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Nasci pra isso

enfrentar a queda
antes mesmo de pular
Morrer no meio do caminho
entravando a pa(i)ssagem
Cuspir pedras no escuro
para engolir
lascadas
e rasgar as tripas na saída
Ver nascer o filho
natimorto
entre as horas e segundos
Mapear os fins entre os
começos
Separar aos poucos
o que habita e gela o peito
Em matéria de palavras
e metáforas
E pra não dizer que
não fiz nada
E pra não dizer que faço falta
escrevi esse poema
Dois pássaros conversavam na minha frente de certo tramavam roubar as migalhas de bolo,
enumeravam os mortos por gatos e descreviam as tempestades no meio do pacífico
sobre a fossa das marianas.
Depois seguiram caminho rumo alguma ilha distante….

Naufrágios pequeninos em auto mar

Desleixo incoerente
Corrente quente
Corre a lugar algum
Cheiro de pólvora
Nenhuma bala ou
Gaivota
Só ondinhas bombas
A balançar
A mil milhas submarinas
Minas e mais minas
que um dia desistiram
também de estourar
Diablos joros
me levem a profundo
abissal
Não tenho guelras
pra respirar teu ar
Cânticos órficos ao pé do ouvido

As sereias estão la
mas não querem roer meus ossos
também desistiram da vaidade tosca
Agora vivem
catando tranqueiras na orla
Pequenos e brilhosos pedaços de vidro
que também já não cortam mais
e vão cantando baixinho
pra ninguém ouvir
como faca cega
Escondida
Na última gaveta
Sussurrando amores perdidos
que já não afiam os dentes
Ode as samambaias

Todos adoram as samambaias


Que as avós penduram
Na garagem
Passar os dedos em seus esporos
Surrar suas folhas com
Gravetos
comê-las em uma manhãzinha
E alcançar o fim com cianeto
em algum lugar o leito do rio se assenta em riso depois de um movimento meio brusco
inesperado…

E as flores vão fazendo hora


na sala
E os fins
falta
E a falta
pouco
E o pouco
o louco
E o louco fazendo nada
quase não parece louco
E o nada tao cheio
faz o mudo
E o mudo sem meio
vai
morrendo no escuro
da sala apertada
Das frestas da janela sopra o vento
sinto o cheiro da casa da vovó
nas paredes nossos retratos
Vovô está lavando a louça
e depois certamente
cortara as unhas até o toco
Lembro-me da tartaruga
agora tenho certeza
não fugiu
morreu e
esta enterrada em algum lugar por aqui
Sou quase eu novamente
mexendo nas samambaias
azucrinando formigas e abelhas
no entanto
todo espaço falta
e fala a falta que faz H
Como cachorro louco em meio-fio

Conto pedras nas calçadas


Choro magoas que não são
Minhas
Piso nos calos dos outros
Mendigo um pouco de amor
Maldigo o mundo todo
De vão em vão
Das calçadas aos bueiros
Sinto cheiro de urina dos
Cachorros
Quem me dera fosse um deles.
Colisões a contragosto

Pontas soltas de
fios de cobre
Cumulonimbus
que paira sorrateira
anunciando
o fim do mundo
em água
novamente….
Noé está morto
e todas as barcas
carregam óleo
e carvão mineral.
Ainda serei eu nas paredes das farmácias
na boca dos matutinos
e dirão:
— tão jovem que deus o tenha
e direi remexido
com terra nos olhos
com balsamo nas tripas
de onde quer que esteja
— fodam-se todos vocês.
De longe avisto terra quase firme, bote que flutua e nada mais, apenas flutua as vezes ameaçando
virar…

Mar morto e homem quase

Balanço
de
pernas bambas
Câimbras…
meus olhos miram o horizonte
mapeiam o translado transversal até o fim
talvez também até a queda …
Salinas palavras vem a garganta
Salmoura
pranto quase doce escorre a face
Não ha ninguém aqui comigo…
nem mesmo a mim restou a falta
sou marinheiro agora
Antes fosse quase nada
Ao menos seria como a
Vaga que dissolve o sal
São quatro da manha não consigo dormir e sinto a sua falta
me sinto escritor coisa boba, palavrinhas salpicando….
posso forjar o sono e sua presença, mas não quero.

