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Albert Einstein e a religião

Após o nazismo, Einstein repensa relação entre ciência e religião

Há 50 anos morria Albert Einstein. Este judeu alemão nascido numa família
pouco religiosa não acreditava em um Deus personalizado, mas valorizava
o pressentimento de algo além da apreensão humana e associava ética
científica a religião.
 
 

Em fevereiro de 1923, o físico Albert Einstein, já mundialmente famoso, fez uma


visita a Jerusalém. E registrou sua observação das pessoas rezando no Muro das
Lamentações: "Desci até o muro do templo, onde os obtusos patrícios ficam
rezando alto, com o rosto voltado para o muro, balançando o corpo para frente e
para trás. Imagem miserável de uma gente com passado e sem presente".

Albert Einstein aos seis anosEsta breve anotação de viagem


é característica da relação de Einstein com a religião. Por um lado, ele reclama da
obtusidade dos crentes; por outro, considera-os "patrícios". O cientista nascido em
Ulm, no extremo sul da Alemanha, em 1879, era judeu e, mais ou menos desde
1918, sionista.
Com 17 anos, no entanto, ele já tinha se excluído da comunidade religiosa judaica
e jamais voltaria a seguir qualquer confissão. Não visitava serviços religiosos e não
rezava. Mesmo assim, Einstein tinha fé. Em agosto de 1932, escreveu um breve
texto intitulado "Minha Profissão de Fé" e logo em seguida gravou-o em disco para
a Liga Alemã dos Direitos Humanos.

A linguagem de Deus é a matemática

"Fazer parte das pessoas que podem dedicar sua valiosa força de observação e
investigação a coisas objetivas e desvinculadas do tempo é uma graça especial.
Como sou feliz e grato por usufruir desta graça que nos torna independentes do
destino pessoal e do comportamento dos demais! Mas esta independência não deve
nos cegar, no entanto, a ponto de ignorarmos os deveres que continuam nos
vinculando à humanidade de antes, de agora e de depois", observa Einstein.

E prossegue: "Nossa situação no mundo parece estranha. Cada um de nós aparece


para uma breve visita, involuntariamente e sem ser convidado, sem saber por quê
e para quê. Na vida diária, só sentimos que o ser humano existe por causa dos
outros, daqueles que amamos e de inúmeros outros companheiros de destino".

Albert Einstein escreve a equação da densidade da Via Láctea na

lousa do Carnegie Institute, Mt. Wilson Observatory, Pasadena, Califórnia (14/01/1931)A origem da
religião para Einstein é o medo. Medo de fome, doença e morte. É preciso
apaziguar o Deus ou os deuses, a fim de escapar da desgraça. Em um nível mais
elevado, a fé surge de sentimentos sociais. Neste caso, religião é como uma
superestrutura moral que regula a vida da comunidade. Para Einstein, a religião
moral é a religião dos povos com tradição cultural. Mas ele ainda distingue uma
terceira forma de vivência religiosa: a religiosidade cósmica.
A religiosidade cósmica seria apenas para "indivíduos especialmente ricos e
comunidades especialmente nobres". O conceito cósmico de Deus não se prende
mais a imagens pessoais, de modo que não requer nem Igreja, nem dogmas, nem
orações. Neste caso, Deus é um princípio. Sua linguagem é a matemática. Venerá-
lo significa fazer ciência.

"Sou religioso"

"A coisa mais bela e profunda que o ser humano pode vivenciar é o sentimento do
misterioso", diz Einstein. "Ele está na base da religião e das aspirações mais
profundas da arte e da ciência. Quem nunca vivenciou isso me parece morto ou
cego. Sentir que, por trás do vivenciável, se esconde algo inacessível à nossa
mente, algo cuja beleza e sublimidade só nos alcança de forma mediada e como
um fraco reflexo: isso é religiosidade. Neste sentido, sou religioso. A mim, basta
pressentir estes mistérios com espanto e tentar apreender com a mente e com toda
humildade uma imagem pálida da estrutura sublime do ser."
Albert Einstein tocando violino numa viagem de navio, em 1931A fé
de Einstein é a fé na racionalidade da construção do mundo, a crença de que é
possível entrever seus princípios. Sendo assim, sua célebre frase "Deus não joga
dados" não se refere a um Deus personalizado que determina arbitrariamente o
destino das pessoas. É uma afirmação sobre a física, mais especificamente sobre a
relação de difusão da física quântica. Na religião de Einstein, não há lugar para
impasses ou afirmações difusas.
"Ciência sem religião é paralítica"

Se é que é possível explicar o mundo, somente através da razão. O que interessa a


Einstein é a pura ciência, a mera teoria, mas não a aplicação prática da pesquisa.
Desta forma, a questão tão fundamental do século 20 em relação à
responsabilidade do cientista não compete apenas ao pesquisador. Bombas
atômicas atingem todo mundo.

A ciência é apenas um instrumento para alcançar certos objetivos. "O que este
instrumento cria em mãos humanas depende inteiramente da natureza dos
objetivos que se mantêm vivos em meio à humanidade. Após estas metas serem
fixadas, o método científico oferece os meios para atingi-las", afirma Einstein.

Justamente pelo fato de a ciência, como uma religião sem Deus personalizado, ser
inteiramente independente de juízos de valor, suas metas devem ser impostas com
extrema responsabilidade. No início dos anos 30, Einstein ainda dissociava
rigorosamente a religião cósmica dos físicos da religião moral. Posteriormente, ele
passou a ressaltar cada vez mais sua ligação.

"Religião sem ciência é cega"

Albert Einstein numa conferência dada à Associação Americana de

Avanço da Ciência, no auditório do Carnegie Institute of Technology (28/12/1934) O que ocasionou


esta mudança de perspectiva foi a experiência da Alemanha nazista, os ataques
contra o judeu Einstein, a discriminação de sua ciência como produto do
pensamento judeu, a guerra mundial e o exílio nos Estados Unidos. Einstein passou
a reconhecer uma interdependência cada vez maior entre religião e ciência. Para
ele, a fé religiosa se tornou então uma crença na possibilidade de conhecer a
verdade e com isso o verdadeiro motor do pesquisador.
É justamente isso que está por trás da famosa afirmação de 1941: "Uma ciência
sem religião é paralítica, uma religião sem ciência é cega". Mesmo assim, Einstein
nunca acreditou em um Deus personalizado. Ele chegou até a imaginar que a
ciência haveria de abolir este conceito de Deus no futuro. Contudo, continuou
acreditando na força de a religião estimular "a bondade, a verdade e a beleza nas
pessoas".

