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PRO-REITORIA ACADÊMICA
PROGRAMA DE MESTRADO EM FILOSOFIA
RECIFE-PE
2023
JOSÉ DÁCIO SANTOS OLIVEIRA
Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Filosofia da Faculdade
Católica de Pernambuco, como
requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Filosofia.
Orientador: Prof. Dr. José Marcos Gomes de Luna
RECIFE-PE
2023
JOSÉ DÁCIO SANTOS OLIVEIRA
Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Filosofia da Faculdade
Católica de Pernambuco, como
requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Filosofia.
BANCA EXAMINADORA
Profº
UNICAP, Membro interno
Profº. Dr.
UNICAP, Membro interno
Profº Dr.
UNICAP, Membro externo
Dedico esta Dissertação em primeiríssimo
lugar Àquele que é o único e digno de toda
honra e glória, ao meu Deus. Aos meus
pais João José de Oliveira e Maria de
Lourdes Santos. Esta conquista é fruto
deles.
AGRADECIMENTOS
Aristóteles
RESUMO
ABSTRACT
In this dissertation, we will try to provide a possible answer to the problem we have
raised, namely, is the existence of causality a self-evident truth? In order to
achieve this result, we will expose the Aristotelian arguments for the excellence
of wisdom over other knowledge, as well as the analysis of causation in the
doctrine of some philosophers who preceded Aristotle, since they were the first to
search for an eternal arché that was the foundation responsible for the existence
of things. Next, we will introduce the notion of cause as αἰτία (aitia), a term
introduced by Aristotle in the Metaphysics to designate "cause", the why of a thing
in its deepest and broadest sense. We will culminate in the connection and
relationship between causes and how the final cause is the cause of all causes.
We will see that these explain the transformations in the world of becoming
through the doctrine of teleological hylemorphism as well as act and potency. We
will see from a profound philosophical foundation of causality that it was the
foundation for the Western world. Thus, by entering this complex domain, we will
explore not only the intrinsic nature of causality, but also its contribution to
scientific knowledge.
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 11
2 A NOÇÃO ARISTOTÉLICA DE CAUSALIDADE .................................... 14
2.1A EXCELÊNCIA DA SAPIÊNCIA EM ARISTÓTELES ........................... 14
2.1.1 .......................................................................................................... A ensinabilidade
do conhecimento das causas ......................................................... 15
2.1.2 A universalidade do conhecimento das causas. ......................... 18
2.1.3 O grau da perfeição do conhecimento das causas. .................... 21
2.2 CONHECIMENTO DA CAUSALIDADE NO MUNDO DO DEVIR. ......... 23
2.1.1 Ato, Potência, Forma e Matéria como explicação da
causalidade no mundo das transformações.........................................24
2.3 A CRÍTICA DE ARISTÓTELES AOS SEUS ANTECESSORES. ........... 32
2.4 FILÓSOFOS QUE FICARAM NO NÍVEL DA CAUSA MATERIAL E
DA CAUSA MOTORA ................................................................................ 33
2.4.1 .......................................................................................................... Tales de Mileto: a
água como princípio gerador de todas as coisas ........................... 34
2.4.2 Anaximandro de Mileto: o ápeíron como princípio indefinido-
infinito gerador de todas as coisas
36
2.4.3Anaxímenes de Mileto: o ar infinito como princípio gerador de
todas as coisas ....................................................................................... 37
2.4.4 Diógenes de Apolônia: o ar-inteligência, de natureza infinita,
como princípio gerador de todas as coisas
38
2.4.5 Leucipo e Demócrito: o atomismo como princípio gerador de
todas as coisas ....................................................................................... 39
2.4.5 .......................................................................................................... H
eráclito de Éfeso: o perene escorrer de todas as coisas e o devir
universal revelam-se como harmonia de contrários.
40
2.4.6 .......................................................................................................... Parmênides e a
doutrina do ser: o ser é e o não ser não é ....................................... 42
2.5 FILÓSOFOS QUE ULTRAPASSARAM A CAUSA MATERIAL E A
MOTORA.................................................................................................. 43
2.5.1 Empédocles de Agrigento: o primeiro dos pluralistas e a
teoria cosmogônica dos quatro elementos............................................44
2.5.2 Anaxágoras de Clazômenas: a descoberta das homeomerias
e da inteligência ordenadora...................................................................47
2.5.3Platão: mundo das formas e o mundo sensível ............................ 50
2.6 A NOÇÃO DE CAUSALIDADE NA METAFÍSICA .................................. 53
2.6.1O termo causalidade em Aristóteles. ............................................. 54
2.7 AS QUATRO CAUSAS......................................................................... 55
2.7.1 Causa formal-αἰτία εἰδική .............................................................. 56
2.7.2Causa material-αἰτία ὑλική.............................................................. 58
2.7.3Causa eficiente- αἰτία ἐνεργείᾳ ....................................................... 59
2.7.4Causa final αἰτία τελική ................................................................... 60
2.8 GANHOS OBTIDOS DO CAPÍTULO .................................................... 61
2.8.1 Primazia da sabedoria sobre as demais formas de
conhecimento: distinção e harmonia......................................................61
2.8.2 .......................................................................................................... Conhecimento
holístico das coisas ......................................................................... 62
2.8.3 Causa definida como αἰτία: uma compreensão mais ampla da
realidade...................................................................................................63
3 A CAUSA DAS CAUSAS NA DOUTRINA ARISTOTÉLICA.....................65
3.1 A CONEXÃO ENTRE AS CAUSAS ...................................................... 66
3.1.1 A relação entre causa final e causa motora. .................................. 67
3.1.1.1 Telos e função: a causa teleológica é exclusivamente
aplicabilidade?................................................................................68
3.1.2 .......................................................................................................... A relação entre
causa final e causa formal ............................................................... 70
3.1.3 .......................................................................................................... A relação entre
causa final e material ...................................................................... 71
3.2 O ACASO: UM FRACASSO DA FINALIDADE? .................................... 72
3.3 CENTRALIDADE E IMPORTÂNCIA DA CAUSA FINAL NO
PENSAMENTO ARISTOTÉLICO.............................................................. 77
3.4 A DEFESA DA TELEOLOGIA .............................................................. 81
3.4.1 ......................................................................................................... A
convergência das três causas para uma só no livro II da
Física ....................................................................................................... 82
3.5 A NECESSIDADE DA CAUSA FINAL. .................................................. 87
3.5.1Explicação abrangente. .................................................................. 88
3.5.2 Explicação teleológica ....................................................................89
3.5.3 .......................................................................................................... Ênfase na
essência. .......................................................................................... 90
3.5.4 Compatibilidade empírica. .............................................................. 91
3.5.5 .......................................................................................................... Influência na
Ética e na Política. ............................................................................ 92
3.5.6 .......................................................................................................... Na aplicação de
fenômenos ou coisas abstratos. .................................................... 93
3.5.7 .......................................................................................................... Na compreensão
científica do mundo. ........................................................................ 95
3.6 INFLUÊNCIA DA CAUSALIDADE EM ALGUNS ÂMBITOS ................. 96
3.6.1 ..............................................................................................................Influência na
Ciência Antiga. .................................................................................97
3.6.2 .............................................................................................................Transição para
a Ciência Medieval ..........................................................................97
3.6.3Legado na Filosofia da Ciência. .....................................................98
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 99
5 REFERÊNCIAS. .................................................................................. 101
1 INTRODUÇÃO
11
da pertinência e da validade atual da concepção de causalidade”. E para corroborar
em nosso desenvolvimento, estruturaremos este trabalho em dois capítulos.
13
2 A NOÇÃO ARISTOTÉLICA DE CAUSALIDADE
14
elucidar a excelência e a superioridade do conhecimento das causas: a ensinabilidade
do conhecimento das causas, a universalidade do conhecimento das causas e o grau
de conhecimento das causas.
Nota-se, que as sensações não explicam a natureza das coisas, não elucidam,
por exemplo a natureza do fogo, o porquê de ele ser quente, apenas sabem,
conhecem, sentem, contudo, não sãos conhecedoras das causas. Mas conquanto não
sejam sapiência, pois são conhecimentos dos particulares e não dos universais, fazem
parte da dimensão do saber, visto que existem graus e tipos de conhecimentos, e de
certa forma trazem benefícios e prazer ao homem, sobretudo, por meio da visão.
19
É bem típico do pensamento grego a superioridade da visão e do ver sobre os
demais sentidos. Dessa forma, Aristóteles rechaça a ideia de inatismo para reconhecer
formas, e que as sensações são em nada úteis ao conhecimento humano, como
admitia Platão, pois estão no campo da opinião (doxa); mas as sensações (aisthesis)
são a base de todo conhecimento, ao passo que é incogitável o homem adquirir
conhecimento sem passar pelo contato com a dimensão material das coisas para a
construção de experiência.
De fato, o indivíduo só chega a formular conceitos universais, por meio da
abstração, por causa dos sentidos e das sensações, e neste processo, cabe à
memória reter lembranças e informações do mundo sensorial. No entanto, somente a
arte ou a técnica (techné) se enquadram na sapiência, que é a ciência (episteme) por
excelência, porque saber a causa de uma é coisa, em outros termos, significa
conhecê-la em si mesma.
Assim, Aristóteles (apud LUCAS, 2003, p. 58, tradução nossa), dizia “que o
conhecimento intelectual é “quodammodo omnia11”, porque não é limitado no que se
refere ao campo de seu interesse.” Quer dizer, o conhecimento intelectual não está
restringido dentro da sensibilidade dos diversos órgãos dos sentidos e tampouco preso
ao tempo e ao espaço. Decerto, muitas coisas que estão em seu campo de interesse,
e que o próprio homem experimenta, são de natureza intelectual, ou seja, são
independentes da matéria, como a própria ideia de bem, justiça, amor, ódio,
causalidade e etc.
Poder-se-ia dizer, que a existência dessa dimensão intelectual, no homem, é
confirmada por intermédio dos conceitos universais, dos juízos e raciocínios bem como
por meio da própria linguagem a qual não está circunscrita ao conhecimento das coisas
empíricas. Dessa forma, a doutrina aristotélica explica como se dá o conhecimento:
há uma estrutura no conhecimento humano, ou seja, tem duas dimensões, uma
sensível (que corresponde as duas primeiras fases, sensações externas e percepção
interna), e a outra intelectual (que corresponde a três fases, conceitos, juízos e
raciocínios), no entanto, são inseparáveis.22
Então, deve recorrer à sapiência que é o conhecimento certo e universal por
1 Quer dizer, o homem, em certo sentido, conhece todas as coisas, pois é dotado de conhecimento universal. Como diz
Ramón Lucas Lucas: O conhecimento intelectual supera essencialmente os limites individuais da coisa e a capta em
suas dimensões universais.” (LUCAS, 2003, p. 58, tradução nossa).
2 Ramón Lucas Lucas explica como se dá o processo de conhecimento, a saber: o conhecimento humano passa por
várias etapas, entretanto, tem um caráter unitivo formando, em um conjunto, toda uma estrutura dinâmica e que não se
pode definir uma sem levar em consideração a outra. Esses elementos dessa estrutura unitária podem ser
esquematizados destra forma: duas dimensões e cinco formas no processo cognoscitivo. (Cf. LUCAS, 2003, p. 60)
22
sua causa, tem sua legitimidade nas realidades últimas das coisas. Ela é a ciência
que tem profundo conhecimento do ente enquanto ente e de suas propriedades e
causas últimas. É a ciência que busca os primeiros princípios da realidade e não
dependem das realidades que estão ao seu redor. Além disto, ela tem como objeto o
ente; este é quilo que é; que existe “id quod est”. Ora, se o ente é objeto dela isso
significa que ele é a melhor forma de explicar a realidade, visto que abarca tudo.
Portanto, a sapiência leva o sujeito actante ao conhecimento das realidades
últimas, que é a metafísica ou ciência primeira (próte philosophía), e desta dependem
os princípios das demais ciências. Deste modo, não se trata de conhecimento abstrato
ou um saber apriorista, mas um conhecimento fundamentado na experiência, pelo
contrário, é um saber que parte da experiência (como veremos nesta próxima seção),
e produz substâncias imóveis e, por isso, é superior às outras, como a física, por
exemplo. Assim sendo, ela, a sapiência, é uma espécie de ciência universal que busca
a causa de toda a realidade. (Cf. BERTI, 2012, p. 127-128).
