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FACULDADE DE FILOSOFIA E TEOLOGIA PAULO VI

A RETÓRICA COMO BUSCA DA VERDADE NA RETÓRICA DE ARISTÓTELES

MOGI DAS CRUZES


2022
FACULDADE DE FILOSOFIA E TEOLOGIA PAULO VI

IVAN JESUS DOS SANTOS – 20202186

A RETÓRICA COMO BUSCA DA VERDADE NA RETÓRICA DE ARISTÓTELES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Faculdade de Filosofia e Teologia Paulo VI como
requisito parcial para obtenção do título de Bacharel
em Filosofia.
Orientador: Prof. Dr. João Figueiredo Nobre
Cortese.

MOGI DAS CRUZES


2022
FOLHA DE APROVAÇÃO

IVAN JESUS DOS SANTOS

A RETÓRICA COMO BUSCA DA VERDADE NA RETÓRICA DE ARISTÓTELES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Faculdade de Filosofia e Teologia Paulo VI como
requisito parcial para obtenção do título de Bacharel
em Filosofia.
Orientador: Prof. Dr. João Figueiredo Nobre
Cortese.

Banca Examinadora

Orientador:

Leitor 1:

Leitor 2:
AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente a Deus, dado que ele é o princípio e fim de tudo o que
acontece em minha vida, além de ser um Deus misericordioso, sempre atendeu a mim,
um servo pecador, que embora caia muitas vezes não se cansa de reerguer os seus
próprios filhos perdidos pelo erro, por isso, a minha eterna gratidão a este Deus todo-
poderoso e amoroso.
A meus pais, Maria Jesuína e Antônio Francisco, que sempre batalharam para
ser uma pessoa do bem, seja educando ou dando conselhos. Espero que possam se
sentirem felizes por minhas conquistas, além de serem os melhores pais que alguém
poderia ter e que eu tive essa imensa alegria de podê-los chamá-los de mãe e pai.
Sintam-se representados pelo atual trabalho que representa apenas uma parcela do
imensurável amor que tenho pelos senhores.
À Diocese de Mogi das Cruzes, representada pelo Seminário de Filosofia São
José que me deu a oportunidade de concluir o ensino superior, o meu agradecimento
por confiarem em mim.
Aos padres, Pe. Antônio Carlos Alves de Menezes, Pe. Diogo Plácido Shishito,
Pe. Aleksandro Basseto Moreira, Pe. Wilson de Sales que foram meus reitores e do
atual Pe. Luiz Ricardo Cândido Silva, agradeço a cada um pelos ensinamentos que
propuseram dentro do processo formativo e que continuem sendo excelentes
sacerdotes, a exemplo de Jesus o bom pastor.
A meus irmãos de seminário, exclusivamente aos da minha turma, Elizeu,
Pedro e Richard pelo companheirismo e amizade, além deles, quero agradecer aos
seminaristas Matheus Barbosa e Vitor Ferreira pelo empréstimo dos livros que foram
utilizados para a elaboração do presente trabalho.
Aos professores do curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia e Teologia
Paulo VI, o meu agradecimento por terem passado o bem maior que aprendemos na
Filosofia, a sabedoria. Ao meu orientador, Professor Dr. João Cortese, o meu
agradecimento pela excelente orientação que realizara para que este trabalho saísse.
Ao professor Me. Marco Maida agradeço pelo empréstimo de livros e dicas sobre
retórica na disciplina de Filosofia da Linguagem.
Enfim, a todos que colaboraram de modo direta ou indiretamente na minha
formação acadêmica.
“Mas a retórica é útil porque a verdade e a justiça são por natureza mais fortes que
os seus contrários”. (Aristóteles, Ret., 1355a).
RESUMO

O atual trabalho intitulado como “A retórica como busca da verdade na retórica de


Aristóteles” visa esclarecer a retórica como instrumento na busca da verdade na
perspectiva aristotélica. Abordar-se de início os gêneros da retórica e as etapas que
os oradores devem seguir para apresentar suas colocações sobre determinado
assunto, além disso apresenta-se os assuntos que pertencem a cada gênero desta
arte e ainda no começo é exposto as características dos interlocutores que são
envolvidos nos gêneros da retórica. Depois é apresentado os modos de discurso da
arte retórica, ethos, páthos e logos. Os modos de discurso são apresentados, pois os
mesmos são os modos que os oradores utilizam, a fim de conseguirem a persuasão
dos seus ouvintes. Apresentado os modos, em seguida mostra-se as características
de determinados grupos, seja por idade, ordem econômica ou próprio adjetivo que
caracteriza as pessoas, como ira, calma, etc. E o último assunto que é apresentado é
a lógica do Organon aristotélico. A lógica é expressa em relação a retórica e o que ela
tem de importante para ajudar a formular discursos retóricos, então é proposto a
análise sobre a argumentação, premissas, silogismos e o entimema, este que é a
principal fonte para conseguir a persuasão na retórica. Portanto, a retórica não é vista
somente em relação a si própria, mas observada como grande componente que ajuda
a entender como as outras áreas do saber humano se inter-relacionam com ela
própria.

PALAVRAS-CHAVES: Retórica; Lógica; Persuasão; Arte.


LISTA DE SIGLAS

An. Ant. – Analíticos Anteriores


Tóp. – Tópicos
Ret. – Retórica
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1 NATUREZA DA RETÓRICA 12

1.1 Os três gêneros da retórica: Deliberativo, Epidíctico e Judicial 14

1.1.1 Gênero Deliberativo 15

1.1.2 Gênero Epidíctico 19

1.1.3 Gênero Judicial 20

2 MODOS DE DISCURSO DA RETÓRICA 26

2.1 Ethos 27

2.1.1 Ethos dos jovens 30

2.1.2 Ethos dos idosos 30

2.1.3 Ethos dos que estão no auge da vida 31

2.1.4 Ethos das pessoas nobres 31

2.1.5 Ethos dos ricos 32

2.1.6 Ethos dos poderosos 32

2.2 Páthos 33

2.2.1 Ira 35

2.2.2 Calma 36

2.2.3 Amizade e inimizade 37

2.2.4 Temor e confiança 38

2.2.5 Vergonha e desvergonha 39

2.2.6 Amabilidade 39

2.2.7 Piedade 40

2.2.8 Indignação 41
2.2.9 Inveja 41

2.2.10 Emulação 42

2.3 Logos 42

3 A ESTRUTURA LÓGICA NA RETÓRICA 45

3.1 Premissa 47

3.2 Silogismo 51

3.3 Figuras do silogismo 54

3.4 Tipos de argumento 55

3.4.1 Dedução 56

3.4.2 Indução 56

3.5 Entimema 57

CONCLUSÃO 60

REFERÊNCIAS 63
10

INTRODUÇÃO

O vigente trabalho tem como título “A retórica como busca da verdade na


retórica de Aristóteles” e apresentará o modo como Aristóteles analisa a retórica como
forma de apoio para os querem chegar ao conhecimento verídico sobre os assuntos
que envolvem as pessoas em seu cotidiano.
A retórica foi decidida como fundamento deste trabalho porque ao longo dos
tempos atuais as pessoas tendem a ser manipuladas, acreditarem em notícias falsas e
serem enganadas de diversas formas. E como a retórica tem como finalidade achar os
meios adequados a fim de persuadir, apresentou-se esta oportunidade de analisar qual
a relevância desta arte para o próprio Aristóteles, além de outros aspectos em relação
aos quais a retórica, no âmbito da filosofia, ajuda a entender por que os oradores
possuem tanto êxito em suas colocações.
A problematização que originou o seguinte trabalho foi: por que a mentira
deveria ser descartada do discurso retórico? A retórica, entendida até Aristóteles, não
estabelecia critérios para convencer alguém, não interessava quais modos um retórico
usava para persuadir, mas somente o que lhe interessava era ganhar a confiança do
seu ouvinte, e ganhando a confiança do mesmo, o orador conseguia mais confiança e
credibilidade para continuar exercendo seu papel.
A hipótese que se levantou foi se a verdade seria a solução do discurso retórico
para que os ouvintes se interessassem pelo assunto apresentado pelos oradores, mas
que ao longo do trabalho perceber-se-á que a resposta da hipótese depende
exclusivamente das características dos próprios ouvintes, visto que, cada um possui
em mente algo diverso de outra pessoa que ouve um orador deliberando sobre
determinado assunto.
O objetivo principal no trabalho foi esclarecer como a retórica serviria de
instrumento para chegar à verdade, já que na história da filosofia a verdade sempre foi
discutida, porém não como aplicação concreta no mundo, mas qual seria o seu
conceito. E como a retórica convida o orador a seguir caminhos lógicos, observou-se
como a verdade poderia ser posta no discurso, a fim de prevalecerem as informações
verídicas e descartar as que são falsas, já que no seu tratado Retórica Aristóteles frisa
instantemente que a verdade é mais forte que seus contrários, e deve prevalecer
sempre nos discursos retóricos.
11

A fim de conseguir os resultados do atual trabalho, recorreu-se a pesquisas


bibliográficas, principalmente dando ênfase à obra Retórica do estagirita como fonte
primaria, além de outras obras que serviram de apoio para entender a retórica do
referente autor como também a lógica desenvolvida pelo mesmo.
No primeiro capítulo abordar-se-á sobre o que é retórica e qual é sua finalidade
dentro das ações humanas, além de apresentar os três gêneros que fazem parte desta
arte, o gênero deliberativo, epidíctico e judicial.
O primeiro gênero, o deliberativo, é descrito como o orador consegue deliberar,
isto é, aconselhar ou desaconselhar algum assunto que é apresentado nas cidades,
além dos assuntos que são mais deliberados pelos oradores e para que são
deliberados.
No segundo gênero, epidíctico, faz-se uma análise sobre o que é digno de
louvor ou censura e por que se deve louvar a virtude, já que a mesma deve ser a
finalidade do Homem.
E no último gênero da retórica, judicial, estabelece como o orador compõe um
discurso jurídico, afim de acusar ou defender um indivíduo, além de evidenciar quais
devem ser a atitude do orador para ganhar a confiança do juiz em sua explanação.
No segundo capítulo abordar-se-á quais são os modos de discurso na retórica,
três são as formas que Aristóteles estabelece, o primeiro é o ethos; o segundo, páthos;
e, o último, logos. Além de apresentar os modos, enfatiza-se qual a importância dos
mesmos para que a persuasão aconteça, como também avaliar qual a relação entre
orador e interlocutor no discurso.
E no último capítulo, analisar-se-á qual a importância da própria lógica
aristotélica com a retórica. Apresenta-se como os silogismos, argumentos, entimema,
e modos de argumentação são importantes para que um discurso seja organizado
sistematicamente, a fim de que, as conclusões sejam verídicas de acordo com as
premissas propostas no silogismo.
Apresentadas as questões referidas, fica exposto ao leitor que os objetivos
foram alcançados, dado que a obra de Aristóteles é significativa para entender as
questões propostas nos discursos contemporâneos, como a propagação de notícias
falsas, manipulação do Estado para com os cidadãos, além de ajudar a entender como
os argumentos políticos, religiosos e publicitários agem para persuadir a pessoas.
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1 NATUREZA DA RETÓRICA

Neste capítulo apresentar-se-á a natureza da retórica, a fim de que o caráter


da mesma possa ser analisado. Para investigar a natureza da retórica precisamos
defina-la e Aristóteles define retórica da seguinte maneira: “Entendemos por retórica
a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir”
(ARISTÓTELES, Ret., 1355b, 2012, p. 12).
Percebe-se que a retórica tem como finalidade a persuasão, a fim de que a
solução da questão seja a mais próxima da verdade. A persuasão existe para
convencer alguém de alguma coisa que aconteceu, seja no passado, presente ou até
mesmo em algum evento que ainda irá ocorrer. Mas poder-se-ia perguntar, qual é o
motivo que leva alguém a persuadir outra pessoa? Aristóteles responderia que é por
causa da verdade, pois esta tem prevalência sobre o seu contrário, isto é, a mentira.
Logo, a verdade deve ser buscada em todos os âmbitos, e é por isso que a retórica não
faz parte de nenhuma ciência em particular, porque ela pode ser exercitada seja onde
for (universal), daí surge a importância da retórica, pois as pessoas tendem a buscar a
verdade para que seus argumentos sejam capazes de serem verificados e afirmados
como verdadeiros e justos.
Percebe-se que Aristóteles vai colocar como meta a ser alcançada dois pontos
fundamentais que independentemente do discurso a ser apresentado devem
apresentar, que são a sua veracidade e a justiça. Aristóteles afirma:

Mas a retórica é útil porque a verdade e a justiça são por natureza mais fortes
que seus contrários. De sorte que, se os juízos não se fizerem como convém,
a verdade e a justiça serão necessariamente vencidas pelos seus contrários,
e isso é digno de censura. (ARISTÓTELES, Ret., 1355a, 2012, p. 10).

A observação que Aristóteles faz sobre a retórica é que ela tende a ser usada
em situações que gerem opiniões divergentes sobre um assunto e que devem gerar
uma resposta, porém como percebe-se na citação acima, a justiça e a verdade são os
pontos que um orador deve ter em mente ao fazer uso da retórica, mas ele não
consegue chegar a uma conclusão verdadeira se também ele não possui o
conhecimento daquilo que lhe é contrário, ou seja, deve-se conhecer aquilo que é
falso.
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Porém a conclusão deve obedecer a algumas regras, estas que estão


formuladas no Organon aristotélico, que analisar-se-á atentamente no terceiro
capítulo. Quem faz uso da retórica, isto é, os oradores devem usar a lógica como
instrumento, a fim de alcançar a verdade no discurso. Aristóteles observa:

Ora, sendo evidente que o método artístico é o que se refere às provas por
persuasão é uma espécie de demonstração, que a demonstração retórica é
o entimema e que este é, geralmente falando, a mais decisiva de todas as
provas por persuasão; que, enfim, o entimema é uma espécie de silogismo,
e que é do silogismo em todas as suas variantes que se ocupa a dialética, no
seu todo ou nalguma das suas partes, e é igualmente evidente que quem
melhor puder teorizar sobre as premissas do que e como se produz um
silogismo também será o mais hábil em entimemas, porque sabe a que
matérias se aplica o entimema e que diferenças este tem dos silogismos
lógicos. (ARISTÓTELES, Ret., 1355a, 2012, p. 9).

A lógica na retórica, que Aristóteles chamava de dialética, vai ter grande


importância, pois quem faz uso dela tem certas habilidades que são necessárias, a
fim de que o ouvinte aceite os argumentos apresentados. Porém a lógica é somente
um dos alicerces que deve ser usado para convencer alguém, pois usar-se-á também
os recursos lógicos quando tentamos resolver assuntos que exigem uma solução, mas
que existem duas ou mais possiblidades de resolver e dentre as duas, optar por uma
solução que tende a ser a mais próxima da verdade.
Percebe-se então que a dialética entra em cena na retórica, já que o discurso
deve chegar a uma solução e ela é o único método que vai analisar o princípio de
duas questões divergentes, a fim de chegar a uma conclusão. Eis a definição que
Abbagnano nos dá da dialética de Aristóteles: “Para Aristóteles, a dialética é
simplesmente o procedimento racional não demonstrativo; dialético é o silogismo que,
em vez de partir de premissas verdadeiras, parte de premissas prováveis, geralmente
admitidas.” (ABBAGANO, 2012, p. 316), fica evidente que a lógica não é contraria a
retórica e nem a dialética, dado que contribui para formular discursos lógico e
verídicos.
Aristóteles percebe que a dialética deve tratar de questões que não precisam
ser demostradas, mas sim de certas premissas que podem já ser aceitas pelo
adversário na qual deve ser vencido. E para entender o que o Estagirita diz sobre a
dialética, dever-se-á recordar que dentro da dialética usamos a lógica, pois se o
adversário já aceita certas premissas que foram apresentadas a ele, fica mais fácil o
orador contradizê-lo, logo o adversário que pretende defender-se, deverá usar as
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regras lógicas para contradizer o seu oponente, ou seja, a lógica serve de instrumento
para convencer a alguém de que ele está errado no discurso ou para defender a si
próprio de acusações que estão sendo levantadas contra a própria pessoa, pois o que
caracteriza o vencedor é a não contradição de seus argumentos, que por sua vez só
podem vir da lógica. Para explicitar ainda mais a opinião de Aristóteles eis um
comentário de Reboul:

Em nossa opinião, a melhor resposta para esse tipo de crítica é mostrar que
a dialética não é nem moral nem imoral simplesmente porque, no fundo, ela
é um jogo. Num jogo, o problema é ganhar. E, neste, vencer é convencer; em
outras palavras, uma proposição enunciada pelo adversário é admitida como
provada, sem que se possa voltar a ela. (REBOUL, 2004, p. 29).