Uma vida plena, sem Deus


 

O ser humano é uma grandeza negligenciável dentro de um universo


infinito. E não necessitamos de um Deus, afirma o filósofo Bernulf
Kanitscheider, num ensaio para a DW-WORLD.
 
O universo será finito ou infinito? A partir de quando descartamos as esferas
celestes do modelo planetário copernicano, tem-se sempre discutido a possibilidade
de um universo aberto.

Porém uma coisa é certa, desde que o matemático russo Alexander Friedmann e o
cosmólogo belga Georges Lemaître descobriram, na década de 1920, a solução
temporal para as equações gravitacionais: não existe um universo estático,
imutável.

Somos os únicos?

É altamente provável que nós, seres humanos, também estejamos vivendo num
universo aberto, com espaço infinito. E tentamos a cada dia refletir sobre o papel
que nos cabe num mundo assim.

Aqui devemos estar cientes de que – somente em nosso "volume de Hubble", ou


seja, a seção observável do universo – o número de planetas habitáveis é de dez
elevado à vigésima potência. Neles podem existir seres vivos que, da mesma
forma, se perguntam sobre sua função neste "volume" de 14 bilhões de anos-luz.

Antigüidade: compreensão do universo como meta de vida


O ser humano tentou repetidamente encontrar orientação e sentido existencial a
partir dos dados objetivos do mundo – por exemplo, na beleza do universo. O
filósofo grego Anaxágoras, da época pré-socrática, definia a missão humana como
"mirar o cosmos".

Também para Aristóteles, compreender teoricamente o cosmos era a meta da


existência, e a maior felicidade humana. Porém, no decorrer do tempo, o saber
perdeu esse papel de portador de felicidade e fornecedor de sentido.

Idade Média: fixada no Além

No Cristianismo, especialmente na visão de Agostinho, todo saber secular é tido


como vão, como expressão da fixação pagã no mundo, apenas desviando do real
sentido da doutrina, que seria conhecer Deus e a alma.

Assim o cosmos, antes centro de significado existencial, fica rebaixado à estação de


passagem temporária do homem, a caminho da bênção eterna.

O mundo finito da Idade Média era sabidamente geocêntrico, porém a Terra e suas
belezas não constituíam fonte de vida: a razão de ser do homem estava reduzida a
esperar o Além.

O ser humano: uma grandeza negligenciável?

Na medida em que o diminuto cosmos medieval foi forçado a se abrir, e o espaço


infinito voltou a penetrar o reino das idéias, o medo se espalhou. Pois, embora a
duração de uma civilização inteligente seja enorme, em relação a uma vida humana
isolada ela parece quase inexistente, diante da infinitude do universo. Deste modo,
é possível definir a condição humana nas palavas de Friedrich Nietzsche:

"Ele não esteve aqui por um tempo infinito, foi um tempo breve e ele não
permanecerá por uma infinitude. E no fim, quando ele houver desaparecido, nada
terá acontecido."

Desde Nietzsche a cosmologia se transformou enormemente – tanto do ponto de


vista qualitativo como quantitativo – porém pouco se alterou quanto à posição do
ser humano no universo. A descoberta por Alexander Friedmann dos modelos
cosmológicos em expansão onidirecional uniforme reforçou a insignificância do
homem.

Não apenas ele não habita o centro do universo, como não existem pontos centrais
nesse mundo homogêneo. A radiação cósmica de fundo (RCFM), descoberta em
1965, reflete igualmente a uniformidade quase perfeita do universo.

Para que Deus?

Diante de tais constatações – caso não se apele para as opções metafísicas sobre o
sentido da vida – estará o ser humano obrigado a cair num niilismo autodestrutivo?
Para o homem do século 21 em geral não é mais admissível o recurso a instâncias
religiosas como fonte de sentido. Pelo menos na Europa, a consciência crítica
alcançou camadas tão amplas da população que para elas está fora de cogitação
procurar a resposta na ligação com um ser espiritual extraterreno.

Neste ponto, os adeptos da posição tradicional teísta costumavam operar com o


argumento da ameaça: "Sem Deus nada faz sentido". Assim, eles queriam fixar a
imprescindibilidade de sua instância de sentido, evitando ficar acuados, tendo que
admitir que Deus seja apenas uma opção entre tantas – e talvez nem mesmo a
melhor de todas.

Justamente porque em dois mil anos de existência a teologia cristã não conseguiu
fornecer argumentos suficientes para a aceitação racional de um tal ser.

Nenhum deus em lugar nenhum

Diante de uma situação epistemológica tão desoladora, seria bem pouco inteligente
uma pessoa racional fundar o sentido de sua vida e a sua orientação existencial
sobre um ser ontologicamente tão duvidoso.

Há 2300 anos, o filósofo grego Epicuro já desaconselhava o homem a basear suas


metas existenciais em ilusões metafísicas. Sobretudo ele argumentava que – com
suas explosões de cólera e ameaças de punição em tenebrosos infernos – os
deuses haviam trazido mais infelicidade do que felicidade aos seres humanos.

Deste modo, sabiamente antecipava aquilo que, na era cristã, encontraria seu
apogeu nas visões infernais de um Dante Alighieri (A Divina Comédia).

Epicuro aconselhara o homem a desviar o olhar da vastidão espacial de seu lugar


de morada, voltando-o para a configuração de seu intervalo finito de vida. A
extensão incomensurável do universo e a significação quase nula de nossa
permanência terrena não nos devia intimidar – não, nossa atenção devia
concentrar-se no êxito da vida, o cuidado com o próximo dia. Assim, o olhar
também não se perderia nas amplitudes da perspectiva escatológica.

Nem os deuses imortais, cuja existência nenhum mortal é capaz de provar, nem a
amplitude do cosmos oferecem ao ser humano apoio, força ou orientação. Valores
fomentadores da felicidade não aparecem simplesmente em nosso caminho: é
preciso nós mesmos os definirmos. Tampouco a filosofia poderá preparar um
pacote de valores para cada um. A felicidade humana é individual.

