SÃO PACIANO DE BARCELONA
EPISTOLA III.
Contra tractatus Novatianorum.
Pacianus episcopus Symproniano fratri
salutem.
I. Tractatus omnis Novatianorum
quem ad me confertis undique
propositionibus destinasti, Symproniane
frater, hoc continet: Quod post baptismum
poenitere non liceat; quod mortale
peccatum Ecclesia donare non possit, immo
quod ipsa pereat recipiendo peccantes.
Praeclarus honos, singularis auctoritas,
magna constantia; rejicere nocentes,
attactus peccantium fugere, innocentiae
suae male confidere.
II. Quis hoc vindicat, frater, Moyses,
an Paulus, an Christus? At Moyses deleri e
libro pro blasphematoribus optat (Exod.
XXXII, 32): et Paulus anathema esse pro
fratribus (Rom. IX, 3); et ipse Dominus pro
injustis pati mavult. Nullus horum, inquies.
Quis ergo? Novatianus hoc praecepit.
Immaculatus aliquis et purus, qui Novatum
non audierit, qui numquam Ecclesiam
deseruerit, qui ab episcopis episcopus factus
sit, qui jure ordinario consecratus, qui
vacantem cathedram in Ecclesia
consecutus? Quid ad te? inquies;
Novatianus hoc docuit. At vel quando,
frater, quibusve temporibus? Statim post
Domini passionem? post Decii principatum,
id est, post trecentos prope annos dominicae
passionis. Quid ergo tunc? Prophetas
secutus est ut Cataphryges, an Philomenem
aliquam, ut Apelles; an ipse tantum
auctoritatis accepit? Linguis locutus est?
Prophetavit? Suscitare mortuos potuit?
Horum enim aliquid habere debuerat, ut
evangelium novi juris induceret. Et si contra
clamet Apostolus; Licet nos, aut angelus de
coelo evangelizaverit praeterquam quod
evangelizavimus vobis, anathema sit (Gal. I,
8).
III. Novatianus sic intellexit, inquies:
sed Christus hoc docuit? Ergo a Christi
usque Decii principatum nullus intelligens?
Post Decium denique omnis episcopus
impatiens; omnes alii dissoluti qui se
miscere perditis mallent, qui perire cum
miseris, qui alieno vulnere vulnerari?
Novatiano vindice, justitia liberatur;
auctore, corrigitur quidquid erravit.
IV. Age, inquies, certemus exemplis
et ratione pugnemus. At ego huc usque
securus: ipsa Ecclesiae serie,
congregationis antiquae pace contentus:
nulla discordiae studia didici, nulla
EPISTOLA III
Contra o tratado dos Novacianos
O Bispo Paciano saúda o irmão Simproniano.
1. Todo o Tratado dos Novacianos, que me
dirigiste, sendo um amontoado de proposições dispersas,
contém o seguinte: que não é lícita a penitência depois do
baptismo; que a Igreja não pode perdoar o pecado mortal;
que, pelo contrário, é ela que perece, se receber os
pecadores. Ilustre honra, singular autoridade e grande
constância é rejeitar os que prevaricam, fugir do contacto
com os pecadores e desconfiar da sua inocência.
2. Quem apoia isto, irmão? Será Moisés, será Paulo,
será Cristo? Mas Moisés deseja ser apagado do livro para
salvar os blasfemadores (Ex. 32, 32); Paulo deseja ser
anátema para salvar os irmãos (Rom. 9, 3); e o próprio
Senhor prefere sofrer pelos injustos. Nenhum deles,
responderás tu. Então quem? Novaciano é que preceituou
isto. Acaso foi ele um homem imaculado e puro, que não
tenha dado ouvidos a Novato, que nunca tenha deixado a
Igreja, que tenha sido feito bispo por outros bispos, que
tenha sido sagrado segundo os cânones, que tenha
alcançado uma cátedra episcopal vacante? Que tens a
dizer? E tu me responderás: Novaciano ensinou isto. Mas
quando, irmão? Em que ocasião? Logo após a paixão do
Senhor? Não, foi depois do reinado de Décio, isto é, cerca
de 300 anos após a paixão do Senhor. Mas então? Será
que ele seguiu Profetas, como os Catafriges? Ou alguma
Filomena, como Apeles? Ou ele próprio é que recebeu
uma tão grande autoridade? Será que falou em línguas?
Profetizou? Conseguiu ressuscitar mortos? De facto devia
ter alguma coisa destas, para introduzir uma novidade
evangélica. Não obstante o Apóstolo proclama o
contrário: «Ainda que eu, ou um Anjo do céu vos anuncie
um evangelho diferente daquele que eu vos anunciei, seja
anátema» (Gal. 1, 8).
