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A Revolta do Único

Traduzido por: Vinicius Yaunner, baseado na tradução do italiano pro inglês de Andy Carloff
Revisado por: K3ybladeWielder
I
Eu não quero impor máximas morais ao meu “próximo”, nem
ensinar nada a ninguém… Deixo essa tarefa para os missionários
de todas as religiões, os padres de todas as igrejas, os demagogos
de todas as partes, os apóstolos de todas as idéias.
Eu só quero uivar minha rebelião extrema contra tudo que me
oprime; só quero afastar de mim tudo o que o sacerdócio religioso,
socialista ou libertário quer impor à minha individualidade sem
que eu tenha aceitado e desejado livremente.
Cavando no subterrâneo de minhas profundezas, fui capaz de
penetrar no mistério do meu “eu” (emocional - espiritual - físico -
instintivo). Pude descobrir minha vontade e meu poder; pude to-
mar posse da minha “singularidade”.
Os sapos dogmáticos do societarismo e os gansos do ideal co-
axaram, mas seu coaxar serviu apenas para encher meu coração de
embriaguez e destilar venenos em minhas palavras.
A tagarelice teórica e filosófica da “sabedoria” plebéia dominante
não me comove mais, assim como as demonstrações coreográficas
de turbas famintas ou de pessoas que aplaudem novos Jesuses re-
dentores não me comovem mais…
Eu tenho uma verdade pessoal própria que não é e não pode
ser uma “verdade” universal. Sou guiado por um instinto, por um
sentimento, por um sonho, que são apenas a trilogia que compõe o
ideal único que é a minha individualidade. Individualidade que
ninguém exceto eu e meu poder pode tornar forte, livre e feliz!
Não nego a ninguém a beleza de suas idéias, a força de seus
sonhos e a verdade de seus pensamentos.
Sei que cada um pode trancar dentro de si minas preciosas
cheias de tesouros desconhecidos. Sei que onde mora um ser hu-
mano existe - ou pode haver - um mundo com todas as suas terras
e mares, suas alegrias e tristezas, seu sol e estrelas, seus amores e
ódios.
Que cada ser humano trabalhe - se assim o pensa - na desco-
berta do seu próprio eu, na realização do seu sonho, na integração
completa e no desenvolvimento pleno da sua individualidade. To-
do ser humano que se descobriu e se conquistou percorre seu pró-
prio caminho e segue seu curso livre.
Mas não deixe ninguém vir a mim para impor sua crença, sua
vontade, sua fé em mim. Ao negar deus, pátria, autoridade e lei, eu
alcancei o anarquismo. Recusando me sacrificar no altar do povo e
da humanidade, alcancei o individualismo.
Agora sou livre…
A guerra que abri contra os fantasmas terminou com a minha
vitória. Agora o ciclo de uma nova guerra se abriu!
A guerra contra a força bruta da sociedade, das pessoas, da
humanidade. Contra estes terríveis e colossais monstros que não
se envergonham de ousar agir contra a força única e brutal de seus
mil braços monstruosos, “autorizo-me” a defender-me com todas
as armas que me seja possível, ousar usar com todos aqueles mei-
os de que tenho o poder e a capacidade de utilizar. Sem escrúpu-
los!
Porque eu sou aquele que realmente segue a si mesmo!
Cultivo as flores do meu jardim e mato a sede nas minhas
próprias fontes. Se para você minhas flores são venenosas e mi-
nhas águas amargas, para mim elas enchem o coração de uma ale-
gria feroz e me dão aljavas selvagens e heróicas na carne e no es-
pírito.
Quando penso nas reivindicações de missionários e professo-
res, de moralistas e educadores tenho vontade de rir.
Você é totalmente absurdo, oh alma perdida. Você é um pobre lu-
nático que vive na moral (?). Você é um exagero; você anda por
um caminho falso e errado. Sua ‘moral’ é feroz, seu princípio é
‘cruel’! ” Então, mais ou menos, os conhecedores “sábios” da fe-
licidade universal querem falar comigo, os tolos gaguejantes do
“bem” e do “mal”, aqueles que descobriram a “verdade” e enter-
raram “mentiras”…
Agora deus está morto, dizem eles, a pátria está destruída, a auto-
ridade ruiu. Avante, em todos os lugares, jovens, pela proletária
internacional, pela alegria de conhecer a felicidade universal. E
qualquer um que não morrer por esta ‘causa sagrada’ é um feroz
‘egoísta’, uma pessoa ‘perversa’, um ‘traidor’! Parece que que-
rem dizer, ou melhor, dizem: O ser humano não conta; a ideia con-
ta; A humanidade conta!
E eu, pobre inseto microscópico, pobre célula impotente do-
ente com o “egoísmo feroz” de Stirner - para não mencionar infec-
tado pela arrogante superumania zaratustriana - sou algo menos do
que nada, uma partícula invisível que não tem uso algum exceto
como matéria-prima colocada no disposição dos grandes arquite-
tos do universo; exceto como uma besta de sacrifício para dar em
matança de fogo à deusa “humanidade”, ao deus “povo” ou ao Sol
do futuro…
II