Livre arbítrio como definição de dignidade

É possível citar alguns grupos de valores: música, artes plásticas, literatura e, é


claro, a aquisição de saber. Para um entusiasta, até mesmo o cosmos infinito – ou,
quem sabe, um conjunto de tais mundos – pode ser o objeto de uma atividade de
pesquisa que lhe preencherá a vida e trará felicidade. O engajamento social – como
meta autoimposta, não como exigência divina – também pode comunicar a uma
pessoa a consciência de que "valeu a pena" viver.
Dentre todas essas alternativas de orientação, é decisivo que o fator doador de
sentido não seja determinado por uma instância superior. Que não seja, portanto,
imposto à pessoa, sem possibilidade de discussão, mas sim que ela seja totalmente
responsável pela definição de sentido.

Se quisermos recorrer ao conceito de "dignidade", então cabe colocar a autonomia,


o livre arbítrio, no centro da dignidade humana. O homem possui dignidade
justamente pelo fato de dispor de um grau especial de liberdade cognitiva e
axiológica, que o capacitam a definir individualmente o sentido da existência.

O ser humano como senhor de si mesmo

Não há motivo para resvalar num niilismo apático em face à condição humana – a
qual, sem dúvida, é de total insignificância cosmológica. Embora o "fenômeno
homem" seja – diante das miríades de mundos – antes um fenômeno passageiro e
secundário, ainda podemos – administrando nossa finitude de modo inteligente –
alcançar uma forma de vida plena de significado.

Desnorteados, depois de ter, durante séculos, instâncias exteriores definindo este


significado, muitos não concebem a possibilidade de definir, por si mesmos, o
sentido, meta e orientação de suas vidas. As religões procuram, é claro, – por puro
interesse próprio e reafirmando o quanto são imprescindíveis – declarar a
autodeterminação como obsoleta.

Mas o ser humano livre não se deve deixar ludibriar. Começando por estabelecer,
ele próprio, uma tabela de valores para sua conduta de vida, ele já estará
praticando uma forma de definição de sentido.

Bernulf Kanitscheider é professor


de Filosofia das Ciências Naturais na Universidade de Giessen. Entre seus temas
principais constam os problemas filosóficos da teoria da relatividade e da mecânica
quântica. Kanitscheider é um dos editores da revista Philosophia naturalis: Arquivo
de Filosofia das Ciências Naturais e Campos Limítrofes Filosóficos das Ciências
Exatas e da História da Ciência.

"Buracos negros podem devorar a Terra"


 
Imagem hipotética da colisão de partículas

Entrevista exclusiva com o cientista Otto Rössler, que adverte contra


possíveis conseqüências destrutivas da atividade do LHC, o maior
acelerador de partículas já construído.
 
O professor Otto E. Rössler, nascido em 1940, é acadêmico de longa trajetória e membro do Instituto de
Química Física e Teórica da Universidade de Tübingen. Ele é um dos que advertem contra eventuais
efeitos destrutivos do LHC (Large Hadron Collider), o maior acelerador de partículas do mundo, a ser
posto em atividade nesta quarta-feira (10/09).
 
Suas advertências têm sido ignoradas ou ridicularizadas pela comunidade científica. E no entanto o que
estaria em jogo é a sobrevivência da humanidade, afirma. O cientista alemão concedeu uma entrevista
exclusiva à DW-WORLD.DE.
 
DW-WORLD.DE: Que perigos acarreta o acelerador de partículas LHC (Large Hadron Collider)?
 

Atividade de um buraco negro, em foto da NASAOtto Rössler: Pela primeira


vez se incrementará a energia por um fator de oito. É como se se aumentasse a potência de um
microscópio oito vezes mais do que jamais foi feito. Ou se acelerasse um meio de transporte a uma
velocidade oito vezes maior. Sempre podem surgir imprevistos. E, naturalmente, o mesmo ocorre neste
caso. Dever-se-ia, por exemplo, incrementar a energia lentamente, para poder prevenir o que ocorre. Ao
contrário, planeja-se incrementá-la de um golpe só, e isto é muito imprudente.
 
Há perigos que não foram excluídos e que, no entanto, não se deveria descartar antes de empreender algo
arriscado. Não seria tão difícil excluí-los convocando peritos na matéria e pedindo-lhes que refutassem os
cenários de risco postos sobre a mesa. Porém isto não foi feito. Recusando-se, o CERN [Conselho
Europeu de Pesquisa Nuclear, em Genebra] está atuando de maneira irracional, indigna da ciência, e que a
desacredita em nível mundial. Quer dizer, trata-se de uma questão exclusivamente teórica. Infelizmente,
relacionada com a sobrevivência da humanidade.
 
Fala-se, neste contexto, da "criação" de buracos negros...
 
Vemos, sim, o perigo de buracos negros. É precisamente isto o que se poderia produzir e, na realidade,
são eles um dos objetivos desse experimento.
 
Quer dizer que se poderia produzir um buraco negro que cresceria, devorando tudo a seu redor?
 
Em última instância, sim. Seria um miniburaco negro, imensamente pequeno. Há apenas algumas teorias
segundo as quais eles poderiam produzir-se, e são estas que o CERN quer comprovar. Entretanto, se esses
miniburacos negros surgirem – à razão de um por segundo, que é o que se espera – e um deles
permanecer na Terra, em vez de se "evaporar", a única coisa que poderia fazer é crescer. O CERN pensa
que se esfumarão, mas há indícios concretos de que tal poderia não acontecer. E é isto o que se deveria
esclarecer. Caso não desapareçam, devorariam a Terra a partir do interior, em algum momento, com
maior ou menor velocidade. O CERN argumenta que lentamente. Eu creio que seria rapidamente.
 

Funcionário
do CERN e o modelo do acelerador
 
Quão rápido?
 
Certa vez cheguei à cifra de 50 meses. Não se trata de uma estimativa, mas sim do pior cenário possível.
Que, apesar de tudo, não se pode descartar.
 
Como se poderia reagir, caso algo assim ocorresse?
 
Não haveria reação possível.
 
Não haveria nenhuma forma de controlar o problema?
 
Quem dera. Mas tudo indica que o buraco negro estaria a uma distância tão grande abaixo da superfície
que de início nada se perceberia. E quando se notasse sua presença, devido às radiações emitidas pela
Terra, não se poderia isolar o fenômeno nem lançá-lo, por exemplo, ao espaço, num foguete.
 
Por que o senhor crê que seus colegas reagiram com tanto repúdio a suas advertências?
 
É sempre assim. Quando a maioria crê em algo, os que afirmam o contrário só são reconhecidos muito
tempo depois. Ou nunca.