3. E tu dirás: ‘Novaciano entendeu-o assim’. Mas
Cristo ensinou isto? Se desde Cristo até ao reinado de
Décio não há ninguém que o ententa assim, será que só
depois de Décio é que todo o bispo se deve mostrar
intolerante e são dissolutos todos os outros que preferem
misturar-se com os pecadores, perecer com os
desgraçados, e ser feridos com as feridas alheias? Só com
a fiança de Novaciano é que a justiça se liberta; só com a
autoridade dele é que se corrige tudo o que está errado.
4. ‘Vamos lá – dir-me-ás tu –, argumentemos com
exemplos e esgrimamos com raciocínios’. Mas eu até
agora estou seguro, satisfeito com a própria linha de
pensamento da Igreja e com a paz da sua vetusta
certaminum argumenta quaesivi. Tu
postquam a reliquo corpore segregatus es et
a matre divisus; ut rationem facti tui
redderes, totos librorum recessus assiduus
scrutator inquiris: occulta quaeque
sollicitas: quidquid exinde securum est,
inquietas. Nostri nihil ultro disputavere
majores: nuda est apud nos ipsa securitas:
quid attuleris de tua parte munitum? Ego
nescio quid Novatianus egerit, quid Novatus
admiserit, quid Evaristus tumuerit, quid
Nicostratus nuntiaverit: arma vestra dum
despicio, non novi; vide si cum inermi
veritate confligis. Exspectemus tamen quid
objicias, quid loquaris. Poteratne vel nuda
veritas, innocentiave imperita subsistere?
V. Proponis, et recte quidem,
Ecclesiam esse populum ex aqua et Spiritu
sancto renovatum, sine negatione nominis
Christi, templum et domum Dei, columnam
et stabilimentum veritatis (I Tim. III, 15),
virginem sanctam castissimis sensibus,
sponsam Christi ex ossibus ejus et carne
(Ephes. V. 30), non habentem maculam
neque rugam (Ibid., 27), integra
evangeliorum jura servantem. Quis hoc
nostrum negat? Quin etiam addimus,
Ecclesiam esse reginam in veste aurata et
variegata (Psal. XLIV, 10), fecundam vitem
in lateribus domus Domini (Psal. CXXVII,
3) ; Matrem adolescentularum, quarum non
est numerus (Cant. VI, 7); Unam speciosam
columbam matris suae, atque perfectam
(Ibid., 8): Ipsam omnium matrem
aedificatam in fundamentis Prophetarum et
Apostolorum, et ipso angulari lapide Jesu
Christo (Ephes. II, 20): Domum magnam
vasorum omnium diversitate locupletatam.
Sed haec nostra posterius; interim tua illa
videamus.
VI. Ecclesia est populus ex aqua et
Spiritu sancto renatus. Age. Quis fontem
Dei clausit? Quis Spiritum rapuit? Quin
immo apud nos aqua viva est, ipsa quae
salit a Christo: tu, a fonte perpetuo
separatus, unde generaris? Spiritus quoque
sanctus a principali matre non abiit: ad te
unde pervenit? nisi forte discordantem
secutus est, tot sacerdotibus derelictis non
consecrata sede contentus, detritum lacum
adulterini fontis adamavit. Vestrae plebi
unde Spiritum; quam non consignat unctus
sacerdos? Unde aquam, quae a matrice
discessit? Unde innovationem, quae
cunabula pronubae pacis amisit?
VII. Ecclesia est populus sine
congregação. Não aprendi nenhuma matéria de discórdia,
nem busquei nenhum argumento de controvérsias. Tu,
depois que te separaste do restante corpo e te apartaste da
mãe, procuras, como empenhado investigador, todos os
recônditos dos livros, para justificares a tua separação.
Buscas coisas ocultas, para daí perturbares tudo o que está
tranquilo. Os nossos antepassados nunca tomaram a
iniciativa de disputar. A nossa própria segurança está
desarmada. Da tua parte com que armas te apresentas
munido? Eu não sei o que é que fez Novaciano, o que é
que defendeu Novato, de que é que se vangloriava
Evaristo, o que é que Nicostrato anunciou. Ao mesmo
tempo que desprezo as vossas armas, afirmo que as não
conheço. Vê lá se não vais lutar com a verdade
desarmada. Esperemos, no entanto, o que me contrapões e
o que tens a dizer. Poderá subsistir a verdade desarmada,
ou a inocência sem ciência?
