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DE ALYSSON MASCARO
2ª FASE TJ/SP
FILOSOFIA DO DIREITO – ALYSSON MASCARO1
Sumário
FILOSOFIA GRECO-ROMANA. SÓCRATES. ..................................................................................... 4
Sócrates. .................................................................................................................................... 4
FILOSOFIA GRECO-ROMANA. PLATÃO. ..................................................................................... 5
FILOSOFIA GRECO-ROMANA. ARISTÓTELES. ............................................................................. 7
FILOSOFIA MEDIEVAL. ................................................................................................................... 9
Santo Agostinho. ..................................................................................................................... 10
São Tomás de Aquino. ............................................................................................................. 11
FILOSOFIA MODERNA.................................................................................................................. 12
Contextualização ..................................................................................................................... 12
Thomas Hobbes. ...................................................................................................................... 17
John Locke. .............................................................................................................................. 18
Jean-Jacques Rousseau. .......................................................................................................... 19
KANT ........................................................................................................................................ 20
JEREMY BENTHAM .................................................................................................................. 28
Hegel ....................................................................................................................................... 30
Karl Marx ................................................................................................................................. 36
A Filosofia do Direito de Marx (1818 — 1883) – Sobre Marx ..................................................... 36
FILOSOFIA DO DIREITO CONTEMPORÂNEA ................................................................................ 43
Filosofia do direito Juspositivista ............................................................................................ 46
Miguel Reale (1910-2005) ................................................................................................... 46
Kelsen (1881-1973) ............................................................................................................. 49
HABERMAS .......................................................................................................................... 54
Filosofia do Direito não positivista .......................................................................................... 55
Heidegger ............................................................................................................................ 55
Gadamer .............................................................................................................................. 60
Schimitt ............................................................................................................................... 65
Filosofia do Direito Crítica ....................................................................................................... 70
Gramsci (1891 a 1937) ........................................................................................................ 70
Escola de Frankfurt.............................................................................................................. 73
1
Organizado por Bibiana Veríssimo Bernardes
Lukács (1885 – 1971) ........................................................................................................... 77
BLOCH (1885-1977) ............................................................................................................. 80
FILOSOFIA GRECO-ROMANA. SÓCRATES2. ganhou sentido de “impostor”, devido,
Introdução. Nascido em Atenas, Sócrates sobretudo, às críticas de Platão.
é tradicionalmente considerado um marco
As lições dos sofistas tinham como
divisório na história da filosofia grega. Por
objetivo o desenvolvimento do poder de
isso os filósofos que o antecederam são
argumentação, da habilidade retórica, do
chamados de pré-socráticos e os que o
conhecimento de doutrinas divergentes
sucederam, de pós-socráticos. Sócrates,
etc. Eles transmitiam, enfim, todo um jogo
no entanto, não deixou nada escrito. O
de palavras, raciocínios e concepções que
que dele e de seu pensamento se sabe
seria utilizado na arte de convencer as
vem de textos de seus discípulos e de seus
pessoas, driblando as teses dos
adversários.
adversários.
Todas essas características dos
Período pré-socrático. O período pré- ensinamentos sofistas favoreceram o
socrático foi dominado, em grande parte, surgimento de concepções filosóficas
pela investigação da natureza relativistas sobre as coisas. Para os
(cosmologia). Nessa especulação inicial, sofistas, as opiniões humanas são
muito ligada à physis, à natureza, buscava- infindáveis, diversas e não podem ser
se entender a relação do homem com os reduzidas a uma única verdade. Não
deuses, o funcionamento do mundo, o existem valores ou verdades absolutas.
ciclo da vida etc.
Sócrates se recusa a considerar os
Os gregos, porém, não se sofistas filósofos, justamente pelo
limitavam ao pensamento da natureza. desamor destes aos conceitos e ideias, na
Ocupavam-se de questões sociais. O medida em que possibilitavam a venda das
homem não é considerado como algo próprias ideias. Tal moralidade socrática,
diferente do mundo. Ele está mergulhado que considera a filosofia como o amor ao
indissociavelmente no mundo. Assim, a saber, e, portanto, orienta a busca
cosmologia não é uma reflexão somente filosófica das argumentações, sempre foi
da natureza física, mas também é uma muito apreciada pela filosofia medieval e
preocupação sobre os arranjos e moderna.
princípios políticos e sociais dos homens.
Sócrates.
Sofistas. Seguiu-se a esse período uma
(469-399 aC)
nova fase filosófica, caracterizada pelo
interesse no próprio homem e nas Desenvolvia o saber filosófico em praças
relações do homem com a sociedade. Essa públicas, conversando com as pessoas.
nova fase foi marcada pelos sofistas, que Contrariamente aos sofistas, ele se
etimologicamente significa “sábio”. opunha ao relativismo em relação à
Entretanto, com o decorrer do tempo, questão da moralidade e ao uso da
2
Por Henrique...
retórica para atingir interesses
particulares.
A mais importante fonte a respeito
O essencial, para Sócrates, é a sede do pensamento de Sócrates sobre o
de razão, a busca pela consciência direito e o justo está em Platão. São quatro
intelectual e consciência moral. É isso que os mais importantes textos platônicos
distingue o ser humano dos outros seres ligados a esse assunto: Eutífron, Apologia
da natureza. “Conheça-te a ti mesmo” era de Sócrates, Críton e Fédon. Nos três
a recomendação básica de Sócrates. primeiros, Sócrates dá a ideia de respeito
às instituições jurídicas e à pólis. No
Sua filosofia era desenvolvida
último, Sócrates reflete sobre a morte e a
mediante diálogos críticos em seus
alma.
interlocutores. Esses diálogos podem ser
divididos em dois momentos: ironia e De acordo com os textos, o fato de
maiêutica. #CAISEMPRE Sócrates não ter fugido não quer
representar uma admiração aos
A ironia, no grego, quer dizer
mecanismos de aplicação imediata das
interrogação. Sócrates questionava as
normas jurídicas. Pelo contrário, Sócrates
pessoas sobre o que elas pensavam saber.
declara a injustiça da pena que contra ele
No decorrer do diálogo, atacava a resposta
se impõe. Contra a ausência de rigidez
de seus interlocutores. O objetivo era
moral e de alcance da verdade dos
demolir o orgulho, a arrogância e a
cidadãos ateniense é que ele se opõe, e
presunção de saber. A virtude era a
sua submissão à sentença é, na verdade
consciência da ignorância. “Sei que nada
uma ação política de abalo e incômodo.
sei”.
Libertos do orgulho, era possível
iniciar o caminho da reconstrução das Morte. Sócrates desenvolveu uma bela
ideias. Sócrates transportava para o filosofia da ética. No entanto, os gregos
campo da filosofia o exemplo de sua mãe, não tinham esta ética. Sócrates foi
Fenareta, que, sendo parteira, ajudava a acusado e condenado à morte.
trazer crianças ao mundo. Por isso, essa
face do diálogo socrático, destinado à
concepção de ideias, era chamada de Síntese. Pré-socráticos; natureza; sofistas;
maiêutica, termo grego que significa “arte relativismo; Sócrates; homem; sociedade;
de trazer à luz”. razão; consciência intelectual; consciência
moral; diálogo; ironia; maiêutica; pós-
socráticos.
ATENÇÃO. O ato do jurista muito se
assemelha ao sistema dialético socrático,
pois exorta-se o diálogo, normalmente FILOSOFIA GRECO-ROMANA. PLATÃO.
num caso concreto; indaga-se sobre os
428 – 348 a.C.
institutos e a sua aplicação; por fim, o juízo
final é apresentado, nascendo uma ideia Introdução. Nascido em Atenas, Platão foi
jurídica. discípulo de Sócrates. A maior parte do
pensamento platônico foi transmitida por
meio da fala de Sócrates, nos diálogos filósofos. Seriam pessoas capazes de
socráticos, escritos por ele mesmo, Platão. atingir o mais alto conhecimento do
mundo das ideias, que consiste na ideia do
Um dos aspectos mais importantes
bem.
da filosofia de Platão é a sua teoria das
ideias, que tenta explicar como se Tal ideia limita a liberdade, é
desenvolve o conhecimento humano. autoritária, pois cria a figura do soberano,
Segundo ele, o processo de conhecimento clarividente, que direciona a atividade dos
se desenvolve por meio da passagem demais. É inviável numa sociedade
progressiva do mundo das sombras e populosa e plural.
aparências para o mundo das ideias e
essências. #TEMQUESABER
Mito da caverna. Platão criou uma
alegoria, conhecida como mito da
Método dialético. A primeira etapa do caverna, que serve para explicar a
processo de conhecimento é dominada evolução do processo de conhecimento. A
pelas impressões ou sensações advindas maioria dos seres humanos se encontra
dos sentidos. Isso gera a opinião. A opinião prisioneira dentro duma caverna,
representa o saber que temos sem tê-lo permanecendo de costas para a abertura
procurado metodicamente. O luminosa e de frente para a parede escura
conhecimento, entretanto, para ser do fundo. Devido a uma luz que entra na
autêntico, deve ultrapassar a esfera das caverna, o prisioneiro contempla na
impressões sensoriais e penetrar na esfera parede a projeção dos seres que
racional da sabedoria, o mundo das ideias. compõem a realidade. Acostumado a ver
O método proposto por Platão para atingir somente essas projeções, assume a ilusão
o conhecimento autêntico (epistéme) é a do que vê como se fosse a verdadeira
dialética. realidade. Se escapar da caverna e
alcançar o mundo luminoso da realidade,
Somente no mundo das ideias é
fica livre da ilusão. Ao chegar ao exterior,
que moram os seres totais e perfeitos:
cega-se, num primeiro momento, com a
justiça, a bondade, a coragem, a sabedoria
luz solar que brilhava. Mas, após se
etc. Fora do mundo das ideias, tudo o que
acostumar a enxergar sob a claridade da
captamos por meio de nossos sentidos
luz, passa a compreender que as sombras
possui apenas uma parte do ser ideal. O
que via projetadas na caverna, na verdade,
mundo sensível, portanto, é um mundo de
eram imagens distorcidas. A verdade não
seres incompletos e imperfeitos.
estava naquilo que suas percepções
corrompidas viam a partir das sombras. A
luminosidade do ser só brilhou quando da
Reis-filósofos. Para Platão, somente os
libertação das imagens e dos conceitos
filósofos, eternos amantes da verdade,
imperfeitos.
teriam condições de libertar-se da caverna
das ilusões e atingir o mundo luminoso da
realidade e sabedoria. Por isso, no seu
Prisão. Platão desenvolveu uma bela
livro, A república, imaginou uma
filosofia da ética. No entanto, os gregos
sociedade ideal, governada por reis-
não tinham esta ética. Platão foi acusado No livro Ética a Nicômaco,
e preso. Aristóteles chama a atenção para duas
grandes manifestações da justiça
particular: a justiça distributiva e a justiça
Síntese. Platão; diálogos socráticos; teoria corretiva, que se subdivide em voluntária
das ideias; mundo das sombras; mundo e involuntária.
das ideias; dialética; opinião;
conhecimento; reis-filósofos.
A justiça distributiva trata da
distribuição de riquezas, benefícios e
FILOSOFIA GRECO-ROMANA. honrarias. O critério fundamental para tal
distribuição justa é o mérito. A justiça
ARISTÓTELES.
distributiva utiliza como parâmetro o dar a
384-322 a.C. cada um de acordo com o seu mérito,
ainda que Aristóteles reconheça que o
Introdução. Aristóteles representa o
critério do mérito possa ser variável.
apogeu do pensamento filosófico grego, e
o mesmo se pode dizer para a filosofia do Ex.: Um professor, quando aplica
direito. Após a sua morte, durante toda a uma prova a uma turma de alunos, será
Antiguidade e a Idade Média, suas considerado justo em sua correção
reflexões foram tidas como o mais alto quando distribuir notas de acordo com
patamar de ideias sobre o direito e o justo uma proporção, tendo por vista o mérito.
já construídas. De uma prova com cinco questões valendo
cada qual dois pontos, o aluno que acerta
quatro questões merece a nota oito. O
Justiça universal e particular. A justiça aluno que acerta duas questões merece a
universal é a manifestação geral de uma nota quatro. Qualquer outra nota
virtude. É possível que uma lei se aproprie diferente dessa para cada um desses
dessa virtude. A lei produzida na pólis a alunos rompe com a proporção entre seus
partir de um princípio ético é diretamente méritos e suas notas, e, portanto, a
relacionada ao justo, mas não por conta de distribuição meritória de notas demonstra
sua forma, mas sim em razão de seu a justiça do professor.
conteúdo. Para Aristóteles, uma má lei
não é lei. Sendo a lei somente a lei justa, a
justiça tomada no seu sentido universal A justiça corretiva, por sua vez, é
não deixa de ser, também, o cumprimento bem menos complexa que a distributiva. A
da lei. justiça é tratada como uma reparação do
quinhão que foi, voluntária ou
No entanto, estudar o que vem a
involuntariamente, subtraído de alguém
ser justiça em si é tomá-la então no seu
por outrem. Por isso as questões de ordem
sentido particular. Aristóteles considera a
penal são tratadas como justiça corretiva,
justiça a ação de dar a cada um o que é
na medida daquilo que representou a
seu, sendo essa a regra de ouro sobre o
perda e o ganho. No caso penal, mais do
justo.
que a pena, a justiça corretiva trata da
reparação civil dos danos causados pelo matemática. Não se pode auferir por
crime. Também no caso das transações mérito. Assim sendo, Aristóteles dá
entre sujeitos privados a justiça corretiva margem a construir uma outra
se apresenta. Os contratos, a troca, a manifestação de justiça, ativa e
compra-e-venda, e mesmo a transformadora, que limite os excessos e
responsabilidade civil, podem ser que abrande as carências, a fim de que,
pensados a partir da justiça corretiva. À posteriormente, em uma situação mínima
perda de alguém corresponde uma de igualdade, se faça valer uma régua de
correção equivalente. justiça de tipo matemático.
Santo Agostinho.
(354-430)
Na sua principal obra, A cidade de Deus,
Agostinho estabelece uma distinção entre
a cidade humana, eivada dos vícios,
instabilidades e injustiças próprios dos
será justamente o contrário que proporá sim uma doença, da qual se pode
Agostinho. conseguir cura. Os homens podem, ainda
que decaídos pelo pecado original, se
De acordo com Alysson Mascaro, soerguer tanto pela graça quanto pelos
nessa época, todo o poder nasce de atos bons e justos. Assim sendo, Tomás de
Deus. Deus faz um contrato com os Aquino, embora não retorne plenamente
monarcas e com a Igreja. Trata-se de à filosofia das virtudes do mundo antigo,
um contrato de procuração ou atenua o afastamento teológico em
mandato, sem reserva de poderes, relação às ações do homem na sociedade.
pelo qual Deus delega poderes ao
monarca e à Igreja. O contrato de
procuração foi criado para justificar O tratado das leis. Sem abandonar a graça
os poderes absolutistas. Sendo assim, e a fé, Tomás insiste no fato de que há
o absolutismo só se sustenta em possibilidade de o homem descobrir, na
sociedades cujos súditos creiam num natureza, atos, comportamentos e
Deus de raiz cristã que delega as medidas justos. Tais apreciações da
coisas natureza são mensuráveis pelo homem,
mas se devem indiretamente a Deus.
Assim, além dos mandamentos divinos
Assim sendo, a escravidão e a obtidos por meio da revelação e da fé, há
servidão, na prática imediata, encontram- um espaço para leis naturais, que são
se respaldadas e legitimadas por divinas porque a natureza é criação de
Agostinho. Pela vontade de Deus, os Deus, mas são passíveis do conhecimento
homens têm certa posição na sociedade, e humano.
os mais altos devem mandar, e os
subordinados devem se submeter. Tomás de Aquino distingue os
seguintes tipos de lei, que dirigem a
comunidade ao bem comum: a) lei eterna.
É a expressão da razão divina, que governa
São Tomás de Aquino.
todo o universo, de ninguém conhecida
(1225-1274) inteiramente em si, mas da qual o homem
Para Alysson Mascaro, Tomás de Aquino pode obter conhecimento parcial através
foi o encarregado de aristotelizar o de suas manifestações; b) lei divina. É a
cristianismo. Se para Agostinho a razão era verdade revelada, ou seja, expressão da lei
um substrato menor no concerto da eterna; c) lei natural. Pode ser conhecida
salvação, sempre ofuscado pela fé e pela pelo homem por meio da razão; d) lei
graça, para Tomás de Aquino os atos e a escrita. É a lei humana que determina o
razão passam a ter um papel relevante. justo com base na lei natural e dirigida à
utilidade comum.
Agostinho não deixava margem à
ação política e social dos homens. Para ele,
o homem, pecador por natureza, estava O tratado da justiça. Ao lado das leis, há a
eivado de um vício mortal. Tomás de questão da justiça. Tomás de Aquino
Aquino, reabilitando os atos, considera o segue, em linhas gerais, a esse respeito, o
pecado original não uma condenação, mas
pensamento de Aristóteles na Ética a fundamentos teóricos, de Deus para o
Nicômaco. A justiça será por ele homem. Por tal razão, costuma-se
considerada o bem do outro, e sua denominar tal movimento também por
manifestação específica é distributiva e Humanismo.
retributiva. Nesse ponto, Tomás de
Aquino ressalta o caráter casual e não
taxativo do direito natural. Não é um Absolutismo. Representa uma solução
direito extraído diretamente da teologia. É político-jurídica original lastreada em uma
aprendiz da natureza. Tomás de Aquino, longa trajetória de apoio filosófico. A
com resgate de Aristóteles, mantém a noção de que o poder humano é derivado
ideia de que o direito natural é do poder divino volta à carga. Tal teoria,
distribuição do justo entre os iguais. na Idade Média, serviu como respaldo do
poder do senhor feudal. Agora, servirá ao
poder dos reis. Ao contrário dos
FILOSOFIA MODERNA. renascentistas, para quem a preocupação
era com a explicação humana e social do
poder, o Absolutismo parte de uma teoria
Introdução. De acordo com Alysson da legitimação do poder real por meio
Mascaro, a filosofia do direito na Idade teológico. O monarca soberano, por essa
Moderna tem três grandes movimentos: o teoria, tem dois corpos, um secular,
renascimento, o absolutismo e o humano, e outro teológico, divino.
iluminismo.
3
Por Nayla Costa
Renascimento: O rei é soberano, pois possui dois corpos
(1) Humano e (2) Teológico/Divino.
No final da idade média marca para
O rei está acima dos reclames morais, uma
filosofia do direito e para filosofia duas
vez que o seu poder era advindo de Deus
frentes de reflexões: 1ª- Debate
de modo absoluto #ReiPodeTudo.
teológico (teologia é usada para limitar os
problemas filosóficos e jurídicos); 2ª Consequências: 1ª- Deslocamento da
Liberdade (resgate do pensamento filosofia do direito do campo da moral
clássico grego e romano). – Surge o política prática (do Renascimento) para o
renascimento. campo da fundamentação moral do
poder. 2ª - A discussão sobre a moral e a
Renascimento Deslocamento dos eixos
justiça da filosofia do direito se desloca do
fundamentais teóricos: De Deus para o
conteúdo para a forma
Homem, por isso, o movimento também é
chamado de humanismo. O poder Iluminismo – Séc. XVII a XVIII
pertence ao homem, ao seu engenho
Não é um movimento unificado, porque os
astúcia e a capacidade!
seus pensadores não compactuavam
#HomemNoCentro
sempre com premissas comuns.
Nicolau Maquiavel (1469 a Caracteriza grandes modos abertos de
1527): Nasceu em Florença, pensar sobre determinados problemas.
obra de destaque O Príncipe. No Iluminismo os pensadores debatem
entre si sobre pontos fundamentais, mas
Rompe a visão tradicional da teologia
entre eles há uma identidade: a busca pela
metafísica. O eixo da filosofia política
razão.
passa para campo da ação humana. A ação
o político é a diretriz do governo, o agente Outra característica comum é a base
político por suas qualidades, capacidades econômico-social que se desenvolvem os
e empreendimento é que determina o pensamentos filosóficos e jurídicos: a do
encaminhamento da sociedade. PODER surgimento e da consolidação do
NÃO É MAIS DÁDIVA DIVINA! capitalismo. Consequentemente, o
#HomemNoComando. A ordem social e o Estado que antes era enaltecido pelos
bom governo são seus horizontes; mas os primeiros pensadores (Hobbes) acaba
meios, ao invés de teológicos, são sendo limitado por outros. O
humanamente realistas. individualismo reflete nas relações entre a
sociedade e do Estado. Fica evidenciado o
OBS.: O propósito de Maquiavel é pautado
interesse da burguesia, época que assenta
pelo renascimento e pelo humanismo, no
no arrojo individual na busca do lucro,
entanto, a sua tentativa de aconselhar o
propriedade individual, privada.
príncipe a manter a ordem e o poder é o
marco para o absolutismo. O Capitalismo e a modernidade
4
Por Henrique...