Portanto, tanto a retórica como a dialética são familiares no discurso retórico,


ambas têm características comuns, pois tendem a achar a veracidade das premissas
para chegar a uma conclusão lógica e elas são práticas que uma pode exercer dentro
da outra, ou seja, a retórica pode ser um meio para ganhar o jogo dialético, como a
dialética pode ser um instrumento para a comprovação das premissas no discurso
retórico, dado que são universais e consequentemente não são exclusivas de nenhuma
ciência particular.

1.1 Os três gêneros da retórica: Deliberativo, Epidíctico e Judicial

Depois de analisar a relação que a retórica tem com a dialética e a lógica do


Organon, é necessário aprofundar os conceitos sobre os gêneros da retórica, mas
antes de analisar cada gênero é importante frisar que o orador deve obedecer às regras
lógicas, como já foi apresentado anteriormente, porém apresentar-se-ão mais
especificamente as etapas que através da lógica, ajudam o orador a organizar
sistematicamente o seu discurso.
A primeira parte que um orador deve preparar denomina-se como invenção
(heurésis). Esta parte visa a analisar quais argumentos e os instrumentos se irá utilizar
na retórica, mas pode-se pensar assim: por quais motivos deve-se preparar para falar
um discurso? A resposta é que muitas pessoas através das experiências de vida
conseguiriam expor a seu ouvinte muitos entimemas para a refutação de um debate,
mas se analisarmos criteriosamente o que irá se falar ao ouvinte, a chance de ganhar
esse jogo dialético é maior do que se não fosse preparar o discurso, pois como já foi
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dito neste capitulo, aquele que na sua oratória sabe da verdade, mas também do seu
inverso, isto é, a mentira, significa que está mais preparado a responder as objeções
de seu adversário se este dispuser de falácias.
A segunda parte que deve ser preparada no discurso retórico é denominada
por Aristóteles de disposição (taxis). Nesta fase dever-se-á organizar os argumentos
que foram escolhidos na primeira etapa da invenção, já que no momento do discurso
isto deve ser claro ao ouvinte, ou seja, o orador deve deixar explícito como deverá
estruturar seus entimemas na linguagem.
O terceiro elemento da organização que se deve estar ciente é a elocução
(lexis). Nesta etapa deve-se organizar a escrita, ou seja, quais atributos ou figuras da
linguagem devem ser postos na redação.
E o último ponto que deverão os oradores saber é a ação (hypocrisis). A ação
não é nada mais do que colocar em praticar no discurso todos os passos que foram
preparados anteriormente, seja qual for a forma que venha a expressar a oratória. Caso
não obedeça às regras a serem cumpridas, o orador não conseguirá atingir seus
objetivos, pois não usou as estruturas lógicas em seu raciocínio, visto que há uma
relação entre lógica e retórica.
Apresentadas as etapas a serem obedecidas pelos oradores, poder-se-á
apresentar os gêneros retóricos, a fim de sabermos por quais motivos existem as
diferenças nos discursos e quais são suas finalidades para convencer alguém.

1.1.1 Gênero Deliberativo

Dos três gêneros da retórica, o primeiro que Aristóteles comenta é o


deliberativo. Neste gênero, o orador falará sobre as vantagens ou não de
determinadas ações que as pessoas devem escolher para o melhor fim. O Estagirita
diz: “Mas os assuntos passíveis de deliberação são claros; são os que naturalmente
se relacionam conosco e cuja produção está nas nossas mãos. Pois desenvolvemos
a nossa observação até descobrirmos se é possível ou impossível fazer isso”
(ARISTÓTELES, Ret., 1359a, 2012, p. 24), ou seja, as ações deliberativas estão
relacionadas com o dia-a-dia dos seres humanos, ou coisas que estão próximas de
nós, que nos são necessárias para a nossa vida e que podem ser consideradas como
boas por si mesmas. Portanto, uma pessoa saberá o que é vantajoso ou não, através
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da experiência de vida, já que necessitará da observação para escolher por quais


caminhos seguir.
Aristóteles define cinco assuntos principais que as pessoas dizem enquanto
deliberam, que são: finanças, guerra e paz, defesa nacional, importações e exportações
e por último a legislação.
As finanças são assunto deliberativo, por causa que ela movimenta os recursos
de uma determinada região, por isso quem apresenta um discurso sobre finanças,
deverá estar ciente de todas as movimentações financiadas pela cidade e quais são os
meios de investir os recursos, além de saber quanto e para onde estão indo as finanças,
afim de manter um equilíbrio financeiro. A deliberação sobre a guerra e paz, obrigará o
orador a saber quais são as forças na região onde está situado e das cidades ao redor,
além de saber quais são as cidades mais fortes, a fim de entrar em confronto e quais
são as mais frágeis, a fim de guerrear com as mesmas. A defesa nacional vai tratar de
quantas tropas estão à disposição da cidade, a fim de que sejam reforçados ou não os
lugares mais importantes. Os assuntos sobre importação e exportação apresentam
quais são os alimentos que são plantados em determinada região e quais destes vão
para outras cidades e, por fim, deve-se entender sobre as legislações, pois as cidades
são estruturadas por leis que devem ser colocadas em práticas cotidianas, além de
conferir qual é o tipo de governo pela qual a cidade é regida e se esta é a melhor forma
de governo para a mesma, além de estar ciente de quais outras formas de governo
existem em outras cidades, a fim de saber quais são as ações de outros povos.
Visto os assuntos e as características que são mais deliberados, analisar-se-á
o motivo principal pelo qual os assuntos são deliberados, isto é, a finalidade a que se
destinam.
A finalidade do homem quando escolhe alguma decisão a ser tomada visa
sempre em buscar a felicidade, já que esta tem um grau superior de relevância sobre
os outros bens. Mas, afinal, o que é a felicidade? Aristóteles comenta:

Seja, pois, a felicidade o viver bem combinado com a virtude, ou a


autossuficiência na vida, ou a vida mais agradável com segurança, ou a
pujança de bens materiais e dos corpos juntamente com a faculdade de os
conservar e usar; pois praticamente todos concordam que a felicidade é uma
ou várias destas coisas. (ARISTÓTELES, Ret., 1360b, 2012, p. 28).

Através da definição de felicidade do filósofo, concretiza-se que a felicidade por


ela mesma é um bem, que por sua vez traz o total sentido para a satisfação humana.
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O bem também é analisado por Aristóteles; ele divide os bens em dois tipos: os
internos e os externos. Ambos são necessários à vida das pessoas, pois através dos
bens internos, é adquirida a saúde, beleza e estatura, visto que, a harmonia entre
estes, fazem com que a qualidade de vida seja bela e feliz, não obstante os bens
externos, como pode ser analisado, também nos conduzem à felicidade, como por
exemplo a riqueza, dado que nos ajudam a adquirir recursos financeiros como
também terras e outros bens. E como nos diz o filósofo: “com efeito, uma pessoa seria
inteiramente autossuficiente se possuísse os bens internos e externos, pois fora
destes não há outros” (ARISTÓTELES, Ret., 1360b, 2012, p. 28), isto significa então
que, se uma pessoa tivesse os bens necessários, com certeza seria expressamente
feliz e realizada, pois seus objetivos seriam alcançados.
Os dois objetivos da deliberação são o que é bom e conveniente, mas para
saber deliberar sobre estes aspectos deve-se primeiramente defini-los, como o grande
discípulo de Platão faz:

Entendemos por bom o que é digno de ser escolhido em si e por si, e aquilo
em função de que escolhemos outra coisa; também aquilo a que todos
aspiram, tanto os que são dotados de percepção e razão, como os que
puderem alcançar a razão; tudo o que a razão pode conceder a cada
indivíduo, e tudo o que a razão concede a cada indivíduo em relação a cada
coisa, isso é bom para cada um; e tudo o que, pela sua presença, outorga
bem-estar e autossuficiência; e o que produz ou conserva esses bens; e
aquilo de que tais bens resultam; e o que impede os seus contrários e os
destrói. (ARISTÓTELES, Ret., 1362a, 2012, p. 32).

Observando o conceito de bom, verifica-se que existe uma ligação do que é


bom e conveniente com aquilo que é prazeroso, pois Aristóteles consegue verificar que
todos os seres humanos por natureza buscam o prazer, já que ele é bom por si próprio
e se encaixa perfeitamente com as definições do que é bom, como pode-se verificar na
afirmação acima do filósofo. Visto que o prazer é bom e conveniente, o mesmo pode
também dar sentido a outras coisas que podem ser tanto boas como convenientes à
retórica deliberativa, isto é, as coisas boas e convenientes são desta maneira porque
são prazerosas por excelência.
Aristóteles cita alguns exemplos que nos deixam claro como estes assuntos
atendem os dois objetivos da deliberação, como pode-se observar:

Ora, para as enumerar uma a uma, direi que as seguintes coisas são
necessariamente boas. A felicidade, porque é desejável em si mesma e
autossuficiente, e porque para a obter escolhemos muitas coisas. A justiça, a
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coragem, a temperança, a magnanimidade, a magnificência e outras


qualidades semelhantes, porque são virtudes da alma. A saúde, a beleza e
outras semelhantes, porque são virtudes do corpo e produtoras de muitos
bens. [...] (ARISTÓTELES, Ret., 1362b, 2012, p. 33).

Os exemplos que o estagirita traz em seu tratado são de grande variedade e


só são citados os principais, já que a lista poderia ser mais densa. Porém pode-se
observar a seguinte dúvida; será que não existe uma ordem ou um grau daquilo que
seria bom e conveniente? Aristóteles diz: “entendamos, pois, que o excedente é o
excedido e algo mais, e que o excedido está contido no excedente” (ARISTÓTELES,
Ret., 1363b, 2012, p. 36), em outras palavras, aquilo que é excedido tem menor valor
que o excedente, este por sua vez é maior que o excedido, pois o excedido está
contido no excedente, caracterizando como maior. Verificando os graus de
precedência do que é bom e conveniente, o orador saberá como demonstrar as
vantagens ou não e se algo que está em jogo no discurso dialético tem demonstração
lógica; caso tenha, verificar se a conclusão é verídica ou falsa de acordo com as
premissas que foram apresentadas pelo ouvinte.
E o último ponto que Aristóteles diz sobre a deliberação é sobre as formas de
governo, pois as pessoas tendem a acreditar no Estado, já que este é preservado pelo
o que lhe é conveniente, e as pessoas são persuadidas mais facilmente quando o
conveniente lhes é demonstrado. Aristóteles apresenta então quais são as formas de
governo: “são quatro as formas de governo: democracia, oligarquia, aristocracia e
monarquia” (ARISTÓTELES, Ret., 1365b, 2012, p. 44). Observadas quais são as
formas de governo ele mostra como cada uma funciona:

A democracia é uma forma de governo em que as magistraturas se repartem


por sorte. A oligarquia é uma forma de governo em que elas se atribuem
segundo o censo. A aristocracia é uma forma de governo em que elas se
atribuem com base na educação. Chamo educação à que é estatuída pela
lei, pois os que permanecem fiéis às leis são os que governam na aristocracia;
eles parecem necessariamente os melhores, e é daí que esta forma de forma
de governou recebeu esse o nome. A monarquia é, como o nome indica, a
forma de governo em que um só é senhor de todos; e, dentre as monarquias,
a que exerce o poder sujeita a uma certa ordem é reino, e a que o exerce
sem limites é tirania. (ARISTÓTELES, Ret., 1365b, 2012, p. 44).

Sabendo quais são e como funcionam as formas de governo, o orador também


necessitará saber a finalidade de cada uma das formas de governar, pois a persuasão
será efetiva se as pessoas souberem a finalidade de cada uma delas que “o fim da
democracia é a liberdade, o da oligarquia a riqueza, o da aristocracia a educação e as
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leis, e o da tirania a defesa” (ARISTÓTELES, Ret., 1366a, 2012, p. 44). Logo,


sabendo tudo o que foi apresentado acima, o orador conseguirá convencer alguém a
escolher ou não a forma de governo que deve ser implantada na cidade.

1.1.2 Gênero Epidíctico

O gênero epidíctico é a forma na qual o orador persuade o seu público de


maneira que possa convencer algo que pode ser elogiado ou censurado. O elogio está
para a virtude, assim como a censura, está para o vicio, pois ninguém elogia algo que
lhe faz mal, pelo contrário, se for digno, censura tal atitude.
Observado quais são os fins deste gênero, perceber-se-á o objetivo deste, que
é mostrar o que é belo e censurar o lhe é contrário, mas existe outro ponto que pode
servir de exemplo para conseguir tratar dos assuntos epidícticos para convencer as
pessoas, que é o caráter de quem lhes fala, isto é, o orador. O exemplo embora seja
característica do gênero deliberativo, também é digno para conquistar a confiança da
pessoa para mostrar a busca das virtudes necessárias, logo se o orador segue aquilo
que ele próprio diz, a facilidade de persuadir as pessoas será totalmente eficaz.

Com efeito, sucederá que, ao mesmo tempo que falarmos destas questões,
estaremos também mostrando os meios pelos quais deveremos ser
considerados como pessoas de um certo caráter [...], é pelos mesmos meios
que poderemos inspirar confiança em nós próprios e nos outros do que
respeita à virtude. (ARISTÓTELES, Ret., 1366a, 2012, p. 45).

A necessidade de dar o exemplo é necessário, mas também o elogio pode dar


ainda mais confiança para enfatizar a busca da virtude, mas como posso querer
adquiri-la se não sei o que ela é em si e quais são as suas consequências uma vez
adquirida? A resposta está na afirmação de Aristóteles:

A virtude é, como aparece, o poder de produzir e conservar os bens, a


faculdade de prestar muitos e relevantes serviços de toda a sorte e em todos
os casos. Os elementos da virtude são a justiça, a coragem, a temperança, a
magnificência, a magnanimidade, a liberalidade, a mansidão, a prudência e a
sabedoria. As maiores virtudes são necessariamente as que são mais úteis
aos outros, visto que a virtude é a faculdade de fazer o bem. (ARISTÓTELES,
Ret., 1366a, 2012, p. 46).