5. Propões, e na verdade muito bem, que a Igreja é
um povo renascido pela água e pelo Espírito Santo, que
não renega o nome de Cristo, templo e dom de Deus,
«coluna e sustentáculo da verdade» (1Tim. 3, 15), virgem
santa com castíssimos sentidos, esposa de Cristo, formada
dos seus ossos e da sua carne (Cf. Ef. 5, 30), «sem
mancha e sem ruga» (Ef. 5, 27), íntegra guardiã das leis
dos Evangelhos. Quem de nós o nega? Pelo contrário,
ainda acrescentamos que a Igreja é a rainha revestida de
ouro e matizada de várias cores (Cf. Sl. 44, 10), «videira
fecunda plantada ao lado da casa do Senhor» (Sl. 147, 3);
Mãe de «donzelas que não se podem contar» (Cant. 6, 8);
´«única pomba formosa e perfeita da sua mãe» (Cant. 6,
9). Mãe de todos, «edificada sobre o fundamento dos
Profetas e dos Apóstolos, e sobre a própria pedra angular,
Jesus Cristo» (Ef. 2, 10). Casa grande enriquecida com a
diversidade de toda a espécie de vasos. Mas estes nomes
que nós lhe damos, deixamo-los para mais tarde. Por
agora vejamos os nomes que tu lhe dás.
6. ‘A Igreja é um povo renascido da água e do
Espírito Santo’. Vamos lá. Quem é que fechou a fonte de
Deus? Quem lhe arrebatou o Espírito? Mais ainda, se
entre nós a água, que sai de Cristo, é viva, tu, que estás
separado desta fonte perpétua, donde és gerado? Se o
Espírito Santo também nunca se afastou desta mãe
principal, como é que ele chegou até ti? A não ser que Ele
tenha ido atrás de uma discrepante e, satisfeito com tantos
bispos traidores numa cátedra não consagrada, se tenha
apaixonado por um lago poluído de uma fonte adulterina.
Como é que o Espírito é concedido ao vosso povo, se ele
não é crismado por um bispo ungido? Como é que recebe
a água, se se afastou da nascente? Como é que se
santifica, se perdeu o berço da paz madrinha.
7. ‘A Igreja é o povo que não renega o nome de
negatione nominis Christi: nulli ne apud nos
confessores, quos catenae, quos ignes, quos
gladii probaverunt? Fuere, inquies, sed
negatores recipiendo, perierunt. Taceo
neque haec quidem colligo, quod libellum
de negatoribus vel lapsis recipiendis
Novatianus vester, cum adhuc in Ecclesia
degeret, et scripsit et suasit et legit? Interim,
cui persuadere poteris, quod lapsis receptis
Ecclesia tota conciderit? Quod admissis
poenitentibus, admittentium populus
negator effectus sit? Quod si et remissior
plebs aliqua fuit, etiam caeterae quae non
factum ejus probarint, sed consuetudinem et
pacem secutae sint, Christianum ne nomen
amiserunt? Accipe Hieremiae vocem: In
diebus illis non dicent, Patres
manducaverunt uvam acerbam, et dentes
filiorum stupuerunt: sed unusquisque in suo
peccato morietur (Jerem. XXXI, 29, 30).
Nec apud Ezechielem tacet Dominus:
Quomodo anima patris, ita et anima filii,
meae sunt. Unusquisque in suo peccato
morietur (Ezech. XVIII, 4). Item infra: Filius
non accipiet facinus patris, neque pater
accipiet facinus filii: Justitia justi super eum
erit (Ibid., 20). Ipse tu illud ponis
exemplum: Et si fuerint tres hi in medio,
Noe, Job et Daniel, non liberabunt filios
neque filias: ipsi soli salvi erunt (Ezech.
XIV, 16). Ecce salvi sunt ipsi qui in medio
peccantium constituti sunt, qui alios
liberare non possunt. Tu totum orbem
paucorum vinculis alligas: tu totam
Ecclesiam exiguae portionis infirmitate
condemnas. Quid apud te sancti omnes,
quos Novatus erudit, quos Evaristus elegit,
quos Nicostratus docuit, quos Novatianus
instituit? Tu spinas et tribulos refugisti: tu
non habes in tua fruge zizania: tibi jam
grana purgata sunt: ad te sine ventilabro
purgator ille venturus est (Matth. III, 12): tu
solus ex omnibus paleas non habebis?
VIII. Age, dic reliqua: Ecclesia est
corpus Christi. Corpus utique, non
membrum: corpus multis in unum partibus
membrisque collectum, sicut ait Apostolus:
Nam et corpus non est unum membrum, sed
multa (I Cor. XII, 14). Ergo Ecclesia
plenum est corpus, et solidum, et toto jam
orbe diffusum. Sicut civitas, inquam, cujus
partes in unum; non ut vos estis Novatiani,
quaedam insolens portiuncula tuberque
collectum, et reliquo corpore separatum.