A associação entre os homens, situação de medo e conflito, submetem-se
assim, leva a uma renúncia de seus plenos voluntariamente ao poder do Estado.
poderes em favor da paz. Ocorre que as
pessoas não agem com constância ou
suficiência para alcançarem a paz Síntese. Medo; contrato; alienação de
duradoura. Há discórdia, e, por isso, é parte da liberdade; liberdade regrada;
necessário mais que um pacto: é preciso soberano; Estado de Direito; paz;
transferir todo o poder a um homem ou segurança.
uma assembleia, de tal modo que seja
feita então uma só vontade e ela seja a
vontade única, levando à paz e à John Locke.
segurança.
(1632-1704)
Para ele, assim como não existem ideias
O direito natural hobbesiano. Para inatas, também não deve existir poder
Hobbes, a mais alta expressão de justiça é inato (ou de origem divina), como
o cumprimento das determinações do defendiam os adeptos do absolutismo
soberano, na medida em que os homens monárquico.
alienaram seus interesses pessoais àquele,
que lhes dá em troca a segurança e a paz.
Mas, ao mesmo tempo, essa submissão ao Contrato social em Locke. Revelando
poder estatal não nega o fato de que haja preocupação com a liberdade, defendia
uma lei da natureza: o direito à própria que o poder social deveria nascer de um
existência. Caso o soberano se volte pacto entre as pessoas. O fundamento da
contra o indivíduo, é possível que este haja vida em sociedade civil é, portanto, o
em desobediência civil. consentimento dos próprios cidadãos.
Nesse aspecto, aparenta com a filosofia de
Hobbes. No entanto, dela também se
Crítica. A postura política hobbesiana é diferencia. Em Locke, o estado de natureza
muito peculiar e original. Em sua obra, o é pacífico, pois o homem, mesmo nessa
soberano, como vontade única acima da condição, tem meios de compreensão da
sociedade, é o representante mais lei natural. O homem não tem, no
cristalino do regime absolutista vigente ao pensamento de Locke, uma inclinação de
seu tempo. Hobbes assim desponta como natureza a ser o lobo do homem.
um dos mais importantes teóricos do
Para Locke, os homens, em estado
Absolutismo. No entanto, ao mesmo
natural, são iguais e desfrutam da
tempo, a origem do poder absoluto não é
liberdade. Não são irrefreáveis, porém, no
divina. Toda a tradição absolutista hauria
uso da liberdade. A liberdade natural não
a fonte do poder dos reis de um mandato
impede que exista guerra, resultado do
divino. Por procuração, o poder terreno
desrespeito a essa lei natural. Para evitar
era representante do poder divino. Nesse
isso que os indivíduos escolhem viver em
ponto, Hobbes inova. O poder absoluto é
sociedade. A guerra é um risco e não uma
extraído de um contrato social. Os
realidade.
indivíduos, que vivem em natureza uma
Adversário da tirania, do abuso de Ele critica os contratualistas. De acordo
poder, Locke, em razão de suas ideias com ele, na vida natural, a apropriação de
políticas, é considerado por muitos bens da natureza era possível a todos os
historiadores como o “pai do iluminismo”. homens. Pescar, talhar, fazer cabanas etc.
Mas a associação dos homens, com a
metalurgia e a agricultura –
Propriedade. A finalidade precípua do conhecimentos que alguns passaram a ter
contrato social é, para Locke, a garantia da e outros não –, e a consequente divisão do
propriedade privada: “o fim maior e trabalho fazem com que haja soberba,
principal para os homens unirem-se em poder de uns sobre os outros, e a partir daí
sociedades políticas e submeterem-se a os bens da natureza passam a ser
um governo é, portanto, a conservação de propriedade de alguns. Nesse momento,
sua propriedade”. vê-se germinar a escravidão e a miséria.
5
Por Gabriel Texeira e Juliana Silva Freitas
derivaria de ideias plenas ou de sistemas conhecimento por meio da realidade
de pensamento, afirmando a experiência objetiva, na medida em que esta não pode
como única fonte de apreensão de ser conhecida em si mesma.”
conteúdos e demonstrando a
Portanto, há que ser encontrada outra
impossibilidade de um conhecimento
forma de universalização do
ideal e prévio dos fenômenos.
conhecimento, que não através da
Já que, pela premissa do empirismo, só realidade objetiva. Kant passa a explicar
seria possível extrair “leis” do quais seriam as condições de possibilidade
conhecimento perceptível, Kant passou a de um conhecimento universal. O
se interessar pelo modo como o homem conhecimento implica não somente
construía conhecimento, a partir da apreender os fenômenos mas, sobretudo,
percepção. pensar sobre eles, com a ajuda de
categorias de intelecção (por ex.:
quantidade, qualidade).
A razão pura.
“A apreensão dos fenômenos só é racional
A obra de Kant contempla uma reflexão porque há no sujeito estruturas prévias,
sobre o conhecimento (Crítica da razão chamadas então por a priori, que
pura), e sobre os juízos de valor e sua possibilitam perfazer o conhecimento.
aplicação à realidade, incluindo-se a Qualquer fenômeno que seja percebido só
questão da justiça (Crítica da razão o será porque há essas estruturas
prática). Para conhecer, precisamos apriorísticas no sujeito do conhecimento.”
utilizar estruturas de pensamento. Por O ato de aplicação das categorias de
isso, Kant refuta a ideia de que a mera intelecção, para Kant, é um ato de
percepção possa permitir o conhecimento julgamento da empiria. “Por isso, todo
das coisas “em si”. As estruturas de pensamento, para Kant, é na verdade um
pensamento não são da coisa, e sim do julgamento, é um juízo.”
sujeito que conhece. Por isso, não
Entre os juízos de conhecimento, há os
podemos conhecer uma coisa
juízos sintéticos (a priori e a posteriori) e
diretamente, porque ela, sozinha, não nos
os juízos analíticos. Os juízos analíticos não
mostra a sua essência quando a
são de interesse da filosofia. “Ao contrário
apreendemos. Além disso, o que
desses, no entanto, os juízos sintéticos,
conhecemos sobre as coisas não é
que juntam elementos e que, portanto,
descolado das nossas estruturas de
produzem conhecimentos novos, a priori
pensamento. Aquilo que conhecemos,
ou a posteriori, têm mais interesse para a
como um fenômeno da realidade, na
filosofia.” Os juízos sintéticos a posteriori
verdade, é a relação que o sujeito de
são aqueles que acrescentam algum
conhecimento tem com a experiência. “Já
predicado, como resultado da percepção
que não há o conhecimento das coisas em
do objeto, pelo sujeito.
si, só dos fenômenos, não há a
possibilidade de universalização do
Juízos sintéticos a priori são as categorias conhecimento, porque contava este com
universais que possibilitam o categorias necessárias e universais.”
conhecimento dos fenômenos. Tais juízos
são universais e necessários, embora não
sejam inatos. “As estruturas que A razão prática.
possibilitam o conhecimento empírico
A teoria kantiana sobre a valoração e o
direto, Kant as denominará formas da
julgamento humano tem por base a crítica
sensibilidade. As estruturas que
da razão prática, passando pela análise do
possibilitam o conhecimento intelectivo, o
dever e da moralidade, até a formulação
entendimento, Kant as denominará
dos imperativos categóricos, núcleo do
categorias.” São exemplos de categorias
pensamento kantiano sobre a moralidade,
apriorísticas: quantidade, qualidade,
uma “orientação para o agir moral
causalidade, necessidade.
racional”.
“Justamente porque [os juízos sintéticos]
são categorias necessárias, Kant dirá que
são universais. Todos, para perceberem os Boa vontade e dever.
fenômenos, hão de se valer de juízos
O dever se distingue da moralidade,
sintéticos a priori. Se as categorias são as
consiste em seguir os trâmites de uma
mesmas a todos, o conhecimento é
determinada legalidade; nada tem a ver
universal, não porque a coisa em si seja a
com a moral. Moralidade, por sua vez, é a
mesma, mas porque as ferramentas do
predisposição para cumprir um dever,
conhecimento são universais.”
tendo por único fundamento o querer. A
“Como os indivíduos, sozinhos, podem moralidade não se mede pelo seu
conhecer de modo igual, universal? A resultado. A moralidade, portanto, se
resposta tradicional diria isso ser possível instaura no campo da vontade. Esse
ou porque todos nasceriam com as querer que atende a uma determinada
mesmas ideias inatas – racionalistas – ou legalidade, sem qualquer outro fim, a não
porque o objeto é em si o mesmo para ser o de cumprir um dever, é a boa
todos – empiristas. (…) Em face de tal vontade.
dilema, propõe Kant que o conhecimento
é universal porque as ferramentas do
conhecimento são universais a todo O imperativo categórico. #ÉFamoso
sujeito do conhecimento. (...) Kant Kant distingue entre os imperativos
constrói, ao cabo de sua empreitada na hipotéticos e os imperativos categóricos.
Crítica da razão pura, um conhecimento Imperativo hipotético é uma técnica, que
que é calcado na subjetividade mas que é visa a certo fim. Trata-se de um modo de
universal, com categorias prévias à ação típico do pragmatismo.
experiência. A universalização de Kant,
antes que pelo objeto, que não se O imperativo categórico é uma diretiva
alcançava, era pelo sujeito do que tem em vista a ação. É mais que um
saber que orienta a moral e é mais que um Kant trata a moralidade. Na visão do autor
dever. “A vontade, se dominada pela (Mascaro), a construção da moralidade,
inteligência, será conduzida então por em Kant, é frágil, porque se sustenta em
meio do imperativo categórico.” “É um premissas ideais e não permite
dever que obriga sem condicionantes nem reconhecer as situações de sujeitos que se
limitações nem finalidades outras que o encontrem em diferentes posições.
cumprimento desse próprio dever.”
“A transposição da filosofia prática de
Independe de condicionantes concretas e,
Kant para o problema moderno do direito
por isso, é universal. Vale dizer que
natural é imediata: somente poderão ser
somente poderão ser universalizadas as
de direito natural (somente poderão ser
ações boas, isto é, as ações dirigidas pela
direitos justos e racionais) os imperativos
boa vontade, orientadas tão somente ao
universalizados. Representa tal
cumprimento do dever.
concepção, ao mesmo tempo, uma
“O imperativo categórico é postura revolucionária – o fim dos
portanto só um único, que é este: privilégios do Absolutismo, tendo em vista
Age apenas segundo uma máxima que tais privilégios são particulares a um
tal que possas ao mesmo tempo só estamento – e uma postura
querer que ela se torne lei conservadora – a legitimação da
universal. universalidade sem qualquer flexibilização
ou contestação dos direitos subjetivos
[...] Age como se a máxima da tua
burgueses, principalmente o
ação se devesse tornar, pela tua
vontade, em lei universal da razão.
Direito e moralidade
[...] Age de tal maneira que uses a
humanidade, tanto na sua pessoa Na filosofia de Kant, o direito
como na pessoa de qualquer possui um papel que é próximo, mas que
outro, sempre e simultaneamente não se confunde com o da moralidade. O
como fim e nunca simplesmente campo do direito independe da motivação
como meio.” pessoal do sujeito. As razões pelas quais
alguém cumpre a lei não são tão
Tanto o indivíduo que pensa o imperativo,
importantes quanto o simples fato de
como aquele que sofre os seus efeitos são
cumpri-la; por sua vez, no campo moral,
pensados como fins, e não como meios.
não importa apenas cumprir, mas sim
Observação: a doutrina jurídica aponta
querer cumprir.
que a definição de “dignidade da pessoa
Para Kant, o direito se distingue da
humana” tem origem na formulação de
moral porque esta última busca uma
Kant, de que o indivíduo é um fim em si
espécie de prática da lei por si mesma,
mesmo.
tendo seu âmago na vontade interna do
Kant não admite a possibilidade de sujeito, enquanto o direito se impõe como
flexibilizar o imperativo categórico na vida uma ação exterior, concretizando-se no
prática. Apreende-se daí, a forma como
seu cumprimento, ainda que as razões do às últimas consequências: também para
sujeito não sejam morais. Kant, o direito natural não é o da natureza.
Embora tal distinção, há, no Como os demais burgueses modernos,
entanto, um núcleo comum ao direito e à para ele o direito natural é da razão,
moralidade. Para Kant, a forma do direito extraído como possibilidade do
é semelhante à forma da moralidade, o pensamento do sujeito. Não é necessário
que é tratado na obra "Metafísica dos que se o meça na realidade. Basta a sua
Costumes". No pensamento kantiano, não forma pensada, apriorística, para que se
há diferenciação entre o direito racional e afirme. Por isso, Kant representa a mais
a moral no que diz respeito ao conteúdo radical ruptura com o pensamento jurídico
das normas em si, tendo em vista que as antigo, clássico, cujo maior propositor fora
normas jurídicas racionais e as morais são Aristóteles. Para este, a natureza
pensadas todas a partir de uma mesma ensinava, servia de guia e mensuração.
forma – imperativos categóricos Para Kant, o direito justo é pensado, e não
Os imperativos categóricos são necessita nem de confirmação nem de
base da moral. O seu lastro está na correções na realidade.
universalidade das normas. Também o O direito justo e racional para Kant
direito é pensado a partir de uma não visa ao bem comum nem à felicidade
universalidade. Somente as normas daqueles aos quais se destina, mas é
universais podem ser pensadas como identificado pela pura razão de justiça que
justas. se possa pensar. Apenas a forma da
Há uma articulação entre deveres, relação entre livres e iguais é o que
de forma que poderíamos dizer que os importa
deveres de virtude e os jurídicos Em um decisivo trecho da
subordinam-se aos ético-gerais. Direito e Metafísica dos costumes, Kant
virtude participam da doutrina dos conceituará o direito como uma esfera
costumes e têm os mesmos fundamentos exterior do dever (e não interior, como no
últimos, o que é consequência da unidade caso da moralidade), e dirá que o direito
da razão prática, pois as duas legislações não se mede pelos proveitos,
são provenientes da autonomia da necessidades e explorações concretos da
vontade. Esta é o fundamento das duas relação, e sim apenas pela forma que seja
legislações; o princípio supremo da presumida livre e igual da própria relação.
doutrina dos costumes é o imperativo O direito é, portanto, a soma das
categórico. condições sob as quais a escolha de
Com base nessa forma comum, alguém pode ser unida à escolha de
Kant propõe um direito da razão, que se
pode considerar legítimo, servindo de
contraste ao direito posto, quando este
afrontar os ditames da própria
racionalidade. Trata-se, ainda, do direito
natural ao molde moderno, agora elevado
outrem de acordo com uma lei universal imperiosa da coerção estatal para a
de liberdade. garantia da liberdade individual. A
liberdade plena do indivíduo é perdida em
O modelo de direito de Kant merece favor do Estado para que este, então,
críticas, pois a mera forma da relação guarde-a e a permita: tudo que é injusto é
presumida livre e igual corresponde um obstáculo à liberdade de acordo com
ao apogeu da legitimação da relação leis universais. Mas a coerção é um
de exploração capitalista, sem obstáculo ou resistência à liberdade.
considerações maiores a respeito da Consequentemente, se um certo uso da
sua injustiça estrutural. As liberdade é ele próprio um obstáculo à
necessidades concretas das pessoas
liberdade de acordo com leis universais
e da sociedade não orientam o
(isto é, é injusto), a coerção que a isso se
direito segundo sua visão filosófica
opõe (como um impedimento de um
obstáculo à liberdade) é conforme à
liberdade de acordo com leis universais
Ainda, para Kant, sendo o
(isto é, é justa).
imperativo o mesmo para a moralidade e
Ao campo do direito, a legislação
para o direito, a moral se cumpre por um
tem por motivo não a moralidade em si
querer interior ao sujeito e o direito se
mesma, mas um princípio externo, vale
revela por meio da coerção externa ao
dizer, lastreado em último caso pela
sujeito, promovida pelo Estado. Os
sanção, e isso é diverso do campo da
deveres jurídicos, no entanto, não são
moral, no qual o bem tem um fim em si e
apenas promovidos pela coerção. Eles
para si.
também podem ser indiretamente éticos.
Como divisão da doutrina dos
Assim sendo, a relação entre o
costumes (da moral), o direito se opõe à
direito e a moralidade, para Kant, é
ética (doutrina da virtude), e não à moral,
estreita e complementar, para o que isso
que é mais ampla que esta. Para Kant,
aponte de mais frágil na própria
alguns conceitos são comuns às duas
moralidade, que não consegue se assentar
partes da metafísica dos costumes, entre
como campo fundamental da
eles, os conceitos de Dever e de
sociabilidade, e também no próprio
Obrigação. Há deveres que são
direito, que está preso aos ditames da
diretamente éticos, mas os deveres
moralidade individualista burguesa. Por
jurídicos, na medida em que também são
isso, o despotismo, embora se organize a
deveres e dizem respeito também à
partir de um Estado, não é artífice
legislação interior, são indiretamente
suficiente do Estado de direito.
éticos. Por exemplo, cumprir um contrato.
A grande dificuldade da filosofia do
O contratualismo kantiano
direito burguesa moderna, que era a de
conciliar a liberdade do indivíduo com a
Na ideia do contrato social, e na
coerção estatal, é resolvida por Kant sem
verdade na pressuposição da vontade
qualquer embaraço: há uma necessidade
geral do povo, é que reside para Kant a desigualdades sociais, o direito não deve
legitimidade do direito. Sua teoria não se ocupar do eventual sofrimento do
pressupõe o contrato social como povo. O contrato social, na sua opinião, é
realidade histórica. Não se o há de buscar tão somente uma ideia que organiza a
em algum evento concreto do passado. concretização da justiça enquanto
Pelo contrário, o contrato social é uma garantia da liberdade.
necessidade do pensamento, tendo em
vista que o Estado de direito se funda O direito privado e o direito público
nesse nível de racionalidade que
pressupõe o resguardo institucional da Na Metafísica dos costumes, Kant
liberdade dos indivíduos em convívio. Para expõe sua “Doutrina universal do direito”
Kant, não há um estado de natureza como em duas partes, sendo a primeira delas
um fato. Ele também é uma ideia. sobre o direito privado e a segunda sobre
A justiça tem dificuldade de se o direito público. Tal apresentação não é
assentar no estado de natureza, pois a aleatória: para Kant, o fundamento do
possibilidade do direito não se faz direito reside primeiro no direito privado,
presente nessa hipótese de pensamento. e só depois no direito público. A
A superação do estado de natureza, no propriedade privada e o contrato são
entanto, não é simplesmente o elementos inscritos já no estado de
estabelecimento do Estado. Para Kant, natureza, antes mesmo da posterior
somente numa forma republicana se transformação de tal situação natural em
alcança uma soberania da organização civil.
social e política tal que a liberdade seja Para Kant, não há de se indagar
garantida. sobre as origens de cada propriedade
O arbítrio, para Kant, é o específica, devendo antes haver, como
fundamento de sociedades anárquicas e corolário da razão, o respeito absoluto à
despóticas. O direito é o fundamento das posse originária já constituída. Veja que
sociedades republicanas. Para Kant, esse pensamento de Kant serve aos
peculiarmente, o Estado de direito interesses burgueses e
garante apenas a justiça para todos, não o conservadores. Kant erige a garantia da
bem-estar dos seus cidadãos ou direito de propriedade privada como um inabalável
cidadania ativa. direito da razão, um direito natural.
Numa posição altamente liberal, os Para Kant, a posse, que é um
indivíduos, por si próprios, são pressuposto verificado já no estado de
responsáveis pela sua felicidade. O Estado natureza, somente se torna propriedade
apenas garante as possibilidades da privada quando de sua garantia por meio
liberdade dos indivíduos, por isso sua do Estado. Assim sendo, em Kant, o direito
função é assegurar, nas palavras de Kant, público é uma decorrência necessária da
apenas a justiça. Para Kant, em uma própria atividade e dos interesses privados
perspectiva muito refratária ao que se – de modo radicalmente burguês, o
possa pensar como crítica das privado fala mais alto que o público.
O direito público é aquele haurido Além da questão da cidadania,
do Estado, que dá condições para a Kant, na sua reflexão sobre o direito
liberdade dos indivíduos na convivência público, trata também a respeito do poder
entre si, dos povos entre si e mesmo dos do soberano e do direito à revolução.