"Não podemos nos isolar do conhecimento"


 

Células-tronco: a medicina do futuro?


O que é feito da dignidade humana, na era da engenharia genética? É
possível saber "demais"? A DW-WORLD conversou com Wolfgang van den
Daele, do Conselho de Ética da Alemanha.
 
DW-WORLD: Segundo a Lei Fundamental alemã, a dignidade do ser humano é inviolável. Quem define
o que é dignidade, e como se manifesta essa inviolabilidade?
 
Wolfgang van den Daele: A dignidade do homem, como consta na Constituição, é sobretudo a defesa do
indivíduo e de sua autodeterminação perante a arbitrariedade do Estado. Entretanto, pode a dignidade
tornar-se o limite da autodeterminação? Será portanto o conceito de dignidade o limite ou a base da
liberdade? No momento, em face à possibilidade que tem a biotecnologia de modificar nossa vida e
também a natureza humana, existe a tendência de se dizer: é preciso definir objetivamente o que é
dignidade.
 
O que significa "objetivo" nesse contexto?
 
Sempre se tentou definir a dignidade humana recorrendo a valores culturais. Mas valores se transformam
historicamente. O problema é o seguinte: desejamos reconhecer uma dignidade objetiva, em
contraposição à livre decisão dos envolvidos? Isso diz respeito a questões como o consumo de drogas,
peep shows, cirurgias plásticas e outras coisas que os envolvidos concordam em fazer ou permitem que
outros façam com eles.
 
Por falar em beleza: o homem possui um direito fundamental ao acaso, ou tem o
direito de corrigir a imperfeição?
 
Todo ser humano possui, se quiser, um direito fundamental ao acaso. Mas se ele não quiser, também tem
direito à correção. Isso ninguém discute. A questão é antes esta: temos o direito de corrigir os outros? Por
exemplo, os nossos filhos?
 
... e então, temos este direito?
 
Temos. E justamente se estamos convencidos de que é no interesse do bem-estar da criança. Quando
alguém tem uma doença hereditária e não quer transmiti-la, podemos modificar as células-tronco. Não
vejo onde isso possa atentar contra a dignidade humana. Não atenta contra a minha dignidade, nem a da
criança, poupá-la da "chance" de vir ao mundo com uma severa moléstia hereditária.
 
O que acha da terapia genética, pesquisas com embriões, clonagem terapêutica?
 
No tocante à terapia genética, na minha opinião não existe qualquer motivo para deixar de interferir nos
canais hereditários com o fim de, por exemplo, corrigir uma doença hereditária. O que se pode dizer
contra isso? Quem diria, por exemplo: "Meu filho tem o direito de estar exposto à probabilidade de herdar
a doença"?! Não vejo como justificar um tal direito.
 
Na pesquisa com embriões, depende se encaramos o embrião como uma pessoa, ou se o encaramos como
algo que se pode "sacrificar" em nome dos interesses mais altos da vida humana –  por exemplo, para
desenvolver células-tronco que permitirão curar outros seres humanos.
 
Como se vê essa questão na Alemanha, em geral?
 

Protesto do Greenpeace contra patentes para organismos vivosA briga é grande.


Há quem diga: o embrião é uma pessoa com pleno direito à proteção da dignidade humana. Outros
afirmam: o embrião é apenas o estágio preliminar de um ser humano. Tipicamente cita-se sempre a
religião judaica neste contexto. Segundo ela, até 40 dias após a concepção, não há nada que conte.
Também segundo a antiga doutrina católica, dominante durante séculos, até receber a alma, o embrião
não conta em absoluto, do ponto de vista moral.
 
Eu também defendo o ponto de vista de que o embrião não é uma pessoa no sentido pleno do termo, mas
sim apenas um estágio no desenvolvimento da vida humana. Ele pode – e deve – ceder diante dos direitos
de outros à liberdade. Acho certo que grande parte da sociedade veja assim o embrião. Nem por isso o
consideramos moralmente irrelevante!
 
No tocante à pesquisa: não podemos retroceder em relação ao que sabemos. Mas
precisamos sempre saber tudo?
 
Não, não precisamos. Mas quando decidimos não saber algo, outros produzirão o conhecimento.
Conhecimento não é controlável. É claro que não precisamos fazer tudo, mas quem somos "nós"?! A
sociedade alemã? O indivíduo? O indivíduo não é obrigado a nada. Uma questão totalmente diversa: pode
a sociedade forçar o indivíduo a não fazer algo?
Wolfgang van den Daele: É preciso ter bons motivos para que se puxem os freios, enquanto sociedade.
Por exemplo: algo viola os direitos de outras pessoas. Não se pode realizar uma pesquisa em que se
torturam pessoas para alcançar conhecimento. Um outro motivo seria: as conseqüências sociais são
avassaladoras. Aqui é preciso justificar e comprovar muito bem, não basta simplesmente dizer "as
conseqüências serão avassaladoras".
 
Não podemos nos isolar do conhecimento. Tão logo a ciência encontra a possibilidade de corrigir um
determinado mal, as pessoas querem acesso a esse meio. Isso é humano. Porém duvido que, no tocante à
bioética, disponhamos de normas morais compartilhadas em todo o mundo. É verdade que há os direitos
humanos, porém não existe uma moral global que defina como se pode lidar com embriões.
 
Há um direito legal à obediência de certas normas? Ou a que a sociedade se oriente segundo
determinados valores?
 
Não, só há a Constituição. E os direitos legais com base em acordos internacionais ou leis nacionais. As
exigências morais são deduzidas a partir de princípios universais, e existem exigências morais baseadas
em valores das comunidades locais – algo assim como uma "ética local". Quer dizer, cada sociedade tem
padrões diferentes. E dentro delas também cada grupo possui um padrão diferente. Embora haja uma
legislação aplicável a todos, não existe uma ética geral.
 
Porém existem ilhas de pesquisa em regiões e círculos culturais cujas normas
diferem das da Europa Central. Estas expandem contínuamente os limites do
fáctivel...
 
Está claro que nós, na Alemanha, não podemos dizer: "Vocês são imorais, atentam contra a dignidade
humana". Só podemos dizer: "Aqui não fazemos isso". O que é interessante no tocante à pesquisa com
células-tronco. Ela praticamente não acontece aqui, mas é praticada em outros lugares. O que significa
que os resultados da pesquisa estão disponíveis. Então devemos ultilizá-los? Claro que sim! Se houver
medicamentos, nós os importaremos, se houver possibilidades de transplantes, as empregaremos.
 
