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Uma Montanha Chamada Samsara

Mauricio Ghigonetto (Shaku Hondaku)

Esta é uma metáfora para auxiliar na compreensão dos Seis Reinos de Existência.

O homem está fadado a vagar pelo ciclo de renascimento e morte por um sem fim de eras a menos que vá de encontro à
natureza de sua mente, que se livre do sofrimento e busque a felicidade definitiva. Como sabemos o nome deste ciclo é
SAMSARA, ao qual todos os seres sencientes vertem e revertem ao longo de suas milhares de vidas. Mas podemos ver o
samsara como uma grande e alta montanha, no pé da qual iniciamos nossa escalada meio sem rumo e sem direção, às vezes,
descendo em vez de subir ou andando para os lados. A montanha é tão grande que podemos caminhar meses ou anos para
uma mesma direção sem nunca chegarmos ao ponto de nossa partida. Seu cume é tão alto que o ar se extingue em suas
dependências e a vista se perde muito antes de se chegar ao pico, onde nem mesmo as mais altas nuvens conseguem resistir a
perenidade.

Seu interior maciço e denso jamais nos deixa perfurá-la. Túneis são impossíveis de serem construídos e chegar ao outro lado
pelo seu âmago significa passar por existências de mais sofrimento: são os reinos inferiores. Dentro da montanha vemos os
animais no seu ciclo de sobrevivência da lei do mais forte, presos aos próprios instintos incapazes de determinarem sua prática,
preocupando-se com a própria sorte. Devem se manter vivos. Mais ao fundo da montanha, o alimento abunda mas a fome
reina e os gritos de dor e abstenção ecoam pelo território dos fantasmas famintos, com suas gargantas ardendo em chamas
ignidas pela presença do alimento em suas bocas. Mas a dor faz parte de suas vidas e sua conformação não lhes dá opção além
daquela de lutar e guardar todo os alimentos possíveis e ficar tentando sorver ao menos gramas de migalhas incandescentes
para aliviar os gemidos constantes de seus estômagos. Nas profundezas desta fortaleza de minério encontra-se o mais baixo
dos níveis, onde Ksitigharba desejou renascer para libertar os seres demoníacos que ali habitam num longa estada de dor física
e lamentações. Seres na quantidade da poeira existente nos bilhões de universos que anseiam por dali saírem o mais rápido
possível, mas este egoísmo e esta angústia os prendem mais e mais ao inferno de suas emoções. Imagina-se que chegar ao
cume por cima seria uma grande chance de se libertar deste ciclo incansável, mas os devas não se importam com isto, muito
menos os asuras já que têm tanto êxtase e tanto com o que se deleitar. Os deuses e semi-deuses estão em seu espaço sem
forma permeando a atmosfera da montanha mas sem nunca alcançá-la, sem tocá-la, sem mesmo percebê-la. Que chance
magnífica desperdiçam. Escalar o samsara é feito somente para os humanos. Chegar ao topo desta montanha estrondosa por
suas encostas é uma tarefa para os humanos, tão poucos como os grãos de areia debaixo de um única unha. Os humanos do
Saha, nosso mundo, o mundo onde Sakyamuni renasceu e vem guiando milhões de discípulos. A escalada é feita durante vidas
e vidas. Uns caem dentro da montanha indo parar nos reinos inferiores outros dela saem para a luz do dia, mas os caminhos
são diversos, enterrando, tortuosos e cobertos de pedras, pedregulhos, grandes rochas. Para quem está no pé, olhando para
cima, vê-se várias opções de subida pelas encostas. Caminhos que parecem mais fáceis, outros que demandam mais técnicas.

