ébos
cataventos
novenas tranvestidas bebidas
birras
deus mandingueiro
quarta-feira de cinzas
quaresma em festa
exúmenino carapinhos
27
diabosolto
capirotos
boca
lascada malcriada
entra varejarteiras
moscas zumbigo
monturos
ossadas
bichos
extermínios
Mélinha plástico
Jaína-cantadeira berreira
pirraça
bicuda
metendo
bedelhos
bolo quente
fubá cenoura
cobertura
chocolate
glacê morango
pavê-vê
festa-aniversário
brigadeiros
cajuzinhos
olhos-de-sogra
bonecas
dedo creme
labirintos
docinhos
bracinhos
vela-apagada

28
velharada
coca-cola
Mélinha enjoada
largada
canto do quarto
balangando olhinhosmiçangas-acrílicos
pirulitos
que bate-bate
que já bateu
quem gosta de Jaína-é
Jaína-num-morreu
refrigerante
pipoca-franqui
[ beterrabas
sonhos-algodão-doce
picuinhas
Jaína-enxerida
procurando pessoinhas
dentro-caroço de azeitona
travesseiros
guerra-pena
quem tem
é-galinha
tardinha
caldo
suculento
quinór
pra ficar bonito
inspiração
piração
misturas
feijoada
29
tutu
mocotó
vaca-atolada
feijão-mulatinho
-amigo
altar da igrejinha
santo mulatinho
búzios-fitinhas-de-Bomfim
pernocas saracoteando
pagode
samba
carnaval-de-rua
clóvis coloridos[
no sereno
perfumados
lança-perfume
água-de-cheiro

céu rubro-Flamenegro
eixos
beijos
remelexos
coziinhas
buzinas
brincar - de - médico
bilhas
trintas
biritas traquinas
ciscos
beliscos
malandro
-ma-ncada

30
acumba
turuna
saúvas
bundas formigas
tanajuras
preás
Mélinha-Jaína correndo
meio
do
mato
guiné bambuzais
capim gordura
mangueiras
eitos
maçaroca
morro dorso
vargem vadimiragem
micróbios hortas
leitoas
murundus muntuns
cacimbas
moringas
pique-peganiques
marimbas
birimbau
linha ferro
dedilha
quadrilha
boquinha

mexerica
tangerina
31
pandeiros
tantans biscoitos
biqueiras
bebedeiras

um pouco
assopro doce
seios ondulantes passa
sutiã sem mulher
testamentos
inconfessáveis
crimesbreus
orla de arrepios
escorrêgorrer
língua intacta
a desolação
campos mais confusos
fragmento deolhos
percorrendo paisagem percorrida
festajunina
fogueira
pé-de-moleque barraquinhas
canjicas
pesquinha
joaninhas
varapau
metralhados
à toa
serena face da manhã
prece em
de cores vivas hirtas
amigocaranguejo Chicocientista

32
gritos
florestas abstratas
ilusões amarelecidas
páginas arrancadas bolinhas
roça
lábios gozozos
Axé desmedido
Ogum enfurecido
afagos quando chora
e mito
destroços das almas
estilhaçadas
exílio bairro vizinho
alembranças
deliciosamente póstumas

Jaína-matutando tarde
vasculhando breu terraúmida
canaviais mangues brejos sumidouros
terra preta
beira dos valões
esgoto
urubus sobrevoando redemoinhos
círculos
revoadas
céu vermelho
Pedra da Redonda
Giraconga
Terra Faíscante
RAINHA-MINÍNA-JAÍNA
preta-marrom carapinhos

33
dengosa
beiçuda
bençosa
cirandóla
Colosso,
,Morro ancestral Sangue dos Antigos,
Onde
iam
Se imolar
rebentos BarroVermelho
Mélinha olhinhos acrílicos
decorando paisagem
lumiosa
fronte brotosa
paixões repentinas

O rei trovão inda existe (Ô)


nas redondezas
pega-pra-capar
dedilhando diáspora
fogo-ventre
ô mandinga ô

Yoruba
Minina
Yoruba!
caiu na
boca-tupinambá

Yoruba minina Yoruba!

34
Gritaram de lá
,selva: oba so!
oba so!

E o velho Nonô
a cantar:
...oba ko so!
oba ko so!

ruas
Fogo ria
queimadas favelas arretadas
rasta-rasta debaixo-viaduto

êmuito
muito de lá
inda vêm
gritos:

ijá nos veio ijá!


pra não cabár!

axé
raça
axé!

Girô roda
Girô ciranda
Girô roda a-rodar

axé tá pra lascár!

35
Luzfêmea luz vermelha
raiosemên Yandara minina Yandará!

36
2.

foz da
manhã queimada

Giraconga ou
EstradaVeredas das Funduras ou
–santa,
sapo,
jegue–
37
38
Fumaça lunar acrílica Sol vermelha fêmea
Luz ríspida
Sonar cabeça de mico-leão dourado
Onça-Pintada rugindo
Mata fechada
Cheinha
Curupiras
Passos-pra-trás assobios
Mandioca raiz choranrrindo
Sacis encapetados azedando leite
metendo nó na crina dos bichos nos rabos dos cachorros
dias em que pensado reluz
atabaques
pi-rim-pi-lan-do
ecos novenas povoados
viventes no furo foz voz etc e tal risco
Lamparina-Jaína sentada banco de madeira
Mélinha entediada entardecida boneca plástico
Olhinhos miçangas reluzindo
acrílicos cabelo-náilon

Laje numa tarde qualquer


vergalhões dobrados envergados pauladas na rua vizinha

Jaína fazendo piruetas caindo


ralando queixo joelhos
choradeira
amarelinha pedra rolando quadrados
céu

Jaína assistindo redemoinho rodopiar


folhas no meio da rua
39
Amanhecer quente

Ônibus vazando rodoviária


rodovia
espreitando seguindo à beira
regurgitando
a caminho de Giraconga
)Reino Faíscante Luz Pisca(

Cidade passada
Cruzada esticada
Roça roçado girimum

muito tempo atrás / sacia ninguém /


saci debochado
assobiando azedando o leite da ordenha
a água da bica
amarrando crina dos bichos
bananeiras correndo folhas balançando desfiandolando
paisagem

Virão / verão / novenas / carreatas


/ A qualquer hora / fuçando os corações de riachos/
alembranças
manias surpresas / balas peripécias estripulias
berimbolachos
serpentinas
confetes Às de Espada

– quero durmi
Olhos dengosos fechando lua na cara de Jaína-soninho
açudes beira de estrada

40
coxinhas de galinha kibe
achocolatado
Dorme nenê dorme
Dorme que Cuca vai chegar
Jaína-mandinga