24
as coisas são marcadas por mudanças e que não existe somente a realidade estática
das coisas senão a dinâmica. Dessa forma, por meio da análise do movimento
elaborou a sua doutrina do ato e da potência cuja finalidade era explicar a origem do
movimento na natureza dando um salto qualitativo à etiologia, quer dizer, ao estudo e
compreensão das causas:
Pode-se dizer que a potência é o sujeito que recebe o ato e a experiência nos
mostra que todos os atos e perfeições se dão na realidade em sujeitos capazes deles,
ou seja, não encontramos atos e perfeições que existem separados: existem homens
justos, imagens belas, papéis brancos e não justiça, a beleza, a brancura. Em outros
termos, toda potência se reconhece por seu ato.
Joseph de Finance diz que a noção de ato não precisa de nenhuma
necessidade de explicação pelo fato de ele ser determinado, inteligível; é o
pensamento capta em primeiro lugaraté que reflita que o ser não está eternamente em
ato. Todavia, a noção que é mais difícil de entender é de potência porque é algo
inacabado, indeterminado, uma espécie de “vazio ontológico”, todavia, não se pode
considerá-la como uma “pura negação”, um “nada do ato”, ora ela está relacionada ao
ato; em outras palavras supõe um sujeito. Também não é “pura indeterminação”. A
potência é simplesmente algo que não está em ato. (FINANCE, 1965, p. 236).
O ato é limitado pela potência - cada homem adquire a ciência segundo à
medida acrescentada por sua capacidade intelectual, também o ato é multiplicado pela
potência.4 Ademais, ato e potência se relacionam como participante e participado.
3
Estes componentes constitutivos do ente: a matéria e a forma, o ato e a potência, estritamente falando, só subsistem
por causa da substância. Toda realizada é marcada por eles, com exceção do Motor Imóvel de Aristóteles, que é Ato Puro.
(ALVIRA; CLAVELL; MELENDO, 2001, p. 201).
4
Referente ao uno e ao múltiplo Aristóteles explica que todo ente quanto enquanto todo é uno, é ato; e enquanto em partes é
diverso, é potência. Por exemplo, pode-se dizer que o homem é um todo, uma unidade substancial, mas é múltiplo em acidentes
seja contingente seja essencial: gordo, bonito, inteligente etc. Logo, as partes existem no todo não como ato senão com
26
Participar é ter algo em parte, supõe que o outro sujeito também goza da perfeição,
mas nunca ambos na totalidade: “todas as cores brancas participam da cor branca
sem esgotar a plenitude da brancura, ou por exemplo cada homem possui um grau
de animalidade, mas nunca a esgota”. (ALVIRA; CLAVELL; MELENDO, 2001, p. 88-
89).
Tudo isso implica que o ato supera a potência, pois tem primazia de perfeição
porque ele é perfeito e a potência imperfeita. Também prioridade cognoscitiva porque
no processo do conhecimento o ato tem que vir primeiro. (Cf. Ibid., p. 86).
De fato, conhece primeiro o que a coisa é para depois perceber o que pode ser;
prioridade causal, pois só passa da potência ao ato por ser já em ato; e por último o
ato goza de prioridade temporal, esta se funda na causal, ou seja, a potência remete
a uma causa anterior em ato que atualize:
Aquilo que a filosofia primeira pode dizer acerca desses dois
significados de ser, isto é, o ser em potência e o ser em ato, é que o
ato é anterior à potência quer segundo à noção, enquanto não é
possível ter a noção da potência sem ter antes a do ato; quer segundo
o ser, enquanto não podem existir entes em potência, isto é, mutáveis,
se não existem antes entes em ato, isto é, as perspectivas causas
motoras. (BERTI, 2012, p.138).
potência. Portanto, percebemos que a doutrina do ato e da potência como princípios constitutivos de todo ente seja este material
ou não. Explica a realidade do movimento, do uno e do múltiplo como também do movimento e da multiplicidade sem cair em
contradição. Para se aprofundar nesta temática, ver: ALVIRA, Tomás; CLAVELL, Luis; MELENDO, Tomás. Metafísica. 8ª ed.
Espanha: Eunsa, 2001
27
que já existe em ato, e deste trigo e deste olho particular que está
vendo, na ordem temporal é anterior a matéria, a semente e a
possibilidade de ver, que são o homem, o trigo e o vidente em potência
e não ainda em ato. Mas anteriores a estes, sempre na ordem
temporal, existem outros seres em ato, dos quais eles são derivados:
de fato, o ser em ato deriva do ser em potência sempre por obra de
outro ser já em ato.” (ARISTÓTELES, Metafísica 1049 b 15-25).
Aristóteles rechaça essa ideia dos megáricos pelo fato de esses raciocínios
reduzem à potência ao ato, ao passo que se a potência não se distingue do ato,
ninguém poderia possuir qualquer arte ou aptidão para fazer alguma coisa a não ser
que esteja atualmente exercendo, executando tal ação. Mas isso cairia em um
28
contrassenso, pois neste raciocínio o professor quando parasse de ensinar, mesmo
que provisoriamente, perderia a sua arte. Assim sendo, deve admitir junto ao ato a
potência para explicar a origem do movimento na natureza e as inúmeras
transformações que os entes contingentes sofrem, independentemente de qualquer
determinação particular. Existe, então, o que é em ato e o que é em potência.
Portanto, partindo dessa noção de ato e potência e do próprio devir, nota-se
essa realidade inquestionável: o movimento no mundo. Ora, diante desta realidade,
podem-se deduzir duas reflexões: ou afirma esse jogo de movente e movido até o
processo ad infinitum, entretanto, admitindo isso, afirmaria que o movimento existe,
contudo, não poderia ser explicado; ou que, nesse jogo para que o movimento tenha
iniciado, teve que existir um ser só em Ato, Imóvel que seja causa de todo móvel, como
havia dito o Filósofo.5
Decerto, quando se analisa o mundo, percebe-se que as coisas se movem, e
elas não podem ser simultaneamente e no mesmo aspecto, moventes e movidas;
porque estaria ferindo o princípio da não- contradição6. Assim, um determinado ente
em um aspecto é movido por um movente, depois ele passa a ser o movente de outro
ente, para ajudar este na passagem da potência ao ato.
É neste contexto de movimento que surgirá ideia do Primeiro Motor Imóvel que
é a causa final de tudo. Dele provém todo movimento, mas não é movido por nada.
Como não está submetido às leis do movimento que rege o cosmos, ele é eterno e
imutável e imaterial. A fórmula: “Tudo o que se move, é movido por outro 87”, foi
considerada como a primeira fórmula do princípio de causalidade, ou seja, a
impossibilidade de que o que está em potência dê o ato a si mesmo. Refere-se à
irredutibilidade absoluta entre a potência e o ato:
5
Um dos títulos que os medievais deram para Aristóteles é o “Filósofo.” (AQUINO, 2016, p. 23).
6
O princípio da não-contradição também conhecido como princípio da contradição significa que uma determinadacoisa “não pode
ser e ser simultaneamente e no mesmo aspecto.” (CHAUÍ, 2000, p. 73)
7
Vide também (ALVIRA; CLAVELL; MELENDO, 2001, p. 201).
29
inteiramente privado de potencialidade, isto é, ato puro. Com efeito, se
possuísse potencialidade, poderia também não mover em ato; mas
isso é absolutamente absurdo [...] Esse é o "Motor Imóvel", que outra
coisa não é do que a substância suprassensível que buscávamos.
(REALE; ANTISERI, 2003, p. 201).
31
Portanto, é nesta linha de raciocínio que se deve compreender a causalidade o
seu valor ontológico o qual diz que tudo que existe tem uma causa, um motivo de sua
existência; e consequentemente um fim a realizar, pois como disse Cícero (apud
FINANCE, 1965, p. 349, tradução nossa) “não há nada de mais vergonhoso como
dizer que algo pode produzir-se sem causa.” É neste prisma que se deve entender as
noções de ato e potência estão intrinsecamente entrelaçados com a causalidade.
Ainda mais, quando se volta para a contingência dos entes, vê-se a
necessidade afirmá- la. De fato, é absurdo admitir que um ser contingente seja causa
de si mesmo. O ser contingente é o ser que existe, mas poderia não existir. Se poderia
não existir, não existe necessariamente, ou seja, não existe em virtude de sua
essência, não se autoexplica. Ora, se não existe em virtude da própria essência, existe
em virtude de outro ser. Logo, existir em virtude de outro é ter nele a sua causa, sua
razão de ser, ou seja, só veio à existência por causa dele:
Por isso, que tudo que começa tem uma causa, ou seja, o que não possui um
determinado ato não é capaz de fazer-se a si mesmo, a não ser por um determinado
influxo de outro que já goze dele. É inadmissível à razão, exemplificando, não só que
um tijolo faça a si mesmo, mas que ele atualize suas próprias potências, a não ser pela
intervenção dum outro princípio exterior a si, neste caso, se pode dizer do pedreiro,
que seria sua causa eficiente. Então, percebe-se que nada é causa de si. E que “tudo
o que é contingente necessita uma causa.” (FILHO, 2000, p. 32), pois é notório que os
entes providos de matérias estão sujeitos à corrupção, se desvanecem.
32
2.3 A CRÍTICA DE ARISTÓTELES AOS SEUS ANTECESSORES
8
O termo arché não fora especificamente utilizado por Tales, não pertence a ele. Talvez tenha sido introduzido por Anaximandro.
A ideia é como se a physis fosse a manifestação visível da arché invisível.
9
Os filósofos que, a partir de Tales de Mileto até o fim do século V a.C., indagaram a respeito da physis foram denominados
"Físicos" ou "Naturalistas", todavia, somente recuperando a concepção arcaica do termo e captando adequadamente as
peculiaridades que a diferenciam da acepção arcaica moderna o leitor poderá entender seus pensamentos e suas doutrinas
cosmológicas. (Cf. REALE; ANTISERI, 1990, p.19). Portanto, não se deve confundir os termos “físicos e naturalistas” no sentido
moderno que nega a essência das coisas e tem uma concepção naturalista e mecanicista das coisas. Os iniciadores da filosofia
foram chamados físicos e naturalistas por causa da visão cosmológica de mundo, quer dizer, foi a partir de sua visão de mundo
que eles atribuíram um princípio que fosse fundamento essencial para a geração das coisas.
33
desejo que se perpetua entre todas as civilizações? Essas questões sobre o
fundamento último das coisas, que faz com que estas existam sempre estiveram
presentes na história da filosofia.
Ora, o fato de o homem procurar resolver os problemas do cosmos e,
especialmente, o da sua existência é simplesmente porque ele não vive como os
animais ou como os seres inanimados. O ser humano é capaz de ensimesmar-se,
entrar dentro de si. Ele tem a consciência de sua existência, ou seja, o anseio pelo
conhecimento é intrínseco ao homem, faz parte de sua essência questionar-se e
questionar as coisas para buscar possíveis respostas no mundo diante das
transformações e acontecimentos ao seu derredor.10 Essa forma de saber é natural
ao homem: “todos os homens, por natureza, tendem ao saber.” (ARISTÓTELES.
Metafísica, 980a).
Foi partindo dessa verdade que a maioria dos filósofos que precedeu Sócrates
buscou entender a natureza a partir de uma visão logocêntrica, dando, assim, primazia
à razão, e deixando, em certo sentido, as explicações míticas11. Dessa forma, cada
um deles atribuiu um elemento como physis12 ou arché, que seria o fundo perene
responsável pela geração das diversidades de seres. Ela, embora seja imperecível,
dá origem a todos os seres infinitamente variados e diferentes do mundo, seres que,
ao contrário do princípio gerador, são perecíveis ou mortais (Cf. CHAUÍ, 2000, p. 41),
como veremos nestas subseções.
10
Segundo Ramón Lucas: “Com base na autoconsciência, o homem não apenas sabe, mas sabe que sabe. O eu conhecido é,
portanto, uma pessoa: um eu subsistente, porque eu sou aquele que age, aquele a quem os atos pertencem; um eu diferente,
porque junto com todas as minhas ações sou um indivíduo;” (LUCAS, 2003, p. 115, tradução nossa). Isto é, ele tem consciência
de sua existência e de toda a realidade criada
11
Quando dizemos que houve uma visão mais logocêntrica não estamos afirmando a ruptura radical com os mitos, pelo contrário,
lembremo-nos que estes sempre estiveram presentes na história da filosofia e eles transmitem mensagens verídicas.
