Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Hugo Ribeiro
Guaicurus Caetés Goitacazes
Tupinambás Aimorés
Todos no chão
Guajajaras Tamoios Tapuias
Todos Timbiras Tupis
Todos no chão
A parede das ruas
Não devolveu
Os abismos que se rolou
Horizonte perdido no meio da selva
Cresceu o arraial
(Clube da Esquina, Ruas da Cidade)
de seus antigos
tão novos
tão fortes
quase-homens
cidades construídas
como se constroem
os redemoinhos de areia
Caminhando
reconheci entre os dentes do povo
seu nome
na verdade
enquanto isso
cidade
você dormia
É uma cidade pequena
se não fosse
a cidade mais vazia
da região
se habitam
as casas
ou
as cavernas
do estranho vilarejo
Os catrumanos passeavam
pelas ruas da cidade
como quem não reconhece
sua imagem refletida
mais que cegos
os catrumanos
não sabem
o espanto que causaram
ao atravessar a única rua do vilarejo
breves epidemias
e aí
o seu corpo
barro e sol
eu ia ouvindo
aquilo que me contava
como se ouvisse a cidade
através do velho
que tanto rangia
Muito curiosa
aquela cidade
vendo aquilo
perguntei
ao morador mais próximo
a razão daquela folia
e descobri
Chovia em cordas
quando cheguei
ô de casa
nenhuma novidade
aos meus olhos
e me chamava
rindo largamente
ô de casa
Era inacreditável
uma sinfonia de tambores e chocalhos
velhos cantos agitavam a mata
assim o homem
assim a cidade
restos de alimento
aos bichos que passam
restos de pássaros
aos bichos
que não voam
é isso ou
tornar-se mais bicho
nas ruas da capital
Naquela cidade
havia um recado
em cada canto
uma mensagem
em cada banco
em cada esquina
em cada muro
apenas o envelope
aguardando a paciência
do primeiro forasteiro
(apenas pássaros)
Numa outra cidade
de casas justapostas
ligadas pela intimidade
de um varal de panos
tudo se repetia
como todos se repetiam
as mortes todas
compartilhadas
por isso
ainda que
no fundo
se amassem
como filhos
se ao falarmos
de cada uma dessas cidades
falamos de um par
em alguns lugares
a cidade torna-se
uma promessa
em outros:
um pico faminto
um poeta
um sino
todos inteiramente perdidos sob suas próprias
matérias
simples melodia
aos poucos esquecida
confundida com o canto da ave
que dá nome à região
Caminhando na beira
de uma lagoa reparei
que o sotaque dos homens
imitava a paciência
das águas que por pouco davam pé
dos limites desse mar doce
de balanços tímidos
os homens
naquela região
não eram
do mar ou da lagoa
pertenciam às águas
valiam-se da voz
como se optassem
ora pelas canoas
ora pelas jangadas
para reconhecer de perto a linguagem
(imarcescível)
das águas
cantavam as lavandeiras
que mais tarde estariam
com seus vestidos encardidos
na praça da cidade
de mãos dadas
com os pescadores
e seus cantos de trabalho
A cidade amanhecia
dentro de uma outra manhã
e voltava a amanhecer
enquanto os poucos habitantes
faziam a sesta
apenas um cata-vento
pois
o sino tocava
todos os dias
às seis horas
em um lugar tão distante
talvez outras
suas ambições
(a qualquer instante)
mas
não se enxergavam
e
muito mais
como um santuário
onde habitam confortavelmente
os homens e as bestas
mais as bestas
que os homens
naquela cidade
à noite
os nobres cidadãos em seus trajes afiados
rompiam valsas no grande salão público
tratavam-se cordialmente com todos os
requintes aprendidos com as velhas fotografias
e
pela manhã
voltavam a disputar com os ratos
aos dentes
os últimos canapés
eram pobres
sim
como se dependessem disso
mas eram
sobretudo
(tão frágil)
há muito
nenhum redemoinho
quando de repente
Não se sabia
que noção de existência
protegia os moradores daquela cidade
haveriam parapeitos
haveriam estaleiros
haveriam homens
não se sabe
até o momento
o homem antecede a cidade
(ainda que)
e o mundo todo
os jornais todos
as revistas de ciência
não aproveitavam dali
nenhuma biodiversidade
a pedra fundamental
os habitantes
ali
contavam muito com as viagens não-realizadas por
aqueles trens
calma e verdadeira
tardes fantásticas
em que ninguém se fala
E o poema
não é a cidade
e o homem
tampouco a possui
entretanto
de se multiplicar incessantemente
sobretudo nos reflexos calados dos prédios
Menina onde andas
Menina onde estás
Conta-me das tuas esquinas.
porém
respectivamente
único infortúnio
A poética da cidade
apenas é encontrada
começa a se dissolver
de dentro não se vê
de fora não se sabe
mas
ainda que algum parto se realize
em nossas poças de lama
ainda que
a senhora dona da casa não ligasse para a louça na pia
nem as crianças dessem pela falta dos filhotes de gatos
naquele momento
tudo que a brasa da noite cobria
tornava-se outra coisa
absurdamente irreverente
puseram-se a erigir
a cidade imaginada
(dava dó)
O poeta escreve
e os cães se estranham
à meia noite
tudo volta a ser
diferente
amando-se
nem de mais
nem de menos
é preciso continuar
a cidade é
também
uma atitude
E assim a cidade
continua sua meditação
entregando às vistas
sempre a metade
do que pode oferecer
não há nada de anormal
que o tempo vá
compondo a cidade
com atributos animais
maio 2020