O camarada Carlo Molaschi pensará: mas de que serve todo


esse sermão de Renzo Novatore, feito como prelúdio de um polê-
mico escrito a mim dedicado?
Eu também não sei dessas coisas?
Não são também coisas antigas da Terra e do Sol?
Mas ele acrescentará: A corrente individualista do anarquis-
mo ameaçou - e talvez ainda ameace - degenerar no absurdo (?).
Stirner, com seu evangelho de egoísmo feroz, tentou massacrar o
sentimento humano no indivíduo; e o egoísmo presunçoso do so-
bre-humano levou muitos camaradas à adoração de seu próprio
eu.
E ele continua: Mas o individualismo anarquista não deveria
(preste atenção ao “não deveria”: eu sou aquele que o enfatizou)
nem a ferocidade do Único, nem a arrogância de Zaratustra.
Ajuda mútua, solidariedade e amor são necessidades da vida!
Vamos deixar de lado por um momento o “egoísmo feroz do
Único de Stirner” que é tão cruelmente feroz a ponto de afirmar
que ele é apenas “hostil” a tudo o que é “escuro”. Vamos deixar de
lado por enquanto aquele cínico “matador do sentimento humano”
(digo libertador do sentimento humano) que disse: “Meu egoísmo
não se opõe ao amor, não é inimigo do sacrifício e da abnegação
… e nem mesmo do o socialismo, em suma, não é o inimigo dos
interesses reais, e se rebela não contra o amor, mas contra o amor
sagrado, não contra o pensamento, mas contra o pensamento sa-
grado, não contra o socialismo, mas contra o socialismo sagrado.
”[1] Mas - como eu disse - deixemos de lado por um momento es-
te terrível “matador de sentimento humano” e com ele deixemos
também de lado aquele “Zaratustra arrogante e presunçoso” ou,
para ser mais preciso, Friedrich Nietzsche; aquele cruel Friedrich
Nietzsche, que é sem dúvida o mais alto bardo da humanidade, e o
mais forte e profundo - e vamos a nós mesmos.
Portanto, aquele “não deveria” que observei anteriormente
começa a significar que o individualismo DEVE ser o que ele -
Carlo Molaschi - prega!
E quando ele diz: “Ajuda mútua, fraternidade, amor são ne-
cessidades da vida!” (ele disse uma vez - veja à revista Libertà, #
7, de 1 de novembro de 1913: “Eu desprezo a solidariedade, me
sinto um estranho para a humanidade”), eu respondo que embora
admita que elas são uma necessidade, elas não são e não pode ser
“uma realidade”! Digo isso da realidade universal e particular.
A realidade é ódio, inimizade, guerra! Carlo Molaschi respon-
derá: é preciso esmagar essa realidade; uma vez ele disse (veja a
escrita de seu citado acima): Não tenho necessidade de acreditar
ou esperar em qualquer paraíso, ou de me iludir que minha exis-
tência tem que cooperar para abrir caminho para o progresso hu-
mano; mas que Judas venha criar a outra “realidade” que é neces-
sária aqui! E ainda aceitamos isso também … mas por centenas de
séculos, os profetas anunciaram essa nova “realidade”, mártires
caíram, rebeldes morreram, heróis subiram na guilhotina, mas a
cada dia que passa, o ódio inundações mais fortes em todo o mun-
do, a mania de autoridade aumenta assustadoramente em cada co-
ração humano, as guerras se multiplicam e as “massas”, as “multi-
dões”, os “proletários” - apesar das aparências ilusórias - tornam-
se cada vez mais cansados, cada vez mais covardes , cada vez
mais covarde.
Dirá Molaschi (ver “Nós e a Missa” no número 9 do Nichilis-
mo, 24 de agosto de 1920): “Nós próprios somos filhos do povo
(que pai maravilhoso!), Sentimos o próprio sofrimento da missa”;
ele disse uma vez (ver Libertà citado acima): “Vivo entre seres hu-
manos que me parecem semelhantes; mas eu não sou como eles.
Eles são refinados ou insatisfeitos; Sou inquieto, atento às rédeas
da lei ”; e ele sofre sob o jugo de um hábito.
Mas eu respondo: o sonho dos trabalhadores não é o meu so-
nho. As saudades das pessoas não são as minhas saudades, as do-
res da massa não são as minhas!
Sinto a dor da minha profundidade e a amargura do que me é im-
possível!
Uma casca de pão preto é suficiente para satisfazer a massa,
mas meus desejos não podem ser satisfeitos!
É verdade que Carlo Molaschi banha alegremente as mãos e diz: A
União Sindicalista Italiana é fortemente influenciada pelas nossas
ideias, muitos dos seus porta-vozes são nossos camaradas, temos
um jornal diário de importância nacional lido por mais de trinta e
cinco mil pessoas … Ele disse uma vez (ver Il Ribelle edição 6, 2
de janeiro de 1915): Os anarquistas têm estado e estão muito preo-
cupados com o proselitismo. Conferências e documentos sobre
