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vídeos de receitas
da culinária goiana.
É só abrir a câmera
do seu celular
e apontar para
o código”
Memória Poesia Tradição
Desbravadores que Doces típicos da Cidade Regimes de mutirão,
romperam estes sertões de Goiás revelam tradições tão presentes em algumas
300 anos atrás ajudaram familiares e sociais que, das tradições culinárias
a moldar uma culinária alem de falar em nossas goianas, têm uma história
repleta de mesclas, origens, emprestam um antiga, sobrevivendo até
em que a Europa... charme especial... nossos dias...
Trilhas e encontros
do sabor de Goiás
Q
Desbravadores uando Ela é, sobretudo, cultura.
que romperam Bartolomeu Era um primeiro passo
estes sertões 300 anos Bueno da para a ocupação
Silva, o denitiva do território e
atrás ajudaram a primeiro nele os aventureiros do
moldar uma culinária Anhanguera, chegou aos sertão traziam em suas
repleta de mesclas, sertões do interior matulas alimentos que já
em que Europa e brasileiro, em 1682, ele demonstravam uma
trazia mais que a ambição fusão de culturas. O
África se depararam de encontrar minas de amendoim e a
com os ritos alimentares metais preciosos, ampliar mandioca, por exemplo,
do Cerrado terras, capturar mão de eram produtos que os
obra e explorar a colonizadores haviam
natureza. Em sua aprendido a cultivar com
caravana – além do lho os indígenas, que os
de 12 anos de idade que tinham como
viria a ser, em 1722, o ingredientes constantes
homem que fundaria o em sua dieta. O milho,
Arraial de Sant'Anna, muito apreciado pelos
núcleo embrionário de Vila povos pré-colombianos,
Boa de Goiás –, aquele também passou a ser
bandeirante vindo de elemento quase
terras paulistas carregava obrigatório na culinária
seu sustento, um tipo nacional logo nas
especíco de comida. E primeiras décadas de
comida não é só alimento. ocupação das Américas.
3
Bolinho de milho
incipientes de alimentos
Alimentos básicos.
Salgados Uma lei de 1707
Segundo o sociólogo e obrigava que os
historiador Sérgio Buarque bandeirantes formassem
de Holanda, quando as lavouras, ainda que
bandeiras paulistas temporárias, nessas idas ao
rumaram Goiás e Mato sertão para que pudessem
Uma lei de Grosso adentro, a principal se sustentar durante as
1707 obrigava preocupação era com jornadas. Isso estimulou
que os maneiras de garantir o que muitos grãos fossem
bandeirantes abastecimento. Os introduzidos nessas regiões,
alimentos eram salgados como o feijão e o arroz (a
formassem
para suportar grandes dupla dinâmica de nossa
lavouras, viagens. Além da carne - mesa cotidiana). Paralelo
ainda que preparada previamente a isso, porcos e galinhas
temporárias, em locais em que já existia foram trazidos para servir
nessas idas ao alguma atividade de alimento e formar
agropecuária e utilizada plantéis nos aglomerados
sertão para
em pratos que incluíam iniciais dos exploradores.
que pudessem feijão, esses exploradores No livro História de Goiás,
se sustentar caçavam durante suas Zoroastro Artiaga diz que
durante as jornadas. Foram animais silvestres, peixes e
jornadas. montados, ainda, pontos palmitos ajudavam a
de apoio e pouso, onde completar essa dieta um
cultivavam roças tanto improvisada.
4
marcas. Esse rendado de
A História que referências era acrescido
nos explica com o desenvolvimento
Abrindo picadas, da navegação pelo litoral
enfrentando onças, brasileiro.
atravessando rios bravios, Junte-se a isso o tráco
guerreando com povos de escravos da África,
indígenas nunca iniciado ainda no século
contactados, os 15. Calcula-se que até 6
exploradores sobreviviam milhões de cativos
da forma como podiam. E chegaram ao Brasil vindos
isso não era nada fácil. de várias regiões do
Essas bandeiras realizadas continente (Moçambique,
pelo interior brasileiro Congo, Angola, Nigéria),
integravam uma decisão incrementando, de forma
política e econômica. denitiva, todos os setores
Jazidas de ouro e de nossa cultura, incluindo
Calcula-se que diamantes estavam sendo a alimentação. No m do
até 6 milhões encontradas em Minas século 17, também já
de cativos Gerais e Bahia e as havia uma relação
colônias espanholas a (pacíca ou hostil) dos
chegaram ao colonizadores com muitos
Brasil vindos de oeste eram notoriamente
ricas em metais e pedras povos indígenas que se
várias regiões preciosas. O vácuo entre localizavam nas regiões
do continente as duas regiões, os sertões litorâneas. É com esse
(Moçambique, divididos pelo Tratado de cenário – e essa bagagem
Tordesilhas, de 1494, – que os bandeirantes
Congo, Angola, chegaram por aqui.
