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07.

Mediunidade e experiência
Dois dos critérios para aceitarmos a matrícula de vocês alunos, foram que tivessem
mediunidade desenvolvida e também mais de sete anos de experiência na Umbanda.

Mas qual a importância disto?

No caso da mediunidade é absurdo para mim pensar em um sacerdote que não tenha
mediunidade desenvolvida. Como ele vai atuar espiritualmente? Como vai orientar seus filhos
no caminho do desenvolvimento mediúnico? Como ser o ponto da espiritualidade na Terra se
ele nem ao menos incorpora uma entidade? E existem tantas outras perguntas que eu faria
para um sacerdote que não portasse a mediunidade de incorporação.

E não basta apenas portar a mediunidade de incorporação, é preciso confiar cegamente em


seus guias, pois serão eles os maiores orientadores do seu caminho e também serão eles que
irão te auxiliar a resolver problemas, tanto espirituais quanto materiais, referentes ao terreiro,
para os quais você não estava preparado.

Compreendido o motivo pelo qual um sacerdote deve portar mediunidade de incorporação,


vamos agora entender a necessidade não somente de confiar em seu próprio dom, mas o de
adquirir experiência com ele através do tempo. Chamo isso de maturidade mediúnica.

Confiar em sua mediunidade é o ato de permitir que a entidade incorpore e trabalhe sem
nenhuma interferência de seu aparelho ou com a mínima interferência, de forma que o
trabalho do guia não seja afetado em nenhum momento. Para isso é necessário ter superado
os medos comuns de não ser suficiente, ou de não permitir uma incorporação plena, e também
é necessário ter dissolvido dúvidas como “sou eu ou é o meu guia?” ou “será que isso é mesmo
de verdade, será que funciona mesmo?”

Um sacerdote não pode demonstrar esse nível de incerteza e inexperiência.

Todo sacerdote, sacerdotisa, pai ou mãe-de-santo, deve inspirar seus filhos e seguidores como
já comentamos em tópico anterior, e, para isso, deve mostrar certeza, confiança e fé. E mostrar
isso com muita transparência.

E este nível de certeza e confiança só vem através do tempo, depois que tiver muitas
experiências espirituais, depois de milhares de atendimentos feitos por seus guias e também
por diversas confirmações dos consulentes de que a vida deles melhorou após o atendimento
com seu guia.

E muitos poderão dizer que conhecem médiuns maravilhosos que nunca tiveram medo e nem
dúvidas na sua caminhada, nem mesmo no início. Já ouvi muito isso e em minhas andanças
procurei médiuns mais velhos, de reputação inquestionável, e a eles perguntei como havia sido
o começo do trabalho espiritual, e todos disseram que o início foi confuso, complicado, cheio
de medos e questionamentos.

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Na minha própria experiência, admito sem o menor constrangimento que tive muitos medos
e dúvidas. Por inúmeras vezes acreditei que o trabalho espiritual fosse um teatro ou até mesmo
um picadeiro em que eu era um dos palhaços. Fiquei muito indignado quando percebi que os
guias ajudavam a todos os consulentes, mas minha vida parecia totalmente estagnada e sem
esperança.

E é óbvio que todos estes sentimentos confusos atrapalhavam bastante a minha mediunidade
e também o trabalho dos guias. Foi aproximadamente com oito anos de trabalho espiritual que
senti meu coração se acalmar. Já permitia aos guias trabalharem sem nenhuma interrupção
minha e tinha plena fé de que por mais complexos que fossem os casos trazidos pelos
consulentes, que a espiritualidade saberia dar a melhor orientação, mesmo que eu não
entendesse ou concordasse com a providência tomada por eles.

Mas acima de tudo, esse tempo foi excepcional para o meu aprendizado. E o maior
conhecimento que adquiri foi com o trabalho dos guias, pois sou médium consciente, e esta
consciência durante os trabalhos espirituais te permite assistir e aprender com seus próprios
mestres. Daqueles casos que eu não entendia ou não concordava, logo vinham respostas de
melhoria ou de informações que o consulente havia tentado omitir; e assim foram muitos os
casos de melhora, de cura e de soluções quase impossíveis de problemas, operadas pelas
entidades manifestadas através do meu aparelho. E isso me deu tranquilidade e fortaleceu a
minha fé.

E ao mesmo tempo que sentia meu conhecimento aumentar e minha fé se solidificar, via os
caminhos da minha própria vida se abrirem. E foi assim que aprendi com Sr. Exu Tranca Ruas
das Almas, que “Deus não dá o que você quer e nem o que você precisa, Ele te dá aquilo que
você acredita”.

Hoje acredito que eu, junto dos meus guias e de toda a espiritualidade que me assiste, sou
capaz de resolver qualquer problema e sou mais forte que qualquer mal que bater à minha
porta. E por acreditar nisso, Olorun me concede que isso se torne verdade.