propaganda, apenas para convencer idiotas que nunca souberam
e nunca saberão como “sentir” qualquer ideal de se chamarem
anarquistas.
Mas eu ainda dou risadas com ceticismo desses novos entusi-
asmos Molaschianos, pois uma vez ele riu ceticamente quando
afirmou que “anarquistas nascem e não são feitos” e que ele não li-
gava a mínima para o “futuro”, já que ele era “livre” por ter feito
para si mesmo o “propósito de sua vida”.
Carlo Molaschi afirma (veja o comentário que fez ao texto de
Vivani “I Will Be Pure”, publicado no número 5 de Pagine Liber-
tarie): “… o ser humano é livre na medida em que vive em harmo-
nia com a natureza e com o seus gostos. ” Ele disse uma vez (ci-
tando aquele “homem de gênio” “arrogante e presunçoso” que en-
tão tinha “ideias como as dele”): “Os fracos e enfermos morrem.
Primeiro princípio do nosso amor pelo ser humano. Precisa-
mos antes ajudá-los a desaparecer. ”
Mas não posso viver em harmonia “universal” com meus
“gostos” pela simples razão de que eles não são … e não podem
ser - pelo motivo que já delineei no prelúdio desta minha obra -
meus “gostos. ”
Meus gostos são poucos no sentido relativo e nenhum no sen-
tido absoluto. Assim, com os poucos que são como eu no sentido
“relativo”, continuo de acordo contra a multidão; no sentido abso-
luto, permaneço sozinho - Único - contra eles e os outros. Eles se
tornam, por sua vez, os “fracos” e os “enfermos” para mim!
Mas agora pareço ter vagado longe o suficiente.
Então vamos parar!
Carlo Molaschi sorrirá ironicamente e dirá: Aquele belo de-
mônio Renzo Novatore colocou meus antigos artigos para escrutí-
nio para mostrar minhas contradições, mas ao fazer isso ele não
consegue fazer nada além de “mostrar” quanta ignorância ainda
guarda em sua mente . Ele ignora as leis… da evolução!
Bem, não, camarada Molaschi, não foi por pura e simples ig-
norância que fiz tudo isso. Não!
Eu fiz isso por outra razão…
Eu sei o que eu queria notar em você, você poderia - pelo me-
nos no sentido inverso - notar em mim mesmo e em todos aqueles
que não são fósseis cristalizados.
Mas fiz isso apenas para mostrar que é, no mínimo, ridículo
afirmar que o individualismo “deveria” ser de Tucker e não de
Stirner. “Deveria” ser isso e “não deveria” ser aquilo!
No que diz respeito ao conceito negador do anarquismo, ca-
minhamos juntos; quando o anarquismo se torna individualista, ca-
da individualidade segue seu próprio caminho. Sim, os seres hu-
manos evoluem!
Aos dezoito anos de idade, quando a experiência é zero e a
mente fica excitada com a leitura de livros mal compreendidos,
pode-se - às vezes - assumir a aparência ameaçadora do sobre-hu-
mano; mas depois, quando a experiência começa a analisar a vi-
da, então a pessoa evolui…
E ao evoluir, nega-se agora tudo o que se afirmou ontem!
E tudo bem.
Mas ninguém tem a “obrigação” ou o “dever” de seguir o úni-
co caminho da nossa evolução… Ou devolução!
Porque quem acompanhou a evolução de Giovanni Papini te-
ria acabado na igreja com ele; quem seguiu Libero Tancredi acaba
no intervencionismo e no fascismo; quem segue Renzo Novatore
pode um dia acabar com ele em um asilo para lunáticos - talvez
um “comunista libertário”. E alguém que seguiria Carlo Molaschi
pode acabar - como posso dizer? - como Carlo Molaschi vai aca-
bar!
E por isso, meu amigo, sou contra aquele “deveria” que você,
na minha opinião, ainda pronuncia com tanta facilidade…
Você vê? Se devo dizer alguma coisa a esses “gostos” - que
não são meus gostos - especialmente aos mais jovens - direi a eles:
Cuidado, ó jovens espíritos! Cuidado com as velhas sereias! Os
velhos têm ideias que não podem ser as dos jovens. Portanto, bus-
que novamente seus eus rejeitados. Descubra você mesmo. Não se
deixem ser violados! O velho Tolstoi é uma figura majestosa, ina-
balável e gigantesca. Mas eu teria pena de qualquer jovem que
professasse as idéias deste velho!
Antes de vir para o cristianismo, Papini passou por todas as
rebeliões. Então cansado, exausto, acabado, ele se jogou no leito
da fraqueza, da impotência, da senilidade. Ele se lançou sobre o
seio de “nossa igreja mãe”!
Descubram-se, jovens! Mergulhe em si mesmo. Em cada um
de vocês deve haver minas preciosas de tesouros desconhecidos.
Mas se ao cavar em seu eu você não encontrar nada, não procure
nada em ninguém. As joias mais reais e preciosas se transmutari-
am em pedras falsas em suas mãos. Porque “os anarquistas nas-
cem e não são feitos”, como disse uma vez o camarada Molas-
chi….
III