Poças d’águas / cacimba nua / sussurrante


Vagando no universo dissonante /
Vagando no cocho perdido de tudo que já se foi

dias começam café+com+leite


Trenzinho Caipira percorrendo superfície
retratos cortados
família mandioca taioba tia
desabando num passado longínquo
manhã esquecida
Giraconga aparece estradinhas de chão-batido
afrodisíacas
resvalando ponta dos sentimentos
vilarejos igrejas jararacas altares santos
amigos / rasgos mudos
espessura dos cupinzeiros à beira-morro

nenhumanuma só palavra
sinos dobram poço
mulher barriguda tacho na cabeça
homens encruados ordenhando rancando leite das tetas
pedras subindo cachoeira águas possessas
barro espesso
brilho atraente perda de borda
do mundo mundo

41
mundo que se esconde no labirinto das coisas / caixa de barro
/ imensa secreta

BarroVermelho

Mundo aguçado açucarado


bobissas ladainhas
postes truncados gambiarras
piches engarranchados nos muros
viadutos encaracolados espichados
gatos de luz
água sair de
de pele órbita eletricidade
destificada / que demole átrio / percepções cruas
meras silhuetas dos que virão dançando na ponta de um
tempo distante
nas funduras das alembranças
desfazendo nós na renda traçado-mundo
céu florido de chita costurado
na miragem crua

flores borboletas se contraem / feito centopeia de esmeralda /


solta labirintos
de fogo e incenso
mirra defumadores

cordelistas sacrificam mulheres


teatro mambembe
bonecos cabeçudos
ex-votos
onde Exú rincha feito capeta e ri criança

42
envolve / todos os bichos e matos com sua menstruação
malandra

Cérebro testudo
mó moendo parto
/ casulo de gente geme
Pilão socando moendo lembranças

Puro transe / nunca vestes


Cabelos escalenos
Jaína curtindo chupando cana molemente
perdida
desvendo mundo com novos antros
prantos cantos taludos cuscuz
arranhando pele no meio
do mato
carrapichos grudando
carapinhos

mera saliência / doida-voz

Força expulsa amendoeiras bonecas degoladas


cabeças dependuradas fios dos postes
cachorros
cachorros trepando pregados meio-da-rua
olha a água quente!
e aparta o banzé de
moleques quicando
Jaína nas troças dando cambalhotas-Jaína
Rente-Indo nas Estradas de chão-batido
barrancos dormindo
Céu sangue derramado
43
Puro transe /
mundo parado no gira girô ciranda dos que
nada dizem
apenas dançam

crimes palpitam nas mãos / se perdem


/ na paisagem / de vidrilhos e plástico cafunés
purpurina
butucas carcomidas
concentração dos voos asas gaviônicas
fuçando as nuvens as pétalas derretidas
olhos viam então Jaína-colorida
as cores
correndo mundo céu vermelho
Sól fêmea deslizando Yandara
na gira

estradas vagas não


ilusões metros
toda a extensão
dedos aflitos / terra-batida
agrimensor
um por um / motéis de estrada vão ficando /
se perdem nas luzes
vez mais no escuro
Jaína-voando asas
de papel crepom
doces levando
Mélinha pelos cabelos fuçação de plástico
náilon
funga funga Mélinha carapinha
arteira

44
merendeiras

vendavais reluzem
susto da madrugada
bate-bolas brincam lançam perfume
bate plástico oval no chão
metem medo crianças
mulheres sambam se enxugam
tufos de panos remendados /
imolam as cores
mundo se potencializa em força absoluta Giraconga
de dentro dos cantos / sobrevoo onde percorrer olhos

Desapercebido na laje
caminha criança à beira com os dentes de cobre
refletindo passeios cortes abertos
, lindeza
caminhos da surdina
pedindo ao mundo que se quebre se abra em miudezas
partículas
artesões da vida
pálpebras apanhando
os ladrilhos flores pétalas abertas
as cores

conversas na ebulição da fome


senhores sentados nas calçadas
lapidando pedaços de pau
ponta de canivete
navalha futucando
madeira oca

45
boca
pequenas palavras
som áspero
pedra-raspando-pedra

chupar infinito
com as mãos
perfume percorria
olhar rasgado
pequenina lavoura
sopé onde deita palhoça
roça desliza
Giraconga
um homem uma menina
tocarem
o amor quebrado na boca-morro
sussurrado nos mocambos
serpen
tea
ndo o incêndio
consumiu a favelinha debaixo-viaduto
mexericos disseminados
vão das calçadas

sangue infectado pelas selvas de outroraoje


sangue infectado pelas mandiocas
sangue infectado pelas tempolembranças:

pele sempre boa para Sol


boca receberá frutos sabores cores
olhos verão cheiros deslumbres
corpo para a dança a vida

46
sem pecado de Adão algum

aqui
nesta Terra
bençoada
alastrada
onde guerra se engasga
desfilam umbigadas delírios sambas
comissão-de-frente
corpo nu
um luxo a se beber
vida um luxo a se comer

ouvidos ouvem as vozes fecundas


das prefundas
plenilúnio
calor do mundo

Terra é por demais generosa


Giraconga
corpos para o amor

ah, quem dera!


Terra toda esta em volta

serenamente vazia
nuamente sequiosa

ritmos
abraçando
rindo
47
rimas
no seio-calor das favelas
no cisco dos concretos rijos
na umidade das matas enfiadas
no calor dos agrestes sertões vadios
no liso dos morros maciços

ê-sim, vamos!
sonhos
alegrias a sorrir

peles-carnes negras morenas sararás lustrosas vermelhas


jeitosas oleosas dengosas fluviais...

vislumbre efêmeroterno
na eternuraterna do calor’Alvorada

próximo aos vapores dos erêmirins


olhos que não queriam ir

sem resistir

contratempos

línguas sorrateiras
barreiras de fios grossos desencapados
curtocircuito
afogamento das marés
ver ante assim

Antetudo
Dilúvio

48
onde mais ir?