A definição de virtude do estagirita por si só deixa explícita que a virtude é boa


porque é bela por si só, mas também tudo o dela pode proceder; “é evidente que tudo
20

o que produz a virtude é necessariamente belo (porque tende para a virtude), assim
como é belo o que procede da virtude [...]” (ARISTÓTELES, Ret., 1366b, 2012, p. 46).
Tudo que vem posteriormente à virtude é bom, visto que a virtude é algo bom.
E como foi afirmado pelo próprio Aristóteles, é natural de todos os homens irem em
busca da felicidade já que buscam ser felizes, é digno de que eles busquem o que é
belo, mas também a virtude, já que o inverso desta é o vicio, e este não traz a
felicidade, mas sim uma dependência para com aquilo que o deixa viciado. Deve-se
destacar que uma pessoa virtuosa tende a receber elogios, pois o elogio “é um
discurso que manifesta a grandeza de uma virtude” (ARISTÓTELES, Ret., 1367b,
2012, p. 50). O elogio é proferido a alguém quando este faz algo de bom, a virtude só
é alcançada através da prática, isto é, algo que fazemos frequentemente e que é boa
por si própria, sem dúvida a virtude será alcançada posteriormente depois da ação
praticada.
Por fim, o último ponto que Aristóteles desenvolve sobre o gênero epidíctico é
sobre a afirmação. A afirmação é o argumento que deve ser usado neste gênero, ela
é caracterizada por realçar as ideias das intenções que o orador quer apresentar aos
expectadores, pois se os assuntos são analisados por questões particulares, e se
estes assuntos forem autênticos, o orador conseguirá seus objetivos, aliás, deve-se
ressaltar que a amplificação está para o elogio, pois vai demonstrar as virtudes que
são necessárias para o homem, já que o objetivo deste gênero é censurar as coisas
que levem ao vicio e elogiar aquilo que é digno da virtude.

1.1.3 Gênero Judicial

No gênero judicial, a finalidade é analisar a injustiça e a causa desta. O orador


que utilizar a retórica judicial deve estar ciente de todas as definições de justiça e
injustiça, o que aconteceu com as pessoas que sofreram algum dano, se o dano foi
reparado ou não, e tantos temas pertinentes às leis que regem a cidade, sabendo
disso ficará mais fácil acusar ou defender alguém frente ao juiz.
A primeira análise que Aristóteles faz deste gênero é que a injustiça é
característica daqueles que sofrem um dano sem merece-lo, não existe justiça sem
algum motivo que acontecera anteriormente ao crime, logo necessitará analisar tanto
as características dos que causam a injustiça como aqueles que sofrem a ação injusta,
para que os responsáveis de cumprirem a justiça saibam quais motivos levaram
21

alguém a cometer algo ruim, isto é, a injustiça. Aristóteles comenta sobre os atos
voluntários e os motivos que levam a alguém a cometar algo injusto:

Ora, os atos voluntários nem sempre se fazem premeditadamente; mas todos


os atos premeditados se fazem com conhecimento, pois ninguém ignora o
que decide fazer. Os motivos pelos quais premeditadamente se causa dano
e procede mal em violação da lei são a maldade e a intemperança; pois se
algumas pessoas têm um ou mais vícios, naquilo em que são viciosas são
também injustas. (ARISTÓTELES, Ret., 1368b, 2012, p. 52).

Aristóteles quer dizer que a pessoa que comete algo injusto para com a outra
pessoa, faz o ato por decisão própria, portanto, o indivíduo deve possuir liberdade
para decidir qual ação deve seguir, pois se não tivesse a capacidade de escolher suas
ações, não poderia ser caracterizado como injusto algo que o mesmo provocou. Visto
que para cometer algo injusto, a pessoa que o comete deve possuir consciência da
finalidade que ela está impondo a alguém, pois ela sabe que outra pessoa vai sofrer
um dano, isto é, uma ação que muitas vezes não é esperada e que vai ser causa de
desordem.
A iniciativa é ponto de partida para aqueles que desejam prejudicar, pois deve-
se ter consciência se algo é posto já por natureza ou se o indivíduo o preparou por
iniciativas próprias, pois como já foi analisado, a injustiça só deve caracterizada como
tal se ela foi planejada e executada por liberdade do autor. Eis o que diz o filósofo
sobre os tipos de iniciativa:

Ora, todos fazem tudo, umas vezes não por iniciativa própria, outra vezes por
iniciativa própria. Das coisas não feitas por iniciativa própria, umas se fazem
ao acaso, outras por necessidade; e das que se fazem por necessidade,
umas são por coação, outras por natureza. De sorte que todas as coisas que
não se fazem por iniciativa própria são resultado do acaso, da natureza ou da
coação. Mas as que se fazem por iniciativa própria e de que os próprios
autores, umas se fazem por hábito, outras por desejo, umas vezes pelo
desejo racional, outras vezes pelo irracional. A vontade é um desejo racional
do bem, pois ninguém quer algo senão quando crê que é bom; mas a ira e a
concupiscência são desejos irracionais. De maneira que tudo quanto se faz,
necessariamente se faz por sete causas: acaso, natureza, coação, hábito,
razão, ira e concupiscência (ARISTÓTELES, Ret., 1368b, 2012, p. 53).

Em outras palavras o que Aristóteles quer nos mostrar é que as coisas que são
necessárias, não são interferidas pelas nossas escolhas, mas pelo acaso; e por outro
lado a iniciativa própria desenvolve a ideia da vontade, isto é, algo que é prazeroso
para o indivíduo.
22

Aqueles que agem por iniciativa própria tendem a tomar decisões por dois
motivos: as escolhas feitas pela racionalidade ou pelos sentidos do sujeito. Aristóteles
comenta: “de modo semelhante, os justos e os injustos, e todos quantos se diz que
agem de acordo com sua maneira de ser agirão por estes motivos: ou por razão ou
por paixão; uns, porém, por caracteres e paixões honestas, e outros, pelos seus
contrários” (ARISTÓTELES, Ret., 1369a, 2012, p. 54).
A injustiça é praticada por aqueles que se deixam levar pelas paixões,
entendendo paixão como emoção. A sensação é a razão que faz com que alguém
cometa atos injustos, ou seja, ela é o fundamento, pois como já foi observado ninguém
comete algo sem um motivo plausível, e sabendo que todos gostam do que é bom,
perceber-se-á que ninguém gosta de sofrer danos, já que o mal é doloroso e penoso.
Quanto àquele que decide agir com a razão, observar-se-á que em muitas ocasiões
ele gostaria de fazer uma coisa, mas por causa da consequência que poderá vir a
acontecer muda de postura para que possa permanecer com suas ações leais e
justas; por exemplo: alguém quer se vingar de outra pessoa porque esta roubou algum
objeto de sua casa, mas não comete a injustiça porque sabe que sofrerá um castigo
dependendo de como o possa cometer, como matar, a pessoa que quer se vingar
sabe que se realizar tal ação poderá até ser preso.
Apresentadas as diferenças que levam alguém a ter iniciativa própria (razão ou
paixão), apontar-se-á a matéria da oratória judicial, o prazer.

Ora, como o prazer consiste em sentir uma certa emoção, e a imaginação é


uma espécie de sensação enfraquecida, segue-se que o lembrar e o esperar
são acompanhados por uma certa imagem daquilo que se lembra e espera.
E, se isto é assim, é evidente que há prazer tanto para os que lembram como
para os que esperam, visto que também há sensação. De sorte que,
necessariamente, todos os prazeres ou são presentes na sensação, ou
passados na memória, ou futuros na esperança; pois sentimos o presente,
lembramos o passado e esperamos o futuro. (ARISTÓTELES, Ret., 1370a,
2012, p. 57).

O prazer está estritamente ligado com o hábito, este é próximo da natureza por
que acontece várias vezes de forma que a harmonia da repetição se torne agradável.
O que nos causa prazer pode ficar armazenado em nossa memória, fazendo com que
o sentimento do prazer possa ser relembrado de alguma forma a algo que aconteceu
no passado, porém fica em nosso consciente; mas também há sensação de
esperança, nele esperamos que o prazer possa vir a ocorrer no futuro, para que se
desfrute do mesmo.
23

Outro ponto que o Estagirita comenta sobre o gênero judicial é: quais são as
características dos que escolhem cometer atos injustos? A primeira coisa é descobrir
quais são os motivos que levam as pessoas a cometerem algo ruim.

As pessoas cometem injustiça quando pensam que a ação se pode cometer


e ser cometida por elas: ou porque entendem que o seu ato não será
descoberto ou, se o for, que ficará impune; ou então porque, se este for
punido, a punição será menor do que o lucro que esperam para si mesmos
ou para aqueles de quem cuidam. (ARISTÓTELES, Ret., 1372a, 2012, p. 62).

Percebe-se que existe uma prepotência da pessoa que age por maldade, pois
é natural que homens tendem a estar corretos o tempo todo e muitas vezes a honra é
um prazer a ser alcançado por estes. Porém o orador deste gênero deve saber as
pessoas que podem cometer algo injusto, pois não basta saber as causas, já que a
causa foi causada por alguém, que por sua vez teve a liberdade de cometer algo
injusto. As características que podem cometer algo contrário à justiça são:

Quem sobretudo pensa que pode cometer injustiça impunemente são os


dotados de eloquência, os homens de ação, os que têm grande experiência
de processos, se tiverem muitos amigos e forem ricos. É sobretudo quando
se encontram nas condições referidas que eles pensam poder cometer a
injustiça; ou então quando têm amigos, servos ou cúmplices que satisfazem
essas condições; pois, graças a esses meios, eles podem agir sem ser
descobertos nem punidos. (ARISTÓTELES, Ret., 1372a, 2012, p. 62).

Os que podem cometer a injustiça, não a praticam para nada, mas para outras
pessoas, para que estas possam ser atingidas com um golpe repentino sem chances
de reação para defender-se. Estes que cometem injustiça a cometem principalmente
contra aqueles que não são capazes de responderem suas acusações, pois são
menos conhecedores da situação, sendo assim mais fracos do que aqueles que os
atacam, os mais fracos são os que não estão à altura de transformar as objeções
levantadas dos que o atacam a seu favor. Mas os que são atacados somente são um
determinado grupo, pois Aristóteles define que a injustiça pode ser alvo de uma
pessoa em particular, mas também a comunidade. Sabendo que a comunidade e o
indivíduo são dois pontos que podem ser atacados por atos ruins, visto que suas
características podem desencadear ataques à sua dignidade, é necessário definir o
que é algo injusto, para saber quais são os critérios de justiça que devem aplicados a
cada caso. Eis a definição que o filósofo dá sobre o que é sofrer injustiça:
24

Sofrer injustiça é ser vítima de um tratamento injusto por parte de uma agente
voluntário; pois cometer injustiça definiu-se antes como um ato voluntario. E
porque quem sofre injustiça sofre necessariamente um dano, e um dano
contra a sua vontade [...] (ARISTÓTELES, Ret., 1373b, 2012, p. 68).

Perceber-se-á que a injustiça envolve prejudicar alguém, seja qual for o sentido
em que a situação está posta, percebe-se que algo deve ser feito para que as pessoas
injustiçadas sejam reparadas do dano que sofrerá, e o melhor medicamento contra o
mal da injustiça é a justiça, pois só esta pode reparar ou diminuir os danos que a
pessoa injustiçada pode receber.
A justiça deve ser totalmente imparcial para com as pessoas presentes em uma
situação de júri, pois a amizade entre quem defende ou acusa alguém pode
diretamente influenciar na solução que deve ser apresentada. A lei é umas das cinco
técnicas que serve de prova para defender alguém, porém não somente ela é possível
como prova, mais também os testemunhos, contratos, confissões sob tortura e por
último o juramento.
As leis devem ser claras, afim de que a justiça seja feita sem objeções de quem
acusa ou defende, sendo que as leis são de duas espécies: a primeira trata das
virtudes e a segunda trata das censuras. Se há essas duas categorias de leis que
tratam do que é possível e honrosa, há também as que censuram algo ruim, deve-se
levar em conta que não somente as leis escritas são capazes de resolver as situações
do quotidiano, então devem existir as leis que são definidas em comum acordo, isto
é, leis que são introduzidas na comunidade normalmente de forma oral, a fim de que,
a harmonia permaneça no ambiente comunitário, mas deve-se destacar que “ninguém
escolhe o bom em absoluto, mas o que é bom para si” (ARISTÓTELES, Ret., 1375b,
2012, p. 74), visto que ninguém quer ser prejudicado ou denominado como injusto.
Os testemunhos são divididos em dois grupos que são: testemunhas antigas,
que se referem aos antigos poetas e a todos aqueles homens ilustres cujos juízos são
bem conhecidos” (ARISTÓTELES, Ret., 1375b, 2012, p. 74); e o segundo grupo que
que Aristóteles denomina como testemunhas recentes. As testemunhas recentes são
“todas aquelas pessoas ilustres que emitiram algum juízo” (ARISTÓTELES, Ret.,
1376a, 2012, p. 75), juízo entendido como uma sentença que possui significado, isto
é, que está organizada de maneira lógica, além disso, as testemunhas recentes
servem para provar se algum acontecimento realmente aconteceu.
25

A terceira prova não técnica é o contrato, este é definido dessa maneira: “o


contrato é uma lei particular e parcial; e não são os contratos que conferem autoridade
às leis, mas são as leis que tornam legais os contratos” (ARISTÓTELES, Ret., 1376b,
2012, p. 77). O contrato nada mais é do que uma lei estabelecida por alguns indivíduos
sobre determinada coisa, porém o contrato não define o que é justo, e sim o que
afirmado ou anulado por entres as partes.
As confissões sob tortura nada mais são do que impor uma tortura sobre
alguém que talvez saiba a verdade de algum fato que ocorreu, e se o torturado dizer
a verdade o mais o rápido possível, o mesmo é liberto da tortura mais rapidamente.
E a última prova não técnica são os juramentos, estes são a capacidade de
afirmar algo que aconteceu seja de bom ou ruim, sendo que quem jura, quer dizer que
vivenciou ou viu os fatos de determinado acontecimento que está sendo julgado.
Por fim, a retórica abrange assuntos variados, visto que os gêneros da mesma
assumem possui características que encaixam perfeitamente com a vida dos
indivíduos, basta ao orador usar de formar correta o discurso e analisar em qual
gênero se encaixa para conseguir a persuasão.
26

2 MODOS DE DISCURSO DA RETÓRICA

Neste segundo capítulo abordar-se-á os modos de discurso na retórica e quais


são os efeitos dos mesmos sobre os interlocutores.
Depois de analisados os gêneros da retórica no primeiro capítulo, perceber-se-
á que esta arte é de grande valor para outras áreas do saber humano, mas também
para uso quotidiano, visto que as pessoas possuem contato com outras pessoas e a
relação entre os grupos é de que aqueles que recebem a mensagem acreditem no
discurso apresentado por oradores, isto é, que sejam persuadidas oras para a
verdade, dado que é esta a função do orador.
Embora a finalidade desta arte seja a veracidade dos assuntos que são
apresentados em debate, nem sempre os oradores tem em mente a verdade como
fim, pois estes podem estar com interesses que podem distorcer a veracidade,
causando danos a quem venha acreditar nesta manipulação. E para entender a
gravidade destes oradores mentirosos, é necessário saber a diferença entre
manipulação e persuasão, diz João Eudes:

Convém destacar, previamente, que não podemos confundir persuasão com


manipulação, pois embora estas se movam pelo mesmo objetivo que é o de
conquistar o interlocutor, fazendo-o aceitar uma determinada tese, estas se
diferenciam a partir da intencionalidade do orador. Cumpre-nos deixar claro
que a persuasão visa à verdade, e a manipulação visa enganar, ludibriar.
(EUDES, 2021, p. 5).