Parmênides recorrer à poesia da deusa para explicar sua epistemologia. Platão recorre ao mito da caverna. Todavia, não se trata
de qualquer mito, mas de uma realidade que é dotada de racionalidade e não carente de sentidos. Essa visão logocêntrica
deve-se ser entendida no sentido de que estes filósofos investigavam minuciosamente a origem das coisas pela razão, esta se
torna primordial. Entretanto, isso não significa que os mitos gregos homéricos como, por exemplo, Ilíada e Odisseia não
buscassem compreender a realidade das coisas. Ora, os estudiosos observaram que o poeta não se limitava a narrar apenas
fatos, mas pesquisava suas causas e razões. Enfim, aquela mentalidade embora no nível mítico e fantástico despertará na
filosofia à busca duma “causa”, dum “princípio”, do porquê último das coisas.
12
Eis a definição de Physis: “O fundo eterno, perene, imortal e imperecível de onde tudo brota e para onde tudo retorna é o
elemento primordial da Natureza e chama-se physis (em grego, physis vem de um verbo que significa fazer surgir, fazer brotar,
fazer nascer, produzir). A physis é a Natureza eterna e em perene transformação. (CHAUÍ, 2000, p. 41).
34
41) e iniciador da filosofia da physis, comungava do pensamento que o cosmos era
eterno e partindo da observação e da experiência chegou à conclusão que tudo foi
criado a partir de um único elemento, que ele atribuiu a água ou o úmido, como sendo
o princípio responsável pela geração de tudo.
Segundo Jean Bernhardt é o “primeiro a imaginar uma realidade sensível, a
água, como o substrato e a força geradora de todas as coisas.” (CHÂTELET;
BERNHARDT; AUBENQUE, 1973, p. 27). Ela seria então, essa força renovadora,
princípio vital, capaz de atravessar séculos e permanecer intacta. O filósofo percebia
através da observação que tudo tinha água a qual era necessária à vida de forma em
geral. Assim, tudo precisa dela: as plantas, os animais, o homem, a natureza em si. Ele
analisava ainda que todas as coisas são úmidas e quando uma pessoa morre fica seca.
Isso se explica pela ausência desse princípio que é capaz de sustentar toda realidade
seja humana ou não.
Aristóteles, ao falar de Tales, atribui a ele essa concepção física da água como
sendo o princípio causal de toda a realidade:
Tales, iniciador desse tipo de filosofia, diz que o princípio é a água (por
isso afirma também que a terra flutua sobre a água), certamente
tirando esta convicção da constatação de que até o calor se gera do
úmido e vive no úmido. Ora, aquilo de que todas as coisas se geram é
o princípio de tudo. Ele tirou, pois esta convicção desse fato e também
do fato de que as sementes de todas as coisas têm uma natureza
úmida, sendo a água o princípio da natureza úmida. (ARISTÓTELES.
Metafísica, 983b, 20-25).
Entretanto, quando o filósofo diz que tudo veio da água e esta é o princípio
originador de todas as coisas presentes no cosmos, parece não estava falando dela
35
simplesmente do modo como conhecemos. Pelo contrário, o filósofo estava explicando
que tudo veio de um princípio unitário, de uma única realidade ou ainda de uma physis
na qual a água que bebemos é apenas uma de suas manifestações. Desta maneira, a
ideia do filósofo é que esse princípio13 se faz presente em tudo e se fosse para
expressá-lo visivelmente seria a água, por isso, que ele chegou a dizer que tudo tem
uma alma:
Mas não se deve acreditar que a água de Tales seja o elemento físico-
químico que hoje bebemos. A água de Tales deve ser pensada de
modo totalizante, ou seja, como a physis liquida originária da qual tudo
deriva e da qual a água que bebemos é apenas uma de suas tantas
manifestações. [...] Tales, portanto, fundamenta suas asserções sobre
o raciocínio puro, sobre o logos; apresenta uma forma de
conhecimento motivado com argumentações racionais precisas.”
(REALE; ANTISERI, 2003, p. 19).
13
Dizer que água é princípio de todas as coisas significa que ela é a fonte e a origem de todas as coisas, de tudo que é
criado. É substancia de tudo, pois o princípio quer dizer: “aquilo do qual provém, aquilo no qual se concluem e aquilo
pelo qual existem e subsistem todas as coisas.” (REALE; ANTISERI, 2003, p. 18).
36
2.4.2 Anaximandro de Mileto: o ápeíron como princípio indefinido-infinito
gerador de todas as coisas
39
o “ar”, com a doutrina de Anaxágoras (que veremos mais adiante) quando fala de
inteligência ordenadora:
Mas isso não quer dizer que eles não atribuem causas ao nascer do
mundo [...], mas sim que não estabelece uma causa inteligente, uma
causa final. A ordem (o cosmos) é feito de um encontro mecânico entre
os átomos não projetados e não produzidos por uma Inteligência.
(REALE; ANTISERI, 2003, p. 46).
41
intelecto; as coisas sensíveis nascem, morrem e sofrem mutação.
14
Heráclito ficou conhecido como “o obscuro” porque tinha caráter desencontrado e temperamento esquivo e desdenhoso.
Não quis participar da vida pública “Fez isso para evitar o desprezo e a caçoada daqueles que, lendo coisas aparentemente
fáceis, acreditam estar entendendo aquilo que, ao contrário, não entendem. Por esse motivo foi denominado "Heráclito, o
obscuro". (REALE; ANTISERI, 2003, p. 22).
15
A dialética propõe a busca da verdade através da relação entre dois conceitos opostos, numa relação de
interdependência. Por isso que para ele “há, portanto, guerra perpétua entre os contrários que se aproximam.” (REALE;
ANTISERI, 2003, p. 23). Quer dizer: “das coisas diferentes nasce a mais bela harmonia e tudo se gera por meio de
contrastes"; ‘harmonia dos contrários’, como a harmonia do arco e da lira.( Ibid., p. 23, grifo do autor).
42
princípio fundamental, e considerou todas as coisas como transformações deste
princípio. Esse fogo governa tudo, como ele mesmo se expressa: “Esse fogo é ‘como
raio’ que governa todas as coisas. E aquilo que governa todas as coisas é a
‘inteligência’, é ‘razão’, é ‘logos’, é lei racional.” (REALE; ANTISERI, 2003, p. 24).
Assim sendo, Heráclito é conhecido por sua filosofia do fluxo constante, da
unidade dos opostos e da importância do fogo como elemento primordial. Sua
abordagem desafiou ideias anteriores e influenciou significativamente o
desenvolvimento da filosofia ocidental, especialmente na obra de filósofos como
Friedrich Nietzsche (o eterno retorno) e Hegel (a dialética).
16
A dicotomia entre o "ser" eterno e imutável de Parmênides e o mundo mutável da aparência perceptual foi um tema central
na filosofia ocidental e ainda é debatido e explorado em várias tradições filosóficas.
17
Muitos veem nesta doutrina de Parmênides sobre o ser, “a primeira grande formulação do princípio da não- contradição,
isto é, daquele princípio que afirma a impossibilidade de que os contraditórios coexistam ao mesmo tempo.” (REALE;
ANTISERI, 2003, p. 33).
43
ilusório, mas também que era eterno, imutável, homogêneo e indivisível.
Todavia, conforme Tomás Melendo com a concepção rígida do ser de
Parmênides a ponto de uma rejeição total do não-ser, introduzirá a metafísica em uma
via morta, pois o não- ser em algum sentido pode ser pensado, que o não ser é, em
algum sentido:
44
em relação às demais realidades, por exemplo, o homem não é o cachorro. À vista
disso, o homem não é o cachorro, opõe-se á perfeita identidade (de fato o homem não
é cachorro) e compreensível à razão humana, também pode ser entendida na segunda
explicação platônica de dar-se de fato, haver ou existir. (Cf. REALE; ANTISERI, 2003,
p. 55) ao passo que o é não exclui a outra realidade: o cachorro existe.
Esse embate entre Heráclito e Parmênides acerca do ser será compreendido
com a doutrina do ato e da potência em Aristóteles, que analisaremos mais adiante. Por
agora, veremos os filósofos que ultrapassaram a causa material e a motora.
45
doutrinas as noções de causa formal e de causa e final18.
Água, ar, terra e fogo são movidos e governados por duas forças
cósmicas, o Amor e o ódio: uma agrega, a outra desagrega. Quando
prevalece o Amor, temos perfeita unidade (o Esfero); quando
prevalece o ódio em sentido extremo, temos ao invés o mínimo de
desagregação (o Caos). Nas fases de relativo predomínio do ódio,
gera-se o cosmo. (REALE; ANTISERI, 2003, p. 39).
Deste modo, todos os seres seriam compostos por esses quatro elementos,
podendo variar. O amor e o ódio, sendo os dois sentimentos humanos: o amor une
elementos semelhantes e afasta aquilo que é dessemelhante no ser. O ódio separa os
elementos dessemelhantes. Assim, esses dois princípios são responsáveis pelo
surgimento das coisas no cosmos. Assim, a relação amor-ódio é de geração.
Contudo, se afasta destes filósofos a partir do momento que adota uma
finalidade pluralista, quer dizer, enquanto os outros filósofos buscavam na physis um
único princípio, causador de todas as coisas; ele afirmava, como vimos anteriormente,
a existência de quatro elementos: a terra, o fogo, o ar e a água, como que as raízes
de todas as coisas:
18
Poder-se-ia dizer, que todo ser vivo age em vista de um fim, mesmo sem fazer uso da razão, como, por exemplo, acontece com
o animal que sedento vai à fonte saciar sua sede, a criança que chora como forma de expressar sua fome, o seu medo, sua
insegura etc. e, é tranquilizada quando está no colo de sua mãe.
46
Segundo Empédocles, da mesma forma que para Parmênides, o
“nascer” e o “perecer”, entendidos como um vir do nada e um ir ao
nada, são impossíveis porque o ser é e o não-ser não é. Assim, não
existem “nascimento” e “morte”: aquilo que os homens chamam com
esses nomes, ao contrário, são o misturar- se e o dissolver-se de
algumas substâncias que permanecem eternamente iguais e
indestrutíveis. Tais substâncias são a água, ao ar, a terra e o fogo, que
Empédocles chamou raízes de todas as coisas. (Ibid., p. 60).
48
elementos são unidos por essa força, eles formam uma esfera harmônica e completa.
No entanto, ele também argumentava que, devido à ação do Ódio, essa unidade
eventualmente se desfaz, e os elementos se separam novamente.
Aristóteles criticou esse pensamento argumentando suas incoerências e não
fornecia uma explicação científica adequada para os fenômenos naturais, como
vemos na citação acima quando ele diz Empédocles utiliza muito mais suas causas do
que Anaxágoras, mas não se serve delas adequadamente e de maneira coerente, ora
a amizade deveria ser sempre em todos os casos união e a discórdia separação, mas
isso não se vê em Empédocles, pois a amizade separa e o ódio une.
Por isso, Aristóteles reconheceu que quem acreditou que o cosmos não é fruto
do acaso, mas de uma intervenção, ou seja, de uma Inteligência Ordenadora pareceu
ser o único filósofo sensato diante dos discursos vãos de filósofos que o precederam.
Ele atribuiu ao filósofo Anaxágoras19 esse pensamento pelo fato de ele ter exposto
19
Notar-se-á que uma grande parte dos filósofos antigos desenvolveu suas doutrinas do princípio originário de todas as
coisas, com base na causa material. Para Tales era a água, para Anaxímenes e Diógenes o ar. Já para Heráclito era o
fogo. Depois vem Empédocles com os quatro elementos e Anaxágoras com as homeomerias. O fato é que esses
pensadores perceberam que esse princípio não era suficiente para explicar o dever das coisas, assim, surge a
necessidade de buscar um princípio movente, surge, portanto, com Anaxágoras a doutrina de uma Inteligência
Ordenadora. Para mais consulta, vide (Metafísica. Ensaio introdutório, texto grego com tradução e comentário de
Giovanni Reale. v. III. trad. Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2002)
49
essas noções, embora, mesmo alcançando as duas a causa material e a causa do
movimento, de modo confuso e obscuro, como que sem a devida sapiência, que não
ignora as causas e os princípios últimos:
Com exatidão, não concebe que do acaso provenha ordem e os que discordam
se contradizem, pois, no cosmos não reina a desordem, mas ao contrário, há uma
ordem, uma Inteligência fundada no valor ontológico das leis que todo o universo.