Senão por dentro-canções


Jaína-quero-quero sobrevoando
a ponta dos açudes

beijando notas
batuques istmos
faiscando no impacto
mordidas mútuas
carne-vadia
sim!
afastando do fim

cabeças tomando mocas

contrameleixos
todas antitoxinas terrestres
sustos celestes
mercadorias jogadas
quinta-feira fulminante

querendo gritar!

gritar!
gritar!
gritar!

grite!
grite!
grite!
49
grite!

metendo a vida
surrupiando
abusando
gemidos
relinchos
Ja-ína-Mélinha
no contorcer dos alvoroços
entretida mais vida

lá fora...

peixes nadam entre as imensidões


de Giraconga inundada
por ventos espelhos

um quê de mormaço insolúvel


singeleza na face crianças
confins de uma canção quentura intacta

caminho de gosto verde


gemendo ao vento
paisagem se acalma nas reviradas
curvas entortadas

choveu uma tarde inteira


moscas zuniam nas ribanceiras
nos recantos das abobrinhas

final de semana inteiro


dormindo em febre

50
carregando
o sangue da menina
nas reviravoltas de dormir
sumir

a catapora mastigando o tempo


marcas estranhas na água amarrotada
durante uma tarde inteira
no horário em que todos dormem

Jaína mexericando cores se desmanchando


soluço vento

cordéis primavera pré-histórica


relativamente a ninguém
temperos bailando ao lado
amanhecer costurado
as árvores
a cachoeira de prata
alimentos requentados
versos rabiscando a Criação estropiada

mundoGiraconga resplandecendo quente


duas esferas olhos de fogo
colorindo a paisagem que navega firme
fluxo imponderável
Vida / Gente / Cidades de onde nascem bananas
Berimbau

Além dele

Somem dormem catam piolho...


51
de Giraconga está quase
/ um pequeno mangue /
sublinha lá embaixo
sujo
o monumentuzinho de boas-vindas
arrastam pelas vidas
sacodem a poeira descem
os isqueiros acendem
nos rios que ruminam
transitam as imagens dormidas nas faces
águas
bocas beijulindas
despachos escalavrados
Iansã ponta de náilon
flutua

cidade escamoteada lá atrás


onde olhos-visão afundam
precipício do horizonte
cerca por todos os lados / pagodes vem com maracatu /
ouvidos em orgasmos /
voz soluça melodias indecifráveis / sobre
sentimentos e o crepúsculo reluz ouro

voz não consegue dizer / não consegue sofrer


/ viram luzes demais dos caminhões que somem estrada
adentro

Meninas se escondiam naquelas brincadeiras nascidas da noite


/
endiabradas / pescotapas

52
salada-mista / protoprofetas
melecas
postes tinindo
viravoltas nàs rodas dos pneus que andam

Almas / descarrilham /
sem rumos
desunas desnudas
plumas
cadelas

Canarinhos perambulando-asas
Praça descabaçada

Ah, vida! / Ah, loucura! / Ah, noites!


– quero durmi
Mas mãe bebe cerveja com vizinha
miragens onde
Jaína principia viagem encetada
brinquedos vestindo / monstros nas sombras do quarto
malabarismo de pontinhos de luz nos olhos

dormir com o que se ama se vislumbra


tumulto abraçando a revolução do que gira

Rapazes batucam tocam


Balbúrdias
Bebem escafedem sacaneiam
Olhos de Jaína descem ao voar

veste
Mélinha ao lado voa
53
Giraconga

O tempo do que ainda não sonhado sanhaços


Pescarias santas
tempo das pelejas
risos galhofas / farofa
decolam mosquitos da pele madura matuta
cambembes
cambarás mocambos ilhas lama
maracutaias

íngreme as dunas de sal / moinhos eólicos de miragens


enlouquecem /
choro choro eterno / de quem ama /
anu anuncia a pele vermelha de seios ensolarados

Oh, tantas marias descabeladas na estrada! /


tantas outras pedras batidas moídas
marimbas/ escondendo
atrás do muro de fogo / beijos raios céleres

mexem bichos nas linhas que correm O beiço


que fica
olhar plantado / vastidão infinita
imbica que fica vai além
vezes a lua com o brilho
prata que vai
com o rastro que além em lugares que
risadas
Onde não há saída / Onde batucam prismas / tocar faces
Caxambiras maracás ciranda que gira e canta
/ Onde tudo permite doçura

54
rumo à praia / futuro vislumbrado cometa em colisão

o alvo / Tempo flecha da cor dos cajus


da cantoria e da costura / Ponte
Vento marítimo carcomendo a madeira / Todo sumindo
/ menina matutina / madeira fome / sorrisos
Jaína correndo perninhas atiçadas bracinhos agitados
Mélinha a tiracolo balangando rua entardecida noite vem
varrendo
Folhas mato alto triângulo terreno-baldio
gritos
Ondas leves
pedras levando beijando ruínas com sal

A praia de Lá em Giraconga mar verde esmeralda céu


vermelho
Yandara topázio de sangue
Vasculhando alma de Rainha-Jaína na Primeira Infância
alma
no calor no ardor
amor
volúpia
levada temperos à beira-mar / Jaína beijou a ponta
dos recomeços
/ nas tábuas de madeira arrepiada /
viagens sem volta /
nos recônditos nas alembranças nos tinos sem juízo

Tempo negro pele negra


Nas malacachetas / nos Orixás nas Guias
miçangas beiçudas coloridas
meteoro eclode
55
desmonta o corpo côncavo da claridade
luzes abrindo ruas

corpo calibre grosso / metamorfose disforme / borboletas


tanajuras jurando

Estrada das Funduras revoando


Santa Sapo Jegue
Trequetreque
mangando
Impossível / / brilhando no ponto alto das temperaturas

De volta entre peripaços,


Catando cavaco
Cavaquinhos lenha xucra metálica
Vê-se
ponte que não leva a lugar algum
Tudo
permanente potência
estrelas vigiam margeiam acima de cima
cimo o encima do mundo

uma vontade cega acordar


cair revoar
pouso entrecantos paródias
estrela
biricuticos cristaleiras
penteadeira avistando a boniteza na cama
na dama
mocidade por detrás do horizonte

ondas se acometem

56
madeira ao suicídio
término
cadeiras fumegantes
fumaça ardor se aproxima
pipocas estalinho gudinhas
olhos de acrílico brilhantes Mélinha desgovernada
malcriada
dorme tomba
se aconchega colo de Jaína

Finalmente o brilho
A calma da alma
da tarde intacta
calçadas sem margem

Tudo o que calça por baixo /


pés / acaricia sonhos /
estão prestes a afundar

moinho de ventos reverbera acena de muito longe


lonjuras

realidade se quebra /
farrapos / trapos cacos / travessias
crista amanhecida...

fome carcomendo o eterno / Patativa do Assaré

lavadeiras sobrevoando margaridas


tardinha
final de almoço / no que construíram / no que
envergou
57
tontos / tanta graça
Tanta euforia
cantorias

manhã de vento mascado


borrachas plástico queimado
embevidas

A flor / O santo / O sono

desabrochar / vida deslizada /


a porta diante do nada

A glória engalfinhando o tumulto


Glória fendendo mexericos

flor instante exato sempre


do frescor da mocidade
sempre desabrochar / incessante / na carne beiçuda
sacrários doideira beleza

nuvens pegam / fogo / sensualmente

natureza em volta dos olhos /


o sangue em volta por dentro /
o caos em volta
de tudo

encanto corta os pés / sangue na hora do sono


em cima do espelho noturno reflete sombras

58
A lua guardiã
coisas simples
jorram para dentro dos sonhos

amor lindo amor...