E isso só a vivência e a experiência podem nos trazer.

A experiência não te ensina tudo e nem te garante que irá conseguir resolver todos os
problemas, mas ela te confere uma postura perfeita, te ensina como se comportar diante da
adversidade.

Ninguém te julgará por não saber algo específico, mas te julgarão pela forma como você
abordou uma situação de dificuldade. Em um terreiro, após várias experiências materiais e
espirituais, você aprende como se colocar diante de um problema, por mais complexo que ele
seja. E quando um acontecimento fugir totalmente do seu conhecimento, você entregará o
problema para que seus mentores te auxiliem a resolver. Isso é a postura de um sacerdote
sábio e coerente, que acima de tudo sabe ter humildade perante o Sagrado, e que, por isso,
não lhe faltará o suporte espiritual.

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Por tudo isso exposto, expresso minha preocupação com sacerdotes muito novos ou pouco
preparados.

Sacerdotes ou sacerdotisas com pouca idade tendem a sofrer por falta de experiência e até
por preconceito das pessoas que resistem em confiar em religiosos muito novos.

Sobre a pouca idade tenho duas histórias para contar, a primeira da minha própria experiência
e a outra de sobre a trajetória de Mãe Menininha do Gantois.

Quando tinha 26 anos, assumi a administração dos negócios da família e, assim, fui representar
a empresa em uma concorrência em uma grande indústria de capital americano. Ao fim da
disputa, nossa proposta era a mais convincente e a mais barata, porém não fomos os
escolhidos para a realização do trabalho.

Procurei o responsável e pedi explicações do porquê daquilo. E ele respondeu que eu havia ne
declarado o responsável pela empresa, que ele não confiava de colocar tanto dinheiro na mão
de um rapaz tão novo, por medo de que eu não tivesse responsabilidade suficiente para
administrar tudo aquilo. E ainda complementou que minha imagem transmitia confiança, mas
que minha idade não colaborava comigo.

Estou contando um caso que não aconteceu no meio religioso, mas demonstra bem como as
pessoas pensam. Neste caso a situação envolve dinheiro, mas como você acredita que as
pessoas pensam quando se trata de encaminhamento espiritual?

Outro caso é o de Mãe Menininha do Gantois, que certamente foi a Ialorixá mais famosa do
nosso país, lembrada e cantada em verso e prosa. Mãe Menininha assumiu o terreiro para o
qual foi preparada, aos 28 anos de idade em decorrência do falecimento de sua mãe-de-santo.
Como os búzios haviam confirmado que ela seria a próxima dirigente do Gantois (como manda
a tradição do Candomblé), sua preparação final foi acelerada para que pudesse assumir o
cargo.

Mas sofreu um preconceito enorme em um segmento dominado por zeladores mais velhos.
Muitos alegavam que ela não tinha experiência e nem capacidade para assumir posto de
tamanha importância. Menininha foi acusada de incapaz por muito tempo, sendo sempre
apoiada por fiéis seguidores e por sua família. Somente com o tempo e com seu trabalho é que
se afirmou como uma grande representante do Candomblé da Bahia.

Por isso minha preocupação com os mais novos. Experiência vale muito na vida sacerdotal.
Além do mais, como compreender, por exemplo, os problemas conjugais das pessoas e mesmo
os problemas familiares, quando não se viveu ainda esta experiência?

É necessário ter paciência e não meter os pés pelas mãos, e muito menos esperar que seus
guias resolvam tudo para você, não é assim que a banda toca.

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Na minha experiência digo com toda a tranquilidade que mais da metade dos problemas de
um terreiro e das pessoas que necessitam do dirigente, são resolvidos pelo próprio dirigente e
não pelos espíritos que o assistem.

A falta de preparo e de maturidade ainda traz outro problema, que o sacerdote vire refém de
pessoas oportunistas.

Em todos os momentos dentro de um terreiro, os consulentes e a assistência estão sempre


tentando convencer o sacerdote de alguma coisa. Que a casa está sofrendo demanda, que o
terreiro precisa de descarrego, que tal médium está mistificando, que fulano ou sicrano está
envolvido com isso ou aquilo, enfim toda a sorte de comentários grandes e pequenos, graves
ou não, que cabe ao sacerdote tomar uma postura e uma providência adequada a cada caso.

E na grande maioria dos casos os comentários não são verdadeiros ou não são exatamente
como foram contados. Neste momento, aquele que não estiver preparado ou maduro poderá
sucumbir, e, se cair, dificilmente se levantará.

Por isso é necessário paciência para saber o momento exato para abrir o seu terreiro.

Espero que você tenha aproveitado todas as etapas de trabalho no terreiro. Bons
trabalhadores são bons cambones, bons cambones dão bons médiuns e bons médiuns dão
bons sacerdotes. E todas as funções acumulam conhecimento e acumulam experiência.