Analisando a diferença entre manipulação e persuasão é importante saber


quais são as características do orador e quais argumentos utiliza, a fim de convencer
seu auditório, porém convém enfatizar que o motivo empregado tanto pela
manipulação quanto pela persuasão é o mesmo; entretanto, as finalidades são
diferentes.
Destacada a diferença entre manipulação e persuasão, analisar-se-á como a
mentira pode desestruturar o argumento retórico e como o orador estabelece critérios
para conseguir persuadir o seu ouvinte.
Aristóteles define três coisas que são necessárias, a fim de que um discurso
possa ser considerado retórico, que são: “o orador, o assunto de que fala, e o ouvinte;
e o fim do discurso refere-se a este último, isto é, ao ouvinte” (ARISTÓTELES, Ret.,
1358a, 2012, p. 21), percebe-se que os três componentes do discurso retórico são
27

essenciais, já que, tirando um dos três, toda a lógica da retórica se desmorona, pois
não tenho como cumprir a finalidade, a verdade. Dentre os três elementos do sistema
retórico, o mais importante é o orador, pois depende da finalidade deste para que a
verdade possa ser conhecida ou simplesmente difamada como forma de mentira,
logo, este deve estar preparado para discursar, seja qual for o gênero da retórica.
Vista a importância do orador, é necessário analisar de perto como este tem
êxito ou não em suas preleções, para entender qual o efeito que o mesmo pode atribuir
a todos aqueles que o ouvem, isto é, os receptores. O estagirita estabelece três tipos
de discurso que o orador utiliza para defender seus assuntos de interesse, que são:
ethos, páthos e logos. Analisar-se-á cada um deles e quais são os efeitos que
produzem em seus ouvintes.

2.1 Ethos

O primeiro tipo de discurso que analisar-se-á é o ethos, este “é o caráter que


orador deve assumir para inspirar confiança no auditório, pois sejam quais forem seus
argumentos lógicos, eles nada obtêm sem essa confiança” (REBOUL, 2004, p.48). O
ethos então é um dos pilares mais dignos para que o orador consiga a atenção dos
ouvintes, e para que estes acreditem no discurso retórico, dado que ninguém acredita
em nenhuma pessoa que não passe confiança no que diz.

Persuade-se pelo caráter quando o discurso é proferido de tal maneira que


deixa a impressão de orador ser digno de fé. Pois acreditamos mais e bem
mais depressa em pessoas honestas, em todas as coisas em geral, mas
sobretudo nas de que que não há conhecimento exato e que deixam margem
para a dúvida. É, porém, necessário que esta confiança seja resultado do
discurso e não de uma opinião prévia sobre o caráter do orador; pois não se
deve considerar sem importância para a persuasão a probidade do que fala,
como aliás alguns autores desta arte propõem, mas quase se poderia dizer
que o caráter é o principal meio de persuasão. (ARISTÓTELES, Ret., 1356a,
2012, p. 13).

Percebe-se que Aristóteles enfatiza que a confiança no orador deve ser


adquirida através do discurso e não através das pré concepções que já temos do orador
ou até mesmo do assunto que será abordado pelo mesmo, porque se os interlocutores
acreditam em juízos já concebidos anteriormente, provavelmente distorcerá a
mensagem recebida e, consequentemente, o objetivo não será atingido, em função do
próprio erro de interpretação.
28

Recordemos dos sofistas como grandes mestres de despertar o ethos nos


discursos retóricos. Os sofistas ensinavam a arte de falar e de persuadir, embora
recebessem um pagamento pelo serviço que prestavam a todos aqueles que os
chamavam. Estes eram dignos de confiança, dado que “enquanto homens de ciência,
pelos menos na maioria, eram especialistas em quase tudo o que então constituía o
conhecimento, enquanto oradores e escritores” (REALE, 2013, p. 30), pois através de
seus argumentos, chegavam a conclusões que não seriam capazes de refutação,
caracterizando-os como grandes mestres do saber. Vale ressaltar que os alunos dos
sofistas não se interessavam como era a vida particular dos sofistas, ou seja, como era
sua vida moral, ética e educacional, mas sim, pelas suas colocações e seus
ensinamentos, já que o importante na pólis era ter uma educação bem erudita, afim de
ser um excelente líder político.
Justamente por isso os sofistas não ensinavam o que era a verdade, mas o que
aparentava ser, os mesmos são vistos com maus olhares na perspectiva histórica da
filosofia, mas estes possuem grande importância, já que estabelecem uma nova forma
de pensar, distanciando dos filósofos da physis e introduzindo na pólis assuntos ligados
diretamente do cotidiano dos indivíduos, e que para estes seriam mais interessantes
do que buscar a arché. Giovanni Reale comenta:

É verdade que os sofistas comprometeram em parte o aspecto teórico da


filosofia; mas, dado que a temática por eles tratada não dizia respeito à
physis, mas à vida dos homens e aos problemas ético-políticos concretos,
não é menos verdade que, contrariamente aos naturalistas, eles deviam ser
levados pela necessidade das coisas a finalizar praticamente as suas
reflexões. (REALE, 2013, p. 28).

Entendendo o papel histórico dos sofistas, entenderemos o motivo pelo qual


Aristóteles vai defender esta arte, não em vista do lucro que esta ciência lhe poderia
trazer, mas, sim, para questões práticas, como a felicidade dos cidadãos, a política, a
virtude e principalmente para a verdade. Jaeger afirma ainda melhor esta situação da
problemática envolvendo os sofistas:

O interesse cada vez maior da filosofia pelos problemas do Homem, cujo


objeto determina com exatidão cada vez maior, é mais uma prova da
necessidade histórica do advento dos sofistas. Todavia, a exigência que eles
vêm satisfazer não é de ordem teórica e científica, mas sim de ordem
estritamente prática. (JAEGER, 2003, p. 345).
29

Os sofistas são um grande exemplo para exemplificar o que é o ethos dentro


da história da filosofia clássica, visto que conseguiam passar confiança aos seus
ouvintes sobre sua doutrina, com a finalidade de fazer com que o seu aprendiz
ganhasse ou debatesse sobre algum assunto na ágora.

Contra a pretensão da nobreza, que sustentava ser a virtude uma


prerrogativa de nascimento e de sangue, os sofistas pretenderem fazer valer
o princípio segundo o qual todos podem adquirir a areté, e esta, mais que na
nobreza de sangue, funda-se sobre o saber. (REALE, 2013, p. 29).

Percebe-se que não existe um limite onde o sofista não possa estar, já que
pode convencer qualquer um (seja da elite ou não), desde que passe confiança em sua
doutrina, por isso devem ter sua importância também dentro da história da filosofia, mas
também como pais da retórica.
Aristóteles observa que o orador deve possuir algumas características
especificas para que possa ser digno de confiança, “três são as causas que tornam
persuasivos os oradores, e a sua importância é tal que por elas nos persuadimos, sem
necessidade de demonstrações; são elas a prudência, a virtude e a benevolência”
(ARISTÓTELES, Ret., 1378a, 2012, p. 84). Se o orador possuir estas três
características é provável que conseguirá os seus objetivos diante do seu auditório,
porém, se este faltarem-lhe alguma destas propriedades, o seu objetivo, com certeza,
não será alcançado, já que o seu discurso será vazio e sem conexões. Giovanni Reale
comenta o porquê estas características são importantes:

De fato, os oradores podem errar ao falar sobre algo e ao aconselhá-lo, ou


por falta de sabedoria, ou porque, mesmo sabendo que seria oportuno
aconselhar, não o aconselham por desonestidade, ou, enfim, porque, mesmo
sabendo o que deveria ser aconselhado e mesmo sendo honestos, não têm
benevolência por aqueles com quem falam. (REALE, 2013, p. 167).

Percebe-se que as três qualidades que Aristóteles apresenta são essenciais,


visto que, como bem observou Giovanni Reale, uma característica sempre depende da
outra, seja no sentido bom ou mau, e isso deve ser considerado para aquele que deve
discursar sobre algo, tendo em vista que este comunica não somente por comunicar,
mas comunica para que seu ouvinte ouça e acredite em sua mensagem. Outro aspecto
que Aristóteles comenta sobre o ethos é que não é somente pelo discurso que o orador
passa confiança ao seu auditório, como bem observa o estagirita:
30

Por conseguinte, como todos aceitamos favoravelmente discursos que são


conformes ao caráter de cada um e dos que nos são semelhantes, não é
difícil descortinar como é que as pessoas podem se servir destes discursos
para tanto nós como as nossas palavras assumirem tal aparência.
(ARISTÓTELES, Ret., 1390a, 2012, p. 126).

Observar-se-á quantos e quais são os tipos de caráter.

2.1.1 Ethos dos jovens

O primeiro caráter que o filósofo comenta é sobre o ethos dos jovens, estes
possuem muitas características, dado que são bem agitados e tendem a seguir seus
impulsos, são também irritadiços, gostam de chamar atenção, possuem desejos que
relacionam com o futuro, porque ainda são jovens e possuem uma expectativa de vida
longa (ARISTÓTELES, Ret., 1389a, 2012).
Logo, desencadeia-se uma série de fatores que fazem o jovem seguir os seus
impulsos, visando sempre algo que está para vir, porém este algo que está para vir,
deve já começar a realizar no presente, por isso, “tudo fazem em excesso [...]”
(ARISTÓTELES, Ret., 1389b, 2012, p. 123), e quem faz tudo em excesso também
tende a ter mais coragem e confiança em suas ações, já que, são impetuosos.
Conclui-se que os jovens possuem um caráter que visam o futuro e possuem
uma personalidade difícil, por isso são iludidos facilmente e seguem seus impulsos
intensivamente, abandonando assim o uso racional para tomar atitudes.

2.1.2 Ethos dos idosos

O segundo caráter que Aristóteles apresenta em sua obra retórica é sobre os


idosos, aqueles que já estão no final da vida. E por este caráter poder-se-á entender
de maneira clara que os idosos:

Vivem de recordações mais do que de esperanças, pois o que lhes resta da


vida é curto em comparação com o passado; ora, a esperança reside no
futuro e a recordação assenta no passado. Esta é também umas das razões
pelas quais são tão faladores, já que passam a vida a falar de coisas
passadas e sentem prazer em recordar. (ARISTÓTELES, Ret., 1390a, 2012,
p.125).
31

Visto que os idosos possuem pouco tempo de vida, observar-se-á que eles
tendem a ter uma vida mais modesta e ter saudades de tudo o que já possuíram no
passado, por isso escolhem ser mais calculistas do que buscar a virtude, pois esta
depende do caráter e aquela do que venha a ser mais conveniente em cada situação
(ARISTÓTELES, Ret., 1390a, 2012, p. 125).
Portanto, a vida dos idosos é mais reflexiva do que os jovens, pois cada ação
daqueles pode desencadear ainda mais pessimismo, já que tende a olhar a vida como
algo ruim, pois foram enganados muitas vezes e aquilo que mais desejam não podem
alcançar.

2.1.3 Ethos dos que estão no auge da vida

Este terceiro caráter representa o que estão no auge da vida, isto é, os adultos.
Aristóteles define que este caráter é o intermediário entre os dois anteriores (ethos
dos jovens e dos idosos), pois o adulto possui aquilo que é de qualidade tanto do
jovem como também dos idosos, mantendo-se assim a justa medida.

Falando em geral, tudo o que de útil está repartido entre a juventude e a


velhice encontra-se reunido no auge da vida; tudo quanto naquela há de
excesso ou de carência, está o possui na justa medida. Quanto ao resto, o
corpo atinge o seu auge dos 30 aos 35 anos, e a alma por volta dos 49
(ARISTÓTELES, Ret., 1390b, 2012, p. 126).

2.1.4 Ethos das pessoas nobres

O quarto caráter que é apresentado é sobre os nobres. E o caráter “próprio da


nobreza é tornar mais ambicioso aqueles que a possui” (ARISTÓTELES, Ret., 1390b,
2012, p. 127). Esse caráter vem da descendência familiar do indivíduo, e este tende
a desprezar aos outros, pois existe um certo olhar de arrogância e a consequência
desta ação de desprezo é alimentar as suas próprias qualidades que acreditam ter, o
que, no entanto, é algo contrário a Aristóteles, pois este nos diz que: “por caráter
entendo aquele que não perde as suas qualidades naturais” (ARISTÓTELES, Ret.,
1390b, 2012, p. 127).
Dado que aquele que possui caráter não perde suas qualidades, o nobre tende
a não possuir a virtude, ou seja, a sua tendência é fechar-se em suas opiniões
32

individualistas e arrogantes, fazendo com que estas atitudes degenerem tanto a si


como a seus familiares.

2.1.5 Ethos dos ricos

O ethos dos ricos é o quinto que o filósofo de Estagira nos apresenta. As


características do ethos dos ricos é que “são soberbos e orgulhosos, porque de certa
maneira estão afetados pela posse das riquezas [...]” (ARISTÓTELES, Ret., 1390b
2012, p. 128).
A visão que Aristóteles tem sobre as características dos ricos é que não são
bons, observando que os mesmos são soberbos e tendem a achar que devem ser o
centro das atenções devido ao seu poder aquisitivo, o que os leva a cometer injustiça,
não porque querem, mas por causa da soberba.
Portanto, os ricos, estão preocupados somente com sua reputação, já que se
julgam superiores em relação aos outros.

2.1.6 Ethos dos poderosos

A sexta e última característica que nos é apresentada é sobre os poderosos;


estes possuem atributos semelhantes ao dos ricos, porém possuem algumas
divergências.

O poder tem, em parte, as mesmas características da riqueza, sendo algumas


até melhores. Os poderosos são, por temperamento, mais ambiciosos e mais
viris que os ricos, porque ambicionam realizar atos que podem cumprir,
graças ao poder de que dispõem. (ARISTÓTELES, Ret., 1391a, 2012, p.
129).

Os poderosos são mais relevantes do que os ricos, dado que, estes não ligam
para o próximo, já aqueles, sim. O poderoso tende a ser uma pessoa mais justa e
virtuosa, devido ao seu próprio respeito que carrega consigo, e se vier por acaso a
cometer injustiça, deve ser punido de maneira rigorosa, pois tem a responsabilidade
de passar exemplo em suas atitudes no dia-a-dia.
Verificados os seis tipos de ethos que Aristóteles expõe em seu tratado
Retórica, observar-se-á que as mesmas características que orador pode apresentar
ao seu ouvinte, o mesmo pode encontrar em seus interlocutores, e isso é de grande
33

valia, pois se o orador sabe a sua própria característica e também do seu auditório,
ficará mais fácil conquistar a confiança e, consequentemente, a persuasão. O ethos
pode ser entendido através da afirmação de Miriam Mendonça:

Acreditamos que tudo depende da habilidade do orador, do seu raciocínio


lógico e do conhecimento que ele tem do auditório: do seu sistema de valores,
crenças, representações sociais... para que introduza aquilo que é de
interesse das pessoas, aquilo que cativa sua atenção, para, então,
administrá-la, impondo, no caso da mentira, uma determinada emoção ou
crença em resposta à verdade suposta que o orador afirma, o que terá
consequências na construção de seu ethos estratégico. É na interação
ininterrupta do orador com seu auditório que este será conquistado, dando
àquele o controle racional das opiniões. (MIRIAM, 2012, p. 66).

Portanto, o ethos, é um dos pilares para a arte retórica, pois sem ele, o orador
não ganhará credibilidade de seus ouvintes, como também não seria possível a
existência do discurso retórico.