quilombo bobó de inhame


palhoça
lá detrás Pedra da Redonda
onde bisatantraravó Primaninha
agarrada às crias
suspirando suando
cavoucando roça

Jaína-bitocas

vulcão em chamas

o que ficou não é mais o que há

violência de um vulcão perdido / inundando sobre crânios /


água da vida menina que Jaína bebeu recebeu
sentiu o barro o rastro dos bois chapinhando água do açude
atoleiro engolida
na cacimba que tragou os amores ardores o gomo das
tangerinas
onça pintada rugindo chispando vigiando do mato acendido

estrelas no caminho do Guerreiro Ogum na boca da noite na


dobra dos sinos
na noite das palhoças
vagando luminosas rastro sobre a noite infinita
59
infinda em fim
Jaína embebida distraída olhando o céu dos formigueiros
estouram fogos brilhos luzes coloridas no breu da noite
balões intumescidos fogo bucha queimando querosene
no calor de São João as fogueiras madeiras estalando
crepitando
a rua tempêrozida

Antes que venham tudo Jaína esquecida


Jorrando voz vida sumida
Nos entreolhos na cantoria
/ mandingas saírem pelas rachaduras

batuques no osso das paixões


Caroço da mão dilúvio
O sorvo a quentura úmida a semente parida no ventre cru da
terra
Do barro do cacho dos olhos entrelaçados cabelos carapinhos
negrume-Jaína
Cabeluda-dura repiques candura chorando funduras

–, santa, sapo, jegue–

conduzindo poeira
na passarela
na avenida purpurina o tambor afundado

próximos das constelações sem pranto /


lágrimas luminosas olhos afogados duas poças d’águas
todas as senhoras à beira
de um rio produzindo fátimas / Bebendo cajuína na praia
ou nos olhos de Iracema

60
E é tão bom – amor –
seringüela e as filhas
que o mar levou
Os dias e os dias
que Deus sonhou

E tudo
e mais que tudo
e nem para onde se vai Jaína-lembrou

bambolês peroládos / macunaímas /


trapézios caciques enfogarados
pajés
ralés pés rapapés
paisagem futucada no canto
no lado de fora de dentro

nO que une / nO que funde

que rasga / que sente / que matuta / que madura

– , um suco de seringüela, mamãezinha


, Jaína-diz

Jaína que no mundo tem mais volteio e volta

61
62
3.

Girôgunhê, o Empalhoçado
fruta-flor catimbó macumba
(Glossolaliauô)
tranca-rua trava-língua
mandingarranchos
PARLENDÁRIAS

Caantigas

63
64
Yandara
Mundo Extinto, Sol’A Útero Extrema

Dêdê xamará xamaxê


Uxemê ananá nanôguê
Jôu marananchú icómiosmélio

Boca do forno
!Forno!
Tira um bolo
!Bolo!
Tudo
que o
mestre mandar?!
Faremos todos!
E se não fizer?!
Levaremos bolo!

Mistério que abateu na rua


O preto negrume da noite
Preta pele negra sarará
Vermelhá leluca!
Urucum pretundo!
Carne-noite peletrópica
Terra-Giraconga Faíscante Faísca

Terra de mártires
Terra de brutos

Cangaceiros bando alado

65
A todo ano rebenta um beato

Batuqueira pagobodó da peste

Em cada canto
um canto
um tudo

um bandido na beiçada

Na inteireza da peleja
pajelança
uma maria a mais anunciada
cabelos despenteados
crespo-duro

Uma beiçada na cachaça


boca desbocada

Em sua selvagem febre:


Um fuzil um buraco um saco de farinha

Ônix
opala
barracos
cabeças-de-bagre na córnea
o trem em Manguinhos tremia inchado

Caiu o povo na segunda-feira cafuza

Como não ter ridolido os Sóis


Lindolido o Fogo

66
A cada lidalinda
o sangue ferve e borbulha as árvores despertam lançando ebós
na atmosfera
o horizonte explode num último crepúsculo
intenso e mágico
em tons convulsionados
Gira girando meio-da-rua Girôgunhê Empalhoçado
Girando na gira soltando poeira
Terreiro-baldio quilombeira
Quylombobó
No batuque nos agogôs
Nos caxambus
Nos atabaques
Gira atotô gira girando Girôgunhê seu danado!
Rei Empalhoçado
Oràmáé Orixá Solar
De sangue nos olhos no batuque na cantoria
Roda a gira da palhoça
Cospe palha e fogo mordido
Gira na gira da giranda
Batucada ciranda batendo palmas estalo na língua assobios
Gira que Jaína-lhe-vendo quica
Carapinhos ao vento ri e quica
Na palha soltando poeira do terreiro
Redemoinho-palha
Na noite cozida no angu
No tacho onde se bebe doce e caju

Ah
em outro lugar
em outra vida
em outro tempo
67
outras meninas cirandando
Mais perto do que nunca de uma qualquer tarde
um pranto meeiro
que envelheceu antes do tempo
Aprisionado noutro’corpo
entre as veredas
o arame-farpado
a carne
desparafusada
é feita da terra
de suas húmundincíes
de seus urros de suas fendas de suas entranhas
todos cheiros de sol
Nada mais que sol
Ah e como giram!
Cantem então um redemoinho!
Tudo que penetra o mundo e a poeira se dilatando
as partículas cuspindo luzes
Tem tudo de toda uma vida por aí

A música batucativa
se encosta na parte imóvel
de olhos extraviados cromáticos
Cenas tiradas de Glauber Rocha
Alumínio pedalado perto dos tijolos vermelhos
num mundo turbulento
das ondas e outras tempestades
subjaz uma silhueta aflita
um olho cru úmido
abrindo a centelha de sua esfera
nos recantos de um pranto de fogo

68
A alma estancada na Existência
tem formigamento no
esboço do tempo arrepiado
e os agogôs
e atabaques
na impermanência das ruas pegando santo

Para entardecer é preciso


enferrujar o céu
e um tiro na cabeça
à queima roupa
para derramar a gema celeste
as meninas girando sainhas
os moleques atirando marimba
câmera lenta
fios desencapados que costuram o mundo
A voz de fogo que
balança a fúria entranhada nos rebocos
Vidas que escorrem os sêmens cabeçudos
Pancada forte que estremeceu
o esqueleto dos sentimentos descarnados
Barracos trepados sob a chuva que ensopa
o som saído da nervura dos becos e beiços