Alguns mais curtos a primeira vista, outros mais longos quando analisados do ponto mais baixo. Contudo, é o pico que eles
almejam e para lá todos convergem. Para a Luz que emana do ponto mais alto e que parece impossível de se alcançar, para a
Luz que ascende ao infinito do Universo e irradia pelo céu da manhã. É para lá que os caminhos levam. Vê-se que estes se
adaptaram e muitos humanos se adaptaram a eles, mas todos levam suas mochilas nas costas sem exceção. Presas ao corpo
como se desse fizesse parte, como se desse nunca se separasse. Umas mais cheias, outras rasas. Para cada ação boa, os
escaldantes retiram uma pedra de sua mochila, a deixando leve e fazendo sua escalada mais fácil e mais simples. Para cada
ação prejudicial a si próprio e aos outros, os humanos as colocam novamente nas suas mochilas. As pedras são proporcionais
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ao impacto de suas ações, um pedregulho ou uma grande rocha. De vez em quando a mochila pesa demais e um buraco se
rompe no solo onde se pisa e faz com que o humano caia dentro da montanha, caia para os reinos inferiores. Mas, como
dissemos, a mochila pode ficar muito leve fazendo com que em humanos e outros seres inferiores se transformem saindo deste
buracos para continuar a jornada montanha acima. Pedras colocadas, pedras retiradas, por vidas e vidas, esta é a Lei do
Karma. De repente, vemos uma pessoa com a mochila vazia que aproveita o instante e corre, corre com todas as suas forças.

Lá vai um Mestre, rumo ao topo. Desvia-se das rochas, sente o caminho, encontra atalhos. Vê as pegadas de outros que o
antecederam, poucos acham estas pegadas, gastas pelo tempo, escondidas pelo ego. Lá vai um Mestre. Há poucos destes, um
a cada muito tempo. Vários o tentam imitar, largam as mochilas, achando que se livrarão das pedras. Ledo engano. Se perdem,
acham barreiras de pedras e não tem onde colocá-las, não tem como se livrarem delas. Voltam ao ponto de partida e colocam
uma nova mochila nas costas. Tudo de novo. Lá vem um Mestre. Ele chegou ao topo, encontrou a Luz, viu a Verdade. Viu a si
próprio e encontrou com aqueles que decidiram serem guias, serem uma bússola para os que tentam subir e os que tentam
emergir de dentro da montanha. São exemplos. Alguns decidem ficar ali observando os que sobem, outros movidos pela sua
bondade e compaixão exacerbadas decidem descer novamente e começar tudo de novo. Mas a Luz é internalizada e nada é
esquecido. A realidade passa a ser pura e o instante, infinito. Ele ganha uma mochila diferente, uma que tritura as pedras que
ali são colocadas e eliminam seu cascalho em forma de pó de diamante. Ele volta para ensinar aos que sobem os melhores
caminhos, para apontar onde há menos pedras, pois menos onde há menos ações negativas para serem pegas, mais chance de
subir, em menos tempo. Caminhos mais limpos. Caminhos mais livres. Caminhos mais claros.

Os nomes destes caminhos limpos são vários, chamam-se a Rota dos Preceitos, a Encosta da Ética, a Trilha do Vinaya. Quanta
pureza nestes caminhos. Os Mestres os conhecem bem e tentam mostrar isto para aqueles que escalam, tentam desenhar o
mapa, mostrar a trilha. Mas, caminhos são caminhos, e alguns acham que onde há mais pedras há mais segurança, há no que
se agarrar e uma mochila mais pesada pode mostrar mais superioridade. “Eu tenho mais pedras do que você!”, exclamam
alguns, mas o Mestre está ali, ouve e fica contente. Mais gente para ajudar. Há Mestres em todos os caminhos. Eles os
conhecem, eles os desenham e cabem a nós seguí-los ou lançar-nos a nossa própria sorte. Eles já chegaram ao topo e querem
nos auxiliar a trilhar os caminhos certos, a carregar menos pedras. Eles retiram sem que percebamos várias pedras de nossas
mochilas e colocam na sua própria para serem trituradas e virarem pó para cobrir o caminho para os próximos. Preocupados
que estamos em não pegarmos a saída errada, nem percebemos. Quanto egoísmo. Eles nos ensinam a pegar as pedras nas
mãos e as transformarem em diamantes que de tão puros somem no ar. Menos pedras, menos obstáculos. O topo se
aproxima. Poucos humanos por perto, um aqui outro ali. Muitos desistiram e voltaram. Poucos no topo chegaram ou chegarão.
Cansa, desanima, a ilusão da realidade engana. “Para que subir?”, pensam uns, “para que me cansar?”, indagam outros. É o
samsara. É a ilusão. A planície no pé da montanha é linda, mas é ilusória. Não existe... Mas os Mestre povoam a montanha.
Compaixão! Paciência! Perseverança! Mais caminhos, mais andarilhos, parecem não mais acabar.

Uma Montanha Chamada Samsara 2

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