Apesar de Anaxágoras tenha mencionado a ideia de um princípio inteligente como
causa do movimento, não o fez de forma coerente e clara a causa final, senão de modo
obscuro e inadequado. No entanto, para Aristóteles (apud ANGIONI, 2009, p.57) ele
quando evoca a causa do bem e associa ao movimento vislumbrou em certo sentido
a causa final.
Para o defensor do Mundo das Formas Inteligíveis, Platão, na Obra Fédon 97b-
99d, o filósofo que mais se aproximou da noção de causa final, mesmo que de forma
obscura e confusa, foi Anaxágoras. Segundo ele, foi o primeiro a elaborar uma doutrina
finalista do mundo ordenado que explica a origem de todas as coisas e o decurso do
cosmos, introduzindo o conceito de nous, (espírito), como causa organizadora e
geradora de todas as coisas. No entanto, critica-o ao recorrer a essa teoria apenas
para explicar a origem do movimento no universo, e a produção das coisas, o cosmos
ficava abandonado a forças mecânicas:
50
É inegável que entre os pré-socráticos ou os filósofos da physis, Anaxágoras se
destacou pelo seu posicionamento diferenciado, percebe-se tal afirmação tanto em
Aristóteles como em Platão, contudo, para este, o erro que esse filósofo comete é usar
de uma Inteligência que explica exclusivamente a origem das coisas; não o decurso
destas. Essa crítica é bem visível quando diz “descubro um homem que não fazia o
mínimo caso do Espírito, que nenhuma responsabilidade lhe atribuía na ordenação
das coisas.” (Ibid., p.103).
Também é perceptivo nesta crítica, que a decepção do filósofo foi perceber
como a doutrina de Anaxágoras desemboca no mecanicismo, pois todas as suas
explicações são tiradas do ar, do éter e da água, nada justifica a ordem estrutural do
universo por esta Inteligência. Esta não estaria presente no universo após seu
funcionamento tampouco ela ordenaria as coisas criadas, explicando-as por meio de
causas finais.
Isto é, faltou explanar como se dá a relação entre essa Inteligência Ordenadora
com o mundo criado, bem como diz José de Finance “o Espírito está lá apenas para
desencadear o movimento, mas não dá razão da estrutura do universo.” (FINANCE,
1965, p. 405, tradução nossa). Em outros termos, não se vê rigorosamente como o
nous operando no cosmos, nas realidades criadas.
Essa crítica à teoria obscura de Anaxágoras também é presente no comentário
à Metafísica de Aristóteles por Santo Tomás de Aquino, que também faz a abordagem
obscura do pensamento deste filósofo ao buscar o princípio gerador de todas as
coisas, e ao mesmo tempo atribuir causas diferentes para as outras coisas:
O filósofo Platão defenderá o “Mundo das Ideias20 e será muito criticado por
Aristóteles”. Estas não são simples conceitos mentais ou entidades abstratas, senão,
realidades essenciais que subsistem em si mesmas. Em outros termos, trata-se de
Formas Imutáveis, e por conseguinte eternas e inteligíveis, que se encontram em um
plano que está além da realidade empírica que é transitória, enganadora:
Deste modo, fica claro que a teoria platônica não permite a introdução de novas
ideias no mundo Inteligível. Nota-se, que a principal novidade no platonismo, consiste
na descoberta de uma realidade superior ao mundo sensível, ou seja, uma dimensão
suprafísica ou metafisica cuja essência é não depender dos particulares.
A epistemologia platônica (quer dizer, a ciência do conhecimento em Platão)
busca superar o fluxo perpétuo heraclitiano bem como o imobilismo da teoria
parmenidiana passando do mundo sensível ao Mundo Inteligível. Assim, poder-se-ia
dizer que o mundo sensível é o do não-ser; enquanto o Mundo Inteligível seria o do ser.
De fato, para este filósofo, o conhecimento não é só saber o que é certo e o que é
errado ou o verdadeiro do falso, mas também distinguir o certo do errado, o verdadeiro
do falso:
Com a expressão “Ideias”, se traduzem geralmente os termos gregos idéa e éidos. Entretanto, são usados na
20
contemporaneidade com um sentidos diferentes de Platão. Este utiliza idéa ou eidos para indicar a estrutura metafisica
ou essência de natureza requintadamente inteligível, e usa como sinônimo ousía, isto é substância ou essência. (Cf.
REALE; ANTISERI, 2003, p.139).
52
"Demiurgo"; este cria o mundo animado pela bondade: toma como
modelo as Ideias o Demiurgo e plasma a chora, isto e, o receptáculo
material informe. o Demiurgo procura descer na realidade física os
modelos do cosmo mundo ideal, em função das figuras geométricas e
dos números. (REALE; ANTISERI, 2003, p. 137).
21
Em Platão, existe toda uma estrutura e sequência a respeito do conhecimento: “Platão apresenta esta teoria do conhecimento
tanto em modo mítico (as almas sio imortais e contemplaram as Ideias antes de descer nos corpos) quanto em modo dialético
(todo homem pode aprender e a dialética por si verdades antes ignoradas, por exemplo, os teoremas matemáticos). O
conhecimento ocorre por graus: simples opinião (doxa), que se subdivide em imaginação e crença; ciência (episteme), que se
subdivide em conhecimento mediano e pura inteleção. O processo do conhecimento é a dialética, que pode ser ascensional ou
sinótica (remontar do mundo sensível as Ideias) e descensional ou diairética (partir das ldeias gerais para descer as
particulares).” (REALE; ANTISERI, 2003, p.146). Para aprofundar na teoria epistemológica de Platão, vide: REALE, Giovanni;
ANTISERI, Dario. História Pagã Antiga. 3ª ed. v. I. trad. Ivo Storniolo. Paulus, 2003.
53
(ARISTÓTELES, Metafísica, 991a 20), assim, essas Ideias não servem nem para o
conhecimento das coisas nem de si próprias. Não acrescentaria nada ao conhecimento
humano e tampouco teria utilidade na vida do indivíduo que anseia pelo saber e pela
verdadeira ciência.
Desa forma, podemos destacar duas críticas de Aristóteles a Platão: Crítica à
Teoria das Ideias e Crítica à Ênfase no Conhecimento Abstrato. Analisemo-las.
a) Crítica à Teoria das Ideias. Aristóteles criticou a teoria das ideias de Platão
por considerá-la excessivamente abstrata e divorciada do mundo real. No pensamento
do Estagirita as formas não existiam separadamente das coisas materiais e que as
formas eram imanentes nas coisas. Propôs uma ontologia concreta, a posteriori, onde
as formas estavam incorporadas nas substâncias individuais, em oposição à visão
platônica de que as formas eram transcendentais.
b) O problema de fundo da metafísica é o seguinte: existem apenas
substâncias sensíveis, ou também substâncias suprassensíveis? Aristóteles reconhece que
sim e deve ser imóvel, porque, se a causa fosse móvel, requereria outra causa, e esta ainda
outra, ao infinito, sem nenhuma potencialidade, pura forma imaterial. (Cf. REALE; ANTISERI,
2003, p. 194).Efetivamente que para o filosofo existe essa realidade material e imaterial até
porque ele vai elaborar sua doutrina a hilemórfica, entretanto, difere de Platão que afirmava
estando a essênciano Mundo das Ideias e não nas realidades concretas.
c) Crítica à Ênfase no Conhecimento Abstrato. Essa cítrica se dirige a Platão
pelo enfoque demasiado no conhecimento abstrato e teórico em detrimento do
conhecimento prático e empírico. Ele argumentou que a filosofia deveria se
preocupar com a investigação do mundo natural e com a compreensão das coisas
como elas são, em vez de se concentrar apenas em princípios metafísicos
abstratos. Aristóteles distinguiu as ciências em três grandes ramos: 1) ciências
teoréticas, são aquelas que buscam o saber em si mesmo; 2) ciências praticas, isto
é, ciências que buscam o saber para que por meio dele alcance a perfeição erótica
e moral e 3) ciências poiéticas ou produtivas, que buscam o saber em função do
fazer, com o objetivo de produzir determinados objetos. (Cf. REALE; ANTISERI,
2003, p. 195).
Portanto, a do Estagirita aos seus predecessores refletiram seu desejo de
desenvolver uma abordagem filosófica única que combinasse empirismo com
raciocínio lógico, enfatizando a importância das causas e das investigações do mundo
natural como parte integral da filosofia. Analisemos a noção de causalidade na
54
Metafísica.
22
Neste sentido, pode-se afirmar que todas as causas são princípio, no entanto, nem todos os princípios são causas, quer
dizer os princípios da não contradição, princípio de identidade e do terceiro excluído não causam efeitos nas coisas. Eles
procedem de qualquer modo, sem incluir um influxo positivo no ser do procedido, ou seja, há neles uma natureza cuja
operação é diferente das causas; e assim como estas, não estão sujeitos à demonstração empírica, pois são
autoevidentes. Esses princípios são fundamentais para o conhecimento, são as raízes da inteligibilidade.
55
intelectual não serem a mesma coisa, eles não devem ser separados, pois entre o
conhecimento sensível e o intelectual há distinção, mas não separação; existe unidade,
mas não identificação.
23
Conforme Lucas Angioni os termos “aitia” e “aition” foram traduzidos por expalnation e não por “cause”. Trata-se de
uma tendencia recente no mundo anglo-saxão. Aristóteles (apud ANGIONI, 2009, p. 253).
56
e internos, o homem conhece a coisa em si, sua essência, pela virtude da abstração,
apreende o conceito universal. Porém, aqui o Estagirita se refere ao conhecimento
não por meio da empiria, senão das causas. Ora, o conhecimento para ele se dá por
meio das causas e dos princípios.
A metafísica de Aristóteles exige um profundo conhecimento acerca da
causalidade. Não é simplesmente “causa” senão “causas”. Ele rejeitou, como foi
exposto anteriormente, a ideia de que há somente um princípio que seja responsável
pela geração dos entes, e assim reprova alguns de seus antecedentes os quais deram
início à filosofia, pelo fato de eles terem ignorado a causa eficiente e se deterem
exclusivamente na causa material (ARISTÓTELES, Metafísica, 983b, 10).
Passaremos a tratar das quatro causas tão importantes não só para a filosofia
aristotélica,mas também para todo desenvolvimento filosófico e científico no ocidente.
Aqui se depara claramente com o conceito das quatro causas: formal, material,
eficiente ou motriz24 e final. As duas primeiras são consideradas intrínsecas, pois, são
o princípio interno da coisa causada. Por conseguinte, as duas últimas são externas,
ou seja, significa que o princípio é exterior à coisa causada.
24
A causa eficiente conforme também pode ser chamada de causa motriz. (REALE; ANTISERI, 2003).
57
Diante do sistema das quatro causas podemos levantar um questionamento:
Todos os entes têm necessariamente as quatro causas? De antemão, deve-se
compreender que: “Tudo o que não sempre foi, se começa a ser, necessita de algo
que seja causa de seu ser.” (ALVIRA; CLAVELL; MELENDO, 2001, p. 201). Isso
significa que tudo que existe tem uma causa, um motivo, ou melhor, mais de uma
causa.
Pode-se dizer que existem várias causas para uma mesma coisa, todavia não
dá mesma forma. Por exemplo, tanto a arte de esculpir como o a madeira são causas
da cadeira não enquanto ela é outra coisa, mas enquanto cadeira, embora não do
mesmo modo; uma é como a matéria - que seria a causa material - e a outra como
aquilo de onde provém o movimento: a causa motriz.
Portanto, com a noção destas causas, percebemos que por trás delas existem
quatros perguntas às quais nos ajudam identificar cada uma delas. A primeira: O que
a coisa é? Levando-nos a noção causa formal. A segunda: De que a coisa é feita?
Refere-se à causa material. Terceira: Quem a fez? Corresponde à causa eficiente.
Quarta: Para que foi feita? Esta nos faz deparar com a causa final pela qual o agente
foi impulsionado a realizar uma operação. De fato, toda pessoa opera por uma
finalidade. (ALVIRA; CLAVELL; MELENDO, 2001). É o que veremos detalhadamente
cada uma delas e suas respectivas características.
