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realidade não estava fora, mas dentro, na cabeça ou no coração do poeta. A morte
dos mitos gerou o seu próprio mito: sua figura cresceu tanto que as suas próprias
obras tiveram um valor acessório e derivado, sendo mais provas de seu gênio do que
da existência do universo. O método de Mallarmé, a destruição criadora ou
transposição, mas sobretudo o surrealismo arruinaram para sempre a ideia do poeta
como um ser de exceção. O surrealismo não negou a inspiração, estado de exceção:
afirmou que é um bem comum. A poesia não exige nenhum talento especial mas uma
espécie de intrepidez espiritual, um desprendimento que é também uma
desenvoltura. Várias vezes Breton afirmou sua fé na potência criadora da linguagem,
que é superior à de qualquer engenho pessoal, por eminente que seja. Ademais o
movimento geral da literatura contemporânea, de Joyce e cummings às experiências
de Queneau e às combinações da eletrônica, tende a restabelecer a soberania da
linguagem sobre o autor.
(PAZ, Octavio. Os signos em rotação. Trad. Sebastião Uchoa Leite. São Paulo:
Perspectiva, 1996, 3a ed., p.115)
Estes pêssegos, estas nozes, esta corbelha de vime, estas uvas, este timbale, esta
garrafa com sua rolha de cortiça, este cântaro de cobre, este recipiente de madeira,
estes arengues defumados.
Não há honra alguma, mérito algum em escolher tais temas.
Nenhum esforço algum, nenhuma invenção; nenhuma prova de superioridade de
espírito. Antes uma prova de preguiça, ou de indigência.
Partindo de tão baixo, será então preciso muito mais atenção, prudência, talento,
gênio para torná-los interessantes.
A cada instante corremos o risco da mediocridade, da platitude; ou da afetação, da
preciosidade.
Mas é verdade que o modo deles de saturar nosso espaço, de saltar para frente, de
se fazerem (ou se tornarem) mais importantes que nosso olhar,
O drama (e também a festa) que constitui seu encontro,
Seu respeito, sua disposição [mise en place],
Esse é um dos maiores temas que há.
Cada pedaço de carne é uma espécie de fábrica, com moinhos e lagares de sangue.
Tubulações, altos-fornos e cubas avizinham-se com martelos-pilões, e coxins de
graxa.
Ali o vapor jorra, fervente. Fogos escuros ou claros avermelham-se.
Regatos a céu aberto carregam as escórias junto ao fel.
E tudo isso arrefece lentamente, à noite, à hora da morte.
Então, se não é a ferrugem, pelo menos outras reações químicas são produzidas,
liberando odores pestilentos.