Você está na página 1de 5

DEVORADA POR ELE

ALUNAS: INGRID SILVA BARROS


SARAH DE ALMEIDA FERREIRA

2023
DEVORADA POR ELE

A garota encarava o céu escuro e carregado, enquanto sentia as gotas se


tornarem cada vez mais grossas. Lamentou-se por não ter colocado uma capa de
chuva em meio aos vários suprimentos na sua mochila abarrotada. Safira
Tavares era espeleóloga, apaixonada por explorar cavernas, seguindo os passos
de seu pai, um espeleólogo habilidoso que infelizmente desapareceu em sua
última exploração. Nenhum resquício de Marcos Tavares foi encontrado, seu
desaparecimento era um mistério, como se ele simplesmente houvesse sumido
do mapa. A investigação do paradeiro do espeleólogo perdurou por anos, sem
nenhuma resposta. Diversas teorias foram sugeridas; teria ele sido devorado
por algum animal selvagem? Afinal, a caverna situava-se em meio à uma
floresta isolada, mas nenhum sinal foi descoberto. Ou assassinado? Tendo
assim seu corpo ocultado? Foram investigados cada centímetro quadrado
daquela floresta, e nenhum cadáver foi encontrado.
Teria simplesmente fugido sem dar notícias à mais ninguém? Não,
Safira não acreditava, não queria acreditar, àquele não era seu pai. Também
não acreditava que um profissional habilidoso como ele teria simplesmente se
perdido ou caído em alguma cavidade subterrânea, tendo em mente tamanha
agilidade e talento que o homem possuía. A polícia já não via mais uma solução
possível para o caso, e por um momento Safira se sentiu desamparada. Mas ela
não desistiria fácil, ela tinha esperanças de encontrar seu pai, e por isso
procurava incansavelmente pela caverna na qual ele desapareceu em meio
àquela floresta, enquanto já percebia os indícios de uma tempestade próxima.

A garota já se encontrava encharcada, tentando enxergar em meio àquele


temporal, o que parecia impossível. Se praguejava mentalmente por ter
escolhido um horário tão inapropriado, pois já se aproximava de meia noite.
Mas movida à esperança, curiosidade, sede de justiça e uma saudade sem
tamanho, Safira continuava firme e forte em sua busca. Se distanciando cada
vez mais da pequena cabana em que estava hospedada, ela não cogitava voltar.
Mesmo com a tempestade violenta agredindo seu corpo, e o frio fazendo seus
dentes tremerem, Safira tinha um objetivo, e ela não pretendia ir embora
daquela floresta sem alcançá-lo.

Quando de repente, como se Deus tivesse ouvido suas súplicas para que ela
encontrasse logo a caverna, a garota se deparou com aquela enorme cavidade
subterrânea. A entrada escura, ao mesmo tempo que parecia lhe convidar para
dentro, parecia lhe alertar para se afastar enquanto fosse possível. Safira
analisou a situação, nunca havia explorado aquela caverna antes, e foi ali, bem
ali, que seu pai entrou e nunca mais foi visto. Um sentimento de insegurança
tomava conta dela, enquanto cada vez mais ela tentava enxergar com nitidez o
que havia dentro da caverna, mais se sentia tentada à entrar. Sem mais
delongas, a garota adentrou a caverna.

Era espaçosa no começo, porém quanto mais ela adentrava, mais estreita ia
ficando, a lanterna vibrava em suas mãos, trêmulas pelo nervosismo e
ansiedade. Sentia as gotas caindo do teto da caverna, o que acreditava ser
provavelmente causa das diversas infiltrações devido à chuva. Safira se
aventurava cada vez mais, tentando explorar cada mínimo detalhe da caverna.
O espaço ficava escasso à cada passo dado por ela, até chegar à um momento
onde Safira foi obrigada a abandonar sua mochila no meio do caminho, já que
com ela, a garota não conseguiria se esgueirar naquele pequeno espaço. Mas
antes ela agarrou alguns poucos suprimentos, como uma corda que amarrou ao
seu corpo. Ela rastejava tentando se locomover pela caverna. O espaço era
minúsculo, qualquer claustrofóbico desmaiaria ali, e Safira sabia que só estava
conseguindo se mover por ser uma garota deveras esbelta e flexível, então se
perguntou como seu pai teria passado por ali, um homem alto e com um porte
físico consideravelmente grande. Ela pensou o quanto o homem era ardiloso.