25
Muitas vezes o termo essência se utiliza como equivalente de substância. A essência determina um modo de ser ao que
compete existir; e a substância não é mais que esse modo de ser subsistindo. A ideia é que a essência determina a
substância, e quando falamos nesta pressupõe um ser que já se encontra no plano da existência. Dessa forma, a
essência tem mais a função de determinar a substância e esta tem a função de sustentar os acidentes. (Cf. ALVIRA;
CLAVELL; MELENDO, 2001, p. 55).
58
verbo ser em grego εἶναι (einai). Os filósofos latinos traduziram este termo aristotélico
como essentia (essência) ou substantia (substância) que vem do latim sub-stat que
significa aquilo que está debaixo, que subjaz, sustenta. Portanto, substância, como
estrutura necessária, é um termo que pertence à metafísica tradicional e pode ser pode
ser traduzida como essência necessária. (Cf. Cf. ABBAGNANO, 2007, p. 925).
Portanto, na concepção aristotélica a substância ou essência trata-se de uma
realidade cuja essência consiste ser em si mesma e não em outro. Neste sentido, a
substância é aquilo pelo qual todas as outras propriedades dependem para existir. Nela
se fundam todas as categorias ou predicados, estes não podem subsistir separados da
essência:
26
Aristóteles enumera dez categorias ou predicamentos: Substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição,
posse, ação e a paixão. (Cf. FINANCE, 1965, p.446).
60
A imagem, por exemplo, está incluída no mármore disforme, pois dele
pode ser derivada, mas de forma potencial e deficiente, pois para se
tornar estátua requer a ação do escultor. (ALVIRA; CLAVELL;
MELENDO, 2001, p. 216, tradução nossa).
Logo, precisa procurar outro princípio que seja responsável pela origem do
movimento. Esse princípio é, como foi exposto anteriormente, a causa eficiente a qual
é responsável pelo movimento, é o princípio que faz surgir a forma na matéria. No
entanto, a causa material por si só não é suficiente para explicar completamente a
realidade de um objeto.
Portanto, a causa material se refere à matéria física subjacente que compõe
uma coisa, mas é apenas uma das quatro causas que, juntas, fornecem uma
explicação completa e abrangente de um ente.
27
É importante compreendermos que as noções de causa eficiente por emanação e por participação, não são conceitos
propriamente de Aristóteles. Essas noções foram elaboradas, em muitos séculos depois, por um de seus intérpretes, o
filósofo Filippo Selvaggi (Cf. SELVAGGI, 1998, p. 305).
61
não toma uma parte “da” perfeição da causa” (Ibid., p. 305).
A causalidade por participação se caracteriza por uma comunicação da
perfeição própria, quer dizer, acrescenta algo de novo, enquanto a outra não. Por
exemplo: o professor é causa eficiente da ciência (por participação) do conhecimento
do aluno. Este toma parte no conhecimento do professor e não do conhecimento dele.
Decerto não houve alteração no conhecimento do professor, mas algo novo foi
produzido no aluno. No livro dois da Física, capítulo três, Aristóteles define a causa
eficiente como “aquilo de onde provém o começo primeiro da mudança ou do repouso
[...]” (ARISTÓTELES, Física 194b 23). Portanto, a causa eficiente, é aquela que
desencadeia uma mudança ou movimento no mundo natural.
A causa final é aquela em vista da qual algo é feito (id cuius gratia
aliquid fit), isto é, aquilo para o qual o agente decide agir, o objetivo
para o qual ele tende com suas operações: o carpinteiro trabalha a
madeira para fazer um mesa, o pai de família exerce sua profissão
para sustentar a esposa e os filhos [...]. (ALVIRA; CLAVELL;
MELENDO, 2001, p. 241, grifos do autor).
2.8.3 Causa definida como αἰτία: uma compreensão mais ampla da realidade
67
3 A CAUSA DAS CAUSAS NA DOUTRINA ARISTOTÉLICA
68
À vista disso, Aristóteles formula a teoria do hilemorfismo teleológico28 para
refutar os seus predecessores materialistas que queriam explicar a existência dos
entes naturais exclusivamente por meio de causas materiais e eficientes, quer dizer,
sem fazer uso das causas formais e finais que são imprescindíveis para conhecer a
realidade como um todo.
Deste modo, o hilomorfismo teleológico parte de sua teoria metafísica e filosofia
da natureza a qual propõe uma explicação sobre a natureza dos seres e sua
composição, enfocando a relação entre matéria e forma, bem como a noção de
propósito ou finalidade (telos) na natureza.
Neste segundo ponto, discorremos sobre o finalismo na concepção aristotélica,
depois em que sentido a causa final está relacionada com as outras, a saber: causa
material, formal e eficiente.
28
No hilomorfismo teleológico, hilemorfismo refere-se à união de dois conceitos: Hyle (matéria) é a substância subjacente que
compõe os objetos físicos. É a parte material e mutável dos seres. Poderia ser entendido como a composição química e
estrutural de um objeto. Morphe (forma) é a estrutura, organização e características específicas que definem a essência de um
objeto. É o que lhe confere identidade e função. Em termos modernos, seria a informação genética e designando a determinância
de como a matéria se manifesta. Aristóteles sustentava que todo objeto ou ser no mundo, é feito desses dois elementos
inseparáveis, matéria e forma. No entanto, o que distingue o hilemorfismo teleológico é a ideia de finalidade ou finalidade na
natureza (teleologia). Ele acreditava que todo objeto tinha um propósito ou uma causa final, ou seja, uma razão pela qual existe e
funciona da maneira que funciona. Essa ideia contrasta com a visão mecanicista da natureza que se desenvolveria mais tarde
na história da filosofia. Por exemplo, na teoria aristotélica, uma árvore tem a forma específica de "árvore" e é feita de matéria,
mas também tem um propósito inerente: crescer e se desenvolver em uma árvore completa. O propósito não é imposto de fora,
mas é parte intrínseca da própria natureza da árvore.
69
Em resumo, é causa a matéria da qual algo é feito (causa material); a
forma intrínseca à coisa, que atualiza essa matéria (causa formal); o
princípio que dá origem à forma na matéria (causa eficiente) e, por último, o
fim para o qual tende o agente (causa final). (ALVIRA; CLAVELL;
MELENDO, 2001, p. 210, tradução nossa).
A causa final está ligada à causa eficiente ou motora visto que ela é o que motiva
a ação do agente eficiente para que este possa realizar tal ação. Ora, é inconcebível
que um agente fazendo uso de suas faculdades intelectivas aja sem finalidade, sem
ser tomado por um desejo ou propósito anterior a sua ação. No entanto, a causa
motora não é a causa da causalidade do fim, quer dizer, não faz com que o fim seja
fim:
70
motor imóvel em seu gênero: movens immobile.
Tomemos este exemplo: qual seria a finalidade de uma mesa? Seria fornecer
uma superfície plana para colocar objetos? Não necessariamente! Na verdade, essa
seria uma compreensão muito reduzida e equivocada da causalidade final,
assentando-a simplesmente ou exclusivamente no plano funcional ou usual. Trata-se
aqui da relação entre telos e função, isto é, fim e aplicabilidade, que abordaremos a
partir de agora para maior compressão da causa finale sua relação com as outras.
Votemos a pergunta: qual seria a finalidade de uma mesa? Seria fornecer uma
superfície plana para colocar os objetos? Isso se explicaria pelo fato de a causa final
sê o fio condutor que guiou o carpinteiro (causa eficiente) a moldar a madeira nesse
formato específico e para esta finalidade atribuindo-lhe tal formato? Deparamo-nos
com dois erros presentes na concepção de causa final e causa formal que, inclusive,
ainda é muito propagado. O primeiro é confundir forma com formato; o segundo
finalidade com aplicabilidade. A forma se refere à coisa, o que ela é, aponta para a
essência; enquanto o formato aponta para o acidental, o contingente. O fim é visto
como acabamento, perfeição, em vista de quê, remete à uma realidade última e
melhor, em termos aristotélicos (Cf. Fis. 194ª 27).
Por exemplo, uma cadeira pode ser de madeira, de plástico, grande, pequena,
trata-se doformato, modelo. Já a forma é o que ela é: cadeira, pois independentemente
de seus aspectos acidentais (tipo de madeira, espessura) não deixará de ser cadeira.
Essas qualidades não são a sua forma. Esta vem do grego είδος que significa essência
necessária ou substância das coisas que têm matéria. Deste modo, não só se opõe a
matéria, mas a pressupõe. (Cf. ABBAGNANO, 2007, p.468). Lembremos que o
conhecimento universal não se reduz ao aspecto da aplicação, isto é, da prática.
Aristóteles usa, portanto, esse termo com referência às coisas naturais que são
compostas de matéria e forma (hilemorfismo teleológico) e observa que είδος (eidos)
é mais natureza que a ὕλη (hylé); é superior, é perfeição, uma vez que de uma coisa
diz aquilo que ela é em ato (a forma) e não o que é em potência. (Cf. Fis. 193b 6).
Dando constância à argumentação em Física 193b 28, o filósofo faz a distinção entre
forma e matéria, quando teia: “visto que a natureza se concede de duas maneiras – à
forma e à matéria.”
Assim sendo, nas causas extrínsecas, “o agente é a causa do fim em termos de
71
realização ou aquisição, uma vez que o fim é alcançado pelas operações do agente.”
(ALVIRA; CLAVELL; MELENDO, 2001, p. 251). As causas intrínsecas referem-se a
forma e a matéria , pois a forma organiza a matéria e lhe dá o ser). Portanto, as causas
extrínsecas (motora e final) são causas das intrínsecas (material e formal) dado que a
matéria e a forma dependem necessariamente de um agente para se unir, este qua
opera motivado pelo fim (Cf. Ibid., 251, tradução nossa).
Agora veremos em que sentido podemos afirmar que a causa final está ligada
à causa formal. Há algo peculiar nesta relação, pois o fim para chegar ao acabamento,
implica a noção de forma. Significa então que a causa formal é superior à causa final?
Não. Implica dizer que a finalidade está enraizada na natureza ou na essência do ente.
Em outros termos, a causa formal, que é intrínseca, depende ontologicamente da
causa final, bem como da causa motora, como foi dito. Em função disso, o fim também
está ligado à causa formal por meio do propósito que define a forma da coisa.
Poder-se-ia dizer que do mesmo modo que a causa formal é causa com respeito
a matéria isto é, a causa formal é ato da matéria (Cf. ALVIRA; CLAVELL; MELENDO,
2001, p. 218- 219) igualmente a causa final faz com que a causa formal seja realizada;
é o fator teleológico que estimula as outras causas tornando-as inteligíveis e aplicadas
em diferentes contextos nas áreas do saber. Portanto, é próprio, da natureza do fim,
atrair:
73
Duas coisas devemos considerar nessa citação: a primeira é que o fim atrai o
agente para si, a segunda é que esse movimento de “atração” o distingue dos demais
gêneros causais. De fato, é algo bastante peculiar, pois isso não acontece nas outras
causas. É certo como vimos que o agente, educando uma nova forma de matéria;
entretanto a própria causa motora é motivada pela causa final, ou seja, o agente ao
começar uma determinada ação foi movido pelo fim.
Se alguém perguntasse, por exemplo: “por que a forma da estátua (pensemos
em qualquer estátua significativa) atrai tanto a atenção das pessoas? Certamente, a
resposta de Aristóteles seria embasada em sua doutrina teleológica: o fator que
explica por que a estátua tem a forma que lhe foi atribuída é o propósito para o qual
a estátua foi concebida, sua finalidade, a causa da motivação do agente.
Deste modo, na arte, o telos de uma obra de arte era o efeito emocional ou
poderia dizer estético que ela buscava alcançar. Compreender a finalidade de uma
obra de arte permitiria apreciá-la em sua totalidade. A noção de causa final
desempenha um papel importante em sua metafísica, também na ética, assim como
na filosofia da natureza, bem como na teoria do conhecimento.
Essa concepção de que há uma teleologia presente na natureza perpassa toda
a obra aristotélica. No capítulo três do livro da Física no contexto das quatro causas
ao falar da causa final o Estagirita diz: “além disso, denomina-se ‘causa’ como o fim,
ou seja, aquilo em vista de quê, por exemplo, do caminhar, à saúde, de fato por que
caminha? Dizemos a ‘fim de que tenha saúde’ e, assim dizendo, julgamos ter dado a
causa.” (ARISTÓTELES. Física 194b 23, grifo do autor).