A paisagem de concreto armado


cercando todos os lados
sob o céu de alumínio-vermelho
os ares de verão no murro cru
Visões surtadas no magnésio
na curva bolindo o fim do mundo
apanham um trecho da chuva que rebenta
dos maracujás amarelando as nuvens
69
um dois
feijão-com-arroz
três quatro
feijão no prato
cinco seis
feijão dendês
sete-oito
comer biscoitos
nove-dez
comer pastéis

Iansã magica desfolhada


fumaça dos despachos banidos
onde os sonhos boiam no
alguidar refletindo
encruzilhada
faz gambiarra
com um resto de eletricidade

fumaça dos charutos


atiçando os Exús encarapinhados
ninhos dependurados na noite
com cheiro de mato
donde chocam os curupiras
no inverso correndo a sede do tempo

cadafê ozumá melêlê machacámaxê


muzumí kazoã lamagí
ofungá semmajô bacatê

Ô dô tê cá

70
Lê pepino lê tomá
Cinco mafagafinhos
Pra desmafagafizar!
Lê café
com chocolá
sete ninhos de mafagafinhos
sete ninhos desmafagafizar!
Ô dô tê cá

enxame dos batuques aglomerando


entre a poeira estocada
entre o breu que se dilata
no suor de cheiro porradeiro
no ecoar dos bailes funks

Jaína cafungando birras


azucrinando ruas estaladas
portões caídos possessos
quintais latindo
Jaína-quicando

emanações dilatadas
fundos
acabariam os ventos e começaria a guerra
o Adê-Coroa iridescente
franjas-vidrilhos
de topázioimperial-esmeraldas
na cabecinha carapinha da Rainha-Jaína

E segue a pé segue a romaria


Solas rachadas chupando o chão
para o horizonte onde nada se chega
71
onde a voz verbaliza a luz
brota tempo brota churros
lacraias remontam a manhã bailarina
insetos são vidro mole do canto das cigarras

E a menina
Seu nome perdido nome Jaína
Fundo de paisagem entupida
Fios desencapados borbulhando horizonte elétrico
Cães
crianças correndo atrás dos carros
Olhos escangalhados
Fundo de pétalas acesas
Ipês
Margaridas
Brotoejas
perebinhas
Sentimentos úmidos
Carne desabrochada
alma rachada
Bacundum Bacundum nem tudo virou zum
Sonhos brotando
quintais ladram
ecoando na carne das
alembranças o cheiro de anágua dependurada nos varais
boca que não esquece as entranhas do defumador
fumaça negra subindo
estopas na beira das esquinas
abraço de querosene pinicando cacos de vidro sobre muros

atenta como uma cobra


que viu deflagrada na miragem

72
mangueiras cajus e galhos
perfurando o tempo
revertérios de bocabamba
ninando crianças para ventinhos

ruínas encravadas no horizonte


na volta do vento
no volteio das ondas
incessante mastigando veredas
as corimbas
beijo-menina raspando nos tijolos nus
hálito de café da manhã
Jaína dando bitoquinhas em Mélinha
nos curumins

paredes deslocadas
som das canelas batendo canelinhas
Jaína-menina correndo nas ladeiras
empenadas
contra os rios que se foram
voltam
Giraconga
gosto barrento esbarrando nas sombras
horas sedentas parindo caatingas
extensão entreaberta de coqueiros

hoje é domingo
pé de cachimbo
bate sino
dobra neném
hoje é domingo
dá no jarro
73
o jarro é fino dá no sino
dobra sino
o sino é de ouro dá no touro
três tigres tristes
o tigre é valente dá na gente
a onça é pintada dá guinada
a gente é buraco
dá no trato
cai no buraco
buraco é fundo acabou-se o mundo

urucubacas
vento catarrento outrora
criançada fungando
som o bum do calor do tambor
gosto quente de ar fervido
estilhaços de passado
anteontem varrido pela Sol’A que bebe a cidade
Yandara

defuma com ervas de jurema


defuma com arruda e guiné
bejoim alecrim e alfazema
vamos defumar filhos de fé

Subúrbio sitiado com dordedente


dibicando esquinas
até amanhã o brilho dos redemoinhos soltando pipas
chão quente nos batuques à Girôgunhê
que gira girando girando palhoça
na gira do giro cirando ciranda

74
sal das horas pelando as bocas secas
o canto relou rodopiou
disseram que era um tombo de um vislumbre rachando as
iminências

gato comendo barata pulando a sombra xiando no parapeito


olhos brilhando faróis na seta da noite
o encontro das nuvens engasgado na eletricidade

abracundum zabralázázá
sôfanô jamurí bembêcá kujújú
embiná manênê
gicajú jôjágê
imalá mêmêná
sanfozê
íquicá xanolá
xaxôngegê

uni du nitê salamê minguê


um sorvete colorê o escolhido foi você

uma fração cósmica


cócoras cosquinhas
um filamento de vidas após os antros
disse que só resta o infinito
o resto já não sabe

leões sumérios do Nordeste do Brasil


jubas encaracoladas
Leões Sertanejos
feitos de mãos-crespas de Nuca de Tracunhaém
agitando o tempo
75
dando-lhe feições de barro de seca
solo de vida rachada pedra parida
de Sol imenso
nas jubas encaracoladas
chorou um dia Mestre Nuca
sorrindo pra sempre nas infâncias

quilombo de vidro navegando


sobre Amazônia úmida
como talho de índia excitada

caburés tectônicos
nos igarapés
nos igapós
nos cílios vermelhos nas pálpebras da vitória-régia piscando a
existência
nos seringais
extinguindo
no som das borrachas
no Subúrbio entreaberto parindo Sóis

Girôgunhê na canção repentista


Na voz encascalhada de fumo e cachaça:

Olha aqui meu rapaz


que daí vem teus óios feito jegue cansado
as balas correram o corpo do amarelo
tô meio abestado
não me venha, que venho da porteira imortal

Óia sinhô
sei que tu veste a manguaça do rodopêlo

76
Girôgunhê rastando palha no terreiro
que aqui tua casa luz e sal e sol
fêz-menina sua sina
mas digo que lua é estrada nossa
pousada na noite das cantorias
e, cismando, caminho ao nascer de Yandara no horizonte

É da vendeta que me é sagrada


na sangrada de meu páinho sem jeito
apunhalado por um cabra-de-fome
que meteu bala no povaréu inteiro
e não meteu galho dentro e se foi sem besteiros