Nigéria), precisavam ser ocupados.
incrementando
Tudo junto
, de forma Rendados e misturado
denitiva, todos
os setores de da história Manga com leite faz
No tempo em que os mal? De acordo com a
nossa cultura, bandeirantes rumaram sabedoria popular, sim!
incluindo a para o interior, a cultura Não come isso não,
alimentação. nacional já era o resultado menino! Mas na formação
de intensas misturas. A de nossa gastronomia, os
imigração europeia para estômagos eram menos
cá, principalmente a sensíveis. A manga, que
portuguesa, estava veio da África e se
consolidada. Incursões de adaptou tão bem ao
outros povos da Europa, nosso clima tropical, e o
como os franceses no leite, produzido a partir de
Maranhão e os holandeses pequenos rebanhos de
em Pernambuco, além da gado criados inicialmente
ocupação do Rio de em mosteiros de religiosos
Janeiro no século 16 por fundados nas profundezas
tropas da França – do sertão, eram apenas
auxiliadas por indígenas, uma das possibilidades. O
no episódio conhecido Cerrado fornecia frutos,
como Confederação dos castanhas, folhas que
Tamoios – deixaram foram incorporados a
5
Matula
Pé na roça,
pé na aldeia
N
A comida típica o fogão de empregados e que
goiana tem, entre suas lenha, a brasa ajudam a resgatar
características está acesa. tradições culinárias que
No amplo Goiás criou, mas que foi,
principais, a criação ambiente da aos poucos, perdendo na
de pratos e outras cozinha, os cheiros maior parte dos lugares.
delícias que adaptam inebriantes já podem ser “Vamos tomar um
sabores e texturas, sentidos. No varandão em café”, convida Telma
frente dá para ver o gado Lopes Machado,
de preferência com
pastando. Uma galinha proprietária da Fazenda
muita fartura escandalosa anuncia ao Babilônia, uma das
longe que botou mais um propriedades rurais mais
ovo e um leitão zanza pelo emblemáticas de um
cercado, bisbilhotando tempo em que Goiás viu
cada palmo de chão. Um nascer considerável parte
sol manso ilumina a longa de sua gastronomia típica.
mesa de madeira de lei, O lugar próximo a
de tempos antigos como Pirenópolis, cuja sede é um
muitos dos métodos ali casarão secular que já foi
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Telma Lopes
Pão de mandioca,
geleia de mexirica,
pasta de jabuticaba
12
Doçura em cada porta
V
Doces típicos da isitar a Cidade virou grife. Agora ela é a
Cidade de Goiás de Goiás é um Rita do Pastelinho.
passeio doce. O pastelinho de Goiás é
revelam tradições Literalmente. feito com uma massa
familiares e sociais Em suas ruas preparada com farinha
que, além de falar calçadas com pedras, de trigo, banha,
de nossas origens, pequenas placas na manteiga, leite morno,
entrada de casas com que depois é recheado
emprestam um fachadas estreitas e com doce de leite e um
charme especial quintais intermináveis toque nal de canela. “Eu
à antiga Vila Boa avisam que algumas fui adaptando. Tirei o ovo
delícias podem ser e troquei a manteiga
encontradas naqueles normal por manteiga
imóveis antigos e vegetal.” Há semanas em
charmosos. É assim na que Rita produz alguns
residência aconchegante milhares desse quitutes
de Rita de Cássia de (encomendas para
Barros, dona das mãos Goiânia e Brasília não
hábeis que preparam um faltam), colaborando
dos mais irresistíveis para manter uma das
convites a ir à cidade mais saborosas tradições
histórica. “Faço os da antiga Vila Boa. Este é
pastelinhos de Goiás há 27 um doce-símbolo da
anos. Eles me fazem voltar cidade. “O segredo é
à infância, ao cheiro que encontrar o ponto certo
eu sentia naqueles da massa. Para isso, só
tempos”, arma, sentindo na mão mesmo”,
sorridente, esta mulher que ensina Rita.