Estados e de seus indivíduos entre si. Por Também aqui demonstrará sua visão
isso, Kant estrutura-o, na Metafísica dos filosófica conservadora. Para Kant, ainda
costumes, em três partes: direito do que o soberano seja um tirano, injusto,
Estado; direito das gentes; direito não há um direito de resistência do povo,
cosmopolita. que deve se conformar à condição jurídica
No que diz respeito à sua visão dada, sem postular uma revolução. Se o
sobre a cidadania, Kant reconhece, no direito natural se consubstancia num
poder legislativo, uma ligação com a direito positivo que garanta a liberdade
vontade do povo, que se expressa por recíproca dos indivíduos, atentar contra
meio das eleições. Ocorre que, na sua tal ordem é injusto.
teoria, eleitor deve ser o proprietário,
aquele que tem meios próprios para viver O direito das gentes e o direito
e não se submete ao trabalho controlado cosmopolita
por um terceiro. Trata-se,
surpreendentemente, de uma visão O direito das gentes e o direito
absolutamente não universalista. O cosmopolita O projeto kantiano de fundar
próprio Kant busca matizar sua posição, uma sociedade calcada no direito público
ressaltando que o trabalhador que respeita a liberdade individual não
subordinado é também um cidadão, mas, para apenas no plano interno de cada
não sendo proprietário nem dono de seus Estado - projeto de paz perpétua.
próprios meios de subsistência, é um No seu projeto de paz perpétua,
cidadão passivo, ao contrário do cidadão Kant estatui as convenções e as normas a
ativo, aquele apto ao voto. serem seguidas pelas nações entre si a fim
Kant, em termos políticos, expõe de que o projeto jusnaturalista
ao máximo suas fragilidades teóricas, com racionalista levasse à harmonia universal
uma teoria da democracia muito mais sustentada pelo direito. Apesar disso, ele
conservadora que a dos demais filósofos reconhece criticamente que essa paz
burgueses modernos. Em sua concepção perpétua nunca se completará. São artigos
restrita, a cidadania é somente um desse projeto:
atributo formal, ou seja, meramente a
aptidão a votar. Além disso, sua Primeiro Artigo – A Constituição
abominável distinção entre cidadãos civil em cada Estado deve ser
ativos e passivos – que segrega o republicana.
trabalhador e a mulher – revela o quanto Segundo Artigo – O direito das
sua filosofia política e do direito não gentes deve fundar-se numa
representa um marco de rompimento, federação de Estados livres.
mas sim de conservação do já dado.
Terceiro Artigo – O direito de certas proposições, a partir das quais
cosmopolita deve limitar-se às Kant propõe uma leitura das
condições da hospitalidade possibilidades humanas tendo em vista o
universal. uso da razão, sem se basear em fatos
empíricos ou buscar um percurso
No que tange ao direito das gentes, histórico.
Kant constata que os Estados encontram- O projeto de Kant, envolvendo
se nas relações entre si, muitas vezes uma ordem de direito público que garanta
numa situação ou de guerra ou de a liberdade dos indivíduos e uma efetiva
hostilidade, semelhante ao estado de relação jurídica entre os estados, aponta
natureza entre os indivíduos. A fim de então para a sua pretensão de paz
superar tal estágio, não se há de pensar perpétua.
num poder soberano por sobre os Estados,
pois isso acabaria com suas
independências e se encaminharia a uma
JEREMY BENTHAM6
tirania de um Estado mais forte sobre os
outros. A proposta kantiana é de uma (Ética utilitarista ou consequencialista)
federação de Estados. Muitos vislumbram, (Alysson não aborda este autor, pesquisa
em tal proposta kantiana, o primeiro feita na internet e aula Mege)
embrião teórico de uma entidade
supranacional como a Organização das
Nações Unidas. CONTEXTO - viveu entre 1748 a 1832.
Além de um direito das gentes, Base do liberalismo clássico
Kant aponta em direção a um direito
OBRA - Uma introdução aos princípios da
cosmopolita. Pode-se dizer que o direito
moral e da legislação
cosmopolita é um avanço proposto por
Kant em relação ao já tradicional direito ESSÊNCIA DO UTILITARISMO - O
das gentes. Não se trata apenas de entendimento da teoria proferida por
analisar o direito que é dado a cada Bentham e sustentada por seus
seguidores era que para a interpretação
cidadão a partir de seu Estado. Trata-se do
da norma deveria levar em consideração
direito do cidadão numa sociedade
os efeitos reais produzidos. A qualificação
internacional. O direito cosmopolita
dos efeitos teria como base a utilidade,
aponta, ao mesmo tempo, para os Estados sendo o bom aquilo que traz prazer e mau,
e os indivíduos. o que causa dor. Complementando esta
frase, sob o prisma social bom e justo é
Direito, história e paz perpétua tudo aquilo que tende a aumentar a
felicidade geral.
Perpassa, pela filosofia de Kant, um
ITEM RELEVANTE - Bentham estudou
certo otimismo do direito como potencial
"racionalmente", em suas próprias
futuro de melhoria da sociedade, a partir
6
Por Carina e Felipe
palavras, o sistema penitenciário. Criou prazeres reconhece direitos a todos.
então um projeto de prisão circular, onde Supera a ética do sacrifício, todos homens
um observador central poderia ver todos devem buscar a própria felicidade. Isso de
os locais onde houvesse presos. Era o certa forma antecipa a crítica marxista.
sistema pan-óptico. O sistema seria
Para o utilitarismo a ética deve buscar
aplicável, segundo o autor, a prisões,
meios para obter o melhor estado
escolas, hospitalis ou fábricas, para tornar
possível. Para ele, o homem cria suas
mais eficiente o controle daqueles
referências a partir de associação, se faço
estabelecimentos. Assim, aquele que
algo e sinto um sentimento ruim e se faço
estivesse sobre uma torre ou estrutura
outra coisa que me dá prazer, o homem
circular central, poderia observar todos os
vai buscar preferir a segunda opção
presos (ou os funcionários, pacientes,
sempre.
estudantes, etc), tendo-os sob seu
controle Nesse contexto, cabe ao direito criar
normas para que o homem busque
maximizar a felicidade sem que perturbe
os demais.
A mão invisível de Adam Smith busca
nessas ideias as bases do liberalismo. Não
basta que se cumpra o contrato social,
deve-se saber quais as consequências para
cumprir, se gerar prazer individual ao
homem será cumprido, caso contrário
não. O produto de nossas ações deve gerar
benefícios e prazer, e prevenir o
sofrimento e a infelicidade.
Cabe analisar neste ponto o objetivo do
Direito Penal. Para o filósofo o direito
penal deve educar para que se previna o
sofrimento. Daí a ideia do Panoptico (ideia
posteriormente utilizada por Foucault) .
Maximar o prazer, Minimizar a dor.
TRANSCRIÇÃO AULA MEGE:
A ação é boa se aumento a felicidade.
No âmbito deste concurso é necessário
destacar duas características: Lei é um mecanismo garantidor para que
todos persigam a felicidade sem afetar aos
1 – Proposta com certo egoísmo burguês a demais, oferecendo segurança para
partir do momento em que se propaga a conquistar esse objeto. Quando todos
ideia de que todo individuo busca buscarem a felicidade, a própria sociedade
maximizar seus próprios prazeres. estará feliz, em equilíbrio.
2 – Em contrapartida, quando prega que O autor apresenta 4 critérios para saber se
todos podem buscar seus próprios uma ação é boa ou não:
1- Uma ação é útil se ela intensifica o psicologia, a arte, a filosofia e a religião -
prazer as contradições e dialéticas são resolvidas
2- Uma ação é útil se o prazer é para a criação de um modelo, que tanto
duradouro pode refletir-se no espírito, sentido de
3- Uma ação é útil se o prazer tem alma e aspirações ideais, como no Estado
que ser certo político.
4- O prazer deve ter afinidade com o
Não constrói sua teoria sob a forma
desejo do indivíduo
de uma dicotomia, como há, em Kant,
Ninguém pode ser obrigado a se sacrificar entre o mundo da racionalidade e o
em benefícios dos outros. Todo tem mundo da realidade. Na verdade, para
direito a própria felicidade. Hegel, há uma interligação necessária
entre o plano da ideia e o plano da
Crítica: nem todos podem buscar a sua
realidade - “O que é racional é real e o
própria felicidade pela vulnerabilidade,
que é real é racional” - total e necessária
seja por questões sociais, psíquicas e
identificação do real com o racional.
econômicas. Nesse caso o Estado deve
atuar, ideia do Estado Social. Portanto, não descarta o
empirismo, tampouco inscreve sua teoria
num mundo fora da apreensão da
Hegel7 realidade. Kant deduziu sua filosofia do a
priori. Hegel não terá deduzida sua
Contexto: Hegel (1770-1831) - filósofo
filosofia de um princípio geral, mas da
alemão; idealismo absoluto; precursor da
própria realidade.
filosofia continental e do marxismo;
período iluminista, pós ascensão Se Kant assentou seu mundo ético
burguesa. no dever-ser, que é o reino ideal tirado dos
imperativos categóricos, a priori, Hegel
procederá diferentemente. Sua teoria
Obras: Fenomenologia do espírito; A assenta-se sobre o ser, sobre o real, e
ciência da lógica; Enciclopédia das ciências para ele real é o racional. Assim, o dever-
Filosóficas; Princípios da filosofia do ser dilui-se no ser, de tal modo que o que
direito é deve ser - “A missão da filosofia está em
conceber o que é, porque o que é a
razão”.
As implicações da junção entre ser
A IDENTIDADE ENTRE O REAL E O e dever-ser para a filosofia do direito são
RACIONAL imediatas. A separação entre o que é o
direito e o que ele deveria ser foi típica da
Idade Média e da Idade Moderna –
O sistema desenvolvido por Hegel, podendo encontrar algumas raízes nos
o idealismo absoluto, abrangeu várias próprios clássicos gregos. Em tal divisão, o
áreas do conhecimento como a política, a direito real é injusto, levantando-se,
7
Por Fabiano Mota Cardoso
diferentemente dele, um direito ideal, forma de desvendar um conflito que
pensado ou advindo de Deus, em geral estava aparente em dois conceitos
chamado por direito natural. Mas, para opostos. Isso está presente na tradição
Hegel, não se trata de duplicar o mundo. filosófica platônica, aristotélica, tomista,
O direito é o que se apresenta, e o que se da qual até Kant tomou proveito, e essa
apresenta deve ser. A identificação entre tradição da dialética baseia-se na
razão e realidade, em Hegel, implica num compreensão dos aparentes opostos, que
afastamento da metafísica como instância se resolvem por meio de uma mediação
do pensar distinta da própria realidade. entre tais. Em geral, para essa tradição, a
Enquanto o reino da justiça de Kant é dialética é muito mais um processo de
ideal (o direito natural racional), em argumentação, de compreensão de
Hegel é presente, vivo, histórico. argumentos, resolvendo-os e descobrindo
suas oposições. Para Hegel, contudo, a
A perspectiva hegeliana de
dialética é diversa de tudo isso.
identificação da razão e realidade tem
também, em seus alicerces, uma A grande inovação do pensamento
perspectiva de totalidade. Por totalidade hegeliano, no que tange à dialética, reside
Hegel considera uma larga compreensão justamente no fato de que o conflito entre
da realidade e da racionalidade que tese e antítese, entre os opostos, é um
tenha por base a relação entre os fatos e conflito real - tanto no plano de sua
fenômenos. Ao contrário da tradição efetividade quanto no de sua
moderna, essencialmente dividida, racionalidade, pois o real e o racional se
tratando de planos distintos – razão e confundem. Portanto, há conflito na
realidade –, e mesmo tratando de objetos própria realidade. A síntese é superação
incognoscíveis em si mesmos, Hegel dirá desses conflitos. Superação, nesse
que a compreensão da história é a sentido, não tem a ver com a correção de
compreensão da razão e da realidade, e impropriedades no que diz respeito às
para tanto utilizará tanto os instrumentos afirmações da tese e da antítese, mas tem
da lógica – e da dialética, sua grande a ver com um momento outro, que faz por
contribuição teórica para a filosofia –, transformar a própria conflituação. A
quanto os instrumentos de compreensão dialética representa a troca de patamares.
da realidade – as ciências, a religião, o A síntese, em Hegel, é negação da
direito, a economia. Não se compreende negação da tese. É algo novo, portanto
algo em si mesmo, sem cotejá-lo com surgido na história. Não é algo já dado
outros fenômenos e com a própria previamente e ao qual só basta operar
história. A filosofia, buscando a procedimentos ideais para descobri-lo,
totalidade, supera os fatos isolados e nem é a escolha de um dos dois lados do
alcança as relações. conflito. É superação original. Nessa
superação original, de negação da
negação, perfaz-se o processo histórico.
A DIALÉTICA HEGELIANA
Tese Antítese Síntese
Para Hegel, a dialética não é, como
o era antes dele, um procedimento
adotado pelo intelecto humano como
Para Hegel, o processo dialético abriu-se margem ao problema oposto, o
compreende um momento de afirmação do perecimento dos vínculos entre os
abstrata, outro de negação e outro próprios indivíduos.
posterior de afirmação racional positiva.
Por isso, para Hegel, é preciso
Nesse processo trifásico se perfaz o
suplantar tanto a visão antiga, que diluía o
caminho da dialética. O conhecimento se
indivíduo no todo, quanto a visão
inicia do conceito abstrato – identidade –,
moderna, que derruba o todo em prol da
que há de se abrir e se tornar sua própria
individualidade autônoma. É no Estado
negação – negatividade –, para então,
que Hegel enxergará a síntese superior
posteriormente, afirmar-se como uma
entre o social e o individual. Seu modelo
racionalidade positiva – superação.
é distinto daquele dos gregos, pois prevê o
A dialética é o processo de direito do indivíduo, e também mais
entendimento do mundo. No entanto, é impactante que o contrato social
também processo de desenvolvimento moderno, pois não se limita a um
histórico do mundo, da realidade. Na momento originário no qual a vontade
contradição, razão e realidade estão individual tenha que dar a diretriz da vida
afastadas, contrastando-se. Na síntese, política. O Estado suplanta as razões
razão e realidade estarão conciliadas. individuais.
Para Rousseau, o Estado é a
própria unidade dos indivíduos
FILOSOFIA DO DIREITO
contratantes. O Estado, para Hegel, é uma
Identificando a razão com a entidade diversa, acima do cidadão. Se
realidade, seu sistema filosófico somente considerarmos Hegel em comparação com
se completa quando a própria realidade Kant, restará na filosofia do direito
for necessariamente o racional. E é no kantiana um arraigado idealismo, na
direito e no Estado que Hegel enxergará a medida em que parte do pressuposto de
racionalidade plenificada, realizada. “O um justo não realizado, até mesmo
sistema do direito é o império da inalcançável pela realidade. Hegel parte
liberdade realizada”. da premissa contrária. O reino do direito
justo, racional, é o reino do direito
Hegel enxerga nos antigos (gregos)
realizado. Realizado como fenômeno
uma ética orgânica, social, que não
atrelado ao Estado. Ao contrário de Kant,
fragmenta a totalidade em indivíduos que
Hegel assenta sua filosofia do direito não
se pressuponham indiferentes. Nos
no indivíduo, mas no Estado.
tempos modernos, com o capitalismo, a
ética transborda para o campo da Hegel, buscando empreender um
individualidade, rompendo a coesão social sistema filosófico que tivesse por vista a
antiga. Para Hegel, a modernidade teve o totalidade, não considera que seja
condão de corrigir a antiga submissão do possível compreender o direito a partir do
indivíduo ao todo. Com a forja dos seu estrito núcleo normativo-judicial.
sujeitos de direito e de seus direitos Hegel se afasta do jusnaturalismo e, ao
subjetivos, a modernidade deu dignidade mesmo tempo, rejeita um tratamento do
ao indivíduo. Mas, ao mesmo tempo, direito como uma ciência positiva,
limitada às normas. É preciso, para Hegel, teoria do contrato social. O
entender a razão de ser dessa própria individualismo, fazendo do sujeito sede da
ciência positiva do direito no todo social. racionalidade e cerne dos direitos. O
Por isso, para Hegel não é a ciência do contratualismo, como manifestação da
direito, mas sim a filosofia do direito, o racionalidade e da vontade individual,
momento superior da reflexão sobre o portanto momento superior que dava
próprio direito, na medida em que o razão de ser ao próprio Estado. Hegel
pensamento jusfilosófico analisa o direito romperá com essa ordem de explicações.
pelo todo. Hegel insiste na totalidade O Estado não terá fundamento nem no
como maneira de reelaborar o indivíduo nem na sociedade civil, que lhe
entendimento do direito. são momentos inferiores. A concretização
do direito no Estado faz com que não se
indague a respeito da moralidade
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL individual. Se Kant praticamente equivalia
a moralidade com o justo jurídico, porque
Importância concedida ao Estado -
os dois saem do mesmo imperativo
sua posição é bastante contrastante com a
categórico, de uma razão individual, Hegel
tradição moderna, individualista, que vê
rompeu essa equivalência. Individualidade
no Estado um elemento subordinado aos
e moralidade são reinos que devem ser
interesses individuais. Ao considerar o
subordinados a um momento superior,
Estado a razão em si e para si, no entanto,
que é o da eticidade consubstanciada no
Hegel não propõe uma filosofia política de
Estado. Hegel escapa ao contratualismo
tipo absolutista. Sua compreensão não é
moderno, tendo em vista que o Estado
reacionária, no sentido de negar a
não é o acordo dos indivíduos, mas é dado
individualidade do sujeito de direito em
em si e para si.
troca de um Estado pleno. Pelo contrário,
Hegel procede a uma dialética entre Para Hegel, a tentativa de subsumir
Estado e indivíduo. É justamente o Estado o Estado dentro da sociedade civil foi
que garante o sujeito como cidadão, com típica do pensamento moderno,
seus direitos. E, ao mesmo tempo, sendo arraigadamente burguês. Ocorre que é o
o Estado a razão, o indivíduo não se Estado, sendo a esfera do público, que
apresenta como o ápice da hierarquia dos reelabora, dentro de si, o campo do
interesses políticos. O individualismo privado. A filosofia do direito moderna
burguês é rejeitado por Hegel em favor buscava fazer o contrário, construir o
de uma original concepção política Estado a partir de categorias tipicamente
orgânica. individualistas, como as do contrato. O
contrato social é a exacerbação do privado
A consubstanciação do justo e do
como explicação da constituição do
racional no Estado, e não no indivíduo
público. Hegel rompe com tais
nem na sociedade civil, faz com que Hegel
explicações: o campo da sociedade civil é
rompa com toda a tradição estabelecida
o campo do mercado. O Estado não pode
na modernidade sobre a filosofia política e
ser refém dos limites impostos pelos
jurídica. O denominador comum de todo o
interesses mercantis. Pelo contrário, é
pensamento jusfilosófico moderno foi o
justamente a chegada ao nível público
individualismo e, em consequência, a
estatal que permitiu à sociedade a em contraposição à imutabilidade da
liberdade jurídica dos privados, ensejando filosofia do direito moderna, a história. E o
assim o contrato. momento da racionalidade plena
hegeliana não é a razão individual, é o
Não chegando à conclusão da
Estado.
existência de um contrato social, Hegel
não partilhará a hipótese de que tenha O pano de fundo histórico para tal
havido um estado de natureza, como mudança é muito claro. A burguesia
pensavam os modernos. Não há, para europeia, em todo o mundo moderno,
Hegel, uma etapa pré-social e outra ascendia como poder econômico, mas não
social, na qual, então, passasse a se ascendia ainda como poder político. O
desenvolver a história da sociedade. Toda Estado era absolutista, e portanto
a evolução social é histórica. contrário aos interesses burgueses. Foi
próprio desse período que o pensamento
É em face do caráter
jurídico burguês buscasse guarida nas
essencialmente privado da atividade
únicas instâncias da vida social por ele
burguesa, cerne da sociedade civil, que
controladas, o indivíduo (burguês) e a
Hegel insiste no Estado como instância
sociedade civil (burguesa). Daí vêm,
superior da vida do povo. De tal maneira,
conjuntamente, o direito natural
o liberalismo econômico, cujas
individualista moderno e a teoria do
consequências para o plano jurídico e
contrato social.
político são sempre de castração de
possibilidades que transponham o limite Seria razoável – apontando-se
do negócio interindividual, tem ironicamente – que, se o justo estivesse
reprovações manifestas na filosofia do inscrito na individualidade, e não no
direito de Hegel. Por isso, o direito, a Estado, como fizeram entender os
constituição e a soberania, em Hegel, são modernos e Kant principalmente, quando
pensados diretamente a partir do Estado, o Estado absolutista acabasse, e os
e não a partir de um Estado que ecoe a indivíduos exercessem livremente sua
vontade contratual dos indivíduos. igualdade e liberdade, não fosse mais
necessário o direito estatal. O direito
natural individual bastaria como guia da
HEGEL E O JUSNATURALISMO humanidade e da sociedade civil. Viu-se,
no entanto, a burguesia tomando o poder,
O jusnaturalismo moderno verifica
nos fins do século XVIII, como na
em Hegel seu definitivo ápice, mas seu
Revolução Francesa, e, em vez de
definitivo fim. A filosofia de Hegel é talvez
instaurar o tal definitivo direito natural do
não só a melhor estadia do jusnaturalismo
indivíduo, depositou o seu conteúdo em
moderno, mas também seu definitivo
códigos e leis estatais. Tal fase foi
despejo filosófico. A esfera de uma
denominada, em história do direito, de
racionalidade eterna e plena, imutável e
período da positivação do direito natural.
racional, que partisse do indivíduo e
apenas nele se contivesse – em Kant, nos Hegel superou as visões
imperativos categóricos –, está superada jusnaturalistas modernas. No pensamento
em Hegel. A dialética hegeliana inaugura, jurídico medieval e no pensamento
jurídico moderno, há duas manifestações Com isso, ao invés de basear-se numa
de oposição entre a moral e a política. Nos forma de objetividade superior,
medievais, a vontade divina é uma moral normativa, tais pensadores situam o
que se põe acima da política humana. Nos direito no nível dos costumes, da cultura
modernos burgueses, a razão é maior que jurídica, das experiências jurídicas
o direito posto do Estado absolutista. Para arraigadas na história.
ambas as visões, a política é dirigida pela
A posição peculiar de Hegel
moral. Mas Hegel insiste numa
perante o reacionarismo e a revolução
legitimidade do Estado que está acima
burguesa revela, ao seu modo, uma
dos preceitos morais ou racionais
contraposição ao Iluminismo jurídico,
individuais. No pensamento de Hegel, o
mas sem abominar os conteúdos jurídicos
Estado e o seu direito positivo suplantam
iluministas – conteúdos que o Estado
os direitos naturais.
burguês pós-revolução havia positivado
tais quais. Por isso, Hegel mantém reserva
quanto à identidade das razões do direito
HEGEL E A ESCOLA HISTÓRICA
com a sociedade (povo).