E como fica o dever de informação? Afinal, é preciso dizer às pessoas sob que condições se chegou a
esses resultados.
 
... bem, não sei. Será preciso dizer? Quer dizer que as pessoas rejeitariam os resultados, se soubessem que
houve o emprego de embriões?
 
Por exemplo...
 
... não, na verdade não acredito. Mas pode ser, é claro. Até agora, pelo menos, só existe a obrigação de
indicar tudo fabricado com engenharia genética. Mas não é preciso especificar se algo, por exemplo, foi
testado com procedimentos clínicos ou experimentos em seres humanos.
Existe um consenso internacional de que isso não é interessante como informação. Agora parlamentos
nacionais poderiam certamente impor um dever de informação, mas não sei de tal coisa. Talvez haja
pessoas que desejem isso, mas no momento suas cartas não são boas. Não vejo que haja em algum lugar
uma maioria para tal, ou algum Parlamento que imponha um tal dever de informação. 
 
Wolfgang van den DaeleO professor Wolfgang van den Daele é diretor
do departamento Sociedade Civil e Redes Transnacionais, do Centro Científico de Pesquisa Social de
Berlim (WZB). Atualmente ele é membro do Conselho Ético Nacional da Alemanha.

Teologia e ciência se complementam


 

Michelangelo: A Criação

"Os cientistas têm que admitir que necessitam de uma fé, para reconhecer
relações fora do mundo observável", afirma o teólogo Hans Schwarz, num
ensaio para a DW-WORLD.
 
"Durante longo tempo a teologia acreditou, na qualidade de rainha das ciências, ter
uma reposta definitiva para todas as questões. Ela pensava ser onissapiente.
Contudo essa arrogância irritou as outras ciências. Por isso a teologia foi deposta de
seu pedestal, que as ciências naturais então ocuparam. Agora anunciavam, no
lugar da teologia, saber a resposta certa para todas as perguntas da humanidade.
Sua arrogância também foi desmacarada, e espalhou-se um ceticismo cada vez
maior quanto às pretensões das ciências naturais."

O teólogo norte-americano Langdon Gilkey, falecido em 2005, fez este relato das
relações mútuas entre teologia e ciências naturais durante um congresso reunindo
ganhadores do Prêmio Nobel e teólogos.

A ciência não sabe tudo

Em especial os cientistas que se ocupam da pesquisa de base, por exemplo na


física atômica ou na cosmologia, notam constantemente que duas novas questões
se apresentam, tão logo hajam solucionado uma. Como demonstra o progresso
científico, o que hoje parece definitivo estará superado amanhã, e relativizado por
novos conhecimentos.

Apesar disso, necessitamos das ciências naturais a cada dia, sobretudo em sua
forma aplicada, a fim de administrar nossa vida cada vez mais complexa. Estamos
constantemente circundados pelos resultados das ciências aplicadas, da luz elétrica
ao laptop, da geladeira ao automóvel. Sem eles, estaríamos mais ou menos
perdidos.

Espada de dois gumes

Para que precisamos, além disso, da teologia, ou mesmo da fé? Não basta
transformarmos em ações nossos conhecimentos fatuais, adquiridos através da
ciência?

A ambivalência dessa idéia fica logo óbvia. Basta pensarmos na invenção da


dinamite.

Por um lado ela permitiu construir gigantescos canais, como o do Panamá ou o de


Suez, empregada para tirar os recifes. Por outro, através da dinamite e outros
explosivos, as armas de guerra e terror ganharam um poder destrutivo muito
superior ao das armas de mão, até então utilizadas.

Perda da inocência

Há mais de 200 anos, o filósofo Immanuel Kant advertia que nem todos os
problemas se permitem solucionar através da experiência sensória, ou seja, do
empirismo. Ao contrário dos empíricos britânicos, dentre eles David Hume, o
filósofo alemão constatara que a razão humana e a experiência sensorial em que
ela se baseia só podem devassar o mundo dos fenômenos.

No final de contas, as questões referentes a origem e sentido, também ao sentido


de nossas ações, não podem ser respondidas a partir do mundo dos fenômenos.
Elas se enquadram no campo do numinoso ou – como o denominava Kant – da
metafísica.

Devido ao tremendo progresso das ciências aplicadas nos séculos 19 e 20, esse
consenso foi se perdendo. Passamos a adotar o princípio de que tudo o que seja
tecnicamente factível é também certo.

Mas o filósofo Karl Jaspers caracterizou com razão a crença na dominação técnica
de nosso mundo como "superstição da ciência". Desde Hiroshima e Dresden, para
não falar em Auschwitz, as ciências naturais perderam sua inocência.

Regiões limítrofes

Além disso, tanto no campo teórico como no prático, os cientistas esbarram cada
vez mais em limites que exigem uma avaliação ética, ou mesmo metafísica. Assim,
os médicos se confrontam diariamente com o impasse de como e sob que condições
a vida deve ser preservada.

No terreno da cosmologia, coloca-se para os pesquisadores mais uma vez a


questão sobre o início e o fim do universo. Se houve um big bang, então deduz-se
que o universo não será eterno, como ainda se acreditava no século 19.
Também no tocante às supostamente "cegas" leis naturais, certos cientistas falam,
para supresa de muitos teólogos, em um princípio antrópico. Este postula que as
constantes básicas da natureza haveriam sido minuciosamente orquestradas de
forma que, chegado o momento devido, o ser humano surgisse. Assim, a história
do universo parece não haver transcorrido de forma tão aleatória como muitas
vezes se quer crer.

Um outro fato, puramente prático, também nos ocupa: notamos cada vez mais
claramente que os recursos naturais não são inesgotáveis. Porém a ciência não
consegue nos responder de forma conclusiva como podemos lidar de forma
responsável com nossos recursos.

Para além do empírico

Enquanto durante longo tempo a ética foi uma questão para a filosofia ou a
teologia, desenvolve-se cada vez mais uma "ética da técnica", ou uma "ética da
medicina", assim como um intercâmcio crescente entre teólogos e cientistas, no
tocante a questionamentos metafísicos.

Quando os cientistas acatam os conselhos do teólogos, não é por que estes sempre
saibam todas as respostas com exatidão. Mas sim por que muitas questões
ultrapassam a competência dos pesquisadores, cujo procedimento se baseia nos
princípios empíricos da ciência.