“A perspectiva anti-sociedade que tentou há vários anos fazer


incursões no movimento das ideias anarquistas”, diz Molaschi,
“desapareceu”.
Mas tudo isso que o camarada Carlo Molaschi afirma não é
inteiramente verdade…
É verdade que com o jornal Umanità Nova, as conferências,
os sindicatos, o obreirismo, as organizações, o anarquismo acabou
se oficializando e se tornando um partido.
É verdade que o camarada Carlo Molaschi sente uma grande
“alegria” por se encontrar de acordo com o camarada Damiani;
que está “satisfeito” por estar de acordo com Luigi Fabbri e que
“compartilha” as ideias de Malatesta.
É verdade que Carlo Molaschi quer deixar uma marca, “ori-
entando” o individualismo à sua maneira!
Mas ainda não é verdade que a corrente “anti-sociedade” do
individualismo desapareceu completamente no paraíso da anar-
quia.
Ainda há algum réprobo “selvagem”, em meio a tanta domes-
ticidade democrática paternal, que segura a bandeira “bárbara” do
individualismo anti-sociedade!
Sim, ainda há alguém…
IV

Em primeiro lugar, precisamos chegar a um acordo sobre o


que significa “anti-sociedade”.
Eu não sou um misantropo e muito menos um misógino…
Preciso de amigos e amores, roupas e pão. Não sou anacoreta nem
santo no deserto.
Mas não há necessidade de haver tal coisa para ser anti-socie-
dade. Ser anti-sociedade significa - para mim - não colaborar na
preservação da sociedade atual nem emprestar seus esforços para
qualquer nova construção social.
Já disse uma vez:
Cada sociedade que você construir terá suas franjas, e nas
franjas de cada sociedade, vagabundos heróicos e inquietos vaga-
rão, com seus pensamentos selvagens e virgens, apenas capazes
de viver preparando sempre novos e terríveis surtos de rebelião!
Eu estarei entre eles!
E se as “necessidades” materialistas me forçam a ir em dire-
ção à sociedade, a “necessidade” de ser livre me coloca contra ela
e dá origem em mim a uma terceira “necessidade”. O de fazer vio-
lência contra ele. Sem escrúpulos!
Esta é a minha perspectiva “anti-sociedade”. E se falássemos
do chamado “progresso” eu poderia até afirmar - sem medo de er-
rar - que o triunfo e a glória do caminho humano se devem apenas
ao espírito que informa este princípio anti-sociedade do individua-
lismo.
V