13
Rita de Cássia,
ou Rita do
pastelinho
18
Casa de Cora
19
Marlene Velasco se
empolga com esse
projeto, já que ele
estabelece uma ponte
entre o passado e o futuro.
Os doces de Cora Coralina
desaam quem tenta
reproduzi-los. “Não eram
apenas cristalizados, eram
grasnados. O açúcar que
havia neles vinha muito
mais das próprias frutas”,
aponta a diretora do
museu. Frutas colhidas nos
fundos da casa. Cajus,
laranjas da terra, gos,
limões, mamões. “Ela
começou fazendo doces
em calda, que são para
consumo mais rápido.
Depois que passou a
comercializar, precisou
fazer cristalizados, mais
apropriados para viagens.”
O uso que Cora Coralina
fazia de seu imenso quintal
também é uma tradição
na Cidade de Goiás. “Eles
são divididos em três
partes”, ensina Marlene. “A
primeira parte é das ores,
a segunda é das hortaliças
e a terceira é a do pomar,
das árvores frutíferas.”
Depois de preparados os
doces, a poeta fazia
Casa de Cora questão de pesá-los em
uma balança de precisão
e embalá-los em caixas,
com papel celofane. “Meu
Deus, ainda me lembro do
cheiro daqueles doces
maravilhosos”, assegura
Marlene, que desde
Não eram apenas cristalizados, criança conviveu com
eram grasnados. O açúcar que Cora. Seus pais eram
vizinhos de porta da
havia neles vinha muito mais escritora. “Eu vinha aqui e
das próprias frutas roubava uns docinhos
dela. E ela sabia disso”,
diverte-se. E quem não
faria o mesmo, hein?
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mais utilizados era a
Mel e rapadura rapadura, que adoçava e
A chegada das dava energia.
bandeiras paulistas ao Os indígenas já eram
sertão goiano abriu outras peritos no uso do mel de
Os indígenas possibilidades agridoces abelhas. As matas virgens
para a região. O melado do Cerradão do Planalto
já eram peritos
da cana-de-açúcar, já Central eram pródigas em
no uso do mel bastante cultivada no colmeias. As duas formas
de abelhas. As Nordeste e um produto de extrair doçura da
matas virgens popular em todo o litoral natureza conviveram e não
do Cerradão brasileiro, ajuda a contar se excluíram no decorrer do
um pouco a história desse tempo. A rapadura sempre
do Planalto
contato. O sociólogo foi muito popular nos
Central eram Gilberto Freyre, no livro fazendões do interior
pródigas em Açúcar, lista 108 doces goiano, muitas delas com
colmeias preparados com o produção própria, mesmo
ingrediente. Nada menos que artesanal. O mel
que 95 deles trazem batizou até feira nas ruas
técnicas de preparo de Goiânia. Não é possível
herdadas, vejam vocês, de pensar uma gastronomia
povos indígenas. Para as com tantos doces sem que
grandes viagens pelos haja fontes de onde se tirar
sertões, um dos produtos esses sabores.
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A união faz a comida
Q
Regimes de mutirão, uem já esteve Depois de descascado,
tão presentes em em uma vem aquele momento
pamonhada? meio chato, que
algumas das tradições Aqueles que geralmente sobra para a
culinárias goianas, viveram a garotada: “Vamos tirar o
têm uma história experiência de ver amigos cabelo do milho!” E haja
antiga, sobrevivendo se reunirem em um paciência para encontrar
domingo ensolarado para aqueles os grudados
até nossos dias colocar, literalmente, a entre os grãos.
mão na massa, sabem do E alguns são resistentes,
que estou falando. Os chatos, se recusam a sair
homens vão para a roça de seus esconderijos! A
pegar as espigas e encher espiga, porém, precisa
sacos e mais sacos delas, estar limpinha para poder
que são entregues na área ser ralada. “Cuidado
dos fundos da casa – sim, a para não cortar o
residência tem que ter ao dedo no ralo”, avisa
menos um quintal ou um alguém mais velho.
alpendre; melhor mesmo é Com os ralos dentro de
fazer em uma chácara ou vasilhas, a massa
fazenda. Aí é a hora de começa a escorrer, a
tirar a palha verde do cheirar, a tomar forma.
milho, o que deve ser feito Por m, uma raspada
com o devido cuidado, já na espiga com uma
que serão elas que colher para tirar o restante
embrulharão o quitute. do produto.
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gastronomia pode conter.