2.2 Páthos

O páthos é o segundo tipo de argumento que o filósofo de Estagira nos


apresenta. Este discurso é “o conjunto de emoções, paixões e sentimentos que o
orador deve suscitar no auditório com seu discurso” (REBOUL, 2004, p. 48), ou seja,
aqui o importante não é o orador apresentar-se como alguém que tenha credibilidade
sobre que discursa, mas, sim, conquistar o seu ouvinte através do que se expressa
no interior deste.
Para aprofundar sobre o páthos, observar-se-á a definição de Aristóteles sobre
o que é emoção, para depois analisarmos cada tipo posteriormente, “As emoções são
as causas que fazem alterar os seres humanos e introduzem mudanças nos seus
juízos, na medida em que elas comportam dor e prazer: tais são a ira, a compaixão, o
medo e outros semelhantes, assim como suas contrárias” (ARISTÓTELES, Ret.,
1378a, 2012, p. 85).
Através da definição do filósofo, fica mais claro que as emoções podem mudar
os juízos dos ouvintes; logo, estes podem ser persuadidos pelo orador, visto que
acreditarão no discurso se ele trouxer vantagens para si, a fim de evitar dor, sofrimento
ou qualquer mal que o possa acontecer.
Percebe-se que no páthos, o orador deverá entender quais são os sentimentos
que os ouvintes estão expressando através do discurso que apresenta a eles, e, dado
34

que existem diferentes tipos de auditório, é logico que os sentimentos expressados


serão diferentes dependendo do auditório. Por isso, Aristóteles adverte:

Os fatos não se apresentam sob o mesmo prisma a quem ama e a quem


odeia, nem são iguais para o homem que está indignado ou para o calmo,
mas, ou são completamente diferentes ou diferem segundo critérios de
grandeza. Por um lado, quem ama acha que o juízo que deve formular sobre
quem é julgado é de não culpabilidade ou de pouca culpabilidade; por outro,
quem odeia acha o contrário. Quem deseja e espera alguma coisa, se o que
estiver para acontecer for à medida dos seus desejos, não só lhe há de
parecer que tal coisa acontecerá, como até será uma coisa boa; mas para o
insensível e para o mal-humorado passa-se exatamente o contrário.
(ARISTÓTELES, Ret., 1378a, 2012, p. 84).

O páthos pode ser um grande aliado para o orador, mas também pode
despertar nos ouvintes coisas não tão boas, como a ira, indignação ou até mesmo
inveja; estes sentimentos observaremos mais adiante de acordo com o filósofo.
Pelo fato do páthos mexer com os sentimentos das pessoas, alguns filósofos
veem a retórica como algo negativo e, Platão, é um desses pensadores, em seu diálogo
Górgias defende que a retórica é uma bajulação, pois além de ensinar coisas
aparentes, cria crenças nos ouvintes.

Polo: A que atividade te referes?


Sócrates: Que não seja rude demais falar a verdade! Pois hesito em dizê-la
por causa de Górgias, com medo de que julgue que eu comedie a sua própria
atividade. Se essa, porém, é a retórica praticada por Górgias, eu não sei -
aliás, da discussão precedente nada se esclareceu sobre o que ele pensa -
mas eu chamo retórica parte de certa coisa que em nada é bela.
Polo: De que coisa, Sócrates? Fala! Não te envergonhes por minha causa!
Sócrates: Pois bem, Górgias, ela me parece ser uma atividade que não é
arte, apropriada a uma alma dada a conjecturas, corajosa e naturalmente
prodigiosa para se relacionar com os homens; o seu cerne, eu denomino
lisonja. Dessa atividade, presumo que haja inúmeras partes, e uma delas é a
culinária, que parece ser arte, mas, conforme o meu argumento, não é arte,
mas experiência e rotina. Conto também como partes suas a retórica, a
indumentária e a sofística, quatro partes relativas a quatro coisas. Se Polo
quer saber, que o saiba então! Pois não sabe ainda qual é a parte da lisonja
a qual afirmo ser a retórica e, não percebendo que eu ainda não havia lhe
respondido, torna a me perguntar se não a considero bela. Porém eu não lhe
respondo se considero a retórica bela ou vergonhosa antes de lhe responder
primeiro o que ela é. Pois não é justo, Polo; mas se queres mesmo saber,
pergunta-me que parte da lisonja afirmo ser a retórica! (GÓRGIAS, 2011,
463b, p. 227).

A opinião de Platão sobre a retórica no Górgias é relevante, pois se realmente


nossas paixões afetam nosso juízo sobre algum assunto, e, se este, é importante para
a vida prática do indivíduo, o páthos é digno de censura, dado que, torna o ouvinte
35

“irracional”, isto é, o mesmo não escolhe suas ações de maneira lógica, mas através
dos sentimentos que sente quando ouve o discurso pelo qual está sendo persuadido,
logo, para Platão “não há uma técnica da persuasão, porque a capacidade de persuadir
cabe só a ciência”, (FRANCO, 2003, p. 127), dado “que o nexo entre retórica e filosofia
não só corresponde ao objetivo de substituir a persuasão aparente pelo ensinamento
fundado na ciência, mas comporta também um enfraquecimento da ciência filosófica”
(FRANCO, 2003, p. 128); Aristóteles não vai concordar totalmente com o seu mestre,
já que a retórica tem a sua área que usa a razão como grande instrumento para garantir
a persuasão no discurso, como também a ciência.
Observado o que é o páthos e quais são as consequências que traz ao
interlocutor, demonstrar-se-á os tipos de sentimentos que Aristóteles apresenta no livro
II de sua obra.

2.2.1 Ira

O primeiro sentimento que o filósofo observa sobre o páthos é sobre a ira, esta
pode ser definida como “um desejo acompanhado de dor que nos incita a exercer
vingança explícita devido a algum desprezo manifestado contra nós, ou contra
pessoas da nossa convivência, sem haver razão para isso” (ARISTÓTELES, Ret.,
1378a, 2012, p. 84).
A ira incita na pessoa um desejo de vingança, pois a pessoa que possui este
sentimento, só o possui por causa que sofreu algum dano de outrem, é por isso que
o indivíduo deseja se desforrar do dano que foi cometido contra ele. Além do mais,
Aristóteles evidencia que a Ira traz também o desdém, que é uma opinião subjetiva e
que não parece digna de confiança. Segundo o filósofo:

Há três espécies de desdém: o desprezo, o vexame e o ultraje.


Quem desdenha despreza (pois se despreza tudo o que se julga não ter valor;
precisamente, o que não tem valor é o que inspira desprezo), da mesma
forma que, quando se rebaixa alguém, se mostra claramente desprezo por
ele.
O vexame é um obstáculo aos atos de vontade, não para daí se tirar proveito
próprio, mas para impedir que não aproveite a outro. E, como aquele que
comete vexames não tira daí proveito pessoal, despreza-o, pois, como se
torna evidente, nem sequer supõe que a pessoa vexada o possa prejudicar
(é que, nesse caso, sentiria temor e não desdém), nem possa vir a obter dela
alguma coisa que valha a pena (pois, nesse caso, pensaria em ser amigo
dela).
36

Da mesma forma, quem ultraja despreza. Consiste o ultraje em fazer e em


dizer coisas que possam fazer sentir vergonha a quem as sofre, não porque
haja outro interesse além do fato em si, mas por mero prazer [...]
(ARISTÓTELES, Ret., 1378b, 2012, p. 86).

A pessoa que possui o sentimento da ira se enfurece contra alguém, como já


foi observado acima, porém, poderemos perguntar, por quais motivos? A resposta
varia de acordo com as circunstâncias de cada caso. Alguns dos motivos pelos quais
as pessoas se encolerizam são porque estão tristes e não recebem aquilo que
desejavam ou porque alguém perturbou o seu estado de espírito ou quando recebem
censura dos amigos, pois esperariam receber elogios e, não, o contrário, ou
simplesmente porque incomodam-se quando falam mal de sua pessoa, ou ainda se
entristecem devido à ajuda que uma pessoa fez a outra em vez dela.
Logo, se o orador conseguir fazer com que o seu auditório sinta ira, não contra
ele, mas contra as pessoas de quem o próprio auditório não gosta, o orador
conseguirá persuadir os mesmos.

2.2.2 Calma

O segundo sentimento do páthos é a calma: esta “pode ser definida como um


apaziguamento e uma pacificação da cólera” (ARISTÓTELES, Ret., 1380a, 2012, p.
90), portanto, a calma é o oposto da ira.
Os que estão calmos, estão neste estado porque não se encolerizam contra os
que se desfazem dos outros, isto é, não se deixam levar pela ira. As decisões que
levam uma pessoa a estar calma são variáveis, alguns dos motivos são não se
perturbar com os que sofrem algo dano, desde que estes façam algo para merecer o
sofrimento que está sendo imposto. Outro ponto que poder-se-á observar aqueles que
estão calmos, é que estes podem estar calmos porque veem os seus inferiores
admitirem que o são inferiores em relação aos que estão calmos, aqueles que estão
calmos podem estar nesse estado quando observam uma determinada pessoa que
possui autoridade e este passa respeito para com aquele que o observa, e, por fim,
mostram-se calmas as pessoas que não deixam serem dominadas pelo tempo, isto é,
tem um autocontrole sobre suas atitudes e ao próprio tempo.
37

2.2.3 Amizade e inimizade

A amizade e a inimizade são o terceiro aspecto que Aristóteles propõe em sua


obra Retórica. Para entender estas características é necessário frisar que a amizade
e a inimizade são duas coisas opostas uma à outra, logo, quem possui amizade com
uma pessoa não pode ser amiga e inimiga ao mesmo tempo, devido à contradição
entre o conceito destas emoções. Aristóteles comenta sobre a amizade:

Admitamos que amar é querer para alguém aquilo que pensamos ser uma
coisa boa, por causa desse alguém e não por causa de nós. Pôr isto em
prática implica uma determinada capacidade da nossa parte. É amigo aquele
que ama e é reciprocamente amado. Consideram-se amigos os que pensam
estar mutuamente nestas condições. (ARISTÓTELES, Ret., 1380b, 2012, p.
95).

Na citação acima, o filósofo dá a definição do que é amar e também do que é


amigo, isso ajuda a entender do que é amizade é feita, que são justamente essas
duas características que Aristóteles define acima. A amizade só acontece se ambas
as pessoas mantiverem uma relação de amizade, isto é, um vínculo, dado que, quem
não possui uma ligação com alguém, não pode amar, pois como bem observou o
filósofo de Estagira, amar é querer algo de bom para algo ou alguém e, neste caso,
observar-se-á que não é possível amar algo que não seja possível de manter uma
ligação, em outras palavra, amizade.
Dadas as considerações sobre o que é a amizade, é necessário entender quais
são as características daqueles que possuem amigos e, consequentemente, uma
amizade com os mesmos. As descrições de quem possui a amizade por algo ou
alguém são muitas, mas algumas são: a capacidade de confiar no amigo, dar algo de
bom sem temer receber algo de ruim, amam receber apoio, seja material ou não,
admiração sobre o caráter de bem que o amigo possui, entre outras.
Já a inimizade é totalmente oposta à amizade; logo, a pessoa que possui
inimizade com alguém, é porque existe um atrito, que em vez de aproximar, é ocasião
de afastamento. Aristóteles define que existem causas que fazem a inimizade se
instalar em uma pessoa, a primeira causa é a cólera; a segunda, o vexame, e a última
causa, a calúnia. As três causas da inimizade são importantes para entender as
emoções que deixam os indivíduos irados, pois como já foi analisado, as emoções
38

podem interferir nos juízos das pessoas e, consequentemente, também nas escolhas
cotidianas.
Portanto, é observável que a amizade e a inimizade podem ser um dos motivos
para persuadir uma pessoa, ainda mais se o orador for amigo dos que o ouvem,
fazendo com que seu auditório acolha o seu discurso mais facilmente e sem duvidar
das razões que são apresentadas a ele.

2.2.4 Temor e confiança

A emoção que analisar-se-á neste tópico é o temor e a confiança, elas são


opostas uma à outra, pois quem teme algo é porque teme algo de ruim que possa a
acometer ou algo próximo a ela; por sua vez, a confiança, consiste em uma esperança
de não ser acometido por algo ruim.
Para entender o que é temor é necessário entender o que é medo, e este
“consiste numa situação aflitiva ou numa perturbação causada pela representação de
um mal iminente, ruinoso ou penoso” (ARISTÓTELES, Ret., 1382a, 2012, p. 99).
Através da definição do discípulo de Platão, analisar-se-á que quem possui temor,
terá como consequência medo, pois quem está temorizado fica aflito com algo, este
algo pode ser alguma pessoa que pode causar algum mal, seja cometendo alguma
injustiça ou mandando alguém fazê-lo, como também, a todo que exerce maior poder
do que a pessoa que está com temor.
A confiança pelo contrário do temor é não ter medo de ser atingido por alguma
coisa má, ou seja, é possuir uma esperança em possuir o bem. As características de
quem possuem confiança podem ser de não ter medo de sofrer injurias, ou possuem
confiança em ter sofrido muito durante a sua vida e, por isso, não podem ser atingidos
pelos mesmos ou simplesmente porque não cometeram algo de ruim, e se não o
cometeram, não pode sofrer castigo, já que este está reservado para quem comete
algo injusto.
Contudo se observar, tanto o temor como a confiança, o orador deve saber das
características apresentadas acima das mesmas, para que possa atingir o seu
objetivo, isto é, a persuasão, porém é mais que crucial que o próprio orador possua a
confiança em si mesmo, pois se não tivesse a confiança como poderia então persuadir
seu público?
39

2.2.5 Vergonha e desvergonha

A vergonha e a desvergonha também podem ser caracterizadas como


sentimentos e, consequentemente, fazem parte do páthos. Aristóteles define estes
sentimentos:

Vamos admitir que a vergonha pode ser definida como um certo pesar ou
perturbação de espírito relativamente a vícios, presentes, passados ou
futuros, suscetíveis de comportar uma perda de reputação. A desvergonha
consiste num certo desprezo ou insensibilidade perante estes vícios.
(ARISTÓTELES, Ret., 1383a, 2012, p. 104).

A partir da definição do pensador, poder-se-á analisar que as características


dos que possuem vergonha estão extremamente ligadas à sua pessoa, pois quem
possui vergonha, possui por causa de algo que pode vir a arruinar o seu prestígio
pessoal, mas também socialmente.
Como a vergonha é causa de desânimo para o envergonhado, é lógico que
este não fica nada satisfeito com a situação que o deixa neste sentimento, dado que,
a vergonha causa incômodo, a consequência, isto é, a resposta da pessoa que fica
envergonhada, pode ser positiva, já que ele pode superar o mal pelo qual foi cercado
nesse estado ou simplesmente pode ficar irado, o que é algo ruim, pois quem se ira
pode cometer injustiças ou malefícios ao seu próximo, aumentando o seu
egocentrismo e ficando mais longe da virtude.
Sobre a desvergonha, Aristóteles não diz muito sobre esta, mas somente que
“teremos de procurar argumentos a partir de seus contrários” (ARISTÓTELES, Ret.,
1385a, 2012, p. 109), ou seja, tudo o que causa desvergonha é oposto a que causa
vergonha.

2.2.6 Amabilidade

A amabilidade ou favor, “pode ser definido como um serviço, em relação ao


qual aquele que o faz diz que faz um favor a alguém que tem necessidade, não em
troca de alguma coisa, nem em proveito pessoal, mas só no interesse do beneficiado”
(ARISTÓTELES, Ret., 1385a, 2012, p. 110). A amabilidade só acontece depois de
uma ação que beneficia outra pessoa que passa por necessidade, mas no caso em
que esta não pediu ajuda daquela, ou seja, ajuda a pessoa em dificuldade a suprimir
40

ou diminuir seus sofrimentos e necessidades, sem recompensas para si próprio, mas


somente a quem as recebe.
A amabilidade, portanto, é algo de significativo, pois o beneficiado atende seus
desejos, mas que depende de outrem, isto é, depende da intenção de quem faz o
favor, pois se este estiver com intenções que desviem da boa intenção, a amabilidade
deixa ser praticada.