Onde ambos se encontram

Teólogos e cientistas dialogam continuamente para, partindo de seus próprios


campos de competência – seja o empírico, seja o metafísico –, refletir sobre
problemas do presente e "questões últimas" e, dentro do possível, respondê-las.

Dessa maneira, o teólogo tem que estar familiarizado com os fatos científicos,
assim como o cientista com os fundamentos da fé. E como este poderia estar alheio
a tais problemas: todo cientista é também um ser humano e, como tal,
constantemente confrontado, em sua existência, com as questões da fé.

Os cientistas devem admitir que precisam de uma crença, para estarem aptos a
reconhecer as relações mais profundas, para além dos fatos puros e do mundo
observável. Do mesmo modo, teólogos necessitam do saber detalhado fatual-
científico, para que sua fé não definhe em ideologia cega.

Gostaria de concluir com uma citação do astrônomo e agnóstico norte-americano


Robert Jastrow, que escreveu em 1978, em seu livro God and the Astronomers
(Deus e os Astrônomos):

"Para o cientista que viveu dentro da crença no poder da razão, a história termina
como um sonho mau. Ele escalou a montanha de sua ignorância e está prestes a
alcançar o mais alto cume. Ao alçar-se por sobre a última rocha, é saudado por um
grupo de teólogos, que lá estavam sentados há séculos."
 

Teólogo Hans SchwarzHans Schwarz é professor de


Teologia Sistemática e Questões Teológicas Atuais, desde 1981, no Instituto de
Teologia Luterana da Universidade de Regensburg. Entre seus campos de estudo
estão a relação entre teologia e ciências naturais, e história da religião e da
filosofia.

Biologia sintética é movida pelo sonho de ser Deus


 

Seres sintéticos: prontos para o mercado em 20 anos

Os biólogos analisaram e decodificaram os seres vivos. Agora sua meta é


recompor as partes e recombiná-las. Alguns já fantasiam sobre a
possibilidade de criar vida artificial: um sonho controvertido.
 

Três importantes instituições científicas alemãs – a Sociedade Alemã de Pesquisa (DFG), a Academia
Nacional de Ciência Leopoldina, em Halle, e a Academia Alemã de Ciências Técnicas (Acatech) –
tomaram recentemente posição conjunta em relação à biologia sintética.

Trata-se de um ramo científico que "dilui as fronteiras entre o vivo e o tecnologicamente construído",
unindo biologia, química, física, matemática, engenharia, biotecnologia e informática. A biologia sintética
teria como fim a criação de novas vacinas, mas também novas fontes energéticas, explicam.

O presidente da Acatech, Reinhard Hüttl, calcula que levará cerca de 20 anos até essa técnica chegar ao
mercado. No entanto, com sua declaração conjunta, as instituições pretendem "estabelecer, desde cedo, o
diálogo com a sociedade" sobre uma tecnologia do futuro que – assim como a engenharia genética – abre
grandes chances, mas também implica riscos.

Pois a pretensão de criar vida artificial tem seus antagonistas. E tudo começou em Massachusetts, nos
Estados Unidos.

Como um jogo de Lego


DNA: truque (imitável?) da natureza

O Massachusetts Institute of Technology (MIT) é uma universidade de elite e um cadinho de cientistas.


Nele nasceu, em 2004, o conceito da "biologia sintética". O informático Tom Knight e o engenheiro Drew
Endy propuseram-se a construir seres vivos no computador, compondo organismos unicelulares a partir
de peças básicas, como numa fábrica.

Seu raciocínio central foi o seguinte: para quem pretende realmente compreender a vida, não basta apenas
decompor seres vivos; também é preciso saber remontá-los. Como num jogo de Lego, o desafio dos
bioengenheiros era criar estruturas complexas a partir de "tijolos" simples – no caso, moléculas biológicas
(biobricks).

O resultado final do processo são organismos feitos sob medida para desempenhar determinadas funções.
Uma brincadeira que vai além da tecnologia genética tradicional, a qual opera exclusivamente com a
transferência de genes de uma espécie a outra.

Feira de bricolagem biológica

Uma vez por ano, Knight e Endy convidam bioconstrutores de todo o mundo para um grande concurso de
bricolagem molecular no MIT. E então bactérias brilham em padrões coloridos ou piscam em ritmo de
polca, conectadas a uma aparelhagem de som.

Alguns desses altos artesãos começaram até a construir com microorganismos uma espécie de
computador, e ao menos já conseguiram conectar alguns comutadores biológicos entre si.

Para alguns, tudo não passa de brincadeira para bioengenheiros. Outros veem o nascimento de uma nova
biotecnologia. Pensando nos bioarquitetos do futuro, a firma BioArts, de Regensburg, já fornece peças
sob medida de ácido desoxirribonucleico (DNA), responsável pela transmissão da informação genética.

Primeiros passos

Porém alguns cientistas querem mais. O pioneiro do genoma, Craig Venter, planeja produzir, dentro de
alguns anos, vida artificial partindo de matéria morta. Seu futuro organismo sintético já tem até um nome:
Mycobacterium laboratorium.

Vírus da poliomielite sob o microscópio eletrônico


Os primeiros passos para a criação de nova vida já foram dados. Em 2002, uma equipe liderada pelo
virologista alemão Eckart Wimmer, da Universidade de Nova York, conseguiu reproduzir o material
genético do vírus da poliomielite e construir um vírus completo em laboratório.

Como explicou Wimmer, a meta era conhecer melhor o agente infeccioso. Contudo, o resultado não foi
um ser vivo artificial. Pois, apesar de compostos por material biológico, os vírus nem são capazes de se
reproduzir independentemente nem dispõem de metabolismo próprio, ambos pré-requisitos essenciais
para caracterizar um ser vivo.

Brincadeira a sério

A bactéria Mycobacterium genitalium é, sem sombra de dúvida, um tal organismo. Craig Venter já
construiu seu genoma, cerca de 100 vezes maior do que o de um vírus. Além do mais, já provou que,
enxertado numa membrana celular, o genoma sintético assume o comando.

Craig Venter: algo de 'enfant terrible'

Agora, cabe repetir esses dois procedimentos com material genético criado por seres humanos. "Isso seria
vida artificial", afirma Venter. Já o filósofo Andreas Brenner, da Universidade da Basileia, discorda. "Não
pode haver vida artificial. Só existe vida. A forma como foi criada não tem qualquer relevância."