O qui me resta sem muito jeito


é fogo e candeeiro de jeito
onde gira a ciranda ao Empalhoçado
e cai pipoca benzida do céu
é chama é batuque com jeito
na rima-menina que lasco no jeito
na labuta, no traço que não fia e nem pia de nenhum jeito

Daqui adiante eu vô num rebento


se lasca, eu tranço, meto a fuça e não amoleço
se desanda eu mudo, se anda eu desmudo
não venha com sossegarice e bobissa
porque se um fio se trança
eu desato o mundo inteiro

77
78
4.
Jaína-Çarabina Rainha de Giraconga
Arreinado Reino Carapinho-Crespo
Cabeloduro Faísca Faiscante
GirôCiranda
Pontos-de-Macumba
SYMPA
T
CORYMBAS
AS Myçangáganzá
Quylombobó
Primaninha-Bisatantraravó
Geneageologia Bastarda

79
80
-Em-nenhuma-vez-
muito-entreperto-de-talvez-
Havia-Giraconga-Arreinado-Reino-Carapinho-Crespo-
Cabeloduro-Faísca-Faiscante-GirôCiranda-Eparrei-na-
Aruanda-
A-nossa-mãe-é-Iansã-
Gira-deixa-a-gira-,-girar-
Gira-deixa-a-gira-,-girar-
Oh-deixa-a-gira-,-girar-
Sarava-Iansã-
Meu-Pai-Xangô-e-Iemanjá-
Eh-oh-,-deixa-a-gira-,-girar-
E neste Reino Arreinado há muito que muito outrora
lá mesmo nas funduras do tempo feito rabiola
embolada saia rendada tricô
palhoças joças meeiros
terreiros veredas eitos
existia então As Terras-Terreiros-Baldios Mágicos de
Giraconga
dentroadentro D’elas esferas de topázio-imperial
]amarelo
dançavam
flutuando acima dos postes de madeira de
maçaranduba
soltando cheiro de alfazema defumador canela espada
de SãoJorge
dos lampiões suspensos erguidos nas pontas
dependurados sobre as ruas de chão batido e
paralelepípedos
também descaminhos
balangavam ao vento bandeirinhas de São João
cintilavam vidrilhos de esmeraldas miçangas ganzás
81
maracás chacoalhavam cintilando brotando a
manhã
quente transbordando melaço marmelo doce goiabada
cozida
queijo minas
existiam corte-régia de bonecas desgrenhadas princesas
duquesas rainhas-Ieabás
reis-Orixás donzelos filhinhas-de-santos pais-e-mães-
de-santo
todos
até o povo era régio arreinante e pululavam na farta
várzea-terreiro verde de chão batido coqueiros mandacarus
saboneteiras amendoeiras cajueiros goiabeiras capimguiné
curupiras sapos sacis metioláte
pererecas pulando nos sumidouros
grilos-esmeraldas chilreando no entardecer das
grotas
sanhaços vinham na palma da mão comer milho moído
e também os trinca-ferros curiós canarinhos
avoavam sobre a terra molhada e outras vezes seca e
rachada
os beija-flores parados no ar flutuando lambendo
trechos de raios solares-fêmeas
brilhava então sobre os horizontes encravada no céu
Yandara Rainha-SolfêmeaÚtero
raios-cabeçudos de luzes vermelhas
entrando nos antros e canaviais
na carne rebenta mandigueira
lavadalevada na seta que
corta caminhos fundePrecipícios
veredas-sapecas

82
reluzindolinda vermelha lançando luzesêmens
enfogaradas sobre os ermos becos vielas mestiças
velas-sete-dias
e viviam encarapinhados
doce vidadoce e acima mas embaixo rente a todo mundo
com Adê-Coroa com franja de vidrilhos esmeraldados
coroava a cabeça de Jaína-Çarabina Rainha Carapinha Crespa
Cebeloduro Cintilante
vestindo saião rendado até os tornozelos girando na gira
batendo nos olhos o vermelho-mole das corimbas
abebé na mãozinha de Jaína refletindo seu rosto
sorrindo mostrando linguinha mlummmmmm
cacimbas ecoando os latidos e os soluços dos desamores
enterrados estufados enganchados na boca do peito
tesouro soluço enterrado talismã nos lábios
veio então um dia assim
entre Terreiros-Baldios que nem dias que passados
cabrunco Mendigorrei beçudo
talvez sendo Girôgunhê Empalhoçado
no sacode a poeira girandogirô
estrupiado degolado na ribeira em cima da fresta
fizeram três vez o sinal de Deusmelivre logo na entrada
“–Meu Deus! –Deus me livre! –É feio feito Cabrunco”
correram caíram de joelhos se benzeram em deus-me-livre
correram fizeram preces feito excomungados
era rente o dorso D’aquele que vinha coxo
pele pretavermelha na cabeça um rolo de poço
juízo perdido há muito bebido cachaça
um pro santo um pro canto um pro Tinhoso
quererência escapulida que vem e não fica
tinindo na pancada que pau morre torto
vem que não tem é danada na sabença
83
quando procura todo boteco tem um pouco
num corre que é rasgo na goela
do rezatório da bulia da sossegarice dos santos
vai não pense que cai o abre-alas
que-e-vêm os romeiros no folguedo dos doidos
de dia Cabrunco ri e-vái que vai na cantiga
de noite rincha raspa os cascos feito capeta louco
mendigada lhe traz pão-e-água dos monturos
molecada canta zune pula cai nos risos
quem não sabe sabe nada sai de ré vai batido
não se endireita não se apruma nem entra no fino
dente no dente rói osso no trato
sem gola camisão sem dente marmelado
macumbando nas estórias é lenda é fábula é fatiado é sorriso
é dia é noite é atropelo é canseira é roda é fome é giro é
preciso
Jaína de risossorrisos arreinava com junto a
Mélinha bonequinha cabelos de náilons olhos pretos acrílicos-
miçangas
pretos feitos jabuticabas caroços de feijão
de longe dia assim viu de longe tal Cabrunco
fez pirraça rodopiou mostrou-língua
de noite dormiu sonhando sonhosa as corimbas
quando queria então conselhos simpatias pra
amor passar agarrar ia Jaína pedir conselho sua bisatantraravó
Primaninha que lhe dizia que amor é fundo cumbuca sem
fundo onde cabem sustos risos e até rinchos de jumento
pra amor voltar bote água numa bacia e jogue pétalas
de três ipês e deixe por uma tarde até que de noite jogue mais
água morna e tome banho na água de pétalas passando por
todo corpo e em três dias amor volta pra te beijar