Carlo Molaschi que se lançou com fúria contra o sobre-huma-


no para jogá-lo no mar e contra a “associação de egoístas” de Stir-
ner para fazê-lo sofrer o mesmo fim; agora ele proclama com o
impulso de fé a “associação dos livres” de B. R. Tucker, porque -
ele diz - “Tucker em seu projeto de associação dos livres permite
que as minorias, quando não concordam com as maiorias, podem
se dividir (oh , estranho milagre! …) da associação e criar outro
próprio. ”
Mas aposto que Carlo Molaschi sabe muito melhor do que eu
o que “pode” ser - ou melhor - o que “está” escondido nisso:
“quando eles não concordam”!
Sim, Molaschi sabe!
VI

A palavra “liberdade” tomada em si mesma é uma negação:


nada - morte!
A liberdade é uma propulsão para o poder - é a força de con-
quista e a capacidade de posse.
(Tive a capacidade de me libertar daquele meu velho amor cansati-
vo; porque tinha a capacidade e o poder, tomei a liberdade de co-
lher esta nova flor).
Viver significa fazer o bem e o mal aos outros. Ninguém po-
de viver sem machucar ninguém….
Viver significa: dominar e ser dominado!
Com a compreensão do desagradável comunismo autoritário
dos socialistas, os governantes seriam um punhado de demagogos,
insetos vulgares e astutos; escravos plebeus por sua vez de um
dogma.
Ao realizar o comunismo libertário, a grande maioria seria a
Deusa governante. Mas o comunismo libertário (que é o sonho da-
queles que odeiam o conflito e a batalha - que é a juventude e a vi-
da - e para o qual eles são, no entanto, uma contradição rápida, es-
tranha e paradoxal, para fazer guerra em nome da igualdade e da
paz) teria que aceitar medidas extremas contra quem quer se mani-
festar, avançar, erguer-se para uma afirmação mais ampla da vida
individual.
O comunismo libertário seria então forçado a reprimir para se
preservar. Mas sua preservação materialista seria a negação cate-
górica do próprio espírito que o informa e exalta!
E aqui estamos nós, finalmente, na anarquia - admito que se
possa falar disso como uma realização social da vida humana jun-
tos. “Anarquia” seria, portanto, nada mais nada menos do que o
triunfo do “tipo” superior.
Desapareceu radicalmente - porque mesmo o mais humilde
de todos os seres humanos teria que ir além disso - o direito tão es-
túpido quanto vulgar à propriedade privada e tudo o que é “bem
material”. O dominador espiritual permanece - aquele que é nobre
por natureza. Ele estará acima dos outros e os dominará.
(Ninguém, creio eu, teria a falsa pretensão de nivelar valores éti-
cos, estéticos, artísticos, intelectuais e espirituais, como os valores
físicos e sexuais). Porque o nobre, mesmo na Anarquia - ou me-
lhor, na anarquia mais do que em qualquer outra forma de vida hu-
mana junto - gozará de prazer que os outros não seriam capazes de
desfrutar, mesmo que ele, por amor a eles, quisesse renunciar a
eles . A anarquia é, portanto, a autocracia natural dos nobres.
Um teste simples de que milhares de outros complicados são
iguais a ele ali. Ontem uma jovem se ofereceu - presente maravi-
lhoso - ao encantador e nobre dominador Pietro Gori.
Hoje, nos redemoinhos da miséria, se um menino atrofiado
do “papai” que a natureza condenou a comprou! Ele gozou com
dinheiro o fruto que na Anarquia jamais teria podido gozar. E não
posso mais argumentar que na anarquia um sapateiro é igual a um
gênio ou que um corcunda é igual a um Adônis.
Podemos dar aos dois o mesmo pão, mas não os mesmos pra-
zeres.
E se é verdade que a amizade e o amor dão alegria e prazer,
gostaria apenas de perguntar a qualquer anarquista se pode dar ao
seu velho porteiro semi-idiota o que, de fato, ele dá a Errico Mala-
testa no amor e na amizade.
Eu gostaria apenas de perguntar a algumas de nossas camara-
das mulheres livres e inteligentes se elas podem dar a qualquer
“camarada” desagradável, presunçosa, vaidosa, ambiciosa o que
elas concedem de bom grado a um camarada gentil, culto, amoro-
so, bom…
Repito: Anarquia - para mim - significa: Autocracia da bele-
za, do gênio, da arte e de todos aqueles que possuem as qualidades
obstinadas e seletivas adequadas para dominar e que a mãe nature-
za - justa ou injustamente - concede e esbanja generosamente em
um poucos, enquanto elas os nega a muitos, como se estes fossem
seus filhos bastardos!
E se o sobre-humano que você - oh camarada Molaschi - lan-
çou com fúria implacável nas ondas tempestuosas do mar, fosse
aquele eleito - superior - tipo a que acabei de aludir, é suficiente
que ele se levante novamente das águas mais bela e mais forte do
que antes, já que essa raça é uma raça imortal.
Todos podem ser nivelados perante a sociedade (somos todos
iguais perante Deus!…), mas os valores seletivos individuais per-
manecem. Eles permanecem e dominam!
E por essas e mil outras razões, em minhas relações com a so-
ciedade atual, me declaro “unido” ao Único de Stirner, e em mi-
nhas relações póstumas com a futura sociedade do distante devir,
sinto-me atraído pelo Anticristo e Zaratustra transformado e purifi-
cado ao sol do meu pensamento.
Claro, não sou Max Stirner, nem Friedrich Nietzsche. Em vez
disso, no meio do caminho, entre mim e eles, pode haver uma pro-
fundidade terrível cavada poderosamente pelo místico
Tolstói, ou os picos altos e terríveis iluminados pelo espírito vo-
luptuosamente atormentado de Ibsen, pois também poderia haver a
conflagração da mente selvagem pura e perversa!
VII