Há uma aparente correspondência
Insiste, na sua Filosofia do direito,
entre Hegel e o movimento que, na
na superioridade do direito positivo
Alemanha do século XIX, levou o nome de
estatal, de tal modo que os métodos de
Escola Histórica. As duas perspectivas
investigação da Escola Histórica, como a
estão praticamente no mesmo tempo
história e o costume, que estão além do
histórico, tendo, também, um opositor
limite do positivismo, hão de ser
comum, o jusnaturalismo universalista e
descartados pela filosofia do direito
individualista que poderia bem se resumir
hegeliana.
exemplarmente na filosofia de Kant. No
entanto, há, ao lado de alguma igualdade O modelo jurídico hegeliano,
no que diz respeito aos grandes criticando o individualismo iluminista,
opositores, diferenças substanciais entre ainda ao seu modo é moderno, na medida
Hegel e a Escola Histórica. em que o Estado, como espaço público, é
o espaço da razão. De alguma medida,
Carl von Savigny e Gustav Hugo,
como Rousseau também o fora, Hegel é
membros mais destacados desse
iluminista e um pouco mais além. Mas a
movimento dos juristas alemães no início
Escola Histórica, que não é iluminista,
do século XIX, assumem a crítica ao
assentando-se sobre a noção de povo,
jusnaturalismo a partir de uma trincheira
revela seu caráter regressivo, pré-
que pouco apenas poderia lembrar uma
moderno, sendo, pois, um pouco mais
crítica hegeliana. Tal qual Hegel, insistem
aquém do Iluminismo. Hegel se afasta da
tais juristas que o direito não é expressão
universalidade individualista dos
da racionalidade individual, atemporal e
modernos, mas é portador de uma hiper-
universal. Mas, ao contrário de Hegel,
universalidade localizada, garantida pelo
situam o direito como expressão do
Estado. A Escola Histórica, por sua vez, é
espírito do povo (Volksgeist). No povo, e
anti-universal. Hegel e a Escola Histórica,
não no Estado, está o alicerce do
pois, até compartilham os mesmos
fenômeno jurídico para a Escola Histórica.
inimigos, mas não assumem as mesmas companheirismo intelectual e político,
afirmações na construção do modelo de poucas vezes visto na história da filosofia,
pensamento jurídico que vai se a atuação conjunta de Marx e Engels
consolidando no início do século XIX. datava já da década de 1840, e, com a
morte de Marx, em 1883, Engels
responsabilizou-se pela edição do texto
Palavras chaves: dialética; centralidade no restante de O capital. As obras iniciais
Estado; idealismo absoluto; racionalidade
(entendo desnecessária a leitura)
e realidade (centralidade no ser); crítica ao
individualismo iluminista; superioridade a) Manuscritos econômico-filosóficos:
do direito positivo estatal; totalidade. escritos em 1844, Marx reconhece a
importância de Feuerbach, que repõe o
problema da filosofia no próprio homem,
Karl Marx8 em sua totalidade humana. Essa
antropologia é o primeiro passo da
A Filosofia do Direito de Marx (1818 — perspectiva filosófica de Marx, mas não
1883) – Sobre Marx num sentido igual ao de Feuerbach. Ao
Nascido Treves, Alemanha, em 1818. De invés de tomar o homem como um
família judia, pai jurista. Cursou Faculdade conceito antropológico, já o toma a partir
de Direito e tornou-se doutor em filosofia. de sua vida social concreta.
8
Por Paula Jodas
plenamente, o caráter material do somente o é enquanto se perfaz nas
processo histórico. próprias relações sociais, de trabalho.
9
Por Paula Giselle Ferreira
poder; totalidade; são tais os três
Juspositivistas
caminhos da filosofia do direito
contemporânea.
Filosofia do Não posistivistas
Direito O JUSPOSITIVISMO
e não marxistas
Contemporânea O juspositivismo, em termos
Filosofia do quantitativos, é aquele que mais alcança a
Direito Crítica prática do jurista e do teórico do direito
contemporâneos.
TRÊS CAMINHOS JUSFILOSÓFICOS O fundamento metodológico mais
ESPECÍFICOS requisitado do juspositivismo na
Três vastas perspectivas podem ser atualidade é o da filosofia analítica,
compreendidas na filosofia do direito representada pelos pensadores da teoria
contemporânea. 1) JUSPOSITIVISTA - geral do direito, como Hans Kelsen, Alf
grande campo de legitimação e de Ross, Herbert Hart, Norberto Bobbio,
aceitação do DIREITO e das INSTITUIÇÕES dentre outros. Reduzindo o direito à
POLÍTICAS e JURÍDICAS; 2) NÃO norma, passam a tratá-la de modo
JUSPOSITIVISTA NÃO MARXISTA - autônomo, fragmentado, aprofundando
perspectiva não formalista, não liberal, e um conhecimento específico recortado do
que se encaminha a uma percepção todo da realidade social. Pode-se dizer,
realista do fenômeno jurídico; 3) então, de uma filosofia juspositivista
FILOSOFIA DO DIREITO CRÍTICA, que tem analítica reducionista.
no marxismo o seu mais importante e Instrumentos: a) uso da filosofia da
pleno caminho. linguagem, que desdobra a norma jurídica
Os três caminhos da filosofia do direito em seus aspectos comunicacionais; b)
contemporânea representam, também, ciência da lógica que não ultrapassa o
três abordagens quanto à EXTENSÃO do direito positivo.
fenômeno jurídico. 1) juspositivista - há Tendo por eixo apenas aquilo que já é
uma tentativa de redução do direito dado como direito na sociedade capitalista
apenas aos limites da sua manifestação e contemporânea – seja com desconto, seja
elaboração estatal; 2) não juspositivista - o com justeza ou com exacerbação, em cada
direito não é uma esfera desconectada ou uma de suas vertentes –, o juspositivismo
autônoma, pois já se pensa no PODER é uma doutrina filosófica de posição
como sua base (mas apenas transfere a política conservadora, ainda que em
autonomia do campo normativo para o variados matizes de conservadorismo.
campo político); 3) Marxismo - somente o AS FILOSOFIAS DO DIREITO NÃO
marxismo consegue ser a plena JUSPOSITIVISTAS (não marxista)
compreensão do direito (O direito é É preciso distingui-la em três grandes
pensado a partir das estruturas do todo eixos:
histórico-social). - Existencial: Heidegger e Gadamer.
Reducionismo ao normativismo; Resgate do direito natural, fisicista ou
reducionismo ao político-estatal ou ao aristotélico, prudencial e não técnico,
acaba por ser a posição concreta prática de de notada criticidade, não podem ser
muitos heideggerianos e gadameranos na enquadrados como marxistas, pois não
filosofia do direito. consideram a revolução como um meio
- Decisionista: Carl Schmitt. Trata-se de necessário à superação capitalista.
usar o mesmo remédio do poder estatal, Habermas também poderia ser elencado,
mas em dosagem muito mais absurda: a para a filosofia do direito, como um
da verdade da política para além da norma pensador de vertentes voltadas à ação
jurídica. É o teórico mais importante dessa política crítica, mas o marxismo somente
visão do poder para além do direito. O pode considerar em seu seio o reformismo
decisionismo é claro ao ultrapassar o no máximo enquanto meio tático para a
confinamento normativo estatal dos revolução, e não como solução social
juspositivistas. A decisão que não está definitiva. Por isso, na filosofia do direito
limitada à regra – e não o automatismo do contemporânea, Habermas mais se
cumprimento da norma jurídica – é o credencia como ala radical do
momento fundamental da filosofia do juspositivismo do que como ala
direito schmittiana. conservadora dos críticos. Do mesmo
- Michel Foucault. Desmascaramento da modo como a filosofia do direito europeia
falsa verdade do direito positivo. lê Foucault como um não marxista e o
Brasil o lê como grande crítico, com
Habermas dá-se o mesmo, em instância
•Legitimação trocada: para o estabilizado capitalismo
Juspositivismo
europeu-norte-americano, é progressista.
Para as candentes necessidades
•Concretização do transformadoras do mundo do capitalismo
Marxismo Direito na realidade periférico, é conservador.
histórica - Técnica: A Escola de Frankfurt – ao
analisar a razão crítica – faz uma
O MARXISMO
interrelação entre o direito, a técnica e a
O marxismo se ocupa da real
psicanálise, através do estudo de Marx e
relação entre o Direito, Estado, poder e
Freud.
reprodução econômica. Ao contrário do
- Método: Há dois métodos investigativos
juspositivismo, não se ocupa com a
sob o ponto de vista epistemológico: o de
legitimação, mas sim com a concretização
Lukács e o de Althusser. Para Lukács, o
do Direito na realidade histórica. São cinco
Direito seria uma reificação do mundo
os seus eixos temáticos:
capitalista, ou seja, um mecanismo de
- Revolução: Analisa-se o papel neutro ou
apatia, de passividade. Nesse ponto, a
de instrumental capitalista do Direito e do
medida da resistência pode ser aferida a
Estado.
partir de qualquer parte do todo social. Já
- Política: Antonio Gramsci é um nome a
para Althusser, o Direito possui relação
ser lembrado, além disso os debates
íntima com a própria estrutura econômica,
italianos em torno do socialismo e da
de forma que o maior investimento seria a
democracia. Habermas e Foucault, apesar
ruptura com o sistema capitalista. futuro fragmentado, conforme o grau de
- A questão do justo: A questão do justo leitura pós-moderna que se lhe aplique.
futuro e da superação da atual injustiça é O marxismo, por sua vez, é
a reflexão por excelência de Ernst Bloch. eminentemente voltado para o futuro. A
Por este autor, advirá as reflexões marxista filosofia crítica não se volta para o passado
que não se limitam ao Direito, mas como possível orientador, nem tampouco
também ao justo. fixa-se no presente com o olhar de
exacerbação. A transformação é a sua
HORIZONTES FILOSÓFICOS marca definidora.
CONTEMPORÂNEOS
O juspositivismo se apresenta como uma
Filosofia do direito Juspositivista
filosofia conservadora, pois tem como
base o presente, a conservação de uma
ordem posta, ainda que com alterações Miguel Reale10 (1910-2005)
não substanciais. Em que pese a existência Contexto: Filósofo brasileiro, do século XX,
de diferentes matizes (a exemplo de classificado na filosofia do Direito como
Habermas, que se orienta pelo positivismo juspositivista eclético. Conhecido,
socialmente ativo), não se encontra no notadamente, por sua teoria
positivismo a defesa da ruptura radical das tridimensional do direito (existiram outras
bases normativas já existentes. teorias tridimensionais, mas o seu modelo
foi o de maior destaque).
Na corrente não juspositivista e não
marxista, Heidegger, Gadamer e Schmitt Obras:
são pensadores que podem apontar
Na década de 1940, com a obra
diretamente para o reacionarismo. São Fundamentos do direito, lançou-se à
marcados pelo reatismo. Em termos de fundação de uma teoria tridimensional do
sentido da história, Heidegger e Gadamer, direito.
se tomados por conta própria, sem um uso
O livro Filosofia do direito, cuja primeira
crítico, apontam para o passado, para a
edição é de 1953, é o grande marco
ruptura com a técnica a partir do ângulo
sistemático da perspectiva jusfilosófica de
do originário. Carl Schmitt, de modo
Miguel Reale.
peculiar, aponta para um superpresente,
na medida da revelação das entranhas do A tridimensionalidade
próprio poder estatal e de sua Miguel Reale tem nas normas postas pelo
exacerbação. O pensamento de Michel Estado um dos eixos de sua análise do
Foucault, por sua vez, tomado por um direito. Mas transcende claramente tais
prisma crítico, há de se juntar ao marxismo limites juspositivos. É na tríplice estrutura
numa perspectiva de futuro, mas, no seu fenomenal de norma, fato e valor que
entorno, as leituras que tentam fazer de Reale situa o acontecer jurídico. O seu
Foucault um pós-moderno impulsionam- ecletismo aí fica patente: o direito não
no a um presente fragmentado ou a um
10
Por Rayana Falcão
pode ser analisado apenas segundo um é a de uma integração entre entidades
único padrão, normativista. apartadas ou estranhas entre si, mas, sim,
processual. Não se pensa em cada um
A grande originalidade de Reale é a
desses momentos como instâncias
proposta de uma ontologia muito
isoladas. Nem se trata de encerrar o
específica do fenômeno jurídico, distinta
fenômeno jurídico num só valor, ou numa
do juspositivismo estrito daqueles que
só norma, ou num só fato. São fatos,
identificam o direito imediatamente à
valores e normas, no plural, que compõem
norma estatal, mas também diferente das
o fenômeno jurídico.
visões moralistas do direito.
A tridimensionalidade específica de
A visão tridimensional de Miguel Reale se
Miguel Reale – compreendendo fato,
assenta na percepção de que o fenômeno
norma e valor num processo de interação
jurídico se constitui como tal justamente
que é dinâmico – desemboca numa
pela interação real de fato, norma e valor,
particular visão a respeito da origem das
numa dinâmica processual, de mútua
normas jurídicas, o que Reale denomina
implicação.
por nomogênese jurídica.
Os valores não são compreendidos, no
A nomogênese, isto é, o processo de
pensamento de Miguel Reale, como se
formação da norma, se faz a partir da
fossem preceitos eternos, advindos de
junção de um complexo axiológico
uma natureza imóvel. Nem tampouco têm
(valores) com o complexo fático (fatos).
caráter divino. Nem também, por sua vez,
Muitos valores, posições e interesses se
são mera dependência das normas
ligam a determinados fatos. Dessa relação
jurídicas. Os valores se desenvolvem
dos fatos com os valores surgem várias
historicamente, em sociedade, alterando-
possíveis proposições normativas. A
se. Não são exatas decorrências dos fatos
norma jurídica é, então, a opção por uma
sociais, porque se põem em um plano que
das possíveis orientações jurídicas
não se esgota na própria realidade.
hauridas dessa interação entre valores e
À semelhança dos valores, os fatos fatos.
também não são tomados como dados
O direito se apresenta assim, para Reale,
brutos à disposição do fenômeno jurídico
como um fenômeno necessariamente
e do jurista. A característica de
cultural. A integração de fato, valor e
historicidade e cultura também se lhes
norma é a expressão maior desse
aplica. Os fatos compõem o direito não
culturalismo.
como entes objetivos, mas sim como
realidade compreendida. Isso porque, A integração de três elementos na
para Reale, o conhecimento dos fatos, experiência jurídica (o axiológico, o fático
para as ciências humanas, difere do e o técnico-formal) revela-nos a
conhecimento dos fatos para os cientistas precariedade de qualquer compreensão
da natureza. A vinculação entre fato e do Direito isoladamente como fato, como
valor é intrínseca ao campo do direito. valor ou como norma.
Toda a reflexão de Reale a respeito dos Sendo o Direito um bem cultural, nele há
fatos, valores e normas, assim sendo, não sempre uma exigência axiológica
atualizando-se na condicionalidade superação. Para Miguel Reale, no entanto,
histórica, de maneira que a objetividade a dialética de implicação e polaridade
do vínculo jurídico está sempre ligada às representa um tipo específico de relação
circunstâncias de cada sociedade, aos entre opostos, na medida em que não se
processos de opção ou de preferência excluem, mas, pelo contrário, se integram
entre os múltiplos caminhos. Põe-se, dinamicamente – relação de
assim, no âmago da experiência jurídica a complementaridade.
problemática do Poder, que procura
É dessa maneira que Miguel Reale busca
assegurar por todos os modos, inclusive
superar a dicotomia moderna entre
pela força física, a realização do Direito.
racionalismo e idealismo, de um lado, e
Se Kelsen separa o dever-ser do ser, empirismo, de outro. Tal junção de
distinguindo entre ciência do direito e o conhecimento e realidade em uma
próprio direito, lembrando pois Kant, dialética própria resulta, em Miguel Reale,
Reale unifica razão e realidade, numa peculiar teoria do conhecimento, a
postulando uma compreensão teórica e ontognoseologia. A ontologia, enquanto
uma fenomenologia do próprio direito especulação sobre o ser, para Reale
enquanto tridimensionalidade, lembrando remonta à clássica filosofia, como a
pois Hegel. aristotélica. A gnosiologia, como problema
do conhecimento, é a problemática da
Valor
filosofia moderna. Ocorre que o mundo
contemporâneo também faz uma
chamada ao ser, como no caso do
existencialismo. O ser e o conhecer devem
Processo
de se integrar num mesmo movimento
interação dialético.
dinâmico
Epistemologia
jurídica
•Momento NORMATIVO
Kelsen (1881-1973)11
Culturologia •Conhecimento filosófico do
Jurídica direito como FATO Contexto: Hans Kelsen (1881-
1973), nascido em Praga, mas criado em
Problema
ontonosiológico
Viena, no pós—Primeira Guerra, foi um
dos principais responsáveis pela redação
Não se limitando às reduções do da Constituição da Áustria. Judeu,
perseguido pelo nazismo, apoiou a
juspositivismo, o pensamento filosófico de
República de Weimar e teve de abandonar
Miguel Reale funda o seu culturalismo
sua cátedra na Alemanha, passando a
jurídico num plano fenomenológico. Para parte final de sua vida nos EUA.
Reale, o fenômeno jurídico se apresenta e O pensamento de Hans Kelsen
se compreende lastreado no mundo da representa o máximo engenho e o auge da
cultura. A experiência e a cultura serão, construção do modelo juspositivista, que,
então, origens e desaguadouros naturais lastreado na operacionalização das
de seu pensamento. normas estatais, fez da prática jurídica
uma técnica que se reputou universal. De
fato, no pensamento de Kelsen está a
11
Por Laura Helena Xavier Ferreira
possibilidade de compreensão mais É importante que se faça a
singela e, por isso mesmo, mais espraiada distinção entre direito e ciência do direito
do fenômeno jurídico: a sua identidade para entender que Kelsen não apregoa,
científica é total e inexorável com a norma como o vulgo imagina, que o direito seja
estatal. puro, somente normativo. Pelo contrário,
o direito é contraditório, haurido
imediatamente das contradições sociais e
A Pureza do Direito de seus operadores. A postulação de
Kelsen é menor que isso: a ciência do
A Teoria pura do direito (1934), a direito é que deve ser entendida como
obra que expõe os pressupostos mais pura.
importantes de sua visão jusfilosófica. A Para Kelsen, o direito só pode ser
primeira grande postulação kelseniana entendido cientificamente a partir de uma
reside na distinção entre o fenômeno especificidade que é normativa, do campo
jurídico e a ciência do direito. Kelsen do dever-ser. Assim sendo, a proposta
separa a manifestação bruta do direito, kelseniana reside numa ciência
como fenômeno social, do entendimento normativa, isto é, do dever-ser. O direito
científico que se possa fazer a respeito não é analisado pelo campo de sua
dessa manifestação. Para Kelsen, são manifestação concreta, como ser. O que
coisas distintas o direito e a ciência do ele é, em termos factuais concretos, pode
direito. ser uma reflexão da sociologia ou da
Na prática, o direito se mistura a história, mas não da ciência do direito.
todos os demais fenômenos sociais. Há De tal modo a teoria pura é
juízes que julgam de acordo com suas distinguida apenas pela norma jurídica
inclinações sociais e políticas, por que até o Estado, que pode ser analisado
exemplo. Isso está no mundo dos fatos. A como um fenômeno bruto de poder, força
ciência do direito paira noutro patamar, e coesão social, é tomado pela análise de
ela abstrai dos fatos concretos e trabalha Kelsen como sendo a exata medida do
em um outro nível, muito próximo das próprio direito estatal. O Estado só pode
normas estatais. ser entendido a partir de sua identidade
A teoria pura do direito, proposta com o nível jurídico.
por Kelsen, é, na verdade, a postulação da A analítica, como ferramenta
própria cientificidade do direito. Kelsen filosófica kelseniana, advém dessa
propugna que seu modelo de postulação de uma teoria puramente
entendimento normativo seja chamado normativa do direito. Não se trata de fazer
por ciência jurídica. Reputa sua teoria por valorações do direito, relacionando-o à
pura em razão de não tratar dos dados moral, nem tampouco de estabelecer
concretos da realidade jurídica, que são apreciações políticas, se é justo ou útil.
parciais e não dão conta de explicar a Trata-se de uma ciência que opera como a
estrutura formal do direito. A ciência do lógica.
direito não será, para Kelsen, uma Para Kelsen, sendo a ciência do
sociologia do direito, nem tampouco uma direito considerada, nas suas palavras, de
filosofia do direito. Não é especulativa maneira dinâmica, isto é, no movimento
nem empírica no sentido de atrelada a das normas jurídicas em conjunto, uma
fatos. A teoria pura do direito é normativa: norma só guarda coerência com o todo do
o entendimento normativo ilumina ordenamento por razões formais. Não se
juridicamente os fatos. indaga de sua plena aderência social, de
sua referência concreta, mas sim de sua jurídicas estão constituídas pelo primado
origem formalmente válida e respaldada do dever-ser.
objetivamente em normas superiores A distinção entre ser (Sein) e
O resultado de tal método analítico dever-ser (Sollen) é fundamental para as
kelseniano é uma profunda objetividade, pretensões teóricas kelsenianas.
mas também um profundo Cientificamente, o direito não é entendido
desgarramento das manifestações da como uma compreensão do ser, da
totalidade social. realidade existente. Pelo contrário, o
Para Kelsen, sua analítica das direito, enquanto ciência, limita-se a um
normas é uma ciência técnica universal. entendimento das conexões de dever-ser.