Conversa as 4 da manhã

Está formando uma tempestade


tem relâmpagos e tudo
não consigo dormir
Faz um tempo que não chove de verdade
um abafado horrível antes de cair água
e fico pensando
Talvez seja tudo um sonho sabe?
faço de conta
finjo que sei….
Queria olhar a chuva mas daqui não da
preciso dizer a H que o amo
mas não vou
tenho medo
quase não existo mais
Chuvas Orionidas

Vi estrelas cadentes
que
Caiam como dentes
(dantes)
Da boca de mendigos
E pessoas que pularam
Do vigésimo andar…
Com a língua
Conto os meus
Por hora perfilados
Em um sorriso amargo.
Tortura chinesa
千切
Amanheço ensanguentado….
Seu nome
me cortou a noite inteira
Suplico em mandarim:
— 只是砍下我的头
Mas nenhum de nós entende.
Coisas para jogar em ácido

Os ossos dos que morreram tarde demais,


restos bolo que ninguém comeu.
Jogue os dentes arrancados na pancada,
o cal da parede,
o reboco partido.
Jogue os pneus dos carros que passam as seis da manhã
e os carros também,
o travesseiro leve demais,
o cão que late la fora,
os sapatos que apertam os pés,
Garranchos garrafais,
A meia luz da meia-noite….
Mexa bem e abra o ralo.
Versos bobos de camaleão

Falso passo e antepasso


Olhos compridos entre as
muretinhas
vou mudando o tom
o traço
fisionomia andarilha de
mal gosto
uma hora sou rastro
outra lapide fixa no espaço
cambaleado manco dos mendigos
nunca foi meu predileto
Prefiro na ponta dos pés bambear
Os lastros
Bombardeios soviéticos

Enxame de vespas e fagulhas


Agulhas agulhas
Todas tortas embaixo
Das unhas
Entrave no pedal
Dedal de ferro não protege
Ninguém
Me segurem
Não quero cair de novo
Tanto ovo já quebrei
Ossos trincados machucam os dentes
Desosso a carne para os clientes
Ando lendo Leminski demais
Sistema antiaéreo

Aguardo qualquer movimento


qualquer um que mova um músculo
ju 87 stuka
as vezes HS 123
Fosforo branco
e napalm
Aguardo
Vão queimar as plantações
morreremos todos de fome
menos eu que já morro de outra coisa
Com o tempo
aprendi a mapear silêncios
Rastros entre as nuvens
entre mais rastros e nuvens
fininhos fininhos rastros nas nuvens
silêncio….
Antes ou depois do bombardeio?
Antes ou depois…?
Não importa
ainda é
silêncio
desses que me faz de vez em quando
e que agora sei rastrear entre as nuvens
Tenho de limpar e polir os canhões
ficam bem melhores assim
não é capricho não
ficam bem melhores assim
limpos e lustrados
daqui não consigo ouvir o mar
Omaha e Dunquerque
dizem que em Dunquerque
salvaram se todos
duvido muito
disso.

disse que não consigo ouvir o mar


e não consigo mesmo
mas percebo agora … que bobagem
há coisas mais importantes que o mar
muito mais
os andarilhos
a cor dos olhos de H
os suicidas
todas as mortes na praia
o dia D que não chega
o oco bem oco
há coisas mais importantes que o mar
muito mais ...
as estampas mortas
das almofadas amontoadas
entre os mortos da sala
me dão vertigem
aguardo o bombardeio
mas os zeppelins não cruzarão
o céu de hoje
e as nuvens
pessoas
não desaguarão tao cedo
entre a falta de espaço e os
(d)entes
uma vastidão
onde manadas inteiras perseguem leões
que afiam as garras nos postes da rua
no chão os cacos da festa
verdinhos como panzers alemães
ninguém ganhou a caçada
já estavam todos mortos
restaram apenas nossas risadas
para as hienas
bege é uma cor
muito muito morta
desbotada mesmo
percebo agora
o personagem que faço
já não cabe
perde de assalto
em sobressalto
uma explosão
hollywoodiana
enquanto o bege
foge de vista
contrariando
o verdadeiro
papel talvez por hora
ainda branco
Lobotomia