84
cheira duas vezes meia-noite fumaça de alguidar pra
catarro sair peito melhorar
água boa de beber fresquinha de moringa gosto de
barro bebia Primaninha e deixava torrar ao sol os caroços de
café e ia moê-los no pilão devagarinho com custo os braços
enrugados e a cara de madeira entalhada couro cru marrom
de bode
toda manhã Jaína-Çarabina Rainha de Todo
A’Quele Reino por sobre a curva de barranco adispois de um
lajedo via arreinada e régia as luzes vermelhas de Yandara cair
sobre cenho de bisatantraravó velhinha atravessando meio
trecho de terreiro para moer café e o milho pras galinhas
ao passar os cravos-de-brejo jacarandás flores-de-
maracujá juremas-pretas ipês amarelos feito gema de ovo-
caipira abriam as pétalas e o perfume se estendia feito
rosaxoque no ar até beijar o açude por detrás das mangueiras
cheiro de beijos e bois batendo rabo no dorso pra espantar os
sabiás e mosquitos no arroxeado dos jacarandás
Primaninha Matriarca-Vó de toda uma
linhagem bastarda largada debandada pro outro lado do
morro só onde ela velha e seus rebentos existiam e ela os criou
na peleja e no duro da casca do osso cavoucando de Sol-a-Sol
a terra pirraçenta plantando mandioca feijão abobrinha milho
pra alimentar as bocas de suas crias sem lamúrias ou
lengalenga na ponta dos beiços mas de mãos duras e palmas
grossas no cabo da enxada cavando terra e semeando semente
que havia de crescer com Sol fêmea vermelho e chuva
chorando da água dos açudes que ferviam e viravam nuvens
até desabar chuva sobre a várzea roçada tantas e tantas vezes
e daquela linhagem largada debandada pr’outro lado de lá
do morro nasceu Jaína-Çarabina

85
moravaravam num quilombo há muito aguerrido
Primaninha e suas crias pra lá pra dispois do morro do lado de
lá e viviam num fundo de brejo e roçados pequenos cavoucado
na pele dura lamacenta do barro BarroVermelho do Sangue e
da Vida
num dia lá nas prefundas do tempo
fazia seca de quente rachando terra e parecia que nunca ia
nunca de acabar fome se alastrava deixando o seco dos ossos
dos bois saliente nos dorsos e dobras de pernas e braços das
gentes e viviam numa palhoça lá num quilombobó de inhame
há muito fresta-crespa de gente-preta terra aguerrida que se
ajuntaram e se foram mas ficou Primaninha e seus rebentos
sozinha cuidava de suas crias e a seca avolumava rachando
terra e bebendo água dos açudes pelando as árvores
emagrecendo os bichos que se encarrapatavam
– dêus mêu dêus mê livri qui peleja! dizia peditórios
gemia pro céu Primaninha ao ver tudo secar que nem palha
seca e se desfazer ao toque
inchada Yandara comendo torrando o sangue pingar a
poeira e alguns rebentos de Primaninha morreram na faina na
sede de dias secos beiços ásperos feito pedra lascada carne
arrancada ficando só ossinhos chorou Primaninha quase que-
se adoidando de desespero dor caía tinha vezes de joelho no
meio do terreiro subia poeira galhos esqueléticos cambitos os
ossos-meninos dos bichos o roçado amarelado morto
enterrou os rebentos no sopé de um lajedo próximo ao
dorso do morro carregou um a um os pequenos amarelinhos
mortos até cova rasa voavam urubus em rodopios céleres
sentindo no ar a carne dos bichos mortos dos peixes mortos no
açude seco chorava Primaninha na boca da noite
em peleja Primaninha continuava roçando lascando
pedra com pá enxada soltando faíscas até anoitecer aparecer

86
estrelas despontarem no céu o negrume da noite canto dos
grilos brejos secos mas ainda sapos coaxando pedra pulante
numa noite qualquer sacis pulando veredas
espantando bichos pelados encarrapatados ouve-se um
estrondo até que no dia seguinte calor fervilhando ermos na
quentura no mormaço quando Primaninha pelejando na terra
com enxada viu descerem de céu coroado de topázios bocas de
fogo reverberando a terra misturando os farelos as árvores
ressequidas o gosto de pó de barro na boca a secura
arranhando garganta
soltando a chuva temporal sobre ermos
molhando o talo a língua estendida os cabelos desgrenhados
das crianças mulheres entupindo garganta pedregosa poços
cacimbas
do açude se encorpando vento da chuva derrubando
cercas telhados debaixo da palhoça Primaninha se grudava
junto abraçando seus rebentos que restavam tintilavam de frio
medo gemendo ladainhas misericórdia-deus-pai! som de
trovoadas espantando ainda os bichos vivos
calmaria
saiu-de-dentro-da-palhoça-Primaninha-andou-até-
capoeira-aberta-deixando-os-rebentos-dentro-da-palhoça-
assustados-
viu-açude-novamente-não-mais-seco-atrás-das-
mangueiras-entrevadas-pingando-água-da-chuva-dos-
galhos-partidos-quebrados-no-chão-
de-dentro-das-águas-do-açude-subiu-mulher-nova-
manceba-negra-vestindo-vestido-de-chita-florido-da-cor-
d’ouro-sinuoso-Adê-Coroa-na-cabeça-esguia-cabelos-
encaracolados-crespos-caindo-lhe-pelos-ombros-delgados-
pedra-de-topázio-amarelo-tamanho-de-um-punho-

87
fechado-grudado-pouco-acima-de-seu-plexo-solar-Eu-vi-
mamãe-Oxum-na-cachoeira-Sentada-
na-beira-do-rio-
Colhendo-lírios-,-lírios-ê-
Colhendo-lírios-,-lírios-á-
Colhendo-lírios-pra-enfeitar-nosso-Congá
E Yandara por entre nuvens reluzindo por detrás de
sua cabeça feito coroa de fogo ilustre
Oxum andou por sobre a face das águas até
Primaninha tirou o Adê-Coroa de cima da cabeça e deu a
Primaninha que lhe estendeu as mãos e pegou o Adê-Coroa
- de seus rebentos de lá-lá na frente ainda por vir, virá
um dia menina-Jaína e a ela darás esse Adê de esmeraldas. Inté
lá, guarde-o. Ela será Rainha de Giraconga, a moleca-Rainha
de todas estas Terras-Terreiros que vão até dobra de curva
deste mundo afora, disse Oxum pra Primaninha
a velha Primaninha sem entender mas sentindo pegou
o Adê-Coroa e levou pra dentro da palhoça onde suas crias
choravam com medo agarrados uns nos outros e passou um
vento o céu avermelhado soltou chuva de pipocas e miçangas
que caindo se espatifavam cataploft! crack! em vidrilhos
estourados colorindo a terra os matos e terreiros
os topázios-imperiais brilhavam amarelados ecoando
luzes até o horizonte margeado de morros
luzes que dançavam nas retinas
olhos abertos entronizados na dança perpétua
tinta encrustada na paisagem cores e seus amores
silêncio houve-se
nem os latidos dos cães enfiados dentro da tarde
houveram
nos açudes e rios nem as tilápias e cascudos nadavam
o vermelho das caliandras se derramava sobre o barro