Ela serve a todo tipo de direito, tomado no Deve-se imputar uma sanção a um fato.
nível científico. Por isso, diz Kelsen, é uma Não necessariamente do fato decorrerá a
teoria apta a explicar os Estados liberais, sanção, por isso não é esta uma relação
os socialistas e mesmo os totalitários. O necessária, mas sim de imputação.
conteúdo das normas varia em cada qual É no tratamento da norma jurídica
desses Estados, mas a lógica formal das como um dever-ser que, mais
normas não. sensivelmente, Kelsen contrasta com as
demais filosofias do direito, que têm uma
A Teoria Geral do Direito mirada maior no ser. Mas, justamente por
isso, pela desconexão com o direito
No nível de uma teoria geral do enquanto ser, é que Kelsen torna-se o
direito, é de Kelsen a postulação da pensador-padrão da prática do jurista
compreensão de duas esferas de técnico contemporâneo.
abordagem das normas jurídicas: a No que tange à dinâmica jurídica,
estática e a dinâmica. A estática Hans Kelsen reconhece alguma abertura à
representaria o entendimento objetivo concreção social do direito. Isso se dá
das normas jurídicas em si mesmas, na quando Kelsen trata da produção
medida em que todas têm uma certa normativa. As normas não são produzidas
universalidade que as constitui. A apenas pela lógica. As normas existem por
dinâmica representaria a tomada das razão dos atos de vontade do legislador
normas em conjunto, dentro de um que as cria.
ordenamento jurídico, ao mesmo tempo Para que uma norma possa existir
em que trataria da criação e do e ser válida, é necessário um respaldo nas
perecimento das normas. O direito é normas superiores, que facultem ao
também um fenômeno dinâmico, pois sua legislador, então, produzir as normas
apresentação se faz por meio de atos inferiores. De normas superiores abre-se o
normativos que autorizam a concreção de campo lógico de validade das normas
outros atos normativos, numa cadeia inferiores, mas a criação da norma, ainda
dinâmica. assim, é um ato de vontade, que se abre
Para Kelsen, o vínculo entre uma aos impulsos reais da imbricação do
hipótese e sua consequência, para o direito com a totalidade social. Assim
direito, é de imputação, e não de sendo, a produção normativa, para Kelsen,
causalidade. No mundo jurídico, como se dá sempre de acordo com o seguinte
decorrência de um fato, uma sanção surge esquema: norma – ato de vontade –
como um dever imputado, não como uma norma.
necessidade. Por isso, ao contrário das A ciência do direito somente pode
regras da natureza, para Kelsen as normas ser pensada a partir de uma construção
escalonada do ordenamento jurídico, que próprio ordenamento: quem dá validade
estabelece patamares tendo por base a às normas mais altas do ordenamento,
hierarquia das normas. No ordenamento isto é, as normas constitucionais?
jurídico, as normas não se encontram O pensamento de Kelsen se
esparsas, sem logicidade: pelo contrário, encaminha para a resolução do problema
elas são estruturadas a partir de uma postulando a utilização de uma
hierarquia. Na base dessa hierarquia, há as ferramenta teórica original, a norma
normas individualizadas: sentenças ou fundamental.
portarias, por exemplo. Em escalões mais Para não dar margem a identificar
altos, há normas de outros níveis o poder, as relações concretas, como
hierárquicos mais determinantes, como as sendo a base que impõe o ordenamento –
leis. No último escalão, há as normas o que faria uma ciência pura depender de
constitucionais. Pode-se fazer a imagem fatos sociais para sua explicação –, Kelsen
de uma pirâmide para tal ordenamento lança mão de um recurso não concreto,
jurídico. mas apenas teórico. A norma fundamental
é um imperativo da ciência do direito: é
preciso pensar que se devem considerar
válidas as normas constitucionais, e delas
Constituição começar o escalão hierárquico do
ordenamento.
Mas por que tal ordenamento, e
Validade
Normas de níveis
hierárquicos mais não outro, meramente imaginário? Há
determinantes uma certa ligação entre a norma
(leis)
fundamental pressuposta e um mínimo de
referências sociais concretas presentes
em um determinado ordenamento.
Normas individualizadas Ninguém há de considerar que o
(sentenças, portarias)
ordenamento jurídico aplicado no Brasil é
o hindu, apenas por uma questão de
imaginação ou de capricho do jurista. A
norma fundamental não é apenas uma
A estrutura do ordenamento
ideia do jurista que cria uma obrigação de
jurídico se concretiza, ainda, por meio da
se respeitar um ordenamento. É também
validade das normas. A validade é a
uma diretriz prática sobre o próprio
qualidade da norma que revela sua
ordenamento que se apresenta na
adequação formal e material ao
realidade.
ordenamento. Uma norma só é válida
Sendo uma condição do
porque normas hierarquicamente
pensamento, Kelsen procede, nesse
superiores lhe dão esse manto. Não é no
ponto, como Kant, quando, afastando-se
mesmo patamar que se vislumbra a
dos conhecimentos prontos da metafísica,
validade de uma norma: deve-se olhar
que dizia o certo e o errado conforme
para os escalões superiores para
mandamentos exteriores – vontade de
identificar a validade de uma norma
Deus, por exemplo –, passou a pensar nas
inferior.
condições pelas quais se podia conceber o
Se a validade de uma norma é dada
conhecimento.
pelas normas que lhe são superiores, a
A cadeia das normas não se
grande indagação teórica que se faz a
fundamenta em algo concreto, como um
Kelsen é a respeito da culminância do
poder que impõe a Constituição e o apenas tal possibilidade que se
ordenamento. Tratando do direito não apresentará dentro da moldura. Kelsen
em termos reais, mas sim apenas no nível trata da relativa indeterminação do ato de
“científico”, isto é, normativo, Kelsen aplicação do direito.
aponta para a norma fundamental como A interpretação das normas
uma pressuposição do cientista do jurídicas não é um processo de extração da
direito. Para não dar margem a um ser (o sua verdade lógica. No sistema jurídico,
poder) que impusesse o conjunto do impera a interpretação que a autoridade
dever-ser (o ordenamento), Kelsen lança competente tenha dado, e que, portanto,
mão de um pressuposto que deve ser o vincula a si todos os sujeitos e fatos. Trata-
guia do cientista do direito, e, no limite, se, no dizer de Kelsen, da interpretação
uma sua profissão de fé. autêntica, que diferenciará de uma não
Mas, numa última fase de seu autêntica.
pensamento, Kelsen altera sua reflexão a Não se há de dizer sobre a correção
respeito da norma fundamental. O seu dessa interpretação, mas sim de sua
livro póstumo, a Teoria geral das normas, autenticidade, porque foi produzida pela
já não mais trata a norma fundamental autoridade competente. Qualquer outra
como pressuposto do pensamento interpretação da norma que não seja a da
científico do jurista. Neste último livro, a autoridade competente é uma
norma fundamental é tratada como uma interpretação não autêntica, isto é,
ficção. doutrinária. Pode ser esta até mesmo
Para o último Kelsen, da Teoria muito melhor e mais conveniente ao
geral das normas, a norma fundamental sentido da norma, mas não tem o condão
não é uma condição teorética para pensar de vincular os casos a que se refira.
o todo do ordenamento – uma
pressuposição, ao molde kantiano –, mas
sim uma ideia que não está conectada em
termos lógicos à própria estrutura do PALAVRAS-CHAVE: direito e ciência do
ordenamento. Apontando para uma direito; ser; dever-ser; analítica;
ficção, poder-se-ia acusar Kelsen de imputação; hierarquia; pirâmide;
abandonar o neokantismo, de que foi validade; norma fundamental;
grande expoente no campo jurídico, em hermenêutica.
prol de uma certa introdução de
elementos externos à própria logicidade
normativa da teoria pura.
Contrastando com sua teoria
hipotético-ficcional da norma
fundamental, num outro tópico Kelsen
reconhece um pouco mais a abertura para
a realidade. Quando trata da
hermenêutica das normas jurídicas,
Kelsen aponta para uma
indeterminabilidade da interpretação do
direito. A interpretação, para Kelsen, é o
preenchimento de uma possibilidade
dentro de uma moldura oferecida pelas
normas, e não necessariamente será
Conclusão do autor: A teoria geral do Direito e democracia: entre facticidade e
direito de Kelsen tornou-se a mais validade (1990).
canônica construção do tecnicismo do
positivismo jurídico. Trata-se de uma A partir da virada linguística, com a
construção tendente ao esvaziamento teoria do agir comunicativo, Habermas
do ser, da realidade, e por isso sua defende que o fundamento da
pretensão à universalidade formal, sociabilidade é a comunicação. Logo, a
fora da história e imune aos impulsos e filosofia deve se preocupar com o
contradições sociais. Sua singeleza e entendimento entre os indivíduos. Nesse
objetividade, que fizeram sua fama e quadro, o direito é ferramenta de
sua quase unanimidade entre os
consenso.
juristas práticos, é a sua máxima
O Agir comunicativo.
virtude extraída de sua máxima
Suas obras da primeira fase, são
fraqueza.
marcadamente marxistas. Na obra
A teoria pura kelseniana não reflete o “Mudança estrutural da esfera pública”,
todo do direito, muito menos o todo demonstra preocupação com a esfera
do direito em relação à totalidade pública, a relação entre Estado e
social. Por isso, enquanto técnica sociedade civil, opinião pública. Aponta
emasculada das contradições do
para ideia do fim do horizonte da
direito e da realidade, consegue cativar
revolução das sociedades capitalistas
o jurista juspositivista, sem crítica, aos
ocidentais, cujas contradições talvez se
acordes que, mínimos e formalistas
tornariam menos agudas, com o
tecnicamente, entoaram-se
universalmente. incremento da produção e do consumo de
bens.
Na década de 70, Habermas abandona
HABERMAS12 o marxismo e adota a teoria do agir
comunicativo. Que não nega totalmente o
Jürgen Habermas (1929 -) marxismo, volta-se à linguagem, razão
Contexto: Filósofo e sociólogo Alemão. pela qual se diz que Habermas promoveu
Membro da Escola de Frankfurt. uma virada linguística.
Inicialmente, influenciado pelo marxismo Para Habermas, a interação
e hegelianismo. Teve contato com a nova comunicacional entre os indivíduos, a
tradição hermenêutica Alemã, cujos partir de relações culturais estruturadas
representantes são Heidegger e Gadamer. dos homens entre si, com o grupo social, a
Posteriormente, promoveu virada relação de produção e a natureza, é que se
linguística, construindo a teoria do agir constrói o espaço basilar da sociabilidade.
comunicativo. Desta feita, o fundamental da filosofia
Obras: Mudança estrutural da esfera deixa de ser uma teoria do conhecimento,
pública – investigações quanto a uma como forma de apropriação pelo sujeito,
categoria da sociedade burguesa (1961); dos conteúdos metafísicos que lhe sejam
12
Por Rafaella Rodrigues Moreira
apartados da origem. Passando à verdade verdade absoluta, não há razão universal.
construída enquanto processo Mas, para Habermas, ainda que não haja
comunicacional. Afasta o idealismo e o verdade que paire sobre todos, há
empirismo de sua filosofia. verdade construída enquanto consenso.
A teoria do agir comunicativo constitui- A aposta no consenso, leva Habermas a
se numa espécie de subterfúgio em investigar as possibilidades de interações
relação aos horizontes e à tradição entre indivíduos em sociedade, voltadas a
marxista. Esta que também rompeu com a aparar conflitos exacerbados,
metafísica, objetivando separar sujeito e identificando no espaço público, na
objeto. Contudo, o horizonte do marxismo democracia e no direito formas de
é mais profundo: o ser enquanto produtor construção de procedimentos e consensos
– ou seja, o homem na sociedade a partir universalizáveis.
do entendimento das relações de Habermas vê a racionalidade como
produção, tendo em vista a divisão social abertura do consenso, não como verdade
em classes e trabalho – nível de imposta. As ditaduras podem arrogar uma
compreensão não alcançado pelo verdade eterna, rígida, que possam a
habermasianismo. impor sobre os indivíduos. O que é
A teoria do agir comunicativo, baseada abominável. Já a renúncia aos consensos
nas interações sociais, dialoga com a mínimos leva ao individualismo exagerado
hermenêutica existencial, com ela – economicamente representando pelo
partilhando a verdade como produto do neoliberalismo – o que acarreta
sentido existencial. E também com o fragmentação social.
marxismo, que é mais profundo, que Por isso, um meio termo entre a
teoria em apreço. inflexibilidade e o esgarçamento resultaria
Mais que uma teoria da linguagem, o em instituições flexíveis, todavia,
agir comunicativo é espécie minimamente respeitáveis. Cujo
dialeticamente superior de formulação de instrumento político deste projeto é o
racionalidades universais. A interação direito, que, no entender de Habermas, é
entre os indivíduos sociais, através da o espaço que diminui atritos e gera
comunicação, pode gerar consensos. E as consensos, processual e
estabilidade destes seria a razão. democraticamente.
Habermas se põe em um quadro de Palavras-chaves: teoria do agir
pensamento pós-metafísico, afastando comunicativo; política deliberativa; razão
também o pós-modernismo. enquanto consenso
Para Habermas a razão é um produto
social, cultural, histórico e variável. A
Filosofia do Direito não positivista
razão é possível, na medida do consenso
das interações sociais. Heidegger13
A negação da metafísica poderia O pensamento do alemão Martin
relativizar a razão – se não há Deus, nem Heidegger (1889-1976) é um dos mais
13
Por Val, Guilherme e Willian
atordoantes e originais do mundo realidades tal qual se manifestam, liga-se
contemporâneo. Ao se insurgir contra a a um conceito ideal, uma espécie de duplo
tradição idealista típica da modernidade, da realidade, ou, em muitas vezes, um
Heidegger abriu fronteiras bastante completo estranho à própria realidade.
importantes e novas à própria filosofia. Afastando-se das filosofias
Sua retomada da questão do ser é tanto metafísicas idealistas, Heidegger propõe
uma petição do passado, pelas origens uma busca ontológica como base da
filosóficas pré-metafísicas, quanto uma filosofia. A palavra ontologia vem do
abertura ao novo em filosofia. gregoontós, ser, e a petição heideggeriana
Entre os historiadores da filosofia, é pela filosofia do ser. Compreender o que
costuma-se proceder a uma divisão entre
é, o que existe, o ser, torna-se o
o Heidegger pensador de Ser e tempo, sua
fundamento da filosofia heideggeriana.
obra mais importante, publicada em 1927,
e a sua filosofia posterior, desenvolvida No que tange à busca do ser,
em ensaios, conferências e textos Heidegger denomina à existência
esparsos. Argumenta-se, em geral, que comoDasein. Este, que é o mais
Heidegger, na sua grande obra inicial, dá importante conceito da filosofia
ênfase ao ser e ao seu sentido, e, heideggeriana, exprime a manifestação
posteriormente, centra-se na questão da
necessária da existência como uma
linguagem como morada do ser.
Ainda que haja diferenças em suas situação existencial. tradução literal de
etapas, a marca nítida do pensamento de Dasein para a língua portuguesa seria “ser-
Heidegger, desde a primeira fase, é a aí”. O prefixo da acompanhando o verbo
orientação pela preocupação com o ser, e Sein, em alemão, dimensiona a existência
é nesse sentido que desloca o eixo já como um fenômeno circunstanciado,
consolidado da história da filosofia. situacionado. A situação existencial é o
que lastreia a manifestação do ser. Daí não
O Ser-aí
A filosofia de Heidegger opera uma se falar, na filosofia de Heidegger, no ser
grande cisão em relação à tradição do como algo isolado, numa essência pura,
pensamento ocidental. Com mais clareza mas sim num ser-aí, que se manifesta – e
nos tempos medievais e modernos, a se compreende – situacionalmente.
compreensão da filosofia se assentou Se a existência se manifesta
sobre bases metafísicas, isto é, tendo por sempre como Dasein, a filosofia é sempre
lastro um determinado idealismo que, ao
histórica, porque o ser se exprime
invés de se voltar àquilo que existe,
vinculava-se às ideias absolutas, aos temporalmente. Ser e tempo, a principal
conceitos predefinidos, a realidades obra de Martin Heidegger, ironicamente
divinas ou de uma razão plena. também se poderia chamar “Ser é tempo”,
Heidegger desconfia porque a existência se lastreia no
veementemente da metafísica, que se histórico. Explicitamente, Heidegger
constituiu na grande história da filosofia afasta-se da metafísica, para quem a
ocidental medieval e moderna. A essência é universal ou eterna.
metafísica, ao contrário de buscar
compreender os fenômenos e as
A compreensão existencial
Nessa busca original pelo ser, e não de uma apreensão a partir do comum: é o
pela metafísica nem pelo dever-ser, o mergulho no todo existencial que constrói
método de Heidegger há de se revelar tal saber, que é resultante da própria
muito original, a começar pela própria caminhada feita.
negação heideggeriana em admitir a A compreensão existencial
possibilidade de um método para alcançar empreende, assim, um encurtamento
o Dasein. hermenêutico, na medida em que não
Os métodos são, tradicionalmente, recorre à metafísica, a Deus, à razão
os guias predeterminados para uma universal, às ideias inatas, mas, sim, busca-
verificação filosoficamente apropriada. se aplena compreensão dos fenômenos
Para Heidegger, no entanto, o método não existenciais. Trata-se de uma apreensão
deixa se manifestar o ser em sua riqueza e direta, reduzindo os obstáculos que a
sua multiplicidade. Pelo contrário, o filosofia, as crenças e determinadas
método tipifica, previamente, o que se há verdades impuseram, como barreiras,
de enxergar e encontrar no ser, que, circundando, escondendo e
então, não será mais alcançado requalificando o ser.
plenamente, mas será sim o desfigurado O ser-aí compreende a existência
ser do método. Por isso o não a partir de alguém distinto dessa
heideggerianismo rechaça a possibilidade mesma existência, mas mergulhado nela.
de um “método” existencial, propondo
sim caminhos para descobrir-se o ser.
O sentido do ser
O mais importante caminho para
descobrir o ser é, em Heidegger, a Heidegger se volta para a
compreensão existencial. Trata-se de uma compreensão do ser por meio da busca
forma de avanço da superação da pelo seu sentido. Não utiliza para isso um
dicotomia sujeito-objeto. Tal dicotomia, critério finalístico como faz a metafísica,
claramente presente nos modernos, como mas sim como uma trajetória. Não é um
em Kant, esteve também, é preciso dizer, resultado que tem que ser atingido pelo
no próprio Edmund Husserl, professor de ser, mas sim um caminho de descoberta
Heidegger e postulador da fenomenologia da sua própria verdade.
como método.
O sentido do ser se revela em sua
Em Husserl, a fenomenologia
vivência. Como não há um objetivo
lastreava-se no sujeito, tal qual uma teoria
finalístico para o ser, mas sim um caminho
da consciência que conhece o mundo,
de descoberta, o ser só atinge a
como dados opostos. Sujeito e objeto,
compreensão sobre si ao ser inundado em
razão e realidade, apresentam-se na
sua existência. Não há forma de conhecer
filosofia moderna, e na fenomenologia de
o ser através de uma transcendência.
Husserl, como polos afastados.
A compreensão existencial, em Heidegger revoluciona o modo de
Heidegger, não é uma vista do sujeito para conhecimento da verdade: não há um
o mundo, tomado como objeto. Trata-se método prévio de conhecimento, como
propõe Kant com a metafísica, o próprio menos e muito mais que uma ética: trata-
ser, em sua vivência, que se desvenda e se apenas de uma descoberta do ser, a sua
desvenda os entes. compreensão que revela o autêntico,
desbastado de todo o entulho metafísico.
O desvelamento do ser pode ou não
O autêntico e o inautêntico revelar sua verdade, sua autenticidade.