Com aquele monte de Esse regime de mutirão
vasilhas cheias de massa, no preparo dos alimentos
entram em cena as é uma das heranças que
cozinheiras experientes. devemos aos que viviam
Enquanto o resto do aqui quando os
pessoal se esfalfava com colonizadores
as espigas, elas apareceram. Os indígenas
preparavam o recheio e o utilizavam
arrumavam corriqueiramente,
diligentemente as palhas sobretudo em uma
para embalar. Parte da organização social em
massa ganha açúcar, a que o conceito de
outra, sal. Recheios como propriedade não era
queijos, lingüiça, cheiro empregado. Os alimentos
verde, pimenta, frango e o eram da comunidade,
As pamonhas, que mais se puder colhidos em uma terra que
na verdade, imaginar são colocados não pertencia a alguns
dentro de trouxinhas de indivíduos e sim a todos. E
são pretextos palha de milho. todos tinham o direito de
para um dia Preenchidas com a massa, prepará-los, fazendo isso
em que se são fechadas e também em comunhão,
coloca a amarradas com ligas ou para que novamente
conversa em cordões de cores todos pudessem se nutrir,
diferentes, para distinguir sem que houvesse a
dia, atualizam- as pamonhas doces das preocupação de
se as fofocas salgadas. diferenciar quem fazia e
familiares, No fogão (de quem comia.
encontra-se os preferência a lenha), O sociólogo Gilberto
primos, as tias, panelões de água Freyre destaca esse
fervente aguardam o aspecto quando fala dos
os avós, mergulho das pamonhas contatos entre os homens
chama-se os que, alguns minutos brancos e os indígenas,
vizinhos para depois, estarão saindo, salientando que o ritual da
confraternizar. incandescentes, alimentação entre os
deliciosas, prontas para povos nativos brasileiros
recompensar com seu era comunitário, mas com
sabor todo mundo que algumas divisões de
passou o dia inteiro tarefas. Preparar a comida
envolvido em seu preparo. que seria servida era uma
As pamonhas, na tarefa eminentemente
verdade, são pretextos feminina. Os homens
para um dia em que se traziam os produtos e as
coloca a conversa em mulheres se reuniam para
dia, atualizam-se as manuseá-los. Os laços
fofocas familiares, familiares e de
encontra-se os primos, as pertencimento a um único
tias, os avós, chama-se os povo se estreitavam,
vizinhos para vínculos de conança
confraternizar. Em Goiás, cavam mais fortes e isso
essas reuniões dava maior segurança
demonstram, com clareza, alimentar a todos.
o caráter social que a Os colonizadores, em
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alguma medida, alimentos, ainda que
mantiveram essa lógica Câmara Cascudo saliente
em situações especícas. a pobreza desse cardápio.
Segundo Freyre, essa “Aos indígenas falta tudo.
“miscigenação culinária” Falta óleo, doces, sal,
entre portugueses e acompanhamentos, ovos,
indígenas se deu por leite, frituras,
alguns motivos: comensalidades etc.” O
casamentos entre homens antropólogo Claude Lévi-
brancos e mulheres índias, Strauss veio ao Brasil nos
que levaram seus modos anos 1930 e pesquisou os
de cozinhar para dentro povos Bororo e Kayapó,
da casa desses europeus; que viviam do Vale do
total ausência de Araguaia até o Pantanal
condições de armazenar matogrossense, do Norte
determinados produtos, de Mato Grosso ao sul do
sobretudo os perecíveis, o Pará. Na clássica obra O
Antigamente, que fez os colonizadores Cru e o Cozido, o
os homens não aprenderem com os pesquisador francês conta
indígenas soluções para mitos que ajudam a
possuíam fogo. lidar com alimentos que entender a dinâmica
Quando muitas vezes sequer alimentar dos indígenas.
matavam um conheciam e podiam até Ele relata como esses
povos contavam a
animal, descoberta do elemento
cortavam a O cru e o cozido fundamental do ato de
carne em tiras Com O folclorista cozinhar. “Antigamente,
Câmara Cascudo, no livro os homens não possuíam
nas e as História da Alimentação, fogo. Quando matavam
estendiam enfatiza que uma das um animal, cortavam a
sobre pedras, nossas principais heranças carne em tiras nas e as
culinárias legadas pelos estendiam sobre pedras,
para secá-las indígenas é o habito de para secá-las ao sol. Eles
ao sol. Eles comer produtos quentes. comiam também madeira
comiam “A comida tinha outro podre”, escreve Lévi-
sabor pela continuidade Strauss, descrevendo
também com que os alimentos alguns desses mitos, que
madeira sofriam a ebulição têm variações entre uma
podres. constante”, escreve. Eis a aldeia e outra. Até que
mesma lógica do fogão a um herói, “morto de fome
lenha, em que a brasa não e de sede” e que “é
é apagada, conservando obrigado a comer os
as chapas de ferro próprios excrementos”,
incandescentes e as encontra um jaguar que
panelas próximas a vinha de uma caça e
temperaturas altas. O acaba sendo levado para
próprio modelo desse a casa do felino.