E se inicia o debate sobre uma nova ciência. As questões em aberto ainda são numerosas. O que
aconteceria se bioterroristas criassem agentes infecciosos de doenças totalmente desconhecidas?
Organismos artificiais poderiam desencadear uma catástrofe ecológica? O ser humano tem sequer o
direito de se tornar um criador?

Pelo menos para uma pergunta Craig Venter tem uma resposta pronta. Acusado de estar brincando de
Deus, o enfant terrible da ciência avançada replicou: "Como assim, 'brincando'?"

À procura da chave científica para a religião


 

Videoinstalação 'Volto Santo'


Livro de jornalista científico examina aspectos da pesquisa sobre a fé, da
antropologia à neuroteologia. Para que ela serve? Provado está seu
aspecto genético. E que os religiosos se reproduzem mais.
 

Cavernas de Lascaux, no sudoeste da FrançaO ser humano é


religioso e as provas disto se encontram espalhadas por todo o mundo: das
pinturas rupestres em Lascaux, passando pela arte dos xamãs san nos rochedos da
África do Sul (que, apesar de muito mais recente do que as obras das cavernas
européias, apresenta motivos pictóricos semelhantes), seguindo pelo budismo e o
hinduísmo até as modernas "religiões patchwork" (cujo edifício espiritual é
composto de elementos de diferentes tendências teístas).
Toda cultura conhece formas de concepção religiosa, por mais distintas que sejam
daquilo que o Ocidente considera religião. O jornalista Ulrich Schnabel, redator de
ciência do semanário Die Zeit, defende a tese que a religião é uma predisposição
humana original. Em seu livro Die Vermessung des Glaubens (A medição da fé),
lançado recentemente, ele tenta compilar tudo o que se sabe sobre o tema, do
ponto de vista científico. Entre outras tendências, ocupa-se do ramo da
neuroteologia.

"Segundo todos os dados de que se dispõe, a crença religiosa tem acompanhado a


humanidade desde o princípio. Certos biólogos evolucionistas afirmam ser a fé a
única característica que realmente nos distingue dos animais. Pois todas as
habilidades, como linguagem, cultura e emprego de ferramentas, se encontram
também em forma rudimentar entre os animais. Apenas a fé religiosa não é
observada em nenhuma outra espécie, é exclusiva do homem."

Como no futebol

Capa do livro de Ulrich SchnabelO homem é, portanto,


religioso por natureza. Entenda-se aqui "por natureza" realmente no sentido
antropológico, e não genético. Schnabel considera total disparate o "gene de Deus",
que o biólogo molecular norte-americano Dean Hamer pretende haver descoberto
já há alguns anos. "Entretanto está provado existir uma bem definida disposição
genética geral para a fé. Simplificando bastante: quem tem pai pastor tenderá
antes a procurar um sistema religioso do que alguém em cujo lar a religião não
representa qualquer papel."
Se a fé é humana, de uma maneira ou de outra, não há realmente como se decidir
contra ou a favor; a questão é apenas como esta predisposição se expressa em
cada indivíduo. Schnabel encontra resquícios dela mesmo nos mais ferrenhos
críticos da religião, como Christopher Hitchens ou Richard Dawkins.

Para ele, a grande discussão sobre o assunto em todos os níveis, até o da "luta das
culturas", fundamenta-se justamente em crenças, ou seja, em posições pessoais,
defendidas com veemência mas sem base real em dados empíricos. "E tenho a
sensação de que esta discussão tem se realizado num nível bem baixo", recrimina o
jornalista.

Hooligans em DresdenO sentimento religioso certamente


traz sempre consigo a ameaça da mentalidade tacanha, a qual pode levar ao
fundamentalismo. Mas aqui Schnabel traça um paralelo com outro fenômeno,
bastante determinante em nossa época. "No futebol, dá-se exatamente o mesmo.
Ele é também forte amalgamador em nossa sociedade, e também aqui há o perigo
de a coisa desandar, ou dos hooligans, que abusam dessa qualidade. Creio que
forças tão poderosas, que tocam as pessoas tão fundo, jamais são apenas
positivas, mas sempre as duas coisas, e é preciso ter isso em mente."
Fé e reprodução

Peregrinos na LituâniaEm sua "Medição da fé", o jornalista


científico traça um quadro bem completo das descobertas da pesquisa teológica, e
inquire quanto à sua plausibilidade. Além disso, ele reúne respostas bastante
contraditórias sobre o efeito medicinal da fé, ou se ela é capaz de tornar os seres
humanos mais felizes.
Schnabel menciona ainda as incertas constatações da neurociência em relação à
meditação, e busca a influência da fé nos campos social e demográfico. E aqui se
registra um efeito pouco espetacular, porém mensurável, da religião: em todo o
mundo, as pessoas religiosas têm, em média, mais filhos do que as que não se
consideram religiosas.

"Cientistas não visam colocar o mundo em perigo"


 

'Large Hadron Collider' em ação

Experimento com acelerador de partículas LHC desencadeou temores que


incluem até a destruição do planeta. Nobel de Física Frank Wilczek, ao
contrário, antecipa época áurea da ciência. Entrevista exclusiva da
DW.WORLD.DE.
 
Nesta quarta-feira (10/09) foi posto em atividade com êxito o LHC (Large Hadron Collider – Grande
Colisor de Hádrons), o maior acelerador de partículas subatômicas do mundo, no centro de Conselho
Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), de Genebra. Um acontecimento científico espetacular, cercado
de enormes expectativas.
 
Além de procurar reproduzir as condições que levaram ao Big Bang, uma das razões de ser do projeto é a
pesquisa da ainda misteriosa "matéria escura". O experimento também desperta em alguns o temor de que
se criem buracos negros que eventualmente fariam desaparecer a Terra.
 
O norte-americano Frank Wilczek – Prêmio Nobel da Física, professor no Massachusetts Institute of
Technology (MIT) de Cambridge e autor de The lightness of Being –, em contrapartida, antecipa uma
época áurea para a ciência. A DW-WORLD.DE o entrevistou com exclusividade.
 
DW-WORLD.DE: Professor Wilczek, os meios de comunicação confirmam que o senhor recebeu
ameaças de morte em relação ao projeto LHC. Por que estas ameaças se dirigem especificamente ao
senhor, e não a outros cientistas?
 