Trepanação trêmula
Corte de obsidiana
Sem morfina …
O dedo que bate na quina
Dor que escorre
Grossa
Abaixo
Crânio furado e mancha no
Papel
—Pressão já esta boa senhor,
Você vai ficar bem por pouco não
Explodiu.
Assim diria Zaratustra
‫زرتشت گفت‬
Os pardais estão morrendo
de malária
As corporações destruindo o mundo
A síria
Tuaregues cantando
no dorso de camelos
‫ وقت خود را تلف کرده اید‬، ‫شن و ماسه دریا یا چیزی‬
ao som de flautins
e alaudes
Comendo damasco
tâmaras
e chá de menta
com testículos de bode
Mulheres lutando por direitos
trabalhadores
revoluções
incêndios
os índios
A síria de novo
rosa do oriente
O cancro
Petróleo
A grecia em crise
Shiva ainda vai destruir o mundo
Jesus vai voltar
Maome terceiro
quarto
quinto
já estão todos aqui
Na áfrica alguma mulher
perdeu o clítoris
Na china fazem sabão
com bebes e cachorros
O mercado financeiro comprou todos nos
as baleias estão sumindo
No entanto cá estamos
lendo esse poema mais que inútil.
Entrincheirado
aguardo o batalhão
que sei
não vira
Preparei tudo a espera
mascara de gaz
morteiro
o presente para o
armísticio
Estou só
la fora
travam batalha sem mim
Reforcei demais a retaguarda
longe o
longo brilho dos lança-chamas
me chama no escuro….
Reforcei demais a retaguarda.
Tento desesperadamente
conter barragem
com o correr das mãos
no batente frio da porta
posso sentir o tempo escorrer
sinto a gota que faltava
escorrer no rosto.
Urso d´água quer ser musgo

Morre embasbacado
A luz neon
Hipotérmico
Abissal
Acnidário fora d´água
No quintal
Bebe um litro se soda
Em alto-mar
Quase não sente
O buraco
O barco
A falta que faz
Quer ser musgo
Rasgo no concreto
Urso d´água fora d´água
Quimioluminescência
Forçada
A beira da forca do dia
Corda grossa no pescoço
Pender descalço
Com desgosto
Enquanto ouve
O pai nosso de cada dia
Rogar pragas aos pobres
Cortar com faca cega o escalpo
Dos malditos
história de amor entre a bala e o peito

ferrugem gasta
coágulo consanguíneo
alvo e atirador
amargura perpétua
sangria desatada
e depois amor
quando o corpo aceita a bala
engloba o chumbo
e sorri com a dor
mas uma hora
corpo estranho
quer sair
fechar ferida aberta
e o homem
sente falta
do rasgo
e o rasgo
já não desfaz
já não sobrou
homem
sem estilhaço
faço de conta que durmo
e no sono faço de conta
que boio
a deriva no norte
converso com baleias
e em determinado ponto
afundo
como pedra redonda
a conversar com os naufragados
e la embaixo contemplo
a verdadeira face dos icebergs
ao menor sinal de tempestade
recolha as roupas do varal
ao menor sinal de chuva
suba em uma árvore ou
aprenda a nadar
nada como nadar
nas enchentes
nas
nascentes

e morrer
afogar
entorpecido
subaguatico
e poder dizer a todos
eu tentei
exercício de ler versos avulsos
E vou
lustrando dentes e sabres
comparando
compassado morto
e vivo
Chego a ver
nas entrelinhas
Babilônia enfurecida
escrita cuneiforme
corrompida
Cumprida agonia
de morrer
e deixar rastros
Ossos escavados com desdem
por aqueles que desejam muito
mais do que convêm
Poética
as vezes enclausurada
incauta
louca varrida
pra debaixo do tapete
As vezes sólida
pungente
ferida
Um soco no estômago
mas quase nunca
quase nunca
inteiramente compreendida.

Tocarei flauta no alto da colina


no caminho
Queimarei carros
com apenas um olhar compenetrante
Sou quase deus agora
serei humano demasiadamente
humano
no final
e depois
Nada
Tocarei flauta no alto da colina
sem temer a rajada de balas
Metralhadoras semiautomáticas
Tocarei no alto da colina
Para os cervos já caçados
Para as carcaças que viraram
sabão e cola
para o par
de juntas separadas
Para todos aqueles que
na queda
no chão
na sarjeta
encontraram a redenção
Enquanto os últimos javalis
cobertos de piche
Farejam as trufas negras
Enquanto engasgo com todos os cigarros
que nunca fumei e palavras não ditas
Tocarei flauta no alto da colina
se ela ainda estiver la.

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