88
de dentro da chuva que passara nasceu novamente
novamente brotava até mato por sobre o espinhaço a
caveira dos bichos mortos
os botões com as pétalas abertas
a dança bailarina do pólen seduzindo os insetos
os brotos na terra se contorciam num parto
Primaninha subiu vereda e foi até meio do mato
rrancar mandioca
dura enfiada no barro
enraizada
e pela noite nasciam os grilos dos brejos rasgando o
breu chilreando
Primaninha fez bobó pras crias que
comeram famintas lambendo os beiços metendo os dedos nas
cumbucas
dormiram todos deitados abraçados agarrados nas
esteiras de palha estiradas no assoalho rangendo
a madeira carcomida
dormiam no zumzumzum das muriçocas mordendo
as pernas canelas
houve então o assobio de vento pensou Primaninha que
fosse saci deixou tesoura debaixo de travesseiro pra assustar o
troço do moleque-perneta retinto danado arisco
e saiu Primaninha de dentro da palhoça deixando os filhos
tinindo de medo por debaixo dos panos em que dormiam
levava sem saber em suas mãos velhas duras o Adê-
Coroa deixado por Oxum
travessou o terreiro chão lamacento
grudando BarroVermelho Ancestral do Sangue desde a Pedra
da Redonda e Morro do Colosso entrando em seu sangue na
carne de suas alembranças retintas

89
Primaninha ainda sentia no peito abraço quente forte
taludo de Sérgio Gomes da Silveira
naquelas tardes em cima da esteira de palha
fazendo saliência
ela que era amante dele quando ele se indispôs com a
esposa-mulher e a procurou lá dentro da palhoça Primaninha
jovem esguia bunduda no canto da mocidade naqueles dias
idos abriu sua carne praquele homenzarrão
Primaninha era em todas Terras-Terreiros-Baldios
considerada catimbozeira de marca maior metida em
urucubacas que fazia sympatias feitiçarias mandingas pra
curar arrumar amarrar renovar roubar amor meter medo
matar inimigos curar doenças era pra todos também rezadeira
titular
muitos então a temia
a torto e a direito em tudo que era canto e muitos anos adentro
Sérgio Gomes da Silveira sem medo deitou com Primaninha na
cama-esteira de palha dela em sua palhoça num quilombo
adentro das Terras Brejeiras pra lá da Pedra da Redonda
foram anos e anos e anos assim fazendo Primaninha
entrar na prenhação anos e anos e anos e toda uma linhagem
bastarda principiou saída de Primaninha
Deolinda mulher de Sérgio Gomes da Silveira que já
tinha seus filhos grandes e taludos mandou que procurassem a
catimbozeira que roubara seu homem-marido
foi um fuzuê dos diabos pois Sérgio, o Grande, sem saber
de nada que seus filhos iam atrás de Primaninha quando soube
se enfureceu mas já era tarde pois Primaninha mais catiça que
todo mundo ao olhar pras folhas de mamoeiro e entranhas de
galinha aberta estiradas numa tábua do terreiro viu que
vingança viria da Casa de Campo Grande onde arreinava
Sérgio Gomes da Silveira e seus Herdeiros

90
fugiu com suas crias pro outro lado de lá do
morro onde diziam ter cemitério de bichos caveiras chifrudas
dependuradas em pau de cercas galhos de árvores
se meteu num quilombobó com inhame onde havia
palhoça esquecida abandonada com suas crias
O-rio-que-te-trouxe-
É-quem-te-leva-pro-mar-
Auê-,-auê-,-auê-seu-canzuá-
Quando-vento-passou-já-velha-Primaninha-a-pele-
retinta-enrugada-engelhada-vento-então-a-despenteou-e-
atravessando-o-terreiro-as-galinhas-em-disparada-cachorros-
latindo-contra-temporal-se-anunciando-e-por-detrás-de-
um-pequeno-paiol-já-em-ruínas-ao-lado-de-uma-
saboneteira-de-galhos-estirados-sobre-o-teto-pobre-de-
palha-Primaninha-foi-
Vento soprou ainda mais forte cheiro de terra molhada
anunciando temporal o Adê-Coroa saltou das mãos de
Primaninha foi flutuando por sobre um redemoinho que
levantou do chão e subiu girando na gira folhas secas e poeira
de barro até a copa dos abacateiros
e no olho do redemoinho rodopiou o Adê-Coroa
parecia também haver mulher jovem preta com sorriso
de estrelas-miçangas brilhando no rosto de traços fortes
Mamãe Iansã
,pensou Primaninha
Iansã Moleca-Ieabá toda saída metida em fuzuês
tudo luziu d’ouro no brilho dos topázios
então Abacateiro se atornou Rei Reisante de todo
Arreinado das Tribos e Bandos Acangaceirados que Quicam
Rodopiam Traçando Ciscados nos Terreiros-Baldios embaixo de
Yandara Fêmea Mãe Fogo Vermelha

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Primaninha sentiu então a terra tremer em espasmos
numa sanha barrenta
como que gritando a terra gemeu então por um trecho
de brejo lamacento galhos retorcidos cercados por imenso
Abacateiro e pedras explodiu um só momento reunindo todos
os instantes
eternidade
Primaninha caiu de joelhos sobre terra e de dentro do
estrondo do pequeno brejo explodiu-parto água terra lama
rolou rodopiando cambalhotas de dentro de um buraco-
invaginado
Jaína, A Çarabina, Rainha Carapinha Crespa
Cabeloduro
coberta de lama da cara ao pé
cordão umbilical de cipó e galhos de goiabeira
entrelaçados-renda
entre o barro Primaninha viu bistantraneta enlameada
mexendo perninhas bracinhos na beira da boca-útero aberta
da terra lama pedras
e Jaína-lhe sorriu

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Sérgio Ortiz de Inhaúma é nascido e criado em Inhaúma,
Império Barroco-Macumbeiro, Subúrbio do Rio de Janeiro.
Torce pelo Mengão, Mangueira e Império Serrano. É autor
de Zona da Mata Eletrônica (Editora RBX, 2011), A Guerra
de Plástico (Editora Oito e Meio, 2015) e Dioilson (Editora
CLAE, 2017).

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