A causa material é moldada para alcançar a causa final desejada por essa
finalidade. Também há uma dependência ontológica, isto é, a causa material, que é
intrínseca, depende ontologicamente da causa final, e consequentemente da causa
motora. De fato, o objetivo final de alguma coisa muitas vezes influencia o material
escolhido para criá-la, por exemplo se o objetivo final é criar uma ferramenta durável
a escolha do material será influenciada.
Aristóteles, no livro dois da Física, admite a existência de várias causas para uma
mesma coisa, mas não por concomitância, ou seja, que se manifeste ao mesmo
tempo, no mesmo aspecto:
74
[...] há várias causas para uma mesma coisa, não por concomitância;
por exemplo, tanto a arte de esculpir como o bronze são causas da
estátua não enquanto ela é outra coisa, mas enquanto estátua, embora
não do mesmo modo
- uma é como matéria, a outra é como aquilo de onde provém o
movimento. (Ibid., 195ª 3).
Como se percebe nessa citação, não é errado pensar em um ente e lhe atribuir
causas. No exemplo de Aristóteles, vemos que tanto a arte de esculpir quanto o
bronze são causas da estátua, porém não enquanto ela é outra coisa, mas enquanto
a forma de estátua, o que é em si mesma, sua essência. Dito de outro modo, quando
se analisa uma estátua percebe que houve uma atualização, quer dizer, uma
passagem da potência para o ato, pois o que era madeira, tornou-se uma bela
escultura. Contudo, esse movimento só foi possível por meio da causa motora, por
isso que ele diz em Física 195ª 3, embora não do mesmo modo - uma é como matéria,
a outra é como aquilo de onde provém o movimento.
Ademais, a inteligência humana quando pensa na causa motora (de onde
provém o movimento) consequentemente é levada a pensar na causa final. Como
também quando pensa no material a ser escolhido bem como na finalidade ao esculpir
uma estátua impõe-lhe limitações sobre as propriedades que a forma pode vir a
adquirir. Por essa razão, se diz que a causa final determina as demais.
Neste mesmo exemplo da estátua, pode levantar esta pergunta: “por que a
matéria da estátua é a madeira? A resposta inteligível estará na causa final, foi porque
ao fazer a estátua a finalidade (enquanto a forma) era bem especifica e o material era
o mais apropriado no momento, ainda que pudesse ser o mármore ou o bronze etc.
mas uma vez acabada não poderia ser outra coisa a não ser ela mesma: estátua.
É correto dizer que o acaso é algo que foge à razão, pois a razão se
aplica às coisas que são sempre ou às que são no mais das vezes,
mas o acaso está no domínio das coisas que vêm a ser à parte delas.
Por conseguinte, visto serem indetermináveis as coisas que são
causas desse tipo, também o acaso é indeterminável. (ARISTÓTELES.
Física, 197ª 18).
29
Já o espontâneo difere-se do acaso por causa de sua amplitude de ação, ou seja, ele atua no âmbito das coisas naturais
e não depende da deliberação e do pensamento. Em Física 197ª 13, Aristóteles diz: “Já o espontâneo se atribui também
aos outros animais e mesmo a muitos inanimados.” Sendo assim, o espontâneo é um determinado tipo de ação que ocorre
sem deliberação. O filósofo cita dois exemplos para ilustrar seu pensamento. De um cavalo que veio espontaneamente,
porque se salvou ao vir, mas não veio em vista de ser salvo; como também o tripé que caiu espontaneamente, pois ficou
de modo a servir de assento, mas não caiu em vista do servir de assento. (Cf. Física 97ª 13).
76
questão, foge dos ditames da racionalidade, são indetermináveis, logo não se pode
atribuir uma causa específica. Em Metafísica 1025ª 20-25, Aristóteles esclarece que
uma causa fortuita é indeterminada. Dado isto, infere que o acaso é inconstante, por
conseguinte não pode ser considerado como uma causa (Cf. Física 196b,13-22),
introduz a noção de concomitância para explicar as relações casuais na produção de
um evento casual (Cf. Ibid. 196b, 23-31). Neste caso, o acaso não ocorre “no mais das
vezes” (hôs epi to poly) tampouco “sempre da mesma maneira” (aei hosautôs).
Decerto, não se tem como prever, esperar que aconteça, diferentemente, por exemplo
do eclipse, que acontece, e hoje isso é factível pela ciência (Cf. ARISTÓTELES apud
ANGIONI, 2009, p. 287-288).
Entre as coisas que vêm a ser, umas vêm a ser em vista de algo, mas
outras não; entre aquelas, uma são por escolhas, outras não por
escolhas, mas todas elas estão entre as coisas que vêm a ser em vista
de algo; por conseguinte, é evidente que, mesmo entre as coisas que
vêm a ser à parte daquilo que é necessário ou no mais das vezes, há
algumas a respeito das quais é possível que se dê em vista de algo.
(ARISTÓTELES. Física, 196b 17).
Percebe-se que mesmo que não lhe confira uma necessidade essencial ao
acaso, por causa da sua irregularidade, ele não é negado na doutrina aristotélica. No
livro dois da Física, se alega que em vista de algo poderia se dar por acaso, nas
palavras do filósofo: “E o em vista de quê, bem como aquilo que é em vista dele,
poderia ocorrer também por acaso.” (Cf. Ibid., 199b 14).
Aristóteles dá o exemplo de alguém que vai à praça por acaso, ou seja, sem
intenção nenhuma, por exemplo, de recobrar um empréstimo, porém sucede que
encontra o devedor e o desfecho foi o ressarcimento. Mas, não foi em vista disso que
ele foi à praça. É nesta linha de raciocínio que ele recorre à causa ação por
concomitância, como abordamos, para diferenciar as coisas que podem ser feitas a
partir do pensamento (a razão) daquelas frutos do acaso (concomitância). Em Física
196b 13, o filósofo afirma: “mas, dado que, além dessas, há também outras coisas que
vêm a ser, as quais todos afirmas ser por acaso, é evidente que o acaso e o
espontâneo são algo [...]”.
Para ilustrar esse pensamento, adotaremos um exemplo desse filósofo sobre a
77
causalidade por concomitância:
Pois bem: quando tais coisas vêm a ser por concomitância, dizemos
que elas são por acaso (pois, assim como certa coisa é algo em si
mesma ou por concomitância, também cabe que algo seja causa do
mesmo modo; por exemplo, de uma casa, o construtor é causa em si
mesmo, mas o branco ou musical são causas por concomitância;
assim está já determinado aquilo que causa em si mesmo, mas é
indeterminado aquilo que é causa por concomitância, pois ilimitadas
coisas podem ser atribuídas como concomitantes a algo. (Ibid., 196b
21ss).
Santo Tomás de Aquino comentando essa citação, enfatiza que o ente se diz
por si e por acidente. Aqui se debruça tanto sobre a natureza essencial, isto é, aquilo
que faz algo ser o que é, quanto as qualidades, os acidentes, que podem variar sem
alterar a essência do ente. O Doutor Angélico deixa claro que essa divisão do ente por
si e por acidente não é a mesma que o divide em substância e em acidentes, ou seja,
não se trata aqui das nove categorias com as quais se diz sobre o ser. (Cf. AQUINO,
2016, p. 95). Deve entender o “acaso” como “acidente” deste modo: “acidente é tudo o
78
que acontece por acaso, isto é, pela inter-relação e o entrelaçamento de várias causas,
mas sem uma causa determinada.” (ABBAGNANO, 2007, p. 13).
Assim, pode-se afirmar que uma das formas de causalidade em Aristóteles é a
causalidade por concomitância, também conhecida como causalidade simultânea ou
causalidade acidental. Esta acontece quando dois eventos ocorrem juntos, sem que
haja uma relação direta entre eles, visto que ocorrem devido a circunstâncias
contingentes e externas, mesmo que estejam ligados por meio de uma relação de
coexistência. Dessa forma, no livro dois da Física, no capítulo cinco, está a primeira
definição para o acaso: trata-se de uma causa por concomitância, foge da razão, do
pensamento, este é racional, como bem diz o Estagirita: “a escolha não se dá sem
pensamento.” (Cf. Física 197a 5).
Entretanto, essa discrepância nesta divisão, conforme Lucas Angioni, o
pensamento de Aristóteles permanece confuso, pois ele não esclarece quais são as
coisas que ocorrem em vista de algo que dependem de um a gente racional daquelas
que não dependem. No argumento de Angioni essa explicação de Aristóteles poderia
ser aplicada em certas às ações humanas (que são contingentes e se articulam em
vista de algo) contudo, não satisfazem a condição apresentada em Física 196b 22,
das coisas em vista de algo pela natureza, porque “elas estão a parte daquilo que é
necessário ou no mais das vezes” (Cf. Ibid., 196b 17), ora, mas estas são necessárias
sejam no sentido de que são sempre ou no mais das vezes do mesmo modo (Cf.
ARISTÓTELES apud ANGIONI, 2009, p. 289).
De fato, parece até meio contraditório o argumento de Aristóteles quando diz em
196b 17-22, entre as coisas que vêm a ser, umas vêm a ser em vista de algo, mas
outras não. Ora, em vista de algo evoca finalidade, propósito (como ele menciona em
DA 415ª 22) fica ambíguo seu pensamento quando ele acrescenta mas outras não. O
que está em jogo é argumentar e esclarecer como uma coisa pode ser em vista de
algo por decisão (pressupõe a vontade, razão, pensamento) daquela que é em vista
de algo independentemente da escolha de um ser livre. Mas conforme consta no livro
dois da Física, no capítulo oito, é possível cogitar a teleologia sem a deliberação, ou
seja, ela não se reduz à deliberação.
Se Aristóteles enquadra o acaso à causalidade por concomitância bem como
por acidente; José de Finance também o faz reduzindo-o à categoria de causalidade
79
por acidente30, faz isso recorrendo a Santo Tomás de Aquino:
30
Na Metafísica, Aristóteles define o termo acidente: “Acidente significa o que pertence a uma coisa e pode ser afirmado
com verdade das coisa, mas não sempre nem habitualmente [...]. Portanto, do acidente não existirá nem mesmo uma
causa determinada, mas só uma causa fortuita, que é indeterminada.” (ARISTÓTELES, Metafísica 1025ª 15-25). Acidente
é, portanto, oposição a per se.
80
realidade fora da física tampouco para uma Inteligência Ordenadora.
No entanto, houve filósofos que ultrapassaram essa visão chegando a uma
certa noção de causa final, como Anaxágoras, conforme Aristóteles (Cf. Metafísica. I,
3, 984 b 15-20) e Platão (Cf. Fed., XLVI) que admite a noção de fim é a causa total
que se dirige para o bem. Sendo assim, o finalismo abarca toda a realidade criada e
explica de forma ordenada e estruturada:
Não basta simplesmente dizer que existem as quatro causas e estas explicam
a composição das coisas, precisa ir a fundo, buscar a causa operante, àquela que por
natureza é superior, mesmo que esteja intrinsecamente ligada as demais. Isso se faz
necessário porque somente analisar as causas não explicam a realidade última das
coisas. Por exemplo, a causa formal e a causa material explicam, de fato, as coisas,
entretanto, quando a olhamos do ponto de vista do devir, das transformações e
mutações, elas já não bastam. Precisa recorrer à uma realidade exterior a elas.
Poder-se-ia dizer que Aristóteles quer alcançar à essência, àquela realidade
que não depende do contexto, da dimensão empírica. Se analisamos o homem
apenas em seu aspecto aparente vemos um corpo animado o qual pode ser explicado
biologicamente, porém, ele traz consigo interesses, desejos profundos os quais
ultrapassam sua corporeidade. Em outras palavras, não está somente “no mundo”,
mas atua, age, é movido por essas realidades propriamente humanas.
Chega-se, então, a noção de causa eficiente e causa final. O finalismo é uma
realidade que não só abarca toda a sua doutrina, mas também tem a primazia sobre
as demais causas. Isto se percebe claramente em todo Corpus Aristotelicum
.Conforme Joseph de Finance a causa final tem essa primazia (também para Platão),
por intermédio da noção de Motor Imóvel, que opera no cosmos a não ser pelo desejo.
(Cf. FINANCE, 1965, p. 408).