A natureza não pula etapas, e você não deve pular etapas também.

08. O motivo certo para se tornar m sacerdote


Se eu perguntasse a vocês o motivo de cada um para abrir seu terreiro certamente receberia
muitas respostas diferentes. Entre elas estão que lhe foi revelado a missão, que não existe
Umbanda de verdade na sua localidade, que não concordava com seu sacerdote e não
encontrou outro lugar para trabalhar, entre tantos outros.

Mas qual seria o motivo correto para se abrir um terreiro?

O único e legítimo motivo para se abrir um terreiro de Umbanda é o de SERVIR. Servir seus
filhos de fé, servir a comunidade e servir a espiritualidade.

E se você está abrindo o seu espaço para fazer as coisas do jeito que você acha certo, para ser
servido por um séquito de pessoas, para ser respeitado ou para ganhar dinheiro, é melhor
desistir agora.

Não quero destruir as esperanças de ninguém, mas a função sacerdotal está muito longe de
todo este status e glamour.

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Em primeiro lugar nada acontece do jeito que queremos ou imaginamos. Normalmente é a
espiritualidade que determina como as coisas vão funcionar e cabe a nós apenas cumprir os
desígnios deles. Também você se verá forçado a abrir mão de muitas coisas e até mesmo fazer
muitas concessões para seguir adiante com seu trabalho. Às vezes contrariando até o que você
acredita.

Nós servimos e raramente somos servidos. Lembre-se de que nossa religião é a Umbanda, que
preza pela simplicidade e assim deverá ser a conduta de um bom sacerdote. Assim sendo,
existimos para servir as pessoas e não para sermos servidos por elas. Isso pode ser uma
realidade em outras religiões, mas não na Umbanda.

Se é respeito o que você procura, lembre-se que a função por si só não faz você ser respeitado.
O respeito virá com o seu trabalho, isso se você o fizer com sabedoria, entrega e direção. Assim
como o sucesso, o respeito só vem antes do trabalho no dicionário.

E se pretende ganhar dinheiro com religião recomendo expressamente que procure outra, pois
na Umbanda você não atingirá este objetivo. Além do mais, se você cobrar por pelos trabalhos
espirituais, não estará mais praticando Umbanda. Na Umbanda é mais fácil você ficar
preocupado em ter dinheiro para pagar contas, que para conseguir lucro.

Pessoas que abrem espaços de trabalho espiritual sem o sentimento e o motivo correto,
acabam criando distorções e desvirtuam a condução e a finalidade estes espaços.

Infelizmente já vi e tive conhecimento de pais e mães de santo que se sentem reis e rainhas de
seus terreiros, que levam os filhos com mão-de-ferro e exigem que seus caprichos sejam
realizados, ou que inventam trabalhos para justificar cobranças sem nenhum cabimento.

E muitas vezes esses falsos sacerdotes que se dizem de Umbanda acabam por influenciar gente
que quer fazer o certo. Quando um dirigente que faz a coisa certa se vê com problemas
financeiros, muitas vezes é lembrado que fulano de tal cobra pelos trabalhos e não passa por
este tipo de situação. Isso é a ação da espiritualidade inferior, dos kiumbas.

Outra situação que merece ser citada é o de irmãos que abrem espaços de Umbanda, mas o
fazem apenas para não ficar sem trabalhar, para se descarregar. Não existe consulência e ele
só atende às pessoas que deseja. Me desculpe irmão, mas isso não é Umbanda. Umbanda é
uma religião criada para todos aqueles que precisam, independente de gostarmos ou não
destas pessoas, a porta de um terreiro deverá estar sempre aberta para todos. É claro que
pessoas que já geraram problemas na casa poderão ser proibidas de ingressar no terreiro, mas
isso é um assunto que discutiremos quando tratarmos de Regimento interno de um terreiro.

Antes de entrar neste barco é necessário que você saiba que a vida sacerdotal envolve muito,
mas muito trabalho mesmo. Que você não poderá contar com muitas pessoas ao seu lado
durante a caminhada, que deverá saber e conhecer o sofrimento de quase todos dentro do
terreiro, mas não poderá contar para ninguém, que sofrerá preconceito e terá seu trabalho
questionado constantemente.

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O peso é grande, mas a recompensa é imensa. Mas não se trata de uma recompensa material
e sim espiritual. O sentimento de dever cumprido, de alegria no coração, de utilidade para a
espiritualidade, nos faz crescer e evoluir como espíritos que somos. E, conforme nossa
dedicação, também somos recompensados materialmente.

Posso dizer com franqueza, dá trabalho e tem dias que você está extremamente cansado, mas
tudo vale muito a pena.

Se você se sente pronto e aceita essas condições, parabéns seja bem-vindo ao caminho do
sacerdócio.

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