2.2.7 Piedade

A piedade é uma das tantas emoções que pertence ao páthos nos modos de
discurso, esta emoção é definida por Aristóteles como:

Vamos admitir que a piedade consista numa certa perna causada pela
aparição de um mal destruidor e aflitivo, afetando quem não merece ser
afetado, podendo também fazer sofrer a nós, ou a algum dos nossos,
principalmente quando esse mal nos ameaça de perto. (ARISTÓTELES, Ret.,
1385b, 2012, p. 111).

A piedade só pode ser sentida por aqueles que possuem sentimentos para com
o próximo, seja familiar ou não, dado que, a piedade que uma pessoa sente é devida
ao fato que de que a mesma entende que pode sofrer a mesma injustiça que outra
pessoa sofreu, ou até pior; por isso, Aristóteles adverte novamente, “em geral, há que
admitir aqui que as coisas que receamos para nós são as mesmas que geram piedade
quando acontecem aos outros” (ARISTÓTELES, Ret., 1386a, 2012, p. 133). Com a
afirmação anterior, o pensador de Estagira deixa ainda mais claro que sentir piedade
exige compaixão dos que tem este sentimento de piedade.
Os que já sofreram muito tendem a ter piedade, e os que estão felizes tendem
a não ter piedade, pois no caso dos primeiros a sua vida é enxergada com
pessimismos e sem esperança de mudança de vida, já para o segundo, acham que
jamais chegará qualquer mal que possa destruir seus momentos felizes, deixando-o
ainda mais orgulhosos.
Portanto, a piedade, é um sentimento que afeta somente aqueles que
conseguem enxergar o outro como exemplo de vida, pois o que o outro sofre, um dia
também a pessoa que observa também poderá passar, e se isto se concretiza a
pessoa sofrerá males que jamais queria possuir.
41

2.2.8 Indignação

“À pena que sente por males imerecidos contrapõe-se de algum modo, embora
provenha do mesmo caráter, a pena experimentada por êxitos imerecidos”
(ARISTÓTELES, Ret., 1386b, 2012, p. 114), esta é a definição que o autor do livro
Retórica estabelece para mais um tipo de emoção do páthos, a indignação.
Esta emoção é causada quando o indivíduo observa que outros indivíduos
estão “se dando bem” em algo que não deveriam, o que nos faz recordar um pouco
da inveja, mas Aristóteles estabelece que a principal diferenciação entre essas
emoções são, de que a inveja é causada quando percebemos o êxito de alguém
independentemente se esse alguém merece ou não, já a indignação, como foi
analisado na definição aristotélica da mesma, está preocupada se alguém recebe algo
indevido, isto é, se recebe algo injusto, no sentido de que um indivíduo faz uma ação,
no qual deveria ser penalizado, mas que no fim ganhou honrarias.

2.2.9 Inveja

A inveja também é uma emoção, na qual o orador pode proporcionar em seus


ouvintes. Aristóteles diz que “a inveja consiste numa certa pena sentida contra os
nossos semelhantes devido ao êxito visível alcançado nos bens...” (ARISTÓTELES,
Ret., 1387b, 2012, p. 117). A inveja, como já foi mencionada no tópico sobre
indignação, trata exclusivamente dos sentimentos nos quais a pessoa não gosta dos
acontecimentos benéficos de determinadas pessoas.
As pessoas que possuem este sentimento possuem sobre “aqueles que são ou
parecem ser nossos pares, entendendo por pares aqueles que são semelhantes a nós
em estirpe, parentesco, idade, disposição, reputação e posses” (ARSTÓTELES, Ret.,
1387b, 2012, p. 118), ou seja, os invejosos são assim porque ficam incomodados com
aqueles que “se dão bem”.
Portanto, está emoção, é mais do que essencial para entender o que se passa
nos interlocutores, se estes possuem esta emoção; fica ainda mais fácil conseguir a
persuasão dos mesmos, dado que, invejam sobre os que estão próximos a ele.
42

2.2.10 Emulação

A emulação é o último sentimento que o estagirita descreve em seu tratado


sobre a Retórica. Este sentimento:

consiste num certo mal-estar ocasionado pela presença manifesta de bens


honoríficos e que se podem obter em disputa com quem é nosso igual por
natureza, não porque tais bens pertencem a outrem, mas porque também não
nos pertencem (razão pela qual a emulação é uma coisa boa e própria de
pessoas de bem, ao passo que a inveja é desprezível e própria de gente vil;
assim, enquanto uns, através da emulação, se preparam para conseguir
esses bens, outros, pelo contrário, através da inveja, impedem que o vizinho
os consiga), é forçoso admitir, então, que êmulos são aqueles que se julgam
digno de bens que não têm mas que lhes seria possível vir a obter, uma vez
que ninguém ambiciona aquilo que lhe é manifestamente impossível.
(ARISTÓTELES, Ret., 1388a, 2012, p. 120).

Percebe-se então que a emulação só virar sobre a pessoa, se esta está sendo
conduzida pelos sentimentos, achando que é digna de receber tais bens, mas que
também outras pessoas da mesma natureza podem adquirir, por isso, causa um mal-
estar, como diz o estagirita na citação acima.
Percorridas as emoções que condizem ao páthos, perceber-se-á que este
modo de discurso pode ser instrumento também para os outros modos de discurso, o
ethos e o logos, dado que, é através de alguém ou de algo que as emoções surgem
e são instaladas nos indivíduos, e visto que as emoções são grandes aliadas para os
oradores nos discursos retóricos, os mesmos devem possuir atenção sobre o páthos,
já que é um modo de persuasão.

2.3 Logos

O terceiro e último modo de discurso que o estagirita comenta na Retórica é o


logos, que é caracterizado pelo uso da razão.
Tendo discorrido sobre o ethos, que condiz o modo como o orador demonstrar-
se-á credível para persuadir, sobre o páthos, que condiz com as emoções que os
interlocutores sentem, resta apresentar o logos. Este modo de discurso depende do
orador, para que o mesmo consiga persuadir o seu auditório, o mesmo deve
demonstrar logicamente o porquê de cada assunto apresentando, ou seja, por quais
razões está discorrendo sobre o assunto no qual está falando.
43

Logos, ao longo da história da filosofia, tem definições variáveis, mas dentro da


retórica, logos quer dizer palavra ou razão, por isso, é necessário observar o motivo
pelo qual a retórica se tornou importante na filosofia. Um exemplo é a vida política da
Grécia antiga, na qual a retórica é um marco importante na passagem da aristocracia
para a democracia ateniense, Jean-Pierre Vernant, em seu livro As origens do
pensamento grego, comenta sobre essa mudança política:

Todas as questões de interesse geral que o Soberano tinha por função


regularizar e que definem o campo da arché são agora submetidas a arte
oratória e deverão resolver-se na conclusão de um debate; é preciso, pois,
que possam ser formuladas em discursos, amoldadas às demonstrações
antitéticas e às argumentações opostas. Entre a política e o logos, há assim
relação estreita, vínculo recíproco. A arte política é essencialmente exercício
da linguagem; e o logos, na origem, toma consciência de si mesmo, de suas
regras, de sua eficácia, por intermédio de sua função política. Historicamente,
são a retórica e a sofística que, pela análise que empreendem das formas do
discurso como instrumento de vitória nas lutas da assembleia e do tribunal,
abrem caminho às pesquisas de Aristóteles ao definir, ao lado de uma técnica
da persuasão, regras da demonstração e ao pôr uma lógica do verdadeiro,
própria do saber teórico, em face da lógica do verossímil ou do provável, que
preside aos debates arriscadas na prática. (VERNANT, 2018, p. 55).

A partir da análise da importância da oralidade representada pela retórica,


perceber-se-á que a lógica e a dialética têm papéis fundamentais para que a razão
seja iluminada para o fim que a retórica exige, ou seja, o meio de persuasão mais
apropriado para cada gênero e discurso no qual discorre-se.
A lógica vai ser indispensável para que a contradição não veia atrapalhar os
planos do orador, visto que “uma vez demonstrada uma proposição, em lógica, a
argumentação forte (dedutiva) se torna necessária e as demais provas são
consideradas supérfluas” (ROHDEN, 2010, p. 142), isto é, o raciocínio que os
oradores formulam nos discursos devem possuir uma organização, mas esta
organização não deve ser feita de qualquer forma, visto que, quando são organizadas
obedecendo uma ordem lógica, as premissas são mais difíceis de serem refutadas, e,
consequentemente, o discurso do orador terá grandes chances de persuadir os seus
interlocutores.
Ademais, o que envolve a lógica, dialética e razão analisar-se-á mais
criteriosamente no próximo capítulo, onde demonstrar-se-á como são feitos os
silogismos, premissas e os entimemas.
Portanto, os três modos do discurso da retórica apresentados por Aristóteles
são excepcionais para que o orador consiga persuadir os interlocutores, seja qual for
44

o gênero da arte retórica, e sabendo disso, podemos perceber que “a racionalidade


retórica pode salvaguardar a dimensão humana valorizando o mundo da vida onde se
apresenta a intencionalidade, as paixões e a liberdade humana (ROHDEN, 2010, p.
144), isto é, a retórica como logos pode ser instrumento para manter a ordem social,
mantendo os valores, a justiça, bem, etc.
45

3 A ESTRUTURA LÓGICA NA RETÓRICA

Neste capítulo abordar-se-á e estrutura lógica na arte retórica, e para isso


analisar-se-á alguns assuntos que estão no Organon aristotélico, como: os tipos de
argumento, as premissas, silogismos, e, por fim, qual a importância do entimema no
campo da retórica aristotélica.
Para analisar a estrutura lógica é necessário analisar o motivo pelo qual os
oradores precisam da lógica: eles precisam de suporte para utilizarem em seus
discursos, a fim de persuadirem os seus interlocutores.
A primeira coisa que se deve analisar é sobre o argumento; Robin Smith define
argumento como:

um discurso que tenta provar um ponto: qualquer argumento tem como


intenção dar razões para aceitar alguma proposição. Chamemos a
proposição que um argumento tenta sustentar de sua conclusão e aquelas
proposições que ela apresenta como sustentação de suas premissas.
(SMITH; in, BARNES, 2020, p. 61).

Através da definição de Robin Smith, perceber-se-á que todos as pessoas


argumentam sobre determinado assunto, seja para defender ou acusar. Porém para
defender ou acusar é necessário apresentar argumentos que reforcem o que
queremos apresentar a outra pessoa; no caso da retórica, as pessoas envolvidas são
o orador e o interlocutor, pois o orador apresenta o assunto e tenta persuadir o
interlocutor sobre o mesmo.
O argumento, para Aristóteles, é somente umas das partes que compõem o
discurso; o mesmo afirma:

São duas as partes do discurso. É forçoso enunciar o assunto de que se trata


e depois proceder à sua demonstração. Por isso, fica sem efeito expor algo
sem ter previamente exposto o assunto. Pois demonstrar uma coisa implica
a existência de algo a demonstrar; e expor previamente determinado assunto
tem em vista a sua demonstração. (ARISTÓTELES, Ret., 1414a, 2012, p.
214).

O argumento, portanto, não é um fim, mas um meio para atingir a finalidade da


retórica, neste caso, a persuasão. Diante disso é necessário expor o problema do
discurso e dar razões ao assunto exposto, isto é, explicar os porquês das preposições.
Explicar as razões pelas quais o orador escolhe um assunto, faz parte tanto
dialética quanto da retórica, e como já foi observado no primeiro capítulo a dialética
46

segundo Olivier Reboul é um jogo, e num jogo o importante é ganhar, porém o jogo
também possui regras na retórica, as regras são a lógica, pois ela organiza os modos
e quais são os meios de persuasão mais apropriado para cada caso. Luiz Rohden
comenta:

A dialética sabe provar a probabilidade de uma tese refutando as teses


improváveis no interior de um diálogo. Já a retórica sabe defender a tese mais
provável pela técnica da persuasão mostrando a necessidade de ser aceita e
assumida pelo ouvinte num discurso. (ROHDEN, 2010, p. 114).

A grande diferença é que a dialética elimina premissas que são insustentáveis,


mas as premissas insustentáveis são dadas pelo oponente, visto que, quem argumenta
elimina proposições de seu adversário, e se elimina, é porque as mesmas foram
desmentidas, isto é, contrariadas, caracterizando as premissas eliminadas como
insustentáveis.
Já a retórica não depende de argumentos vindo do interlocutor; claro que os
podem contrariar os argumentos apresentados pelos oradores, mas isso não é
fundamental dentro da retórica, posto que a finalidade da retórica é exclusivamente a
persuasão do interlocutor. Robin Smith esclarece ainda mais a diferença entre a
dialética e a retórica:

Aqueles que argumentam dialeticamente tem de depender das respostas do


respondente para obter suas premissas, mas eles sabem quando seus
respondentes assentiram ou dissentiram a uma premissa. Oradores,
entretanto, não fazem perguntas, mas discursos, e, portanto, tem de ser
capazes de julgar por si mesmos se suas premissas estão ao gosto de seus
públicos. Por conseguinte, eles têm de realizar um estudo cuidadoso daquilo
que será persuasivo para qual tipo de público. (SMITH; in; BARNES, 2020, p.
100).

Como bem enfatiza Robin Smith, o orador é o referencial dentro da retórica,


pois depende dele mesmo como conduz o discurso retórico para persuadir seus
ouvintes, mas é necessário enfatizar que não depende só do orador, mas também dos
modos do discurso, interlocutores e, principalmente, do uso correto dos silogismos na
ora de expressar as suas teses ao auditório.
Dada a relação entre dialética e retórica dentro do discurso retórico, analisar-
se-á sobre as premissas, pois estas é que são suporte para formar os silogismos e,
consequentemente, o entimema.
47

3.1 Premissa

Aristóteles define premissa nos Analíticos Anteriores da seguinte forma:

A premissa é a oração que afirma ou nega algo acerca de algum sujeito, e


este pode ser universal, particular e indefinido. Por universal, entendendo a
predicação ou a não predicação de um sujeito universalmente considerado;
por particular, a predicação ou a não predicação de um sujeito considerado
particularmente, ou não universalmente: por indefinido, a predicação ou a não
predicação feita sem signo, nem de universal, nem de particular.
(ARISTÓTELES, An. Ant., 24a, 1986, p. 9).

Percebe-se que para a premissa ser formada existe uma dependência entre o
sujeito e o predicado, mas essa dependência só será possível se entre os mesmos
existir uma afirmação ou negação entre o sujeito e o predicado, ou seja, se o sujeito da
premissa condiz com o predicado ou não, “resulta, assim, que uma premissa silogística
em geral consiste ou na afirmação ou na negação de algum predicado acerca de algum
sujeito, tal como acabamos de expor” (ARISTÓTELES, An. Ant., 24a, 1986, p. 10).
Outro aspecto que é necessário saber sobre as premissas é que além de serem
afirmadas ou negadas, as premissas podem ser quantificadas, como bem afirma
Aristóteles no seu conceito de premissa (An. Ant., 24a, p. 9).
A premissa quando é afirmada ou negada deve ser quantificada em um dos
três modos, que são: universal, particular e indefinido.

Toda a premissa apresenta uma predicação assertiva, ou uma predicação


necessária, ou uma predicação contingente, e estas diferentes premissas são
em si mesmas, umas, afirmativas, outras, negativas, conforme as
modalidades de predicamentação; por sua vez, as premissas afirmativas e
negativas são, umas universais, outras particulares, outras indefinidas.
(ARISTOTELES, An. Ant., 25a, 1986, p. 12).