fogão caipira vem de Na toca do jaguar – a
fogareiros rústicos, com três nossa onça pintada –, ele
apoios e uma entrada é mantido para ser
para a brasa. alimentado e engordado,
Os indígenas, de certa sob as ameaças da fêmea
forma, cozinhavam seus do animal. Até que, em
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uma oportunidade, o ribeirinhos, que viviam da
guerreiro consegue pesca e sabiam prepará-
escapar, matando a felina la bem.
que o vigiava e levando
consigo “bens do jaguar:
algodão ado, carne, Os aparatos
brasas”. Ao ver os
produtos, sua tribo decide da cozinha
Em Goiás, as que precisa possuir esse Outra herança daqueles
panelas de conhecimento e cada tempos recai nos utensílios
membro se disfarça de um empregados. Neste ponto,
barro e as de há, de fato, uma mescla
animal. Eles levam um
ferro se uniram tronco para poder, nele, de inuências, que une o
em nossa transportar o fogo. É o fogo arcaico e o moderno.
cozinha mais a lenha que vai permitir Vasilhames fabricados
tradicional, que a carne seja comida artesanalmente com barro
cozida, que os homens e até pedras são sinais de
emprestando como a culinária goiana
não mais passem fome na
sabores oresta. descende de certos
especiais aos Esses mitos recolhidos métodos indígenas. Em
alimentos. por Lévi-Strauss têm Goiás, as panelas de barro
Muitas receitas variações de povo para e as de ferro se uniram em
povo, mas denotam a nossa cozinha mais
tradicionais tradicional, emprestando
primazia do fogo nas
recomendam sociedades indígenas, o sabores especiais aos
esses que é algo em comum alimentos. Muitas receitas
recipientes em com os hábitos alimentares tradicionais recomendam
seu preparo, do colonizador. Tanto os esses recipientes em seu
bandeirantes quanto os preparo, com seus tempos
com seus de cozimento e fervura.
nativos do Planalto Central
tempos de comungavam os hábitos As cuias, feitas a partir
cozimento de comerem alimentos de cabaças, e os balaios,
e fervura. crus (frutos, ervas, trançados com bras
verduras) e cozidos vegetais e propícios para
(sobretudo caça e pesca). transportar alimentos nas
As receitas de peixes na andanças dos indígenas
brasa ainda nos remetem por seus amplos territórios,
àqueles tempos em que o são outros elementos que
sertão profundo do Brasil chegaram até nossa
era habitado por formação culinária. Esses
indígenas, muitos deles recipientes, em
determinado período,
foram adotados até como
unidades de medida. Mais
um traço que nos chegou
desse uso de materiais
rústicos para utensílios
domésticos é a moringa,
espécie de vaso de barro
que tem o mágico poder
de manter a água fresca
para consumo durante
todo o dia.
25
Paladar em mutação
Eventos históricos são fundamentais para compreender as
razões pelas quais comemos o que comemos hoje em dia
A
alimentação é passaram por
elemento de transformações. Uma
estudos em delas ocorreu cerca de
algumas 100 anos depois da
Em 1808, ciências, como chegada dos
com a vinda Antropologia e Sociologia, exploradores de ouro por
da Família Real mas também pode nos aqui.
Portuguesa ajudar a entender um Em 1808, com a vinda
pouco mais a História. As da Família Real
para o Brasil, mudanças pelas quais a Portuguesa para o Brasil,
após fugir das culinária goiana passou após fugir das tropas de
tropas de nesses mais de 300 anos Napoleão que haviam
Napoleão que desde que ela começou a tomado Lisboa, a
haviam se formar são provas disso. alimentação no agora
Primeiro com os Império foi modicada.
tomado Lisboa, bandeirantes, que Esse fenômeno ocorreu
a alimentação trouxeram inuências com mais força no litoral,
no agora europeias e africanas; onde estavam as maiores
Império foi depois com a cidades e por onde
modicada. incorporação de alimentos entravam as levas e mais
indígenas, os pratos e levas de escravos
sabores da região tracados da África. O Rio
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de Janeiro, agora sede do tendência de misturar
poder português, passou a inuências. Isso foi mais
ser uma metrópole forte no Rio de Janeiro,
internacional. Isso cou Salvador e Recife, mas as
ainda mais evidente capitanias mais afastadas
quando o imperador D. também foram afetadas.
