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O ser humano é paradoxo antropológico. Muitos exaltam a grandeza do
ser humano. Outros muitos lhe estigmatizam a vileza. O ser humano não se
define por conceito matemático. É sequência de contrastes. É campo de “joio e
trigo”. É sem devenir. Pode acertar e pode errar. Pode fazer-se e desfazer-se.
Mas abriga potencial para se re-fazer-se. O ser humano é acapaz de eliminar o
ódio, a perversidade, a destruição. E pode propulsar energias criadoras
inteligentes que amadureçam a consciência, redirecionam a liberdade, cultivem
o amor, promovam a justiça, efetivem a solidariedade e assumam a
responsabilidade.
O ser humano é oscilante. É paradoxo. Avança e recua, atrai e expulsa,
ergue-se e recai, edifica e pulveriza, arrisca-se e amoita-se. O ser humano não
é apenas herança. É decisão. É gênese existencial. É conquista de todos os
dias. Lidar com o ser humano é lidar com o paradoxo.
Superação dialética
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Há que manter a perspectiva da mistura, e não do dualismo. Costuma-se
separar a humanidade entre bons e maus, entre ilibados e culpados. É a falsa
dicotomia dos "dois lados". Do lado de cá, estão os bons e os puros. Do lado
de lá, estão os maus e os sujos. Esse dualismo é ingênuo e discriminatório. Os
bons olham os maus com superioridade, e os maus olham os bons com
náusea. Rigorosamente, não há banda de puros e banda de impuros. Cada ser
humano é mistura de bem e de mal, de trigo e de joio, embora a dosagem do
bem e do mal possa variar de pessoa para pessoa. Aqui vigora a dialética, e
não o dualismo.
O ser humano é protótipo de dialética. Vive a contradição entre o bem e
o mal no cerne de sua existência. O confronto dialético não existe apenas entre
o bando dos perfeitos e o bando dos malvados. Trava-se sobretudo entre o
crescer e o fenecer dentro da pessoa. Há lutas entre grupos e sistemas, mas
aqui salientamos o conflito dilacerante entre a força construtiva e a força
destrutiva na medula do existir pessoal. No ser humano há potencial
ontogenético que gera o ser, e há potencial niiligenético que espalha a
devastação do nada. Luta entre ser e não-ser.
Por não estar totalmente determinado, o homem é essencialmente
mutável. É Metá-noia, termo grego que significa "mudança" no pensar, no
sentir, no agir, no conviver. Metá-noia tem profundo sentido filosófico,
psicológico, ético e teológico. É expressão que convida o ser humano a
transformar-se para converter o mal em bem, o servilismo em libertação, o ódio
em amor, a degeneração em regeneração. Se o ser humano cultivar, dentro de
si, a ruína que esfarela a vida, o joio que envenena o trigo, o nada que incinera
o crescer, estará precipitando sua própria demolição.
O ser humano desafia a si mesmo. É potencial grandioso em luta com
potencial trágico. É dialética antropológica explosiva. Sartre dizia que o homem
"está condenado a ser livre". Acrescentaríamos que o ser humano está
condenado a superar-se. A extrair afirmação de sua negatividade, a extrair
emancipação de sua dependência, a extrair audácia de sua timidez, a extrair
clamor de seu silêncio, a extrair criatividade de sua inércia, a extrair ser de seu
nada, a extrair vida de sua agonia. O ser humano responde aos desafios, com
a superação dialética.
Contágio tanatológico
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Tânatos é tido como deus da morte. É filho de Nix, a noite. Sísifo
conseguiu algemar Tânatos. E, durante certo período, a morte cessou de
devastar a vida da humanidade. Entretanto, Zeus decidiu libertar Tânatos, que,
desalgemado, eliminou Sísifo. E, então, Tânatos voltou a espalhar as forças
mortíferas pelo mundo.
Tânatos distribui a morte "natural" provocada pela velhice, por doenças e
acidentes meteorológicos. Nessa área, Tânatos mantém-se moderado porque
os avanços científicos estão favorecendo a vida humana. Mas, em outras
áreas, Tânatos demonstra fôlego e apetite, e age com fúria. Não lhe basta
repartir o "morrer" lentamente. Tem pressa. Mata com voracidade. Tânatos
atiça chacinas e extermina multidões barbaramente. E a eficiência tanatológica
está crescendo disparadamente.
Matar tornou-se prática rotineira. Programam-se chacinas. Mata-se com
frieza, cinicamente. Executam-se existências de forma hedionda. Assassina-se
para humilhar vítimas. Esbagaçar o ser humano é festa. O código manda matar
com arrogância, para ostentar poderio, exibir valentia e arrotar impunidade.
Matadores profissionais, bandidos sofisticados e, até, detentores de cargos
públicos assassinam e esbanjam orgasmo tanatológico. Babam de prazer
mórbido. Usufruem felicidade de monstros. Amedrontam e silenciam
testemunhas. O império de Tânatos desafia a sobrevivência da humanidade.
Há o contágio tanatológico. Tânatos oferece a pedagogia do homicídio.
Propaga a mentalidade assassina e ensina a matar. Difunde-se a crença de
que matar é coisa banal, é "normal". As pessoas são contaminadas pela
ferocidade destrutiva. Introduz-se a cultura do assassinato. E não falta o culto
ao exterminador, ao ditador sanguinário.
Um fenômeno deve preocupar a quem não perdeu o sentido de
humanidade. Tânatos mata com a violência das armas. E mata também com a
violência da servidão, do desemprego, do salário insuficiente, da desnutrição,
da doença e do pânico. E pode acontecer que o contágio tanatológico consiga
encharcar os brasileiros de ódio e crueldade. E aí será uma tragédia. É
oportuno lembrar que Tânatos tem coração de ferro e entranhas de bronze. É
impiedoso. A contaminação tanatológica pode metalizar a consciência dos
brasileiros e despojá-los do senso de humanidade. Seríamos povo sem alma,
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sociedade barbarizada. A rápida propagação de práticas cruéis já constitui
sintoma alarmante.
Perante o cenário tanatológico, alguns se sentem assustados e
revoltados. Outros permanecem perplexos e entorpecidos. Hipno era o "sono"
que adormecia as pessoas. Hipno tem o poder de hipnotizar, anestesiar a
sociedade. Curioso é que Hipno era irmão gêmeo de Tânatos. A mitologia
sugere que Hipno adormece os clientes e Tânatos mata-os. A sociedade que
se mostra insensível em relação a tantos assassinatos parece sonolenta,
hipnotizada. Bernard Durei diz que "o mal muito propagado hoje é a apatia".
É hora de despertar para atalhar o surto tanatológico que ensanguenta
casas, ruas, praças, bairros e famílias. E reconhecer que o país tem problemas
graves e crônicos que exigem soluções radicais. É imprescindível descobrir e
extirpar as causas que desencadeiam o extermínio de tantos seres humanos. É
urgente ativar a paixão biofílica, que fomenta o amor à vida, para sustar a
demolição tanatológica.
Nota de rodapé
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