Trata-se de um caminho que desvenda o
Heidegger afirma que o homem,
autêntico, e, portanto, não de uma
em sua existência, pode agir de duas
dedução ética que se queira aplicar ao ser,
formas: autêntica e inautêntica. A
mas sim de um melhor modo de
inautenticidade é a marca da banalidade e
compreendê-lo
da utensiliaridade. A existência se
apresenta sem qualquer cuidado maior A técnica
que aquele do quotidiano e de seus
A reflexão e a crítica sobre a
afazeres. A autenticidade, por sua vez, é
técnica é um dos pontos culminantes da
compreendida por Heidegger a partir da
filosofia heideggeriana. Suas implicações
preocupação-com-o-outro, como
refletem em toda a ciência moderna, uma
existência com cuidado. Estas formas de
vez que o fenômeno jurídico
existir se revelam justamente pelo modo
contemporâneo é eminentemente
como o ser se abre ao mundo.
tecnicista.
Não há, para Heidegger, uma trilha
Heidegger reformula a noção de
prévia do que seja correto ou incorreto na
que a técnica seria uma ferramenta
existência. Derrelicto, o ser constrói suas
neutra, chamando tal entendimento de
sendas livremente. O caminho não é
compreensão inautêntica. Isto porque,
prévio à existência; faz-se caminhando.
por meio de tal entendimento, o que se
A existência autêntica é aquela que busca, na realidade, é tão somente
se preocupa com o social, com o outro. O dominar a técnica, que é sempre meio
cuidado é a sua manifestação. Trata-se da para um fim.
existência que supera a sua banalidade
Todavia, ele se afasta dessa visão
quotidiana e que se lança a partir da
comum e enxerga a técnica como forma
tomada nas mãos da própria sociabilidade.
de desencobrimento. A verdade da técnica
Todo ser é ser-com. O banal é um modo de
residiria na exploração. Diante disso,
existir social, mas sem tal compreensão
considerando que a busca do homem é
dos vínculos sociais. De outro lado, a cura
sempre pela exploração máxima e total
– cuidado – reconhece o existir social do
das possibilidades da natureza, a técnica o
ser e se orienta pelo comum.
auxilia a descobrir novos horizontes de
A existência autêntica, no entanto, exploração (exemplo do livro: um rio deixa
não se revela como uma tábua moral em de ser apenas cenário bucólico e
Heidegger. O autêntico e o inautêntico em instrumento de navegação, para ser
Heidegger são, ao mesmo tempo, muito potencial hidrelétrico). É na disposição da
natureza que reside a essência da técnica. de ser político-estatal moderno. No
A natureza é o campo de aplicação das entanto, ao lado da crítica negativa, pode
ciências técnicas. ser extraída uma leitura positiva, com uma
perspectiva política e filosófica
Entretanto, para ele a técnica não
propositiva, que abre campo para avançar
é fonte da verdade, pois esta só é obtida
em busca de uma visão libertadora do
por meio de uma concessão do ser. A
fenômeno político. É aqui que o marxismo
técnica é um arrancar, não uma concessão
de apropria das ideias de Heidegger.
(o rio não se abriu por conta própria). A
arte, por sua vez, abre-se à verdade. Neste Todavia, no pensamento
ponto, situa-se a maior crítica de heideggeriano também é notada uma
Heidegger à técnica e à modernidade, perspectiva reacionária, na medida em
pois, para ele, a palavra da salvação está que ele faz um retorno filosófico ao
na poesia, não na política e nem em uma originário. Esse retorno consiste em um
transformação da técnica. afastamento da homogeneização
moderna, decorrente da técnica e da
De certa forma, poder-se-ia
metafísica, em busca da originalidade e da
vislumbrar em Heidegger um viés
especificidade do ser.
reacionário, pois ele critica a técnica, que
é expressão da modernidade. No entanto, Para Heidegger, o pensamento
esse mesmo aspecto reacionário também filosófico estaria acima da política, da
é base para a crítica revolucionária. economia e da sociologia. De fato, ele
estabeleceu sua obra filosófica em um
patamar distinto.
A política
No que tange à política, tem-se que
Heidegger se orientou de forma a a busca filosófica pelo originário pode ser
se afastar de questões políticas concretas, também analisada como um projeto
de modo que não é um filósofo político, voltado ao resgate do passado: o
imediatamente de temas políticos. A povo, a nação, os costumes, os hábitos.
política é captada apenas como Neste ponto, o horizonte heideggeriano
desdobramento de seu pensamento. teria se aproximado das perspectivas
nazistas: “o judeu é o burguês errante,
Politicamente, ele se opõe ao
homem da técnica universal, sem pátria
mundo institucional burguês, defendendo
nem solo. A floresta alemã é o locus do ser
uma filosofia existencial. Enxerga-se nele
alemão. O costume de um povo é o
um filósofo revolucionário, por se opor às
desvelar de sua verdade. A política, a
estruturas sociais burguesas, criticando a
técnica, o direito, que instauram novos
banalidade e a inautenticidade, associadas
costumes e novas disciplinas, fazem com
à dominância da metafísica e da técnica.
que se perca a verdade original”. Por isso,
Heidegger abre-se, primeiramente, sua crítica é reacionária.
ao pensamento político fazendo uma
espécie de desconstrução crítica do modo
Entretanto, não há como procedimental, repetidor e banal),
identificar, com precisão, os horizontes e possibilitando uma compreensão
os sentidos políticos de Heidegger, de separada dos fenômenos jurídicos
modo que “será sempre uma luta inglória moderno e greco-romano. Embora este
a pretensa comprovação de seu ímpeto não encontre correspondência naquele,
nazista”. Existem argumentos e versões em sua busca pelo justo, o direito nas
negando e reconhecendo tal vínculo. origens estava mais próximo das coisas,
Embora o arcabouço de sua filosofia tenha dos fatos e das pessoas, diferenciando-se
se identificado com o nazismo, ela não foi da atual busca formal processualizada em
construída em razão de Hitler, de modo ritos e normas.
que Heidegger nega a si esse rótulo. No
O direito como experiência
entanto, também não se lhe pôde
autêntica consiste em pensar o fenômeno
considerar fundamentalmente oposto.
jurídico para além da banalidade da
O pensamento marxista extraiu de técnica (que seria inautêntica), levando-se
Heidegger uma crítica ao capitalismo, em consideração as experiências e o
baseando-se na crítica dele à metafísica, à convívio social justo. É a definição de
técnica e ao mundo do sujeito. Todavia, Heidegger para o direito como existência
alerta o autor que tal leitura não é a que o autêntica.
próprio Heidegger fazia de si mesmo.
O grande ápice do aproveitamento
da obra heideggeriana à filosofia do
direito é, assim, a busca original pelo
O Direito
direito por meio da hermenêutica do
De início, vale dizer que Heidegger justo, afastando-se da técnica normativa.
não se ocupou diretamente de assuntos Tal pensamento é “um ato de discordância
jurídicos, uma vez que ele não é jurista de radical com os procedimentos e o
formação. arcabouço metafísico do pensamento e
operacionalidade do mundo jurídico, mas
Seu pensamento afeta o direito no
é, ao mesmo tempo, uma concordância
momento em que ele problematiza a
oracular com o ser jurídico escondido
técnica moderna. A filosofia heideggeriana
desse mesmo mundo, que á de se
seria uma crítica ao direito moderno,
desvelar”.
tendo em vista que ele é um dos cernes do
mundo burguês, individualista,
universalista e homogêneo. Ao criticar a
Gadamer14
técnica, ele criticaria o direito.
HANS-GEORG GADAMER
Além disso, com o retorno ao
originário, em busca da verdade do ser, O alemão Hans-Georg Gadamer (1900-
Heidegger afasta-se do direito moderno 2002) é um dos mais importantes
(técnico, universalista, formalista, filósofos de rompimento com uma visão
14
Por Priscila F Barbosa e Uinde
de mundo que, no campo jurídico, é Gadamer, insurgindo-se contra tal
representada pelo juspositivismo. Sua tradição, propõe, na esteira de Heidegger,
posição é bastante contestadora do tipo uma outra relação com a filosofia. Seu
de cientificidade estabelecido na Idade pensamento se destaca pela postulação
Contemporânea. Seu pensamento está na de uma hermenêutica que seja o meio de
esteira imediata das preocupações compreensão existencial do ser:
filosóficas de Martin Heidegger mas, além
de seu discípulo, Gadamer é também
propositor de específicas contribuições A relação entre a
filosofia e a ciência não pode
para a questão da hermenêutica
ser descrita adequadamente a
existencial. Seu livro Verdade e método é partir de uma filosofia que é
um dos maiores monumentos acerca da tomada das ciências, que pode
hermenêutica em toda a história da conservar seu sentido
filosofia. limitado, e tampouco pela
travessia especulativa da
Gadamer avança na mesma esteira do fronteira até o lado de uma
determinação dogmática da
pensamento de Heidegger para se
investigação que se encontra
indispor contra a estável classificação dos em permanente fluir. Temos
saberes contemporâneos. A filosofia e a que aprender a pensar
ciência têm sido trabalhadas como positivamente esta relação,
campos bem-estabelecidos, parelhos e em toda sua contraposição.
conjugados, dividindo tarefas para a busca [...] É a mesma necessidade da
da verdade. A ciência se restringiu ao razão, o que nos obriga a
estabelecer
campo do formal, lógico, imediatamente
permanentemente a unidade
correspondente ao real. À filosofia foi do nosso conhecimento, e o
reservado o papel de chancelar e dar o que nos deixa penetrar pela
lastro idealizado do que fosse a ciência. arte. A ela pertence, em nosso
Para chegar a esse resultado, a filosofia e mundo, tudo aquilo que nos
a ciência se estabelecem como uma outorgam as ciências, na
mediação dos acessos ao
representação lógica do mundo. Sua força
mundo, e na comprovação de
estaria na amarração interna dessa todas as investigações sobre
mesma lógica. este mundo, por parte da
ciência. A ela pertence
Então, nessa tradição moderna e também a herança de nossa
contemporânea, o cientista e o filósofo tradição das concepções
seriam aqueles que teriam os melhores filosóficas da razão, diante das
quais se deve não tomar e
métodos teóricos para representar a
aceitar uma totalmente, mas,
realidade. Abandona-se a realidade sobretudo, não silenciar a
existencial para se fixar no método. O nenhuma. A necessidade de
pensamento moderno, assim, separou unidade da razão assim o
sujeito e objeto, razão e realidade. exige.
Ao romper com as amarras das ciências e
Para Gadamer, a filosofia não pode ser da filosofia modernas, que insistem em
uma construção lógica apenas estabelecer um método universal para a
autorreferenciada em métodos. Fundado apreensão da verdade, o projeto de
numa compreensão existencial, Gadamer Gadamer, em sua obra máxima Verdade
há de se afastar da tradição moderna ou método, é, praticamente, a proposição
sobre a interpretação. Para a de que a verdade é justamente
modernidade, a interpretação é uma impossibilitada pelas determinações
correspondência da ideia com um teóricas prévias com pretensões lógicas
determinado objeto, tudo isso feito pelo acabadas. Ou seja, é como se, parodiando
sujeito, que teoricamente utilizaria da sua ironicamente o título de seu livro, desse-
razão como uma ferramenta se verdade ou método.
independente. Já para Gadamer, seria Contra as pretensões universais dos
necessário compreender a hermenêutica métodos, o pensamento de Gadamer
como um fenômeno de apreensão da insiste num reposicionamento positivo da
verdade existencial do ser, e não apenas hermenêutica. Tal qual Heidegger,
de sua correspondência a um conceito Gadamer afirma a hermenêutica como
correto. O ser há de se revelar mais amplo compreensão existencial. É impossível que
do que aquele previsto no catálogo do o intérprete proceda de modo afastado da
correto da ciência e da racionalidade sua condição existencial. A filosofia não se
moderna. A busca da verdade não é uma faz com um pensamento externo e
questão de método científico. altaneiro em face do mundo. Para
A hermenêutica existencial não se Heidegger, a filosofia se abre
estabelece como um conjunto de hermeneuticamente porque não pode ser
ferramentas que determinem, de dada como metodologicamente prévia à
antemão, tudo o que será investigado. existência. Daí a impossibilidade de fundar
Pelo contrário, a realidade e aquele que a a filosofia num método ou numa posição
compreende estão numa posição de idealista. E Gadamer vai além de
constante fusão de horizontes, num Heidegger. Não só a filosofia é
processo que não se esgota em hermenêutica, como a própria
determinações lógicas. Por conta de tal hermenêutica é o modo geral de
abertura da hermenêutica para além do compreensão de mundo. Assim sendo, a
método das ciências e da filosofia hermenêutica se estabelece como o
moderna, Gadamer assemelhará a horizonte que faz com que a filosofia, bem
perquirição sobre a hermenêutica à arte. como as artes, a teologia e mesmo o
Parecido com Heidegger, que situava no próprio direito venham a operar com os
poético a morada do ser, Gadamer, seu mesmos padrões e aberturas.
mais próximo discípulo, também A filosofia é hermenêutica e a
vislumbra, na experiência da arte, as hermenêutica é inexorável como
profundidades da hermenêutica, que o compreensão geral de mundo, apontando,
método científico não alcança.
assim, nos termos gadameranos, uma própria hermenêutica. A pretensão
hermenêutica filosófica. moderna de romper com a autoridade
Gadamer insiste, na esteira de Heidegger, para instaurar a ciência e o método
que a hermenêutica não se faz como filosófico não são uma saída da existência,
procedimento lógico de uma mas um modo de compreender no seio
subjetividade que se encontraria num dessa mesma condição existencial Para
papel alheio ao seu objeto de Gadamer, a hermenêutica se faz sempre
perquirição. Resgatando uma antiga como uma retomada da tradição.
tradição da explicação hermenêutica e lhe Interpretar um texto ou compreender
dando um sentido próprio, Heidegger dirá qualquer fenômeno, isso se faz a partir de
que a interpretação se faz como um círculo toda uma história dos sentidos, das
hermenêutico, que opera numa constante experiências, da arte de captar o
relação compreensiva tanto entre a parte escondido do ser. A compreensão, para
e o todo do que se interpreta, como entre Gadamer, não é um método que se aplica
o hermeneuta e o objeto da apenas a textos ou a leis. Pelo contrário,
hermenêutica. é a própria forma de se abrir da filosofia.
O entendimento não se faz como uma A hermenêutica é processada numa
inferência lógica, a partir de marcos situação existencial. O intérprete não está
teoréticos externos ao mundo do alheio ou defronte à situação
intérprete. Este nunca é um ente isolado hermenêutica, mas dentro dela e, por isso,
do mundo ou olimpicamente neutro em não pode possuir uma elucidação
relação à sua existência. Não há uma completa de seus termos. Daí, a
subjetividade insigne e alheia ao mundo e interpretação não é jamais total. A
à história. situação abre horizontes que são
É a partir da existência, no pano de fundo múltiplos e que se fundem entre passado
da tradição e da experiência, que se e presente, e ainda, por sua vez, tendo
formam as compreensões. A em vista o futuro, pois que a
hermenêutica só se realiza a partir de uma hermenêutica compreende situações do
constante interação do intérprete com o ontem e do hoje vislumbrando sempre
mundo. Reconhecer que todo ato novos horizontes, como projeção.
hermenêutico é uma pré-compreensão é
fundamental para uma interpretação
apropriada. O direito em Gadamer
No seu livro “Verdade e Método”,
As filosofias moderna e contemporânea
dividido em duas partes, ele propõe uma
insistiam em se opor à tradição e à virada completa na ciência da
autoridade, como se aquilo que fosse compreensão, tanto nas ciências naturais
consolidado historicamente não valesse quanto nas ciências humanas. E com uma
como ponto de partida para a verdade. ênfase, ele dedica uma parte do livro
Neste ponto, Gadamer aponta para a “Verdade e Método” ao problema da
tradição e para a autoridade como interpretação jurídica.
Recorre ao pensamento de Martin
elementos constituintes necessários da
Heidegger para estabelecer a linguagem
como ponto de partida de qualquer teórica, mas busca algo essencialmente
processo interpretativo = toda “prático”.
interpretação passa por um necessário A hermenêutica filosófica gadamerana
filtro histórico (experiência global que o anuncia uma compreensão existencial do
homem adquire no mundo), com a direito e mesmo uma relação com o texto
indispensável mediação da linguagem jurídico distintas daquelas das filosofias do
como elemento constitutivo de todo e direito juspositivistas. Gadamer rompe
qualquer discurso. com o juspositivismo.
O modelo clássico da teoria do O hermeneuta está mergulhado no
conhecimento (epistemologia) sujeito- mesmo processo existencial de sua
objeto é substituído por Gadamer pelo interpretação do texto normativo, lendo,
diálogo sujeito-sujeito (não é a análise do julgando e decidindo conforme seus
objeto pelo sujeito que garante isenção e preconceitos. Assim sendo, não há um
verdade). afazer jurídico que se inscreva,
É impossível uma relação sujeito-objeto. eminentemente, como técnica normativa.
Todo objeto só é conhecido a partir da Gadamer é explícito em afirmar que o
história que cada indivíduo aprendeu direito não opera pela subsunção.
sobre ele desde o seu nascimento Entre a hermenêutica jurídica e a
(Gadamer considera o caldo cultural no dogmática jurídica existe, pois, uma
qual o intérprete está imerso). relação essencial, na qual a hermenêutica
Gadamer, embora valorize aspectos do detém a primazia. A ideia de uma
método interpretativo de Savigny (literal, dogmática jurídica perfeita, sob a qual se
lógico-sistemático, histórico e pudesse baixar qualquer sentença como
teleológico), critica-o na senda em que se um simples ato de subsunção, não tem
dirige à epistemologia em geral, ao sustentação.
considerar que a tarefa do intérprete seria O jurista não é um técnico neutro na
analisar o objeto e dele extrair conclusões. aplicação de normas jurídicas. Está
Para as ciências modernas, a interpretação constituído e mergulhado num todo
deveria ser fria, imparcial e objetiva, e, existencial. O intérprete e a norma jurídica
portanto, dotada aí então de não são mais tomados de um modo
racionalidade. Gadamer se encaminha a dissociado, como o são para a tradição
outra perspectiva. A hermenêutica é um jurídica moderna. O texto não se
processo das ciências do espírito que se apresenta como um dado objetivo
vincula à história, à tradição, às independente do mundo. E a ideia
perspectivas de sentido que nada têm com fundamental é essa: as limitações do
métodos científicos pretensamente texto; o texto na verdade é um símbolo da
inexoráveis. tradição, eu preciso ouvir a tradição
O jurista não é outro em relação ao mundo através do texto.
da decisão que tomará. Está mergulhado Ao contrário de velhas filosofias
nesse mesmo contexto, com seus hermenêuticas que tencionam buscar o
preconceitos e seus horizontes. que o legislador quis, originariamente,
A hermenêutica jurídica não é um como se isso fosse uma vontade
procedimento meramente formal, nem congelada no tempo, a noção de pré-
realizado como diletantismo. Como se conceito, na filosofia de Gadamer, se
depreende da obra de Gadamer, na funda em uma perspectiva dialética e dá
esteira do pensamento de Heidegger, a ensejo a possibilidades críticas.
hermenêutica não é mera atividade
Em contraste com a filosofia do autoconhecimento e o conhecimento da
juspositivismo, limitada à norma e à tradição (quais são os preconceitos).
técnica, o pensamento jurídico de Gadamer diz que “Não é correto falar em
Gadamer é um movimento de revolução, compreender melhor”, como se a verdade
nos mais amplos contornos possíveis. fosse um objeto a ser alcançado ao final do
O processo judicial é tomado como um processo de elaboração da compreensão e
exemplo típico do modo pelo qual se de uma vez para sempre. Inexiste a
estabelece o processo interpretativo. O compreensão, como uma única
jurista precisa “ouvir a tradição” possibilidade verdadeira, mas sim
(processos históricos de interpretação) e posições, interpretações (a solução
com ela dialogar para obter a divergente entre juízes ou tribunais é
compreensão de normas e fatos. apenas uma questão de interpretação
Compreender, portanto, é compreender adotada, não havendo certo ou errado).
para o presente, porque não se Em Heidegger e em Gadamer, a
compreende o passado compreensão do ser a partir da situação
contemplativamente, porém, se traz do existencial é uma forma de ruptura com
passado o essencial para o presente. toda a tradição metafísica moderna. A
Gadamer inclusive usa a expressão compreensão se presta, portanto, à
história efeitual para afirmar que, mais crítica e à própria superação da filosofia
importante do que encontrar o significado enquanto paradigma neutro de obtenção
do texto é encontrar o efeito daquele das verdades eternas.
texto no presente. Não há como, antecipadamente, ter plena
Círculo hermenêutico (como um espiral): certeza da decisão que será dada pelo
em um diálogo circular entre a tradição e julgador e a mudança de entendimento é
a crítica, o julgador estabelece um algo comum no mundo jurídico. É esta
“método” em espiral (círculo mutabilidade que dá vida ao Direito e
hermenêutico), produzindo o impulsiona-o a um progresso.
enriquecimento da tradição, assimilando
novas perspectivas atuais por ela antes Palavras-chave: TRADIÇÃO; PRÉ-
não consideradas. COMPREENSÃO; DIÁLOGO; CÍRCULO
O julgador parte do sistema jurídico e de HERMENÊUTICO
elementos da tradição para interpretar os
fatos expostos pelas partes e decidir. Essa Schimitt15
decisão também passa a integrar o (1888-1985)
sistema jurídico e, portanto, modifica-o.