João VI, como parte do Goiás recebia, ainda
acordo que possibilitou sua que indireta e
fuga de Napoleão, abriu modestamente, os reexos
os portos às “nações desses fenômenos.
amigas”. Funcionários do Império
Naquele início do século faziam a rota entre o
19, a Inglaterra, em guerra interior e o litoral. Isso foi
com a França, aproveitou- possível com o surgimento
se da medida para de núcleos urbanos. O
O Arraial de ampliar seu predomínio Arraial de Sant'Anna,
comercial. O Rio de fundado pelo segundo
Sant'Anna,
Janeiro tornou-se um dos Anhanguera em 1722,
fundado pelo portos mais movimentados transformou-se em Vila
segundo do mundo e toda sorte de Boa, nossa atual Cidade
Anhanguera produtos alimentícios, de Goiás. No século 18, o
em 1722, antes luxos inalcançáveis, lugar conheceu o auge
começaram a chegar às da febre do ouro, que
transformou-se
mesas dos mais abastados. brotava em aluvião na
em Vila Boa, Isso aconteceu com bacia do Rio Vermelho, e
nossa atual especiarias mais nobres da também seu declínio. Esse
Cidade de cozinha lusitana, anal, período foi suciente para
Goiás. No tratava-se de abastecer a o estabelecimento de um
Corte. Os nobres aparato administrativo,
século 18, o
importavam azeitonas, que copiava as modas da
lugar conheceu azeites, queijos, embutidos capital do Império.
o auge da febre e maior quantidade de Goiás e o antigo Arraial
do ouro, que farinha de trigo. E também de Meia Ponte, atual
brotava em um produto bem inglês: a Pirenópolis, eram os pontos
batata. onde as novidades
aluvião na
Essas deliciosas gastronômicas
bacia do Rio novidades começaram a penetravam em território
Vermelho, e ser apreciadas, em goiano. A mesma lógica
também seu primeiro lugar, pelos de exclusividade de certos
declínio. poucos que podiam arcar ingredientes para
com seus preços. Mas determinada casta
quem preparava os pratos abastada e da
e experimentava com as criatividade no preparo
receitas que incluíam tais das receitas com esses
produtos? Geralmente produtos por parte dos
cabia aos escravos lidar serviçais – por aqui, negros,
com esses alimentos, indígenas e mestiços – se
inserindo toques africanos repetiu em Goiás. Isso
nesse processo. E a levou a verdadeiras
gastronomia brasileira criações. A carne passou a
dava um novo salto, ser misturada a outros
cando mais complexa sabores. A massa feita
mas mantendo a com farinha de trigo
27
substituiu, em algumas subalternidade de Goiás à
receitas típicas, a de Capitana de São Paulo
mandioca e de milho. moldaram parte de nossos
As massas, aliás, gostos culinários.
sofreram uma revolução Uma outra mudança,
após esse período. Os esta já ocorrida no século
quitutes, doces, bolos e 20, marca novo momento
pães caram mais de transformação de
delicados, trocando os nossa gastronomia.
preparos rústicos por Quando a Cidade de
métodos culinários de Goiás deixou de ser a
maior sosticação. Ainda capital goiana e Goiânia
que muitos ingredientes surgiu, nos anos 1930,
nativos permanecessem, nossa forma de comer
eles foram paulatinamente também integrou a onda
remodelados. Outra mudancista. Pesquisadoras
mudança expressiva é que do curso de Nutrição da
Goiás, após algumas Universidade Federal de
décadas de colonização, Goiás, Christiane Ayumi
já contava com rebanhos Kuwae, Estelamaris Tronco
Essa mistura, bovinos. Além de carne Monego e Joana
mais fresca, esses animais Aparecida Fernandes
óbvio que
forneciam leite, dedicaram-se a entender
existe. Mas ela fundamental na esse fenômeno, mostrando
é reicada por preparação do pão e do que a construção da nova
biscoito de queijo, de sede do poder estadual
uma ideologia
bolos e sobremesas, como interferiu na maneira como
que prega a canjicas e arroz-doce. muita gente se alimenta.