O que Aristóteles quer dizer com universal é quando o sujeito é qualificado


dentro de um grupo que não diverge de suas características. Para estabelecer
características do sujeito, este depende do predicado, “isto significa que todo membro
da primeira classe é também membro da segunda” (COPI, 1981, p. 140).
Desta maneira, na premissa universal o predicado sempre concordará com o
sujeito. E quando as premissas são universais elas vêm acompanhados com o termo
quantificador no início de cada sentença, no caso de universais afirmativas as
48

sentenças começam com o prefixo “TODO” com o acréscimo do termo afirmativo “é”;
exemplo: Todo cachorro é animal.
Já as universais negativas começam com o termo “NENHUM” com o acréscimo
do termo de negação, “não-é”; exemplo: Nenhum gato não é humano. Perceber-se-á
que “o nome de universal negativa é apropriado, porque a proposição nega que haja
uma relação de inclusão entre as duas classes [...]” (COPI, 1981, p. 141), ou seja, o
sujeito não está contido no predicado na premissa universal negativa, visto que o termo
que os liga é uma negação.
Outro modo de conceber as premissas é considerá-las como casos
particulares. Deduz-se que uma premissa é particular quando o predicado dado a um
sujeito só se encaixa em determinado grupo, graças as características dadas ao sujeito,
isto é, o predicado não pode ser não englobado ao todo, mas somente a uma parte.

A expressão particular afirmativa é apropriada, porque a proposição afirma a


existência de relações entre as classes, mas não o afirma universalmente
quanto à primeira classe e tão só, parcialmente, de algum membro ou
membros particulares da primeira classe. (COPI, 1981, p. 141).

As premissas particulares afirmativas começam o prefixo “ALGUM” seguido do


termo afirmativo “é”; por exemplo: Algum professor é brasileiro.
Em contrapartida, as premissas particulares negativas iniciam suas orações
também com o prefixo “ALGUM”, porém é seguida com o termo “não-é”; exemplo:
Algum estudante não é bagunceiro.
E o terceiro modo de conceber as premissas é estabelece-las como indefinidas.
Para que uma premissa seja indefinida, a premissa deve iniciar com um prefixo que
não denomine o sujeito da oração, ou seja, que o sujeito possa estar oculto e que
somente deve-se saber a sua ação, mas não quem fez a ação. Por isso o prefixo
“ALGUM” normalmente é usado no início das orações indeterminadas, já que “alguns
significa pelo menos um” (COPI, 1981, p. 141), e como já se mencionou, a premissa
indeterminada não determina quem fez a ação, ou seja, o sujeito fica encoberto, mas
somente frisa que a ação ocorre por causa de alguém, mas não sabe quem.
Ao analisar as premissas indeterminadas, perceber-se-á que a premissa
indeterminada é também uma premissa particular, pois em um caso particular, posso
não denominar o sujeito, visto que a determinação de um grupo especifico apresenta
características em comum e, dentro deste grupo, existem sujeitos que podem ser
49

considerados como ocultos e são estes que podem fazer parte das premissas
indeterminadas, logo deve-se levar em consideração que as particulares tanto
afirmativa quanto negativa podem ser confundidas, já que usam o mesmo termo. Já as
particulares determinadas é quando o sujeito não fica oculto, o sujeito é nominado; por
exemplo: Robson é policial.
Apresentada a quantidade de premissas que existem na lógica aristotélica que
são três (universal, particular, indefinida) e também quais são as suas qualidades que
são duas (afirmativa ou negativa), Aristóteles apresenta como as premissas se
ordenam quando estas são divergentes:

Na acepção puramente verbal, há quatro modos de oposição das premissas:


oposição da universal afirmativa à universal negativa, da universal negativa à
particular negativa, da particular afirmativa à universal negativa, da particular
afirmativa à particular negativa. Todavia, na realidade, há somente três
modos de oposição, porque a oposição da particular afirmativa à particular
negativa é somente verbal. (ARISTÓTELES, An. Ant., 63b, 1986, p. 209).

A primeira coisa que poder-se-á observar sobre os modos de oposição das


premissas é que elas também são de quatro formas, e como a própria nomenclatura já
diz, elas são opostas. Elas devem ser organizadas sistematicamente, a fim de que
aqueles que forem utilizá-las, no caso da retórica, os oradores, possam deliberar de
forma organizada os silogismos, para que não caiam em contradição, pois uma coisa
não pode ser universal e particular ao mesmo tempo.
Com o tempo, a estrutura das premissas foi sendo organizadas, a fim de que
estas pudessem ser localizadas mais facilmente.

Os lógicos medievais criaram uma abreviação de linguagem com o fim de


indentificar as proposições: para as afirmativas universais temos a primeira
vogal da palavra affirmo; para as afirmativas particulares temos a segunda
volgal da mesma palavra; as negativas universais utiliza a primeira vogal da
palavra nego, e as negativas particulares a segunda vogal da mesma palavra.
(NASCIMENTO, 2014, p. 19).

Embora os medievais criassem um quadro que contém como são articuladas


as oposições entre as preposições, Aristóteles já propusera uma organização das
premissas, como bem citou Joelson Nascimento, visto que o quadro ajuda a
compreender o pensamento do filósofo de Estagira.
Abaixo o quadro das preposições opostas criada pelos medievais.
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1 Figura 1
Fonte: SBG dicionário de filosofia (2022)

Quando uma premissa universal afirmativa (A) e uma afirmação negativa


particular (O) tentam formar uma conclusão em um silogismo, denominam-se como
contraditórias, pois uma deve ser verdadeira e outra falsa. O mesmo caso serve para
as premissas universais negativas (E) e as premissas particulares afirmativas (I)
quando estão presentes no mesmo silogismo.

Diz-se que duas proposições são contrárias, quando não podem ser ambas
verdadeiras, embora possam ser ambas falsas. A descrição tradicional ou
aristotélica de proposições categóricas sustenta que as proposições
universais que têm os mesmos termos sujeito e predicado, mas diferem em
qualidade, são contrárias. (COPI, 1981, p. 146).

Outro tipo de divergência entre as premissas denomina-se como subcontrárias.


As premissas subcontrárias são as particulares afirmativas (I) e as particulares
negativas (O), são assim denominadas porque “não podem ser ambas falsas, embora
possam ser ambas verdadeiras” (COPI, 1981, p. 147).
As duas premissas (I) e (O) podem ser ambas verdadeiras porque concordam
em quantidade, ou seja, possuem na oração a característica de serem particulares,
51

como também porque os predicados das premissas se aplicam a alguns sujeitos e não
a todos. Presume-se que estas premissas “podem ser ambas verdadeiras, mas não
podem ser ambas falsas” (COPI, 1981, p. 147).
O terceiro modo de oposição entre as premissas do quadro de oposições
designa-se como subalternas. As premissas subalternas são (A) e (E) com relação
respectivamente às (I) e (O).

Nesta situação, a proposição universal é denominada superalterna, ou


subalternante, e a particular subalternada ou, simplesmente, subalterna.
Sustentava-se que, na sulbaternação, o superalterno implica o subalterno. A
implicação não é válida do subalterno para o superalterno [...]. (COPI, 1981,
p. 147).

A relação entre superalterno para subalterno, isto é, a situação da


subalternação nada mais é do que a (A) ou (E) sobre (I) ou (O), das premissas
universais sobre as premissas particulares. Dado isso, poder-se-á estabelecer que as
premissas na subalternação, podem ser ambas verdadeiras, como falsas, isso ocorrerá
se a premissa universal (A) ou (E) forem verdadeiras ou falsas, desde que concorde
com a subalterna, isto é, a premissa particular (I) ou (O), com sua respectiva qualidade.
Por fim, o último modo de conceber as oposições das premissas nomeia-se
como contrárias. A premissa contrária é formada pela oposição que há entre as
premissas universais (A) e (E). Elas são opostas porque em um silogismo que se forma
entre estas preposições, as mesmas não podem ser ao mesmo tempo verídicas, dado
que possuem a mesma quantidade (universal), mas não a mesma qualidade (afirmativa
ou negativa), daí o motivo da nomenclatura da oposição entre (A) e (E) chamar
contrária.
Através da análise feita até aqui sobre as premissas, poder-se-á observar que
as premissas são fundamentais, visto que são elas que dão todo o embasamento para
o discurso, o que na retórica é fundamental, pois o orador necessita apresentar ao seu
auditório premissas com organização lógica, para mostrar credibilidade aos mesmos.

3.2 Silogismo

O silogismo é um argumento em que, dadas certas proposições, algo distinto


delas resulta necessariamente, pela simples presença das proposições
aduzidas. O silogismo é uma demonstração quando parte de premissas
evidentes e primeiras ou de premissas tais que, o conhecimento que delas
52

temos, radica nas premissas primeiras e evidentes. (ARISTÓTELES, Tóp.,


100a, 1987, p. 9).

O silogismo é uma maneira de provar a veracidade ou a falsidade das


premissas dadas previamente no próprio silogismo, e o resultado que se propõe delas
é dado na conclusão.
A importância do silogismo dentro da retórica é importante devido à sua
amplitude de discorrer sobre qualquer assunto. O orador, portanto, deve saber utilizar
o silogismo, a fim de que possa conquistar, convencer e determinar os seus
interlocutores. Aristóteles comenta:

Ora, como as provas por persuasão se obtêm por estes três meios, é evidente
que delas se pode servir quem for capaz de formar silogismos, e puder
teorizar sobre os caracteres, sobre as virtudes e, em terceiro, sobre as
paixões. (ARISTÓTELES, Ret., 1356a, 2012, p. 14).

A lógica entra na retórica através do terceiro modo de persuadir, ou seja, o


logos. Através da lógica, o orador consegue raciocinar de forma lógica, organizando
seus pensamentos e ações, para conseguir a finalidade a qual almeja, a persuasão.
Como a lógica envolve raciocínios, isto é, pensamentos organizados, perceber-
se-á que a retórica neste sentido é algo técnico, que pode ser ensinado
sistematicamente, fonte de ensinamento certo e seguro; por isso as pessoas:

tentam em certa medida questionar e sustentar um argumento, defender-se


ou acusar. Simplesmente, na sua maioria, umas pessoas fazem-no ao acaso
e, outras, mediante a prática que resulta do hábito. E, porque os dois modos
são possíveis, é obvio que seria também possível fazer a mesma coisa
seguindo um método. Pois é possível estudar a razão pela qual tanto são
bem-sucedidos os que agem por hábito como os que agem
espontaneamente, e todos facilmente concordarão que tal estudo é tarefa de
uma arte. (ARISTÓTELES, Ret., 1354a, 2012, p. 6).

É necessário o silogismo no discurso retórico para prevalecer a verdade sobre


a falsidade, como Aristóteles já tinha afirmado que o verídico prevalece sobre o que é
falso (ARISTÓTELES, Ret., 1355a), porém vale ressaltar que o silogismo será validado
se as premissas também o forem.
Tanto na teoria quanto na prática, a validade do silogismo encaixa-se em todas
as instâncias, seja no campo prático ou teórico. No campo prático a validade dos
silogismos é mais evidente por causas das injustiças que os homens causam e sofrem,
por exemplo se algum orador consegue persuadir um juiz a condenar alguém
53

injustamente, isso é algo injusto e, se algo do tipo acontece na realidade, é evidenciado


por que causa impacto na vida dos indivíduos, já no campo teórico, um exemplo seria
a criação das leis, seria evidente, mas que somente seria plenamente exposto quando
a lei fosse colocada em prática, isto é, quando saísse do papel. A verdade é necessária
porque “as ações humanas se apoiam sobre os juízos que poderiam também ser de
outra maneira e que não procedem de algo necessário” (ROHDEN, 2010, p. 69), logo,
se ações humanas poderiam ser outra maneira, consequentemente, uma ação pode
ser censurada ou digna de honra.
A validade não deve ser confundida com a conclusão negativa da premissa,
pois corre-se o risco de entender que a conclusão negativa de um silogismo, seja ela
universal ou particular, interprete-se como errônea, o que é um grande erro, visto que,
“a validade ou invalidade de um silogismo depende exclusivamente da sua forma e é
completamente independente do seu conteúdo ou tema específicos” (COPI, 1981, p.
170). Portanto, mesmo que na realidade uma coisa seja diversa da que a apresentada
no silogismo, isso independe da validade do silogismo, em virtude de que o orador pode
propor premissas que são válidas, isto é, que possuem uma estrutura lógica e
obedecem às regras silogísticas.
As regras silogísticas que Aristóteles estabelece para que os silogismos típicos
sejam válidos são as seguintes:

(i) de duas premissas negativas nada se conclui; (ii) precisa-se ao menos de


uma premissa afirmativa para se chegar a uma conclusão; (iii) de duas
premissas particulares nada se conclui; (iv) precisa-se ao menos de uma
premissa universal para se chegar a uma conclusão; (v) o termo menor é
sempre sujeito na conclusão; (vi) o termo maior é sempre predicado na
conclusão; (vii) o termo médio jamais aparece na conclusão; (viii) a conclusão
segue sempre a premissa mais fraca. (NASCIMENTO, 2014, p. 21).

Obedecendo estas regras, o silogismo pode ser considerado como válido, e


novamente cabe destacar que a validade do silogismo independe do assunto que é
tratado, visto que bastam as regras acima.
A principal questão que o orador deve saber ao deliberar é que no silogismo
existem duas premissas, destas, a primeira possui o termo maior (T); e, a segunda,
termo menor (t); e destas duas premissas que chegaremos à conclusão desejada, além
disso, existe o também chamado termo médio (tm), este é denominado desta maneira
pois liga o (T) e (t).
54

Aristóteles chama o termo que aparece em ambas as premissas de termo


médio; os outros dois termos, que aparecem como sujeito e predicado da
conclusão, são os extremos. Ele também faz uma distinção entre o extremo
maior e o extremo menor. (SMITH; in; BARNES, 2020, p. 69).

Observadas as regras silogísticas que Aristóteles estabelece no Organon,


analisar-se-á os modos das figuras válidas dos silogismos que são as distinções que
Robin Smith declara na citação acima.

3.3 Figuras do silogismo

A primeira figura que Aristóteles estabelece é quando:

[...] três termos estão em relação de forma a que o menor está contido
totalmente no termo médio, e o termo médio contido, ou não contido
totalmente no termo maior, então há necessariamente um silogismo perfeito
entre os extremos. (ARISTÓTELES, An. Ant., 25b, 1986, p. 17).

Aristóteles na primeira figura afirma que o termo (tm) é sujeito na primeira


premissa e predicado na segunda premissa. De acordo com Joelson Nascimento (2014,
p. 22), as siglas que representam a primeira figura são as letras que representam a
quantidade das premissas (A, E, I, O) foram organizadas pelos pensadores medievais,
são as seguintes: (AAA), (EAI), (AII) e (EIO) que deriva da palavra latina ferio. Um
exemplo de primeira figura:
• (A) Todo homem morre. – (tm) homem
• (A) Todo menino é homem. – (tm) homem
• (A) Todo menino morre. – Conclusão
A segunda figura apresentada por Aristóteles é constituída da seguinte
maneira:

Quando um mesmo termo se diz de um sujeito universal, e não se diz de


qualquer outro sujeito na acepção universal; ou quando se diz ou não se diz,
tanto de um como de outro sujeito tomado universalmente, esta figura chama-
se segunda figura. (ARISTÓTELES, An. Ant., 26b, 1981, p. 22).