Em uma demanda posterior tem-se novas Construiu sua teoria do decisionismo.
partes, um sistema jurídico diferente, um
julgador cujas idiossincrasias já não são Suas ideias serviram de sustentáculo
exatamente as mesmas e pode-se cogitar para que o nazismo abrisse caminhos.
que até mesmo a tradição já foi levemente
alterada. Tinha posição antiliberal.
A interpretação só pode ser adequada se Situa o fenômeno jurídico nos
se precaver das conclusões arbitrárias
quadrantes da exceção. A decisão que não
(derivada da adesão inconsciente a
determinadas teses) = é importante o está limitada à regra – e não o
automatismo do cumprimento da norma
15
Por Agildo Filho
jurídica – é o momento fundamental da estabelecida. Trata-se de uma quimera,
filosofia do direito schmittiana. para o seu pensamento, imaginar que o
conjunto normativo constitua e
Postula o fenômeno jurídico de modo
estabeleça o processamento da ordem. É
intimamente ligado às manifestações do
justamente a exceção que instaura a
poder. O direito não é compreendido
ordem, a partir de uma desorientação
como uma processualidade formal e
inicial. A decisão não é o último momento
automática, isto é, como se fosse uma
de uma cadeia normativa, como pensa o
decorrência lógica de competências
juspositivismo; é o primeiro, pois é o que
previamente estabelecidas, como se fosse
dá base à ordem. Carl Schmitt operou uma
uma cadeia infinita de produção de
mudança de compreensão fenomênica do
normas jurídicas. Pelo contrário, o direito
direito: ultrapassou-se uma barreira
é compreendido como decisão
formal, meramente normativa, para se
independente das normas, como ato que
chegar a um núcleo decisional, que
instaura uma condição que não haveria de
concentra o poder enquanto ato originário
outro modo. O cumprir automático das
de seguir a regra ou de rompê-la, criando
regras, tal qual uma pirâmide do
a exceção. O direito passa a ser tomado, a
ordenamento das normas, seria típico de
partir daí, como sendo um fenômeno
uma visão liberal, juspositivista, de
distinto daquele previsto pelo caminho
inspirações próximas a Kelsen. No
juspositivista. A compreensão do direito
entanto, para Carl Schmitt, não é nessas
não está limitada às normas jurídicas: ela
circunstâncias que se compreende a
se situa no eixo de gravidade do poder.
verdade do direito. É verdade que haja
uma cadeia de normas e competências
formalmente dadas, que os juristas
Teologia política - mudança operada
operam num nível quase mecânico, mas o
por Carl Schmitt quanto ao método de
fenômeno jurídico se revela muito mais na
apreensão do direito. O fenômeno
exceção, no descumprimento da regra,
jurídico, tradicionalmente considerado
porque nessa circunstância desnuda-se o
pelos juspositivistas como um conjunto de
poder, e, portanto, o real eixo de
normas jurídicas, passa a ser
gravidade que sustenta as próprias
dimensionado de outro modo: a política, a
normas.
decisão e, principalmente, o poder é que
O cumpridor da regra não revela a se revelam, na verdade, como eixo
verdade do direito: apenas demonstra seu gravitacional do fenômeno jurídico. A
caráter burocrático. O poder nu, mudança paradigmática de compreensão
soberano, é aquele que passa por cima das do direito em Carl Schmitt leva-o,
normas e instaura, portanto, a decisão imediatamente, a uma dissociação
original. Daí o soberano ser o que decide fenomênica muito incomum na tradição
sobre a exceção. Para Schmitt, pensar a do pensamento jurídico contemporâneo.
exceção é pensar um quadro no qual não Pela maioria liberal dos juristas, os limites
há uma ordem mecanicamente do direito são os limites do próprio Estado.
Assim apregoava Kelsen, para quem processualidade automática da criação e
direito e Estado se confundem. No da aplicação das normas aos casos
entanto, para Carl Schmitt, lastreado na concretos sua razão de ser. Acima da
exceção como anunciação do soberano e norma, está o poder político soberano,
como compreensão do próprio direito, que decide a norma e sua exceção. O
passa a ser clara a distinção entre dois soberano é aquele que decide sobre o
níveis de fenômenos: de um lado, o direito direito, e não aquele a quem o direito
e a norma; de outro, o soberano e a investiu de competências formais.
política. O Estado paira sobre o direito, e
Assim sendo, quando se pensa na
lhe é superior. O poder está acima da
relação do direito com o Estado, a
norma jurídica. O Estado é maior que as
soberania não é um atributo que se
normas jurídicas. A exceção é o elo entre o
concretiza na Constituição para,
poder soberano e o direito. O direito não
posteriormente, determinar as
se revela numa unidade, como um dado
competências dos agentes públicos. Para
monístico, puramente normativo. Ao
Carl Schmitt, a soberania é o que põe a
contrário da pureza proposta por Kelsen,
exceção, é o poder que põe ou não a
Carl Schmitt “existencializa” o direito,
Constituição, e, portanto, está ligada ao
exprimindo-o num todo situacional. A
Estado mais que ao direito constitucional.
decisão, fora da norma, é que dá sentido à
Trata-se de um importante deslocamento
própria norma e ao direito. Assim trata
da soberania: ela não provém a partir da
Schmitt: Todo direito é “direito
consubstanciação jurídica do Estado, isto
situacional”. O soberano cria e garante a
é, não se funda num ato de
situação como um todo na sua
constitucionalização.
completude. Ele tem o monopólio da
última decisão. Nisso repousa a natureza Com tal deslocamento – o direito não
da soberania estatal que, corretamente, é o fundamento da soberania – Schmitt
deve ser definida, juridicamente, não recusa a identidade do poder com a
como monopólio coercitivo ou norma. A soberania está ligada mais à
imperialista, mas como monopólio originalidade da criação da ordem –
decisório, em que a palavra decisão é exceção – do que com a decorrência
utilizada no sentido geral ainda a ser normativa – que seria a visão estrita do
desenvolvido. O estado de exceção revela juspositivismo.
o mais claramente possível a essência da
autoridade estatal. Nisso, a decisão
distingue-se da norma jurídica e (para Proposta de soberania de Schmitt - O
formular paradoxalmente), a autoridade soberano, para Schmitt, no entanto, é
comprova que, para criar direito, ela não aquele que detém o poder último. Ele está
precisa ter razão/direito. acima das regras, porque decide sobre a
sua própria exceção. A sua pessoalidade
Tal distinção é fundamental para
afasta a repetição difusa e autômata da
compreender e situar a verdade do
técnica liberal, dando sentido à política.
direito: não reside na norma jurídica e na
A questão do controle de político, numa clara demonstração de que
constitucionalidade revela a matriz não se funda na legalidade, mas na ação
política do pensamento de Schmitt, política prévia, a estrutura posterior do
contrastando com a do liberalismo Estado.
kelseniano. Para Kelsen, um tribunal
“O conceito de Estado pressupõe o
constitucional seria uma instância
conceito do Político”. E o critério do
necessária de equilíbrio jurídico e político
político, para Schmitt, é a distinção amigo-
nas democracias. Alheado do poder
inimigo.
executivo e do governante, o tribunal
constitucional teria o papel de assegurar o Desde a Idade Moderna, com a luta
cumprimento da constituição. Para Carl burguesa e iluminista contra o
Schmitt, sendo o guardião da constituição absolutismo, o sentido da filosofia do
o Führer, a constituição não é direito se orientou para a universalidade.
compreendida apenas como um conjunto A igualdade formal de todos os sujeitos é
de normas jurídicas de hierarquia seu corolário. A política, no sentido liberal-
superior. Pelo contrário, a constituição é burguês, enxerga a sociedade como uma
uma decisão política, que orienta o uniformidade de indivíduos, impedindo
Estado, o direito e a vida social por tal ou tanto a perseguição quanto o privilégio.
qual caminho. Daí que o controle Até mesmo no nível internacional, se
constitucional, para Schmitt, não caberia forem tomadas as propostas que
ao técnico em normas jurídicas, e sim ao remontam a Kant, os Estados são
político soberano, porque decidir sobre a formalmente soberanos e iguais. Mas, ao
constituição é decidir sobre a própria contrário da tradição legalista e
instauração da política. formalista, que faz da política um campo
esvaziado de conflitos essenciais, Schmitt
insistirá na dualidade amigo - inimigo
Carl Schmitt, tanto para a teoria do como sendo o critério da ação política:
direito quanto para a teoria política,
O inimigo político não precisa
representa um dos raros casos de realismo
ser moralmente mau, não
político, de teoria da exceção, e não da
precisa ser esteticamente feio;
regra ou da ordem.
ele não tem que se apresentar
como concorrente econômico
e, talvez, pode até mesmo
O decisionismo de Schmitt não se
parecer vantajoso fazer
confina às decisões judiciais: seus limites
negócios com ele. Ele é
mais profundos e mais importantes estão
precisamente o outro, o
além do direito e do Poder Judiciário,
desconhecido e, para sua
porque chegarão até os fundamentais
essência, basta que ele seja,
momentos da política no Estado de
em um sentido especialmente
exceção. Seu conceito de Estado, aliás,
intenso, existencialmente algo
tem por pressuposto o conceito de
diferente e desconhecido, de
modo que, em caso extremo, Ao anunciar para o direito os
sejam possíveis conflitos com horizontes de uma teologia política, Carl
ele, os quais não podem ser Schmitt dá mais um passo num caminho
decididos nem através de uma de oposição à modernidade jurídica e
normalização geral política. Partindo da constatação de que a
empreendida modernidade jurídica se lastreia na
antecipadamente, nem universalidade, com base na regra geral
através da sentença de um válida para todos, não há espaço, no
terceiro “não envolvido” e, arcabouço de compreensão do jurista
destarte, “imparcial”. moderno, para a exceção, e sim apenas
para a regra. Daí doutrinas como a de
Kelsen serem muito naturais ao jurista
A oposição schmittiana entre amigo e juspositivista burguês. Somente na regra
inimigo, e a ideia de que o soberano fala geral e universal repousa a constância e a
por meio da exceção e não da regra, são o estabilidade pretendidas pela burguesia
modo pelo qual Schmitt busca fortalecer o moderna. Carl Schmitt, no entanto,
Estado sem as peias que lhe davam o investe em sentido contrário. Ao afirmar
liberalismo, como a tripartição dos a exceção, e não a regra, como
poderes. O fim das amarras institucionais fundamento da compreensão do direito,
era, de fato, a liberação da política, era a do poder e da soberania, Schmitt atenta
demonstração de que a política era contra o pressuposto profundo da
superior às amarras do Estado, mas por tradição moderna, iluminista e laicizada.
ser-lhe superior, no exercício da exceção Católico, Schmitt aproxima o fenômeno
fazia cumprir a força do Estado. jurídico moderno da própria organização
da Igreja Católica, fundada na
O resultado de sua teoria política da
representação. Ao contrário do
exceção, na qual o político se caracteriza
protestante, para quem a relação é direta
pela distinção amigo-inimigo, é um
do indivíduo para com Deus, o católico
fortalecimento político do Estado,
baseia sua condição religiosa na
enfraquecido no seu tempo pelo
submissão à representação divina do
liberalismo que o esvazia de ação ao
Papa. A lei não é uma observação dos
pautá-lo pela regra institucional. Esse
costumes arraigados, nem do justo, nem
fortalecimento do Estado pelo
uma decorrência da razão. Ela é uma
fortalecimento da política como oposição
operação da vontade do representante. O
pode ter sido uma estrada aberta para o
Führer e o Papa, nesse sentido, guardam
totalitarismo nazista.
semelhança.
A exceção explicita o poder, e nisso vai
Considerar o direito como exceção
uma constatação, mas também um louvor,
equivale a não mais abominar o
praticamente messiânico, da instauração
reconhecimento da incerteza existencial
da norma pelo soberano.
do nível jurídico-político. Não se pode
considerar o direito como automatismo
técnico, porque a constância da
universalidade é abalada pelo originário.
Marxismo, Direito e Política:
Embora suas especificidades e muitas O marxismo sempre se deparou
distinções, há alguns laços entre o
com o fato de que o capitalismo
decisionismo schmittiano e a filosofia
contemporâneo, por meio de
existencial (Heidegger).
mecanismos ditos democráticos, alicia
Ainda que tenham brotado de as massas trabalhadoras e exploradas
maneira independente, a visão existencial para que passem a assumir os valores
de Heidegger e o decisionismo de Carl das classes superiores como os delas.
Schmitt são frutos de um mesmo As classes exploradas participam da
contexto. vida política, jurídica e estatal, mas em
O direito revela, no fundo, a decisão grau que não consegue abalar os
soberana do poder. A decomposição do próprios alicerces da exploração.
direito há de anunciar o ato fundante pelo Antonio Gramsci é o mais notável
qual um traçou o caminho dos demais. O filósofo desta relação entre o Estado, a
teológico no direito aí se revela de modo política, o direito e a revolução, debate
gritante: o próprio pai é o direito para seus que esteve diretamente ligado ao
filhos, o próprio pastor é o direito para seu problema do direito no socialismo.
rebanho, a Igreja é a depositária dos
destinos de seus fiéis. A prática do direito Contexto: Filósofo italiano que participou
é apenas a hermenêutica posterior da formação do partido comunista da
daquilo que, de modo mais importante, já Itália, perseguido e preso pelo regime
foi dado antes pela decisão soberana. fascista de Mussolini. Seu pensamento é
classificado dentro das Filosofias do
Direito Críticas de índole marxista.
Obra Principal: “Cadernos do Cárcere”17.
Filosofia do Direito Crítica
Hegemonia em Gramsci: Para Gramsci, a
grande questão a ser respondida pelo
Gramsci (1891 a 1937)16 marxismo, no plano político, era a da
compreensão das dificuldades
revolucionárias. Gramsci pergunta-se
porque as classes exploradas não se
rebelam contra os exploradores. Percebe
que isso ocorre porque as classes
dominantes conseguem transmitir seus
16
Por Vinícius Câmara Campos Bernardes Siqueira grande reflexão sobre política, filosofia e variados
17 Trata-se este livro da reunião de notas assuntos. O Tema mais importante tratado por ele
escritas por Gramsci enquanto estava preso. É uma neste livro foi a hegemonia.
valores como naturais. É este o objeto de positiva de educação cívica desenvolvida
sua análise. pelo Estado. Além de seu aspecto
Gramsci observa que além das estrutural, como garantidor institucional
relações materiais de exploração há outro da exploração, o direito se presta a uma
elemento importante para a estrutura do dimensão ideológica clara. Seus preceitos,
capitalismo: o convencimento ideológico modernamente, não se deixam
feito pelas classes exploradoras sobre as demonstrar como exploratórios: a
classes exploradas. A difusão da ideologia igualdade formal e a liberdade negocial
é um processo coordenado pela
são suas armas mais aliciadoras. O uso
hegemonia. Uma determinada classe,
moderno do direito abarca não só a
dominante no plano econômico, e, por
imediata estruturação das necessidades
isso, também no político, difunde uma
determinada concepção do mundo. burguesas, como a defesa da propriedade
Hegemoniza assim toda a sociedade. Por privada. O direito é chamado a
isso, mesmo exploradas, as classes instrumentalizar muitos campos da
subordinadas não se rebelam, ou, se se necessidade e da coerção, transformando-
rebelam, não rompem com a mesma os em “liberdade”. Na tarefa de construir
estrutura de mundo dos dominadores. o direito como consenso hegemônico na
Essa amplitude ideológica da dominação,
sociedade, o fenômeno jurídico deve ser
realizando um amálgama entre o
apresentado, ensinado e reproduzido
explorado e o explorador, é o conceito de
segundo a aparência de uma técnica
hegemonia.
universal, não comprometida, imparcial e
O poder não se ganha apenas no isenta de lados.
confronto e na luta direta: ganha-se pela
hegemonia dos valores dos próprios A hegemonia, para que seja
dominantes sobre os dominados. construída socialmente, necessita de
relações superestruturais bastante
O Estado, além da sua função
coesas. Gramsci destaca alguns
repressora, necessita se estruturar
fenômenos modernos fundamentais à
também como um educador da sociedade,
construção de hegemonias, como o papel
buscando ganhar os explorados para a
dos intelectuais, que são os prepostos do
concordância em relação aos valores dos
grupo dominante para o exercício das
exploradores. O direito, para Gramsci, é
funções subalternas da hegemonia social e
um elemento decisivo nessa busca estatal
do governo político. Pode-se aplicar a
por consolidar a hegemonia. No
reflexão gramsciana sobre o papel dos
pensamento gramsciano, o direito é, ao
intelectuais também ao campo jurídico, na
mesmo tempo que a repressão e
medida em que o professor de direito e o
negatividade do Estado, também um
doutrinador, escritor de obras, moldam
elemento positivo, de “premiação” dos
um certo ambiente intelectual do que seja
que se enquadram nos valores
correto e apropriado ao direito. Gramsci
hegemônicos. Direito é o aspecto
repressivo e negativo de toda a atividade
cita livros jurídicos como depositários da que sustenta uma determinada forma
ideologia hegemônica. econômico-produtiva. A hegemonia se dá
em um bloco histórico, no qual as
Faz uma distinção entre sociedade condições materiais concretas se
política e sociedade civil. Sociedade encontram em concordância com as
política está localizada no âmbito e nas instituições políticas e com a sociedade
funções tradicionalmente compreendidas civil.
pelo Estado: a organização institucional, a
A superestrutura, como elemento
repressão e a garantia da força são seus destacado do sistema gramsciano,
atributos mais evidentes. Já na sociedade encaminha uma reflexão sobre a
civil, formada precisamente pelo conjunto revolução que não pode se esgotar apenas
das organizações responsáveis pela na tomada do poder estatal ou da
elaboração e/ou difusão das ideologias, as modificação imediata das relações de
armas mais importantes não são as produção. Há o nível da hegemonia, que
se deve ganhar e transformar. Gramsci
repressivas, mas sim as de persuasão,
reflete sobre as estratégias da revolução e
buscando consensos, trabalhando no nível
da luta no campo da hegemonia,
ideológico. A função da sociedade civil é a
distinguindo os conceitos de guerra de
de estabelecer a hegemonia. O fenômeno movimento e de guerra de posição, que
jurídico insere-se no campo da sociedade são conceitos bélicos.
civil, na busca de hegemonia em favor do
Guerra de movimento (ou de
grupo dominante. A sociedade civil e a
manobra): é aquela que ataca
sociedade política se distinguem, mas, frontalmente, e de modo direto e
dentro da totalidade social, funcionam de definitivo, as posições em jogo.
modo complementar, garantindo a lógica
Guerra de posição : é a que se vale
econômica da exploração de classe. A
de um ataque que busque a conquista de
superestrutura se levanta num
posições e espaços.
aglomerado desses dois elementos,
repressivos e hegemônicos, em ligação Para Gramsci, nas sociedades ditas
ocidentais, nas quais a sociedade civil é
estreita à estrutura econômico-produtiva.
mais desenvolvida, a guerra de
A junção de sociedade política e de
movimento não logra grandes efeitos, na
sociedade civil consiste no “Estado medida em que a tomada do poder do
ampliado”. Estado, se não acompanhada de uma
Bloco histórico; guerra de movimento e de mudança nos valores, ideologias e
posição – Os conceitos em torno da concepções de mundo da sociedade,
hegemonia: enfrenta uma resistência persistente no
plano da própria sociedade civil. O sucesso
Bloco histórico: O bloco histórico designa da tomada do Estado torna-se, então,
para Gramsci a totalidade social das temporário, na medida em que a
relações de infraestrutura e resistência social contra a ação
superestrutura, tomadas em conjunto. revolucionária é de vulto. Por tal razão,
Designa, também, uma junção de classes Gramsci considera que, para as sociedades
ditas ocidentais, a estratégia jurídica nazista não era direito, mas força
revolucionária de sucesso é a guerra de pura; mas, mesmo assim, possibilitava
posições. É preciso a mudança do nível uma previsibilidade que permitia a
hegemônico da sociedade para que o convivência com o capitalismo. Se o
ataque frontal ao Estado e a mudança nas nazismo deixa claro que o capitalismo e
relações de produção sejam realizados direito liberal não precisam andar lado a
com sucesso e estabilidade. lado, o direito liberal deixa de funcionar
como ideologia com a criação dos direitos
Pode-se vislumbrar, no
sociais.
pensamento de Gramsci, uma concepção
de revolução enquanto processo, isto é,
como movimento contínuo e prolongado
Já Otto Kirchheimer também era
de alteração das relações de produção, de
advogado, mas tratou do direito de forma
tomada do poder estatal e de
mais radical. Fazia uma leitura critica da
consolidação de uma nova hegemonia.
República de Weimar e sua constituição
Palavras-chave: Hegemonia; ideologia; socialdemocrata, que visava uma
superestrutura; guerra de posição. composição entre a classe burguesa e os
trabalhadores. Nesse momento o autor
concorda com Carl Schmitt no que se
Escola de Frankfurt18 refere à falsa composição de classes na
república de Weimar, mas enquanto que o
Vários intelectuais se reuniam na pensamento de Schmitt defendia uma
Universidade de Frankfurt, sendo Max solução nazista, Kirchheimer defendia os
Horkheimer e Theodor Adorno seus limites do direito em favor de uma
principais expoentes. Já na denominada 2ª transformação proletária. Durante o exilio
geração da Escola, Jürgen Habermas se nos EUA, o autor trata sobre o direito
destacou, sendo que alguns defendem ser penal e como o mesmo é necessário para
possivel uma 3ª geração capitaneada por manter a sociedade capitalista mediante a
Axel Honneth. opressão de classes, sem haver relação
necessária com o delito.