democracia Em artigo cientíco, as
pesquisadoras situam
racial. Nesse
caso, como
Viradas Goiânia, uma cidade com
mais interlocuções para
pensar os outros de mesa fora do Estado, em um
E quem disse que a processo de
europeus e suas política não interfere na modernização da
inuências? E a gastronomia? Em Goiás, gastronomia, que é
globalização? essa relação é direta. A mundial. Falta de tempo
vinda dos bandeirantes para as refeições, acesso
para esta região é a livre a informações
primeira prova disso. culinárias, chegada de
Estimular a vinda desses pessoas de todas as partes
homens rústicos – alguns à do mundo trazendo suas
beira da indigência – para receitas nativas são alguns
cá servia ao objetivo de dos fatores considerados.
ocupar o máximo de Elas destacam um estudo
território da poderosa que mostra que entre os
colônia e retirar dela a alimentos mais consumidos
maior quantidade possível em Goiânia no nal do
de recursos naturais. A século 20 estavam pão
vinda de funcionários de francês, macarrão e óleo
Portugal e Rio de Janeiro de soja, além do fubá de
para a administração da milho, da carne bovina e
província e a de aves e do feijão.
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Professora de inuências? E a
Antropologia da globalização?”, pergunta.
Universidade Federal de O pesquisador Carlos
Goiás, Janice Colaço Roberto Brandão, em
lembra que quando se estudo que se tornou
fala de inuências clássico chamado Plantar,
alimentares, é preciso Colher, Comer, investiga
haver uma essas mudanças de
contextualização hábitos alimentares em
cuidadosa. “Uma comida Goiás a partir de uma
doméstica ou cotidiana é comunidade na cidade
muito presente, mas de Mossâmedes nos anos
convive com uma imensa 1980. Nessa região, não
variedade de sabores que, muito longe de onde os
além da própria indústria, primeiros bandeirantes se
é acessível no comer fora estabeleceram por aqui,
de casa”, assinala. “Essa as transformações passam
mistura, óbvio que existe. pela diminuição da coleta
Mas ela é reicada por de frutos (caju, pequi,
uma ideologia que prega mangaba) e pela
a democracia racial. introdução de lavouras
Nesse caso, como pensar que diminuíram a área do
os outros europeus e suas Cerrado. Há também a
entrada de produtos
industrializados e outros
alimentos, como a batata
inglesa.
Política e economia
têm, assim, interferência
importante nos hábitos
alimentares. No decorrer
das décadas, novas
situações migratórias e de
ocupação repercutiram
na gastronomia do
Estado. A Estrada de Ferro
Goyaz, que ingressou no
Estado em 1912, trouxe
várias culturas, como a
árabe, a italiana, a
japonesa, e contribuições
a nosso cardápio. A
construção de Brasília,
entre 1956 e 1960, fez com
que mais nordestinos
viessem para Goiás, nos
dando outros paladares. A
expansão do
agronegócio propiciou a
vinda de levas de
gaúchos. E cá estamos
apreciando um bom
churrasco.
29
A difícil missão de mapear
o sabor de Goiás
É possível fazer um
mapa gastronômico
de Goiás? Essa é uma
missão complicada,
ainda que haja
pratos que são mais
associados a
determinadas cidades
ou regiões. Boa parte
de nossa culinária,
porém, é
democraticamente
espalhada por todo
o Estado. Veja a seguir
alguns pratos típicos
e onde eles costumam com que a carne seca ou
Matula charque seja popular no
ser mais apreciados. Alto Paraíso Nordeste goiano, mas não
Este é um prato antigo, só lá. Se a inuência
que antes era sinônimo das nordestina conta muito no
marmitas e refeições que apreço a essa carne
os viajantes de grandes salgada e preparada para
distâncias levavam na viagens, os mineiros e
jornada. Pode ser feita paulistas, na longa história
com carne de boi, porco de contatos com o
ou frango e geralmente território goiano, também
leva algum tipo de farinha, não a dispensavam. Hoje
de mandioca ou milho. em dia, a carne seca é
Com o tempo, foi usada no preparo de
passando por adaptações. pratos como o delicioso
Antes era alimento dos escondidinho.
colonizadores, depois dos
tropeiros e boiadeiros. A Empadão
região de Alto Paraíso e da Pirenópolis
Chapada dos Veadeiros
tem uma matula famosa. Verdadeira instituição
da culinária goiana, o
empadão, com tudo o
Carne seca que se tem direito em seu
Posse e Nordeste goiano recheio cremoso e
A maior proximidade da calórico, é disputado.
fronteira com a Bahia faz Várias cidades históricas
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conhecida como Chica
Doida. Ela foi criada
depois que a cozinheira,
fazendo pamonha com o
marido, percebeu que a
palha havia acabado.