Na segunda figura, o discípulo de Platão, diz que o (tm) é tanto predicado no


(T) quanto no (t). Novamente, Joelson Nascimento (2014, p. 22) apresenta as siglas
que correspondem à segunda figura do silogismo válido, as siglas são: (EAE), (AEE),
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como na primeira figura repete-se (EIO), que deriva da palavra festino e, a última
(AOO). Um exemplo de segunda figura:
• (A) Todo alfabetizado é ser humano. – (tm) humano
• (E) Nenhum cachorro é ser humano. (tm) humano
• (E) Nenhum cachorro é alfabetizado. – Conclusão
A terceira e última figura apresentada por Aristóteles é formulada da seguinte
forma: “Quando um termo se predica e outro não se predica universalmente de um
sujeito, ou se ambos se predicam, ou se nenhum se predica do mesmo sujeito
universalmente, temos uma figura que denomino de terceira figura” (ARISTÓTELES,
An. Ant., 28a, 1981, p. 28).
Na terceira figura, o (tm) apresenta-se como sujeito tanto na primeira premissa
quanto na segunda premissa. A sigla para a terceira figura de acordo Joelson
Nascimento (2014, p. 22) são: (AAI), (EAO), (IAI), (AII), (OAO) e como nas duas
figuras anteriores (EIO), pois deriva da palavra ferison. Um exemplo de silogismo para
terceira figura:
• (A) Toda mulher sabe cozinhar. – (tm) mulher
• (I) Alguma mulher é mãe. – (tm) mulher
• (I) Alguma mãe sabe cozinhar – conclusão
Essas são as três figuras que Aristóteles estabelece nos Analíticos Anteriores,
e a conclusão que chegar-se-á sobre o silogismo é que as pessoas tendem a acreditar
em assuntos fundamentados, isto é, sistematizados, visto que, quando se demonstra
a veracidade de algo “nenhum homem prudente postularia algo que não é admitido
por ninguém, nem poria em dúvida o que é evidente a todas ou à maioria das pessoas”
(ARISTÓTELES, Tóp., 104a, 1986, p. 25).
Analisado como são formadas as premissas, o silogismo e sua validade, além
das figuras do mesmo, poder-se-á analisar depois deste percurso quais são os tipos
de argumento que são utilizados no silogismo.

3.4 Tipos de argumento

Neste tópico abordar-se-á sobre os dois modos de chegar ao conhecimento


seja pela retórica quanto pela dialética, estes modos são a dedução e a indução.
56

3.4.1 Dedução

Aristóteles define dedução como:

uma locução em que, dadas certas proposições, algo distinto delas resulta
necessariamente, pela simples presença das proposições dadas. Por simples
presença das proposições dadas entendo que é mediante elas que o efeito
se obtém; por sua vez, a expressão é mediante elas que o efeito se obtém
significa que não se carece de qualquer outro termo a elas estranho, para
obter esse necessário efeito. (ARISTÓTELES, An. Ant., 24b, 1986, p. 11).

Na dedução a conclusão depende apenas das premissas apresentadas


anteriormente, visto que, sem elas seria impossível deduzir algo, por exemplo:
• Todo Homem nasce.
• Ronaldo é homem.
• Logo, Ronaldo nasceu.
A dedução é como denominamos atualmente o silogismo, dado que, o
silogismo possui conclusão, e só ocorre por causa das proposições que o levam a uma
finalidade concreta.
O termo que Aristóteles utiliza nos An. Ant. é silogismo, e não dedução, isso
ocorre pois segundo Robin Smith o termo apresenta ambiguidade na tradução para o
português, pois a palavra silogismo no sentido literal significa “cômputo ou cálculo”
(SMITH; in; BARNES, 2020, p. 62), ou seja, o silogismo é o cálculo de certas premissas
apresentadas para chegar a conclusões irrefutáveis.
A dedução, portanto, parte de uma premissa aceitável, isto é, vai do geral para
o particular, dado que, as premissas as duas primeiras premissas dependem da
premissa geral para serem confirmadas como válidas e, consequentemente, toda a
dedução.

3.4.2 Indução

O segundo modo de argumento para estabelecer silogismos denomina-se


como indução.
No Tóp. Aristóteles define indução como “a passagem dos particulares ao
universal” (ARISTÓTELES, Tóp., 24b, 1987, p. 11), ou seja, as premissas na indução
são formuladas de acordo com casos específicos, e a partir destes casos, propõe-se
57

uma conclusão que é necessária, não em sentido universal, mas uma conclusão que é
imposta de acordo com as premissas, dado que as mesmas são fundadas por analogia,
e esta “constitui o fundamento da maior parte dos nossos raciocínios comuns, na qual,
a partir de experiências passadas, procuramos discernir o que nos reservará o futuro”
(COPI, 1981, p. 314).
Vista a definição de indução, abaixo segue um exemplo de argumento indutivo:
• Os gatos morrem.
• As jaguatiricas morrem.
• Os pumas morrem.
• Gatos, jaguatiricas e pumas são felinos, logo, todos os felinos morrem.
Uma observação que se deve levar em consideração sobre o método indutivo,
é que os mesmos “não podem ser classificados como válidos ou inválidos. Tudo o que
se pretende deles é que tenham alguma probabilidade” (COPI, 1981, p. 314).
Portanto, este método trabalha com conclusões plausíveis, e não com
conclusões necessárias, uma vez que se uma nova premissa é admitida no silogismo
e a mesma é verídica, pode ser que ela contradiga as outras premissas até então
expostas no silogismo, daí se conclui que ela não pode ser considerada válida ou não,
porém Aristóteles enfatiza sobre este método:

A indução é um método mais convincente e mais claro, mais facilmente


conhecível mediante a sensação, e por conseguinte, acessível ao vulgo, mas
o silogismo é mais forte e mais eficaz para enfrentar os antilógicos.
(ARISTÓTELES, Tóp. 105a, 1987, p. 30).

3.5 Entimema

Analisar-se-á neste tópico o entimema, pois o entimema, como também o


exemplo, serve de meio para conseguir a persuasão dos interlocutores. A definição de
entimema de acordo com o estagirita é a seguinte:

O entimema é uma espécie de silogismo e que é do silogismo em todas as


suas variantes que se ocupa a dialética, no seu todo ou nalguma das suas
partes, e é igualmente evidente que quem melhor puder teorizar sobre as
premissas do que e como se produz um silogismo também será o mais hábil
em entimemas, porque sabe a que matérias se aplica o entimema e que
diferenças este tem dos silogismos lógicos. (ARISTÓTELES, Ret., 1355a,
2012, p. 9).
58

O entimema é ponto central entre lógica e retórica, já que o entimema encobre


uma das premissas no silogismo e faz com que o interlocutor subtenda a informação
que não foi dita pelo orador, mas que somente com uma premissa formulada fica
explícito onde o mesmo quer chegar, em outros palavras, o entimema é o método na
qual se deduz a premissa que ficou oculta, mas que é subtendida através do
pensamento; um exemplo:
• Todo campeão da copa do mundo ganha uma medalha de ouro.
• Dida foi campeão da copa do mundo.
Através do exemplo acima, fica subtendido que a conclusão que foi oculta é
“Dida ganhou uma medalha de ouro”, a conclusão é clara, pois as premissas que foram
dadas anteriormente nos fazem já que automaticamente deduzi-la e por isso que não
precisa nem ser expressa, visto que já é subtendida de tão clara que é.
Como o entimema é algo automático, o interlocutor deduz muito rapidamente o
que o orador quer expressar em seu discurso, o que se torna um grande instrumento
para o orador, pois se o mesmo saber utilizar, com certeza, seu auditório será
persuadido prontamente.

De sorte que é necessário que o entimema e o exemplo se ocupem de coisas


que podem ser para a maior parte também de outro modo: o exemplo como
indução, e o entimema como silogismo, formado de poucas premissas e em
geral menos do que as do silogismo primário. (ARISTÓTELES, Ret., 1357a,
2012, p. 17).

O silogismo, como já foi afirmado, é o mais autêntico modo de conhecer e de


convencer alguém, isso é de grande valia porque as conclusões do silogismo são
sempre necessárias, o que leva o interlocutor a ter confiança no orador, já que a
objeção se torna inviável.

Por isso, é argumento irrefutável o que entre os sinais é necessário, pois


quando se pensa que já não é possível refutar uma tese, então pensa-se que
se aduz um argumento concludente ou irrefutável, como se o assunto já
estivesse demonstrado e concluído; visto que conclusão e fim significam o
mesmo na língua antiga. (ARISTÓTELES, Ret., 1357b, 2012, p. 18).

Já o exemplo não apresenta a mesma confiança que o entimema, pois “o


exemplo não apresenta relação da parte para o todo, [...], mas apenas da parte para a
parte, do semelhante para o semelhante.” (ARISTÓTELES, Ret., 1357b, 2012, p. 19).
59

Outro aspecto que dever-se-á saber sobre o entimema é que sua conclusão
não necessariamente deva ser algo necessário, mas que na grande maioria dos casos
é apenas habitual ou “apenas frequente” (ARISTÓTELES, Ret., 1357a, 2012, p. 17), o
que torna a conclusão como algo provável, visto que, a mesma “antes versa sobre
coisas que podem ser de outra maneira” (ARISTÓTELES, Ret., 1357a, 2012, p. 18).
O entimema coincide perfeitamente com aquilo pelo qual a retórica existe e que
é sua função, que é buscar os meios apropriados para persuadir, pois a persuasão
deve ocorrer para mostrar a verdade em cada gênero além de mostrar pela qual se está
impondo o discurso, visto que:

A especialidade da retórica é versar sobre aquelas matérias passíveis de


deliberação, supondo que se está diante de um auditório incapaz de ver claro
através de numerosas proposições e de raciocinar sobre noções deduzidas
de longe. (ROHDEN, 2010, p. 69).

Portanto, a lógica é uma grande ferramenta para mostrar a verdade, já que ela
aponta para aquilo que é plausível, e em consequência, o plausível talvez seja verdade,
até que se demonstre o contrário, visto que, as conclusões de um silogismo em forma
de discurso retórico pelas quais são plausíveis, as mesmas são dignas de confiança,
pois existiu um método pela qual as premissas foram inseridas de forma válida, e já
que o são, a conclusão também será. E como a verdade é mais forte do que a mentira,
a retórica é digna de confiança, pois a imoralidade ética, que pode ocorrer no discurso
não é própria dela, mas, sim, do orador; por exemplo, no tribunal de justiça, onde o
orador pode falsificar premissas verdadeiras do seu oponente, só para ganhar a
condenação ou absolvição de alguém.
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CONCLUSÃO

A filosofia, como modo de sabedoria, tenta expor, através de pensamentos


racionais, as perguntas da vida do homem; dentre estas perguntas está: o que é a
verdade?
Através da história da filosofia buscou-se a definição de verdade, inclusive o
próprio Aristóteles tentou defini-la, porém pouco se pensou de como a verdade nos
mais variados campos do saber poderia ser posta na vida prática dos indivíduos e
principalmente nos discursos.
A retórica não tem a função de definir o que é a verdade, mas de buscar
caminhos adequados para colocá-la em prática através da persuasão. A retórica é um
caminho seguro para a verdade ou para o que é provável, por isso ela serve de
instrumento para os oradores, pois ela é uma arte, e como arte possui suas próprias
regras para que assim a seja caracterizada.
Além de possuir uma estrutura sistematizada, com normas e conceitos
próprios, a lógica pode servir-se de instrumento para a retórica, o que torna esta arte
possível de ensinamento a outras pessoas, dado que, a lógica estabelece padrões e
regras que não podem ser desmentidas, pois caso fossem não seria possível formular
juízos sobre as coisas. [CM1]A lógica exerce um papel dentro da retórica que pode ser
favorável como também prejudicial, pois a lógica baseada no método dedutivo é grande
fonte de persuasão, pois as conclusões das deduções são necessárias, isto é, não
podem ser de outra maneira. Já a lógica do método indutivo não se mostra totalmente
segura com as suas conclusões, dado que estão baseadas em casos particulares e
observado que se uma premissa falsificar às anteriores já formuladas, todo o raciocínio
é desmantelado.
A mentira ou a falsificação são adversas à verdade. Em razão disso, ambas se
tornam um problema, pois a finalidade do discurso retórico é mostrar a verdade de cada
caso e essa deve ser a finalidade pela qual o orador delibera. A deliberação retórica
sempre leva a uma conclusão especifica para cada gênero, que, como visto, são três
espécies e cada uma possui uma finalidade diferente. O fato é que a verdade dos
discursos pode ser distorcida ou falsificada de acordo com a índole do orador, que na
história da filosofia ficou marcada pelos oradores sofistas, embora fizessem o que
Aristóteles totalmente repudiava, a imoralidade.
61

A imoralidade envolve a ética, e esta deve acompanhar o homem em todo seu


trajeto humano, já que a mesma não pertence exclusivamente a seu campo particular,
mas abrange todos os campos do saber, e como a ética envolve todas as áreas do
saber, deve-se saber quais princípios éticos devem ser postos em cada área do saber,
a fim de que os homens possam não sair prejudicados de ações maldosas ou injustas.
Portanto, também na retórica os oradores devem dispor de atitudes éticas, visto que os
oradores também passam confiança ao seu auditório quando são dignos de
credibilidade ao seu modo de vida, como também ao seu tratamento para com as
atitudes da vida que os cerca.
Os sofistas servem de exemplo dos maus oradores, porque embora sejam
grandes mestres da persuasão, corrompiam com a verdade, visto que, eles não
apresentavam soluções cabais quanto a universalidade dos fatos que os envolviam,
mas somente apresentavam o que era do gosto de seus interlocutores.
A verdade não depende dos gostos particularidades, a verdade não pode ser
enfraquecida pelo subjetivismo, dado que opiniões contrárias sobre o mesmo assunto
não podem oferecer várias verdades sobre estes mesmos pontos. Por isso, é
necessário o orador saber se está lidando com um discurso com base em uma
dedução ou indução, pois estes modos são diferentes de aplicar ao discurso e,
consequentemente, também a interpretação dos interlocutores é diferenciada.
Visto que a imoralidade deve ser descartada dos discursos retóricos, a fim de
a verdade seja apresentada aos interlocutores, a hipótese a ser apresentada seria a
verdade como solução para que os interlocutores se interessassem pela retórica? A
resposta é sim, visto que, quando alguém delibera, o mesmo o faz para chegar a um
fim, que neste caso é a solução. A solução deve ser apresentada por um orador, e
este apresenta premissas que levem a verdade ou o mais próximo possível, pois as
soluções que são apresentadas interferem na vida prática dos indivíduos, visto que
uma solução pode estar direcionada para a verdade, que está para o bem, ou para a
mentira, que está para o mal.
Portanto, ao longo da pesquisa deste trabalho chegou-se à conclusão de que
a retórica aristotélica serve sim de instrumento para chegar à verdade, visto que a
mesma possui subsídios concretos que levam a um conhecimento seguro, pois
apresenta os gêneros, modos de discurso, características dos interlocutores, como a
lógica estrutura nos discursos, e tantos aspectos que encontramos na sua obra. E são
por causa destes aspectos que a retórica é uma arte que abrange sobre a totalidade
62

do discurso, ela não abarca somente a sua área; mais do que isso, a mesma abrange
conhecimento das diversas áreas do conhecimento além de analisar os modos
adequados a fim de persuadir, e é por causa destas característica que a retórica é
considerada arte, visto que ela deve apresentar fundamentos concretos que podem
ser passados para outras pessoas, pois se não tivesse um mínimo de estruturação, o
conhecimento desta arte não poderia ser passado adiante, pois não teria regras,
normas e princípios organizados.
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