18
Por Pedro Antonio Assumpção e Neto Sobral
analise de direito e psicanalise, além de racionalidade humana imperava na
entenderem o direito como manifestação sociedade capitalista contemporânea.
técnica, não critica.
19
por Maria Tereza Horbatiuk Hypolito
própria visão de mundo errônea e limitada cegar e oprimir o proletário é o direito.
(a ciência e a filosofia burguesas impõe O direito capitalista também reifica
que suas verdades são universais, não a sociedade, e se distingue daquele direito
dando espaço para conhecer as demais e “antigo”, em que se discutiam as razões de
chegar a conclusões essencialmente ser e de dever ser, assumindo um caráter
verdadeiras), estando impedido de ver o mais objetivo e racional, a fim de tornar a
mundo como um todo. vida em sociedade um cálculo
Valendo-se dessa visão do todo matemático. Dessa forma, as relações
(conceito de totalidade marxista), o sociais tornam-se mais previsíveis e as
proletariado poderia empreender sua pessoas mais controláveis. Aqui seria
revolução. possível fazer uma ligação interessante
Inclusive, para o autor, é somente com os corpos “dóceis e úteis”,
fazendo a revolução que o proletariado mencionados por Foucault em Vigiar e
passa a conhecer a totalidade da vida e da Punir.
sociedade, firmando as bases de novas Lukács não acredita que o direito
ciências e da nova filosofia, despendida de seja uma ciência, mas sim um instrumento
valores burgueses que são, em verdade, de opressão a favor das classes
falsos. dominantes do sistema capitalista.
Quando analisa o sistema Nesse sentido, Kelsen representa o
capitalista, Lukács destaca o poder da maior expoente do direito no sistema de
mercadoria. Este era o poder de produção capitalista, pois é objetivo, frio e
transformar a tudo e a todos em objetos calculado para retroalimentar o sistema. O
cujo valor poderia ser negociado. Assim, o direito “puro” dá a impressão de igualdade
proletário tem o valor da venda de seu e legitimidade que as classes dominantes
trabalho, e se transforma em uma coisa precisam para que o proletariado lhe
(reificação), em um objeto, tal qual a confira obediência sem pensar muito a
mercadoria que produz. respeito.
Marx chama essa reificação de O Estado, para o autor, também
“fetichismo”, termo usado também por tende a ser objetivo e a reificar as pessoas
Lukács. Esse fetichismo, que transforma e as relações sociais. Aqui, Lukács se vale
pessoas e suas próprias racionalidades em dos estudos de Weber, como quem
coisas é engrenagem fundamental do conviveu. Nessa perspectiva, acreditava
sistema capitalista. “A forma mercantil se que o Estado abandonava antigos tipos de
estende por todas as relações sociais dominação (em Weber: tradicional e
capitalistas”. carismática) para assumir contornos de
O trabalhador poderia superar essa uma verdadeira “empresa” (tipo de
forma de ver o mundo totalmente dominação legal/racional weberiana, mas
burguesa, estabelecendo suas próprias com viés notadamente capitalista). Assim,
verdades, a medida em que fosse se não haveria mais legitimidade de
desprendendo das amarras e das vendas dominação pelo divino, pela tradição, mas
que lhe são postas. Uma das maneiras de sim por força da lei e da razão (inspirada
na ideologia burguesa). exercida por quem pretensamente está no
O ponto alto da primeira Obra de poder; e o não-marxista acha que sua luta
Lukács é a relação entre a revolução é contra o próprio Estado, que não se liga
proletária (a luta de classes) e ser ela legal à classe nenhuma, caindo novamente na
ou ilegal. Para o autor, encarar a revolução armadilha burguesa de pensar que faz algo
socialista como legal ou ilegal é confirmar ilícito.
a lógica de domínio de capital, uma vez Um conceito que se destaca para o
que são as classes abastadas que direta ou autor é o de “partido”, sendo o ente
indiretamente determinam o que é lícito e organizado que se propõe a unir todos os
o que é ilícito. diferentes tipos de proletários
A partir disso, o autor explica que (trabalhadores urbanos, rurais, do
muito mais do que analisar se as condutas comércio, da indústrias, etc.) e excluídos
revolucionárias estariam ou não dentro da socialmente a fim de fortalecer a luta de
lei do Estado capitalista, é preciso analisar classes (unir todas as minorias de forma
se tais ações encontram respaldo na organizada para criar uma massa forte que
consciência dos envolvidos. Ou seja, se no pudesse vencer a lógica do capital).
íntimo de cada um, aquilo é certo ou Uma das consequencias de se
errado. Para tanto, é preciso que as destruir a ideologia burguesa é,
pessoas tenham suas mentes e justamente, extinguir o direito.
consciências livres da imposição de
ideologias. “O direito revela seu caráter
Infelizmente, o autor reconhece intimamente ligado ao modo de
que a burguesia e o capital impõe a produção capitalista: não mais a
ideologia do consumismo, da exploração se deve a fatores casuais,
estratificação do estado em classes sociais incidentais, como no escravagismo e no
e da reificação de tudo e de todos. Muito feudalismo. Há uma instância que se
além de ser uma luta de classes por fatores formaliza institucionalmente, junto de
econômicos, tal luta é também pela um corpo de funcionário e burocratas,
libertação do pensamento e das ideologias com lógica eminentemente técnica, que
impostas. se especializa nessa exploração.”
Outra diferenciação importante
para o autor é a forma como marxistas e
não-marxistas veêm o Estado. Entende Muitos anos depois de escrever sua
Lukács que os marxistas enxergam no primeira obra, Lukács chega mais maduro
Estado um elemento de poder que existe ao seu leito de morte, e dá início a sua
nas relações sociais, exercido/controlado segunda obra, que jamais foi acabada: “A
por classes. Já os não-marxistas veriam o ontologia do ser social”.
estado como um ente acima e alheio às
classes. Nesse ponto, o marxista entende O autor entende que o homem não
que sua luta não é contra um ente existe sozinho em si mesmo, mas somente
autônomo, mas sim contra a dominação em sociedade, é um ser social cuja história
e desenvolvimento se ligam à própria
Porém, para se manter na sociedade
evolução da sociedade.
sem que o proletariado pudesse
O principal fator social que envolve
desconfiar se suas sorrateiras
o “ser” do indivíduo é o trabalho. É
intenções, é conferida ao direito uma
partindo do trabalho desempenhado que
máscara, de forma que ele parece ser
o homem constrói todas as suas relações
autônomo e independente a qualquer
sociais.
classe social. Tal perspectiva é falsa.
O exercício de qualquer trabalho se
Para finalizar, Lukács entende que o
liga fundamentalmente à economia. O
direito como se conhece na atualidade
exercício do direito é também uma espécie
se desenvolveu junto com o
de trabalho, desempenhada por juízes,
capitalismo, sendo que um precisa do
delegados, promotores, etc. Logo, o
outro pra sobreviver. Logo, havendo a
exercício do direito é umbilicalmente
revolução socialista e a luta de
ligado à economia.
classes, com a extinção do
A economia, como forma de poder
capitalismo, o direito também deverá
do capital, acaba por controlar o direito,
desaparecer.
assim como todas as demais relações de
trabalho, fortalecendo o Estado e as
classes dominantes, mantendo o
“maquinário de exploração”. Palavras-chave: reificação; direito
opressor; Estado controlado pelas classes
O direito torna-se um instrumento
dominantes; amarras ideológicas;
de opressão institucionalizado pelo fetichismo; totalidade.
Estado, munido de procedimentos
burocráticos que lhes dariam aparência de BLOCH (1885-1977)20
objetividade. Marxista
Destaco o trecho a seguir, pois Horizonte de análise: Futuro
ninguém melhor que Alysson Mascaro Temas: Utopia e Esperança
para definir como Lukács via o direito: Reflexões: crítica e radical
Referência: filosofia pura, da filosofia
política, da filosofia da religião e também
da filosofia do direito
Obra: Direito Natural e Dignidade Humana
Messianismo e totalidade
Ainda bastante jovens, tanto Bloch quanto
Lukács partilhavam de uma visão de
20
Por Maria Tereza Borges
mundo que, em sua origem, era mística. O assim o é, os tempos presentes
socialismo se apresentava, na reflexão apresentam as mais avançadas
inicial de ambos, como sendo a perspectivas de superação ao lado de
possibilidade de redenção da necessidades e demandas ainda
humanidade, no que se aproximavam das atrasadas. Os sonhos de superação, assim
melhores perspectivas escatológicas¹ sendo, são múltiplos.
tanto do judaísmo quanto do cristianismo.
A utopia concreta
As perspectivas comuns de Bloch e Lukács
a respeito do marxismo, que passavam
Numa totalidade polirrítmica, na qual
pelo messianismo como posicionamento
vários tempos se superpõem, o apontar
ativo em face da anunciação do novo,
para o futuro há de se mostrar, no
começam a se romper com suas divisões a
pensamento de Bloch, um tema
respeito da estética. Ambos muito
fundamental. Bloch dirá que a visão do
sensíveis às questões da arte, dividem-se
socialismo utópico é responsável por
a partir do apreço de Bloch ao movimento
fazer do termo utopia algo fantasioso,
expressionista, enquanto Lukács se
meramente volitivo. Contra tal
orienta em favor da estética do realismo
perspectiva idealista, Bloch apontará o
socialista, então em voga na União
conceito de utopia concreta. A
Soviética
compreensão das reais situações
Bloch, por sua vez, enxerga no históricas, suas contradições, suas razões
expressionismo a possibilidade de uma e as possibilidades de sua superação
manifestação artística forte e chocante, na constituem a utopia concreta. A visão
qual as imagens arrebatadoras não utópica idealista, que se apresenta como
permitam indiferença. Em sua visão uma mera vontade, é chamada por Bloch,
estética, o expressionismo é a perspectiva em contraste, de utopia abstrata.
que balança o conforto da sociedade sem
O que leva o pensamento à utopia é a
perspectivas.
carência. A fome do alimento e das
Segundo Bloch, o expressionismo era um satisfações fundamentais da humanidade
humanismo; orientava para o humano, gera impulsos que se orientam por buscar.
buscando quase exclusivamente o Tal processo de busca gerado pelas
humano e a forma adequada para necessidades enseja desejos de futuro:
expressar o seu incógnito, aquilo que no trata-se da esperança.
homem é misterioso, escondido,
A utopia, portanto, é uma dialética
desconhecido.
antecipadora, isto é, uma superação do
Ernst Bloch, por sua vez, lança mão de uma ser pelo devir. Seguindo-se Ernst Bloch
visão da totalidade bastante específica. pode-se perceber claramente que ela não
Para ele, é preciso entender o todo a é apenas uma projeção de nossos próprios
partir de esferas, camadas de interesses, pois ela visa o interesse
contradições variáveis que vão se coletivo. Ela se distingue da ideologia
superpondo sem se anular. Por isso, para porque ela constrói um mundo e vive da
Bloch, o todo social não tem uma mesma esperança de um futuro, e não de ilusões.
homogeneidade. O todo é polirrítmico. Se É fundamentalmente progressiva e se
volta para o futuro. Ainda que possa ser seu manejo e a atuação concreta em tal
confundida à primeira vista com os ideais, realidade dão a dimensão do conceito
ela distingue-se deles por suas dimensões filosófico de possibilidade.
concretas e por seu dinamismo dialético.
Bloch propõe uma tábua das
Bloch situa a utopia concreta no nível dos possibilidades que contempla quatro
sonhos diurnos. Na proposta de Bloch, níveis: a possibilidade puramente formal,
denomina-se a esse sonho que faz falar o a possibilidade subjetiva, a possibilidade
passado de sonho noturno. O sonho objetiva e a possibilidade dialética.
diurno, por sua vez, distinto daquele
O possível puramente formal é o que se
estudado por Freud, é o sonho que se
manifesta apenas no nível lógico-
sonha acordado. Ele se constrói a partir da
abstrato, na medida em que não se
vontade, da fantasia, da imaginação e da
vislumbram indícios de sua concretude.
criação. Escapa-se do presente numa
remissão ao futuro. Já o sonho noturno é O possível subjetivo – ou objetivo-factual
estático, reativo, ligado ao passado. O ou provável – está baseado em fatos que
sonho diurno é novidade e esperança. se apresentam ao sujeito, sem que haja
um conhecimento melhor a respeito de
Está nas possibilidades humanas o
suas estruturas, tais fatos faz com que o
projetar-se, o sonhar para frente, aquilo
sujeito não alcance os mecanismos
que Ernst Bloch chama de sonho diurno. O
profundos da possibilidade.
apontamento para o futuro não é apenas
uma vaga vontade individual, meramente O possível objetivo – ou objetivo-coisal ou
subjetiva. Bloch, inesperadamente, possível conforme a estrutura do objeto
valendo-se de uma larga e generosa real – é aquele que demonstra suas
recepção de filosofias como a de aberturas nos próprios objetos
Aristóteles e mesmo a de Heidegger e do específicos, mas que não encontra apelo
existencialismo, falará a respeito de uma nas vontades subjetivas que lhe façam
ontologia do ser-ainda-não (nicht-noch- atualizar a potência em ato.
sein).
O possível dialético – ou real-objetivo – é
Para Bloch, o ser deve ser pensado não aquele que se abre para a compreensão de
como algo dado, estático e acabado. A seus concretos mecanismos e das
existência se apresenta tanto como um ser possibilidades dos agentes
dado mas também como um ser em transformadores. Trata-se de uma
potencial, um ser-ainda-não. Bloch não abertura plena e madura tanto por parte
considera as situações histórico-sociais das situações sociais concretas quanto das
estáticas, na medida em que o suas possibilidades subjetivas, isto é,
conhecimento de suas estruturas daqueles que engendrarão sua feitura. A
profundas abre brechas para sua ação revolucionária há de se perfazer
transformação, e nem tampouco nesse nível de possibilidade.
considera que a natureza seja um dado
A utopia concreta se funda na
bruto a condicionar a história. Também a
possibilidade. Tomando o ser como
natureza é transformável. A percepção das
possível, para Bloch, então, o presente se
estruturas históricas e sociais, seu estudo,
revela como incompleto. A utopia
concreta assim se apresenta porque extrai necessidade e das circunstâncias que
do concreto do hoje a possibilidade do mantêm ou produzem aquela. As teorias
amanhã. jusnaturalistas, pelo contrário, como se
viu claramente, estão dirigidas
Dignidade humana
predominantemente à dignidade, aos
O grande inventário das utopias concretas direitos do homem, a garantias jurídicas
feito por Bloch deságua, também, em de segurança ou liberdade humanas,
questões sobre o direito e o justo. como categorias de orgulho humano. E de
acordo com isso, a utopia social está
O pensamento de Bloch é bastante agudo
dirigida, sobretudo, à eliminação da
no que tange à utopia jurídica. Apoiado
miséria (Elends) humana, enquanto que o
em Marx, dirá Bloch que o Estado e o
direito natural está dirigido, acima de
direito se apresentam na atualidade
tudo, à eliminação da humilhação
como manifestações da própria
(Erniedrigung) humana. A utopia social
reprodução econômica capitalista,
quer afastar tudo o que se opõe à
pulverizando os indivíduos em
eudemonia (felicidade) de todos,
mercadorias, realizando a circulação
enquanto que o direito natural quer
mercantil, garantindo a propriedade
acabar com tudo o que se opõe à
privada e reprimindo a liberdade
autonomia e a sua eunomia (boa lei). É
individual e social. Em face dessa situação
que a ressonância nas utopias sociais e nas
presente, o que se chamará por utopia
teorias do direito natural é muito
jurídica será o fim do Estado e do direito,
diferente.
na medida em que são elementos de
exploração e de repressão. Distinguindo entre a esperança vinda dos
de baixo e as vontades dos poderosos,
Bloch aponta ao mais alto e mais avançado
Bloch se vale sempre de um conclame a
no que tange à utopia da justiça: que não
uma mudança de perspectivas do leitor e
haja exploração nem opressão. Na mais
do estudioso do direito. Em geral, o
fiel leitura das possibilidades últimas do
pensamento jurídico é construído a partir
marxismo, Bloch aponta a libertação da
do alto, em função dos poderosos
opressão estatal e o perecimento do
eexploradores. Mas é preciso resgatar o
direito como as mais elevadas utopias
que se pensou de baixo, a partir dos
jurídicas concretas para o futuro da
explorados. Bloch conclama o jurista e o
humanidade.
seu leitor ao sentimento jurídico que se
No contexto geral da máquina capitalista, manifesta no explorado, no que está
que exaspera e explora multidões, a abaixo na engrenagem jurídica e social.
utopia de uma sociedade melhor é o
A ontologia jurídica da utopia
norte do socialismo, como luta
emancipatória e libertadora. Em face da O pensamento de Ernst Bloch se
miséria, abre-se a perspectiva da encaminha a uma proposição que busque
felicidade. compreender, do ser e suas possibilidades
– o ser-ainda-não –, aquilo que lhe seja
Trata Bloch: As utopias sociais estão
especificamente jurídico. A ontologia
dirigidas principalmente à sorte (Glück),
jurídica da utopia é o grande
ou, pelo menos, à eliminação da
descortinamento jusfilosófico de Bloch. capitalista presente como justa, Bloch
Trata-se do apontamento à futura aponta para o futuro socialista, numa
sociedade socialista, justa e digna. No sociedade sem divisão e sem classes,
quadro das utopias jurídicas, Bloch se fraterna, como sendo o cumprimento do
dedica com especial atenção à Revolução preceito jurídico mais alto do direito – e
Francesa e seus três lemas, liberdade, mais alto que o próprio direito, que
igualdade e fraternidade. Para Bloch, deverá perecer junto com o Estado e a
somente se tomados em conjunto será divisão de classes – da dignidade
possível a efetiva implementação de tais humana.
lemas, e isso se dará pelas mãos dos
Energias para o justo
proletários. Somente o socialismo é capaz
de cumprir o preceito da liberdade no Em toda sua história pessoal, a reflexão
mundo, da igualdade econômica e da filosófica de Bloch tratou de combater as
fraternidade, cujo afeto profundo só é desgraças sociais vividas, desde a miséria
possível numa sociedade que não seja e a mercantilização das almas no
cindida em classes. O socialismo, então, é capitalismo até as suas aberrações
a divisa necessária para a paz e a últimas, como o nazismo. O todo da
fraternidade, com uma plena liberdade sociedade capitalista drena as energias
no mundo e com uma igualdade que seja utópicas, criativas e revolucionárias. As
suficiente à felicidade. massas, exploradoras e exploradas, ligam-
se por relações imediatas de exploração e
O direito, para Bloch, é um museu de
consumo, sem horizontes pessoais de
antiguidades jurídicas. Tal qual para Marx,
superação coletiva. Nesse quadro, Bloch
o direito é tido, no pensamento blochiano,
dedicou-se a encontrar sinais de energias
como um sistema que possibilita o
suficientes para a transformação social,
escoamento e a reprodução das próprias
para a concretização de uma sociedade
relações capitalistas. Muito diferente do
sem classes e sem divisões.
museu de antiguidades que é o direito,
Bloch aponta para o museu bem distinto A mais alta de tais energias que se prestam
dos postulados jurídicos. Determinados à utopia concreta que aponte ao
horizontes e conteúdos são orientações socialismo e à justiça é a própria carência.
fundamentais à vida histórico-social. A A fome e a necessidade geram impulsos. A
dignidade humana é um desses nortes. A humilhação gera o impulso da dignidade.
dignidade humana, tomada como A vivência do injusto pode abrir campos de
princípio burguês, é estreita, exploradora luta e de sonhos pelo justo. A utopia
e egoísta. Somente uma principiologia concreta é a tomada de consciência
proletária, socialista, constrói um coletiva de tais possibilidades do agir
horizonte que leve à plenitude da revolucionário.
dignidade humana.
O presente é composto de exploração, e
A reflexão jurídica de Bloch é tal miséria só pode ser tida como justa
surpreendente. Afastando o direito dentro dos estreitos limites da própria
natural como mera dedução metafísica, máquina de sua reprodução. Mas o
ideal ou religiosa, e afastando também a socialismo, como possibilidade concreta
mera reprodução da exploração
de futuro, ilumina o presente,
denunciando sua injustiça estrutural.
Em face das estruturas do presente
injusto, o justo não se apresenta como
uma decorrência nem automática nem
necessária. Mas também não é uma
impossibilidade, na medida em que se
podem revolucionarizar as estruturas
sociais. Há energias sociais e históricas de
luta que excedem, pelo sofrimento e pelo
amor, em sua busca. O mundo justo ainda
não é o presente. Não advirá
inexoravelmente, mas nem tampouco
está negado: a justiça é possível.
Palavras-chaves: socialismo, principiologia
protelária, perpesctiva de felicidade,
dignidade humana, sociedade sem divisão
e sem classe; utopia concreta;