Decidiram, então, assar a
massa de milho.
Acrescentaram manteiga,
queijo, guariroba,
requeijão, cebola, alho,
linguiça caipira, mais milho
e pimenta. Nascia mais um
prato tipicamente goiano.
garantem fazer o melhor
do Estado, mas a fama
maior é o de Pirenópolis. Galinhada
Na cidade, a Rua Direita é
uma espécie de alameda e arroz com
do empadão. “Coloca
frango desado, batata,
pequi Estado todo
linguiça, queijo, azeitonas, Essas duas receitas
guariroba e um miolo de estão disseminadas em
pão no fundo para não todo o Estado. Em ambas,
vazar”, ensina a cozinheira o arroz está presente, mas
Cleide dos Santos, que há em nenhuma ele é o
15 anos prepara protagonista. Na
empadões em Pirenópolis. galinhada, ele funciona
Uma verdadeira refeição. como uma espécie de
suporte para a carne da
Chica Doida ave e todos os seus muitos
Quirinópolis acompanhamentos
possíveis, que incluem
Foi em uma fazenda em verduras e legumes. Já no
Quirinópolis que dona arroz com pequi, a fruta
Petronilha Oliveira, há do Cerrado monopoliza o
quase 60 anos, criou uma sabor e a cor do prato. Em
receita que cou ambos, o hábito de
promover misturas da
gastronomia goiana ca
evidente.
Pamonha e
cural Goiânia
Clássicos de nossa
mesa, a pamonha e o
cural – geralmente feitos
no mesmo mutirão – são
preparados e comidos em
todo o Estado. Goiânia,
porém, é notória por
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Doces
Cidade de Goiás
Pastelinho de Goiás,
alfenim, doce de
cajuzinho, de laranja da
terra, de mamão, de
banana, go em calda e
cristalizado, doce de limão
com leite, arroz-doce, A
variedade é grande e na
Cidade de Goiás eles
parecem ser ainda mais
saborosos. A tradição
familiar ensina geração
após geração os
moradores da antiga
capital a elaborar receitas
que até vão passando por
abrigar dezenas de certas adaptações, mas
pamonharias, que deram que mantêm um gosto
outro status a tais alimentos insuperável.
feitos com milho. Casas
que ajudaram a sosticar
receitas, incluindo
Peixes
Aruanã e Vale
ingredientes mais exóticos.
do Araguaia
Assim, a pamonha doce e
Os rios goianos,
de sal tiveram que dividir
sobretudo os mais
seu reinado com a
importantes, como o
pamonha à moda, com
Araguaia, sempre deram
queijo, linguiça e pimenta.
aos habitantes da região
uma grande variedade de
pescados. Piraíba, jaú,
pirarara, dourado, pintado,
todos esses peixes, maiores
ou menores, são muito
apreciados pelo paladar
goiano e nas receitas mais
tradicionais, aquelas
preparadas ainda nas
margens dos rios, é muito
comum enrolarem os
animais sgados em folhas
de bananeiras. Já na
cidade, alguns modos de
fazer o peixe diferiram.
Uma das receitas mais
conhecidas é o peixe na
telha, criada pelo
folclorista Bariani Ortencio,
em que o pescado é
levado ao forno sobre uma
telha de barro.
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Produção digital
Arenusa Goulart
Aline Marques
Edição multiplataforma
Silvana Bittencourt
Fabrício Cardoso
Michel Victor
Frank Martins
Rodrigo Alves
Capa
Ramon Madeira
Kleverton Carvalho
Edição de arte
André Rodrigues
Edição de imagens
Weimer Carvalho
Reportagem
Rogério Borges
Fotografias
Diomício Gomes
Weimer Carvalho
Projeto gráfico digital
Ramon Madeira
Marco Aurélio Soares
Audiovisual
Ana Helena
Rubens Renato Júnior
Diomício Gomes
Tratamento de imagens
Deivison Moura
Front-end
Bruno Kratka
Euler Lobo
Jordão Barros
Ra ael Oliveira
Design e Ilustração
Marco Aurélio Soares
Ramon Madeira
Projeto de e-book
Lúcio Rodrigues da Silveira
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