Caro Molaschi, estou no fim. A polêmica com você acabou.


Como você viu, mais do que polêmica, é uma confissão e
uma declaração.
Eu acredito que você me entendeu.
Sei que muitas vezes a forma segura minha mão e se enrosca
e se enrosca na nudez do meu pensamento, como uma linda e per-
versa mulher se enrosca no corpo viril do amante, quase conse-
guindo escondê-lo dos modestos olhos da maioria. .
Mas desta vez acredito que não tenha sido assim.
Já fiz muitas vezes, mas muitas vezes fracassei decididamen-
te… Então a escrita é dedicada a você!
E você não é um dos muitos!
Seus olhos certamente são capazes de ver até um pouco à noi-
te…
Mesmo que você não compartilhe minhas idéias, tenho certe-
za que você me entende.
E é isso que eu quero! Só isso…
Houve um tempo em que te entendi como carne da minha
carne, sentindo meu sentimento. Agora não!
E é por isso que meu amor por você se esvai nas sombras de
uma memória, mas deixa acesas as tochas da mais forte e sincera
admiração.
Podemos ter começado do mesmo riacho, mas começamos o
caminho para duas montanhas diferentes. Se ambos alcançarmos
os picos, estenderemos nossas mãos sobre o abismo, pois teremos
conquistado o destino e superar o abismo.
E então nos amaremos com um amor diferente!

Pagina Libertaria
Ano I, n.6
Milano
Setembro 15
[1] Esta é uma paráfrase desta passagem dos críticos de Stirner:
“O egoísmo, como Stirner o usa, não se opõe ao amor nem ao pen-
samento; não é inimigo da doce vida de amor, nem de devoção e
sacrifício; não é inimigo do calor íntimo, mas também não é inimi-
go da crítica, nem do socialismo, nem, em suma, de qualquer inte-
resse real. Não exclui nenhum interesse. É dirigido apenas contra
o desinteresse e o desinteressante; não contra o amor, mas contra o
amor sagrado, não contra o pensamento, mas contra o pensamento
sagrado, não contra os socialistas, mas contra os socialistas sagra-
dos, etc. ”

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