Inundada em lembranças sobre o pai e questionamentos sem respostas, Safira


se arrastava continuamente quando se deparou com uma espécie de buraco no
meio daquela caverna. Tentando ver o que havia ali dentro, Safira tentou erguer
o corpo de modo desajeitado, já que a posição que se encontrava não era nada
favorável, o que fez com que ela acabasse derrubando sua lanterna dentro do
buraco, e então se surprendeu com a profundidade enquanto a lanterna caía. E
sua mente clareou; teria seu pai caído ali dentro? Ela não viu outra escolha a
não ser explorar o buraco. Agarrou a corda presa à seu corpo, e amarrou a
ponta dela à uma protuberância na parede daquele espaço tão pequeno, e foi
então que sentiu algo de textura pegajosa em sua mão, não se importando pois
acreditava ter encostado em algum inseto. Ela se arrastou até se enfiar de vez no
buraco, descendo com a corda amarrada à si. E parecia que não tinha fim,
parecia que ela estava descendo há horas, mas pior do que isso, ela sabia que a
corda não era longa o suficiente para aquele buraco tão profundo. E em meio à
negatividade, o pior aconteceu. A corda cedeu e Safira caiu pelo buraco. A queda
foi feia e ela logo sentiu uma dor aguda no tornozelo. Com medo de tê-lo
quebrado, a garota procurou pela sua lanterna, sentindo gotas e mais gotas
caírem sob seu corpo. Safira tinha sede, então apenas abriu a boca e deixou que
as gotas pingassem em sua língua, sentindo um gosto estranho, nada parecido
com água, que ela ignorou, já que tinha consciência de que aquilo não era água
mineral. Ela procurava desesperadamente pela sua lanterna, tentando se apoiar
nas paredes apenas para descobrir que estavam todas cobertas por aquele
material pegajoso que ela presenciou acima do buraco, e tinha um cheiro
horrendo, a deixava tonta e com vontade de vomitar. Continuou procurando
por sua lanterna, apoiando-se às paredes, sendo banhada por aquela textura
gosmenta e pelas gotas que caíam sem parar.

Ela adentrou mais e mais àquela cavidade, mais espaçosa que o ambiente que
se encontrava anteriormente, acima do buraco. Safira mergulhava naquele
lugar e algo a dizia que não havia mais saída, como uma voz sussurrando ao seu
ouvido, uma voz angustiada, desesperada, que suplicava para que ela tentasse
subir de volta e saísse imediatamente dali. Era como se houvesse alguém ali
com ela, bem ao seu encalço, tentando alertá-la. Safira foi tomada por um
sentimento lúgubre, de agonia e apreensão, ela não queria voltar, mas agora se
sentia atormentada ali dentro.
De repente, ouviu-se um barulho, uma espécie de ruído, um soar rouco vindo de
cima, no teto da cavidade. Safira não conseguiu identificar o que era, estava sem
sua lanterna e tudo se encontrava completamente escuro. Ela tentou se mover,
mas a mão esquerda, apoiada à parede ao seu lado, parecia ter sido engolida
pela gosma. Safira se desesperou, tentando livrar o braço daquela repulsa
asquerosa. Ela fez tanta força que conseguiu livrar seu braço, mas indo de
encontro ao chão, onde topou com algo familiar; sua lanterna. Safira tentou
alcançar o objeto, apenas para perceber que agora seu corpo inteiro ao chão era
tomado pela gosma, e o ruído que havia ouvido antes, tornou-se mais alto,
ensurdecedor, era como um grito de desespero, e a gosma continuava engolindo
seu corpo. Safira conseguiu alcançar sua lanterna, e quando a acendeu, foi
tomada pelo tormento, pois a cena que viu foi aterrorizante.

Haviam diversos corpos ali, no teto da caverna. Todos pareciam estar em


estado de decomposição, mas seus corpos haviam se tornado uma espécie de
gosma, e era àquela gosma que aos poucos devorava o corpo de Safira, que ao
olhar diretamente ao ponto bem acima dela, o encontrou. O rosto
completamente desfigurado, mas ainda era possível reconhecê-lo, era seu pai
ali, no teto da caverna. O corpo agora era uma gosma nojenta, e ele soltava os
ruídos apavorantes que invadiam os ouvidos de Safira e a faziam tremer, em
completo choque, espavorida. As gotas de sangue caíam por cima dela, gotas
que antes ela acreditava serem água, a garota provou o gosto de seu próprio pai
quando permitiu os pingos tocarem sua língua. Safira não conseguia se mexer,
estava atemorizada, a gosma continuava a engolí-la, tendo possuído uma boa
parte de seu corpo, agora banhado em sangue, sangue de seu pai que não parava
de gotejar. Ela via em seus olhos, ele estava com ela a partir do momento em
que ela entrou na caverna. Ele tentou avisá-la, ele sussurrou desesperadamente
em seu ouvido para que saísse dali, não podia voltar atrás. Safira foi engolida
pela gosma, devorada pelo conjunto de todos os cadáveres, pessoas que um dia
se aventuraram naquele lugar, e a última coisa que viu foi o olhar desamparado
daquele que um dia, foi seu pai.

No dia seguinte, a notícia surgiu.


Safira Tavares estava desaparecida.

Você também pode gostar