Efetivamente se comprova a existência de um finalismo na natureza ao
examinar a estrutura dos entes naturais, isto é uma ordem interna das ações da
natureza levando a conclusão que o fim é causa da ordem. Assim, por exemplo, no
organismo vivente, cada órgão tem sua função, os dentes estão para comer; os
82
pulmões para respirar ;os olhos para ver etc. todavia, nestas naturezas inanimadas é
mais difícil perceber o fim, visto que se trata de entes menos perfeitos (Cf. ALVIRA;
CLAVELL; MELENDO, 2001, p. 246-247).
Santo Tomás de Aquino viu na doutrina aristotélica uma riqueza
incomensurável a ponto de falar de seu autor, Aristóteles, como “O Filósofo”. Retoma,
assim, o seu pensamento acerca do finalismo e o faz com muita propriedade,
aplicando-o tanto na moral bem como na própria teologia. Deste modo, o fim passa
ser o fundamento para a metafísica teológica. O fim é a necessidade própria dos
movimentos naturais, é a necessidade natural que inere nas coisas e as dirige, estas
foram “imprimida por Deus, que as destina a um fim, do mesmo modo como a
necessidade com que a flecha se desloca e graças à qual se dirige para o alvo foi-lhe
imprimida por quem a lançou e não pertence à flecha." (Cf. S. Th., I, q. 103, a. 1).
Dessa forma, na filosofia tomista a noção de fim adquire outras conotações,
como limite ou terminação, definição, perfeição e finalidade. Esta se aplica tanto para
uma ação inteligente como para de uma tendência cega. Logo, para Santo Tomás de
Aquino o fim que explica o "para quê" de todas as coisas é a verdadeira causa da
causalidade eficiente, a causa causarum, isto é, a causa das causas:
Não seria possível dizer com mais claridade que a causa verdadeira,
a única que explica verdadeiramente as coisas e os atos, é o fim. A
causa motora apenas tem a função subordinada: é o que permite que
o fim se realize [...] também em Aristóteles encontramos uma
concepção resolutamente finalista. (FINANCE, 1965, p. 406, tradução
nossa).
A causa motora, como vimos, faz com que o fim se realize, mas não goza de
prioridade ontológica tampouco se encontra em um grau de superioridade em relação
à causa final. Por isso que se diz que a causa final tem grau transcendental e se
encontra no âmbito espiritual. O finalismo move com efeito o agente e o faz iniciar uma
ação31. Por exemplo, uma pessoa não iniciaria seus estudos se não fosse movida pelo
desejo natural de saber e com a finalidade de ter uma vida digna.
31
Aqui se usa espiritual não no sentido religioso, mas filosófico e metafisico. Trata-se das faculdades intelectuais.
Essência da vida incorpórea , transcendental.
84
Diante de tudo o que foi exposto, a nossa tarefa é entender, a partir de agora,
como se dá essa relação entre a causa final com as outras no sistema aristotélico,
sem a pretensão de querer chegar a uma ciência perfeita da causalidade. Cabe agora
saber como se dá a relação desta para com as outras, quer dizer, até existe uma
dependência? Ou pode pensar em uma causa final sem fazer uso das demais?
85
enfatizado que a teleologia perpassa todo o pensamento aristotélico. O filósofo parte
do dado experimental (aposteriori) do ente singular para explicar que a essência está
nas coisas, ou em outras palavras, a essência de uma coisa estava relacionada ao
seu propósito ou função na ordem natural.
Isso comprova a força de sua doutrina a qual continua a ser uma parte
importante da história da filosofia e da compreensão da natureza e do propósito no
mundo natural, com o seu hilemorfismo teleológico. Aliás, é inegável sua contribuição
na formação da ética e da moralidade em várias tradições filosóficas e religiosas.
Portanto, a causalidade em Aristóteles faz-se necessária não só para uma
integrante abordagem das coisas, mas também ao conhecimento e à explicação do
mundo. Ela permite uma compreensão mais profunda da realidade. Quer identificar as
causas corroborando, por meio de sua investigação filosófica, para a construção e a
explicação do conhecimento cientifico. Dessarte, as noções de causalidade continua
a ser uma parte importante da história da filosofia e da filosofia da ciência.
No livro dois da Física aristotélica, a causa final está intimamente ligada à noção
de teleologia, que é a explicação das coisas em termos de seus objetivos ou fins. De
fato, Aristóteles afirma diversas vezes ao longo deste livro que a natureza opera em
vista de algo. Há uma finalidade intrínseca em cada ente para que ele o leva à perfeição
ou ao seu fim último. Diante disso, o filósofo ateniense desenvolve uma série de
argumentos acerca da causa final bem como ela se relaciona com as demais.
O esforço de Aristóteles é fugir, como vimos no decorrer deste trabalho,
especificamente no primeiro capítulo, é fugir das concepções materialistas de alguns
de seus antecedentes, e formular um sistema de causal que explique o movimento do
devir com suas transformações. Para isso ele considera as quatro causas analisando-
as em seus aspectos relacionais. Observa que convergem em uma só a causa formal,
final e eficiente:
É bem típico do pensamento aristotélico atribui o bem como sendo a causa final
de tudo. O bem enquanto perfeição, ação executada. Quando um determinado ente
realiza uma ação atingiu sua perfeição. Obviamente que isso se dá em graus de
32
A noção de teleologia, finalidade, evoca a de entelequia ou enteléquia. Expressão, que na, filosofia aristotélica, significa
realização plena e completa de uma tendência, potencialidade ou finalidade natural, concluindo um processo
transformativo de todo e qualquer ser animado ou inanimado do universo. Em outros termos, é o caminho natural que
um determinado ente percorre para chegar a tal objetivo, propósito que o impulsionou a agir, executar uma ação. Trata-
se, portanto, de um ser em ato, isto é, plenamente realizado, em oposição ao ser em potência. (Cf. ABBAGNANO, 2007,
p. 334). Conforme Frederick Copleston Aristóteles “através de sua teoria da enteléquia, da forma substancial imanente,
que tende à sua realização nos processos da natureza, pôde dar um sentido e uma realidade ao mundo sensível que
faltavam a filosofia de Platão, e que sua particular contribuição à filosofia dá um tom e sabor característico ao aristotelismo
enquanto distinto do platonismo. (Cf. COPLESTON, 2021, p. 366).
88
perfeição. Isso significa que o fim não só é bom, mas também que ele transmite sua
bondade que se dá no aperfeiçoando. Alcançar o fim ou objetivo último de algo é uma
realização positiva e a causa final tem uma razão de bem, pois representa a finalidade
ou objetivo que determina o valor intrínseco das coisas.
Por isto, que há verdadeiramente uma necessidade de afirmar a causa final34
como sendo a raiz do conhecimento mesmo que esse se trate de uma realidade de
difícil compreensão. Mas, é neste prisma que sobressai a importância do princípio da
causalidade que se faz presente em todo cosmos nos diversos fenômenos de ação e
reação:
33
Caso o leitor queira se aprofundar na causa final ou teleológica ver O De Anima que se tata de uma obra de Aristóteles
na qual ele elabora toda uma teoria bastante complexa sobre a alma enfatizando os aspectos teleológicos de sua filosofia
da natureza. Adota o uso das causas finais na natureza o que não era presente na filosofia dos materialistas. Esta obra
é sistematizada em três livros. O filósofo Estagirita aprofunda a noção de alma e suas funções teleológicas colocando-a
como causa e princípio do ser vivente. Façamos uma análise mais minuciosa: “E, do corpo vivente, a alma causa e
princípio. E estes se dizem de muitos modos, mas a alma é semelhantemente causa conforme três dos modos
delimitados: pois ela é aquilo de onde o movimento bem como aquilo em vista de quê, e também como essência dos corpos
animados a alma é causa. Ora, que ela é causa como essência, é evidente: pois, para todos os antes, o responsável pelo
ser é a essência, e o ser para os que vivem e o viver, e deste, é a alma que é causa e princípio.” (Ibid., 415b 8, grifos do
autor). Ainda, no De Anima, defende sua teoria teleológica, mais precisamente no livro dois, ao argumentar sobre os
dois sentidos “em vista de quê:
(i) como em direção a algo; (i) como para o benefício de algo. Notoriamente alma é tida como uma causa final de tipo (i):
ou seja, as diversas capacidades da alma são em direção a algo, à sua função.(Cf. Ibid., 415ª 22).
34O pensamento de Aristóteles é que todos não fiquem simplesmente na imanência, quer dizer, na experiência sensível,
mas convidando-os a transcender o mundo empírico para construir um saber sistemático, não desprezando,
evidentemente, o sensível, mas ultrapassando-o. Esse processo só é possível adquirindo a ciência das causas primeiras
89
conceito, o intelecto o abstrai, tal precioso conceito: “[...] quando a causa não é
manifesta na experiência, deve ser afirmada pela razão.” (SELVAGGI, 1988, p. 314).
Se estivermos passando por um determinado lugar e nos depararmos com
um grande estouro, automaticamente a nossa razão quer procurar a causa de tal
fenômeno, nossa reação seria: O que aconteceu?! O que foi isso?! Ora, procurar o
motivo de algo é procurar sua causa.
As causas são as condições para que o filósofo construa seu conhecimento
sob uma estrutura lógica, também constituem um edifício no qual o conhecimento é
construído. Dessa forma, conhecer a causa é conhecer o porquê que explica a
necessidade de a coisa ser como ela é; de sua existência, visto que todos os seres
presentes na natureza não têm em si mesmos a razão suficiente.
Em outras palavras, no mundo os entes são contingentes, quer dizer, não são
causas de si mesmos, dependem de circunstâncias para atualizarem suas potências.
Consequentemente necessitando de um princípio que seja exterior a si que deve ser
responsável pelo seu ato pela sua origem. Isso só ratifica a perfeição do princípio de
causalidade aplicada ao ser, reveste de grande importância porque o contingente
exige uma causa realmente distinta dele:
Tudo o que existe ou passa a existir deve ter uma razão que explique
a sua existência ou a sua chegada, razão essa que se encontra no ser
considerado ou fora dele. No primeiro caso, o ser, por possuir em sua
natureza tudo o que necessita para existir, existe necessariamente. No
segundo caso, a existência do ser é contingente: por si só, esse ser
não tem o que precisa para existir. Daí a conclusão: todo ser
contingente requer, para ser, uma causa. Especifiquemos: uma causa
eficiente, porque é somente através da causa eficiente que as outras
(a final e a exemplar) exercem a sua influência. (FINANCE, 1965, p.
361, tradução nossa).
Assim sendo, como diz José de Finance tudo o que existe ou passa a existir
deve ter uma razão que explique a sua existência, visto que se trata de uma realidade
contingente necessita de uma causa eficiente para exercer influência sobre ele. Seria
inconcebível que uma determinada coisa enquanto potência, por exemplo, uma
madeira, chegasse a ser mesa sozinha, quer dizer, fosse a causa de sua própria
atualização ou perfeição.
e últimas. De fato, é próprio do intelecto humano conhecer por meio dos entes materiais, marcados de acidentes, a
essência das coisas. Apesar de o conhecimento sensível e o intelectual não serem a mesma coisa, eles não devem ser
separados, pois entre o conhecimento sensível e o intelectual há distinção, mas não separação; existe unidade, mas não
identificação.
90
Portanto, ainda que a causalidade aristotélica tivesse sido revista e criticada ao
longo dos séculos por várias correntes filosóficas, é inegável sua contribuição
filosófica como o alicerce para o mundo ocidental. Deste modo, no pensamento
aristotélico, a causa final é vista não só como uma explicação profunda e ampla da
realidade, mas também se relacionado a todas as outras causas. Ela fornece o
propósito objetivo pelo qual algo existe.
Aqui nos deparamos com a riqueza da doutrina sobre o finalismo. Pode-se dizer
que é o coração de todo pensamento aristotélico. Dessa forma, a causa final em sua
peculiaridade destaca que os objetos naturais têm um propósito intrínseco, o “para quê
“ das coisas levando a uma compreensão mais profunda e significativa do mundo
natural. Como diz Santo Tomás de Aquino: “o fim é encontrado no começo de toda
causalidade; é a causa das causas . (SANTO TOMÁS DE AQUINO apud FINACE,
1965, p. 425, tradução nossa).