Frank WilczekFrank Wilczek: Não estou seguro de ser o único. Há


temores distintos quanto aos desastres que o LHC poderia causar. Tomei parte de uma comissão que
realizou relatórios a respeito. Além do mais, sou um cientista destacado que rechaçou idéias que
despertavam uma série de fantasias na mente das pessoas, e dei muitas entrevistas sobre o mesmo tema.
Assim, de alguma maneira me transformei num símbolo para alguns e considero uma pena que as
primeiras perguntas da mídia se refiram precisamente a estas ameaças. O LHC é um projeto científico
emocionante, e me envergonha um pouco toda esta celeuma. Os verdadeiros heróis do LHC são os que o
construíram e os que realizaram os experimentos. Neles deveria centrar-se a atenção, assim como nos
avanços científicos que resultarão desse projeto.
 
Como explica o tom marcadamente emocional com que se tem recebido o projeto?
 
Em geral, o ser humano teme o desconhecido. É lógico pensar que haja perigo em algo que não somos
capazes de compreender. Ao mesmo tempo, há necessidade de saber o quanto antes sobre riscos
potenciais. Também é certo que, desde o final da Segunda Guerra Mundial, a gente associa os cientistas
com temas como a bomba atômica e a era nuclear. O que nós, físicos, fazemos é algo muito diferente,
mas as pessoas fora do campo científico não diferenciam estes detalhes. Aqui não está em jogo a
construção de nenhuma bomba.
 
Outro aspecto é que, com freqüência, as pessoas utilizam as mesmas palavras para designar coisas
diversas. Algo que causou grande temor foi a possibilidade de que se produzam buracos negros quando o
LHC começar a funcionar. Neste sentido, circulam idéias muito especulativas de que se produziriam
buracos negros mínimos.
Embora se empregue a mesma palavra, buracos negros pequenos e grandes são coisas basicamente
distintas. Os que se poderiam produzir no LHC são muito menores do que um átomo, ainda menores do
que um simples próton, e absorvem menos energia do que um grama de matéria. Ademais, são totalmente
instáveis, vibram por um lapso muito mais curto do que um segundo. Nós os chamamos "buracos negros",
porém nada têm a ver com os que seriam capazes de absorver tudo ou produzir algum tipo de catástrofe.
 
Entretanto, especialistas como o professor Otto Rössler de Tübingen alegam não estar 100% garantido
que o projeto não seja perigoso. De forma que não apenas é necessário convencer o grande público da
inocuidade do projeto, como também parte da comunidade científica. Por que não houve uma discussão
sobre o LHC entre os próprios cientistas?
 

Vista aérea do CERN, em GenebraHouve, sim. Há todo um processo muito


complexo, em que se analisam e elaboram os relatórios pertinentes. Milhares de pesquisadores – ou, no
caso do LHC, dezenas de milhares – trabalharam junto com suas famílias, e eles não perseguem o
propósito de colocar o mundo em perigo. Se existisse risco real, creia-me, estaríamos ouvindo a oposição
de milhares de cientistas, e não de um punhado de pessoas alheias ao projeto.
 
Há um consenso científico esmagador quanto à segurança do LHC, baseado na revisão de milhares de
documentos e numa discussão muito aberta entre peritos. Assim, não há conspiração nem secretismo. Eu
mesmo estive envolvido na elaboração de cenários negativos [worst case scenarios], e me parece
equivocado transmitir a impressão de que os cientistas estejam em conflito sobre este tema. Os que se
opõem são muito, muito poucos.
Como este projeto pode modificar nossa visão do mundo?
 

Diretor do projeto LHC, Lyn Evans (e) e engenheiro Carlos Robles na central de
controle do CERNEstá claro que não sabemos o que ocorrerá. Por isso realizamos esta experiência, para
saber em detalhes o que vai acontecer. Pode ser que se produzam algumas grandes surpresas. Contamos
com equações muito precisas que nos dizem como se formou a matéria, mas não fomos capazes de
desmembrá-la para conhecer sua composição exata. Supomos que parte do universo é formada por uma
espécie de vazio. Mas pela primeira vez poderemos saber que tipo de átomo forma essa matéria.
Comumente se refere a isto como "a busca das partículas Higgs", mas pode ser que não se trate de um
único tipo de partícula, e sim de toda uma combinação de fatores e elementos.
 
Em todo caso, esperamos averiguar de que é feito o espaço. De um lado, podem-se elaborar toda uma
série de equações belíssimas que combinariam todas as descrições das forças físicas da natureza,
presentes até agora em teorias separadas. Poderia resultar numa grande teoria unificada com este
"trabalho de campo". Mas para tal temos que incorporar os achados deste exercício prático e que poderá
revelar existirem novas partículas. Temos equações maravilhosas que não foram submetidas ao ensaio
prático.
 
Por último, os astrônomos constataram recentemente que grande parte da massa do universo não é
formada por matéria como a estudamos na biologia ou na química, composta de prótons, nêutrons, quarks
e todas essas coisas que já entendemos bem. É algo novo, que se chama "matéria escura" e interage de
modo muito débil com a matéria normal. Assim, grande parte do universo tem uma conformação que
ainda nos é desconhecida, e com este projeto poderíamos produzir uma quantidade suficiente de matéria
escura para estudá-la a fundo. É a conexão entre a física fundamental e a cosmologia. Entretanto, como
disse, pode-se produzir alguma surpresa.
 

Núcleo
eletromagnético do LHC
 
Explique-nos, por favor: o que sucede hoje em Genebra?
 
O que hoje toma lugar é um grande feito de engenharia. Se tudo sair bem, de início teremos prótons
circulando por todas as partes do túnel, em condições de grande – mas não definitiva – aceleração. Será
um divisor de águas, mas ainda não é o começo do experimento físico. Não haverá colisões nem se
estudarão novos fenômenos. Basicamente, trata-se de verificar se a máquina funciona direito.
 
A experiência só inicia, se tudo sair bem, no ano que vem. Quando se produzirão os primeiros resultados,
isto depende, naturalmente, do que formos descobrindo e também de quão rapidamente nós mesmos
entenderemos os aspectos técnicos do LHC. É difícil fornecer uma data precisa, mas espero que dentro de
um ano possamos saber mais sobre os tópicos que mencionei e determinar se vamos por um caminho
acertado ou se deveremos esperar mais três ou quatro anos.

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