É importante ter ciência que o fim adota uma multiplicidade de formas, de
acordo com o aspecto sob o qual é considerado. Dessa maneira, há fim intrínseco e
transcendental, fim último e fins próximos, fim honesto, deleitável e útil, fim produzido
e fim possuído. (Cf. ALVIRA; CLAVELL; MELENDO, 2001, p. 244). Analisemos,
portanto, os tipos de causa final.
a) Fim intrínseco e transcendental. “O fim intrínseco de uma operação é o
resultado natural da operação.” (ALVIRA; CLAVELL; MELENDO, 2001, p. 243). Quer
dizer, é o fim efeito enquanto é produto da própria ação. Por exemplo, a causa da
ebulição é a vaporização, o aumento da temperatura da água é o fim da ação do fogo
sobre ela, como também a obra do carpinteiro é a mesa que ele produziu com seu
trabalho. Já o fim transcendental se refere ao objetivo ou propósito para o qual a ação
está dirigida, como por exemplo, de um cão que mesmo por instinto vai a um lugar
concreto em busca de comida. Ora, a alimentação é fim rem relação à ação de
caminhar. Ele caminhou em vista disso, embora essa ação não tenha sido deliberada.
Todavia, quando se trata de seres livres, ou seja, fins conscientes, é as vexes furto da
93
escolha, pois se deu no campo da vontade. (Cf. Ibid. p. 243).
b) Fim último e fins próximos. É importante compreender que se entende fim
último e fins próximos por meio de uma sequência de causas finais que estão
correlacionadas. Sendo assim: “Fim último é aquele pelo qual se entendem todos os
demais fins de uma determinada área, fim próximo, por outro lado, é aquele que se
destina em vista de outro fim ulterior.” (ALVIRA; CLAVELL; MELENDO, 200, p. 244),
como por exemplo, a paz perdida por causa da guerra é a causa final de um exército,
as vitórias parciais são fins próximos. (Cf. Ibid., p. 244).
Significa que a causa final se volta para a essência de ente, isto é sua análise
vai além das causas imediatas ou observáveis, mas busca compreender a verdadeira
natureza de uma coisa. Trata-se, portanto da razão ou do porquê de o agente agir de
94
tal forma. É questionar as demais causas, por exemplo, o motivo de uma estátua ser
de bronze e não ficar meramente em seus aspectos acidentais ou circunstancias. Pelo
contrário, ao focar na essência, o indivíduo é capaz de transcender toda realidade
empírica e conhecer as coisas com clareza:
35
Embora a causalidade seja uma verdade evidente ao intelecto humano (ALVIRA; CLAVELL; MELENDO, 2001, p. 199)
ela foi negada por várias correntes filosóficas dentre elas, destaca-se o Empirismo o qual consiste segundo Antônio
Joaquim, numa “teoria epistemológica que a firma a radical derivação, direta ou indireta, de todo conhecimento da
experiência sensível, seja ela interna ou externa.” (JOAQUIM, 2007, p.108). David Hume, um filósofo escocês do século
XVIII, é conhecido por suas contribuições à filosofia empirista e à epistemologia. Ele também abordou o conceito de
causalidade em suas obras, particularmente em sua obra "Investigação sobre o Entendimento Humano" (An Enquiry
Concerning Human Understanding). Uma de suas ideias centrais é sua "tese da uniformidade da natureza" onde
observou que a crença na causalidade é baseada na nossa experiência constante de certos eventos seguindo padrões
previsíveis. Por exemplo, quando vemos um evento A seguido repetidamente por um evento B, começamos a esperar
que, quando ocorre o evento A novamente, o evento B também ocorrerá. Todavia, ele não negou a causalidade, mas
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a noção tradicional de causalidade argumentando que não podemos conhecer a
relação causal entre eventos por meio da razão pura, a causalidade aristotélica pode
contribuir efetivamente com a observação empírica. Ela pode ajudar a interpretar os
dados observacionais de maneira mais profunda e a revelar padrões que podem ser
negligenciados por abordagens mais superficiais que a ciência por si só não
consegue.
Sendo assim, é possível existir uma perfeita harmonia e complementariedade
entre a causalidade e o conhecimento empírico até porque toda estrutura do
pensamento aristotélico parte da observação e da afirmação que a essencial dos
entes encontram neles mesmos. Efetivamente, a própria experiência leva a razão a
chegar ao conhecimento da causação por meio de ações cotidianas, também a própria
existência do homem prova que ele é causado, poiscomo diz Jose de Finance: “sempre
que a existência começa, é preciso afirmar que é causada.” (FINANCE, 1965, p. 360,
tradução nossa).
São muitos os argumentos a favor da compatibilidade empírica entre
experiência e causalidade, como a contingência dos entes, as mudanças que ocorrem
no cosmos, as experiências que a pessoa humana realiza e tem consciência que são
efeitos causais bem como a própria experiência da finitude, da limitação corrobora a
existência e validade desse princípio.
sim desafiou nossa compreensão e capacidade de fundamentá-la de maneira sólida e absoluta. Argumentou que não
temos uma justificação lógica ou empírica para acreditar que essa sequência de eventos continuará ocorrendo no futuro.
Nossa mente, conforme sua doutrina, tende a criar uma associação habitual entre os eventos, mas isso não nos permite
afirmar com certeza que a causalidade é uma propriedade objetiva do mundo. Hume destacou que a causalidade não é
algo que possamos perceber diretamente com nossos sentidos, mas sim uma inferência mental que fazemos com base
em nossa experiência passada. O fato é que, embora, o princípio da razão suficiente esteja presente em todo cosmos, ele
não se submete à demonstração empírica, pois é evidente à razão. Contudo, isso não nos leva a deduzir que ele não
seja válido ao conhecimento humano, como pretendeu Hume. Como não faz parte desta pesquisa, não iremos abordar
a teoria humeana, entretanto, caso o leitor queira se aprofundar nesta temática, ver: BERKELEY, George. Tratado sobre
os princípios do conhecimento humano; Três diálogos entre Hilas e Filonous em oposição aos céticos e ateus; HUME,
David. Investigação sobre o entendimento humano: Ensaios morais, políticos e literários. Traduções de Antônio Sérgio...
et al. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
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propósito final de alcançar a felicidade (eudaimonia) e que a ética e a política deveriam
ser orientadas para esse fim.
Deste modo, eudaimonia era vista como causa final deste homem da pólis. Era
a perfeição, estado de plenitude, realização e felicidade que as pessoas deveriam
buscar alcançar ao longo de suas vidas, por isso que a ética aristotélica é muitas vezes
descrita como uma ética teleológica, se concentra nos fins e objetivos das ações
humanas. Sendo assim, Aristóteles, “insistiu no caráter contemplativo da felicidade em
seu grau superior, a bem-aventurança.” (Ibid., p. 434). A felicidade é, portanto, algo
absoluto e autossuficiente sendo também a finalidade da ação. É a busca da
realização mais alta e duradoura, que é alcançada por meio da prática da virtude moral:
[...] autossuficiente pode ser definido como aquilo que, em si, torna a
vida desejável por não ser carente de coisa alguma, e isto em nossa
opinião é a felicidade; ademais, julgamos a mais desejável de todas
as coisas não uma coisa considerada boa em correlação com outras -
se fosse assim ela se tornaria obviamente mais desejável mediante a
adição até do menor dos bens, pois esta adição resultaria em um bem
total maior, e em termos de bens o maior é sempre mais desejável.
Logo, a felicidade é algo final e autossuficiente, e é o fim a que visam
as ações. (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco 1097b ).
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isoladamente, senão um conjunto de causas que contribuem para a cognoscibilidade
das coisas. É importante salientar duas coisas: que o fim não se reduz à aplicabilidade
ou funcionalidade, como vimos, também que é possível alguma coisa ser em vista de
algo, embora não tenha agido deliberadamente.
Continuemos nossa argumentabilidade sobre o eclipse que pode ser definido
como “privação da luz na lua devido à interposição da Terra.” (Cf. ARISTÓTELES apud
ANGIONI, 2009, p. 287-288). Pensemos que a causa material de um eclipse solar é a
interposição da Lua entre a Terra e o Sol. A Lua, como um objeto físico, constitui a
matéria que está envolvida nesse fenômeno. A causa formal: A causa formal está
relacionada à configuração específica da interposição da Lua entre a Terra e o Sol. A
forma particular como a Lua se alinha com o Sol e a Terra determina a aparência e as
características do eclipse.
Já causa eficiente são os movimentos orbitais da Terra, da Lua e do Sol. Trata-
se, portanto, da interação gravitacional e orbital entre esses corpos celestes que
resulta na posição da Lua bloqueando parcial ou completamente a luz do Sol. Mas a
causa final, qual seria para fazer jus a teoria hilemórfica teleológica deste filósofo?
Ora, no caso de um eclipse solar, não se trata necessariamente de um propósito
consciente, mas sim da expressão das leis naturais e das relações entre os corpos
celestes conforme o funcionamento do sistema solar, também não ocorre sempre.
No entanto, poderia dizer que a causa final seria esse fenômeno ocorrido, quer
dizer, seu acabamento. De fato , o próprio Aristóteles em Física 194ª 27-36, enquadra
a causa final como o bom fim. Argumenta que a deliberação do agente envolvido não
é condição necessária para o caráter teleológico de um determinado processo. Dito de
outro modo, pelo fato de não haver um proposito consciente no eclipse não significa
que ele não tenha um fim. Aristóteles reconhecia que nem todos os eventos naturais
eram governados por um propósito intrínseco ou finalidade. Sendo assim os eclipses
são fenômenos naturais que ocorrem devido às posições relativas da Terra da lua e
do Sol eles podem ser atrás das leis da física e da astronomia.
Assim, o eclipse se enquadra nesta explicação, conforme Lucas Angioni:
Caso o leitor queira se aprofundar nesta temática, ver: Segundos Analíticos 75b 34-5, (em grego, Ἀναλυτικῶν προτέρων)
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3.5.7 Na compreensão científica do mundo
A ciência trabalha com pressupostos que existem causas neste mundo. Ela
analisa os fenômenos naturais buscando minuciosamente as respostas ou
simplesmente as causas deles para depois formar as leis. Dessa forma, negá-las é
negar a própria ciência, sua capacidade de usufruir da natureza. Afinal, negá-la é
negar explicitamente toda validade da ciência, pois esta trabalha com pressupostos
que existem causas para tudo que por mais que não sejam de cunho metafísico, é
incapaz de se separar dela.
Analisa também os fenômenos naturais buscando minuciosamente as
respostas ou simplesmente as causas deles para depois formar as leis. Ela faz todo
esse percurso com o objetivo de melhorias para as relações humanas. Assim, o
médico quer descobrir a causa de tal doença que se manifesta num determinado
paciente causando reações ou efeitos desagradáveis a ele.
E quando ele passa qualquer medicação, esta pode causar reações ou efeitos
colaterais diversos no paciente tais como: sonolência, náusea, problemas intestinais,
entre outros. Ora, é inegável que tudo isso foi devido à medicação. O paciente está
totalmente lúcido, consciente de que não é fruto de sua imaginação, mas algo que ele
mesmo pôde sentir.
Isso implica dizer que, “A ausência da evidência não é a mesma coisa da evidência da ausência”, ou seja, pelo fato de
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não vermos uma determinada coisa - pala falta de evidência - não significa que esta não exista. Para os que acreditam
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Embora a ciência tenda a enfatizar mais as causas eficientes e materiais,
buscando explicar os eventos em termos de relações causais observáveis e
mensuráveis, a noção de causalidade auxilia na crescente compreensão científica do
mundo. Fazendo com que om conhecimento cientifico avance pois a doutrina causal
aristotélica encaixa melhor em uma compreensão científica do mundo, onde a
teleologia (enfoque nas causas finais) explica a finalidade das coisas e a perfeita
conexão entre as causas.
que a realidade se reduz a visibilidade, ou a evidência empírica, estão destruindo a ideia de um bem, de um princípio
gerador de tudo.
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Empédocles, Demócrito, Leucipo, depois Epicuro explicam a noção de finalismo. (Cf.
FINANCE, 1965, p. 404).
Dessa maneira, a noção de que os entes naturais tinham um propósito
intrínseco, quer dizer, uma causa final, influenciou a biologia e a zoologia, levando ao
estudo das características e comportamentos dos seres vivos em relação aos seus
“fins”.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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5 REFERÊNCIAS
1965. FILHO, Ives Gandra da Silva Martins. Manual Esquemático de Filosofia. São
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História Pagã Antiga. 3ª ed. v. I. trad. Ivo
Storniolo. Paulus, 2003.
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