IX. Ecclesia est templum Dei:
templum certe amplificum, domus magna,
habens quidem vasa aurea et argentea, sed
et lignea et fictilia, quaedam in honorem,
multa vero magnifica in multiplices usus
variorum operum destinata (II Tim. II, 20).
Cristo’. Não é verdade que entre nós houve muitos
confessores, a quem as cadeias, o fogo e as espadas
puseram à prova? Houve – dirás tu –, mas ao receberem
os renegados, pereceram. Calo-me e não trago isto à
colacção, porque o vosso Novaciano, quando ainda estava
na Igreja, escreveu, recomendou e leu um tratado acerca
do acolhimento dos renegados e dos lapsos. No entanto, a
quem poderás tu persuadir de que toda a Igreja sucumbiu
por receber os lapsos? De que ao acolher os penitentes, o
povo que os acolheu se tornou renegado? De que, se
também houve algum povo mais indulgente, embora os
outros não aprovassem esse facto, mas ainda assim não
romperam com a disciplina e a paz, perderam o nome
Cristão? Aceita a palavra de Jeremias: «Nesses dias, não
mais se dirá: ‘Os pais comeram uvas verdes, e os dentes
dos filhos é que ficaram embotados’. Pois, cada um
morrerá por causa do seu próprio pecado» (Jer. 31, 29-
30). Também o Senhor não se cala pela voz de Ezequiel:
«Todas as vidas me pertencem; tanto a vida do pai como a
do filho, todas me pertencem. O que pecou é que
morrerá» (Ez. 18, 4). E ainda mais abaixo: «O filho não
carregará com a falta de seu pai, nem o pai com a falta de
seu filho: ao justo será imputada a justiça» (Ez. 18, 20).
Tu próprio apresentas aquele exemplo: «Se estivessem ali
no meio aqueles três homens – Noé, job e Daniel –, eles
não poderiam salvar nem os filhos nem as filhas; apenas
eles se salvariam» (Ez. 14, 16). Eis que foram salvos os
que se encontravam no meio dos pecadores, embora não
pudessem salvar os outros. Mas tu com os laços de uns
poucos queres prender o mundo inteiro. Tu condenas toda
a Igreja por causa da debilidade de uma pequena porção.
Será que para ti só são santos todos os que Novado
instruiu, Evaristo escolheu, Nicrostato ensinou e
Novaciano constituiu? Será que tu fugiste aos espinhos e
cardos? Será que não tens joio na tua sementeira? Os teus
grãos já foram limpos? Será que aquele joeirador há-de
vir para ti sem joeira (cf. Mt. 3, 12)? Acaso só tu, entre
todos, não terás palhas?
8. Vamos, diz o resto: ‘A Igreja é o corpo de
Cristo’. É realmente corpo, não membro: o corpo é o
conjunto de muitas partes e membros num só, como diz o
Apóstolo: «Com efeito o corpo não é um só membro, mas
muitos» (1Cor. 12, 14). Portanto a Igreja é um corpo
pleno, sólido e difundido por toda a terra. Tal como uma
cidade, diria eu, cujas partes formam um todo, e não como
vós, os Novacianos, que sois uma porçãozinha insólita e
um tumor formado e separado do resto do corpo.
9. ‘A Igreja é o templo de Deus’: um templo
certamente magnífico, uma casa grandiosa, que tem vasos
de ouro e de prata, mas também de madeira e de barro:
uns para usos honrosos, muitos são magníficos,
destinados a diversos usos e várias utilidades (cf. 2Tim. 2,

X. Ecclesia est virgo sancta,
castissimis sensibus, sponsa Christi. Virgo;
verum est: sed et mater. Sponsa; manifestum
est: sed et uxor et conjux de viro suo
sumpta: ideoque os de ossibus ejus, et caro
de carne (Gen. II, 23). Nam de hac David
dixit: Uxor tua sicut vitis fecunda in
lateribus domus tuae: filii tui sicut novellae
olivarum in circuitu mensae tuae (Psal.
CXXVII, 3). Multus igitur huic virgini
partus et proles innumera, qua totus
[1066B] orbis impletur, qua circumfluis
semper alvearibus populosum fervet
examen. Magna in filios cura matris istius,
et mollis affectus: honorantur boni,
castigantur superbi, curantur aegroti:
nullus perit, nemo despicitur: securi fetus
sub indulgentia matris retinentur.
XI. Ecclesia est non habens
maculam neque rugam (Ephes. V, 27): hoc
est, haereses non habens, non Valentinos,
non Cataphrygas, non Novatianos. In his
sunt enim quidam sinus maculosi atque
rugosi, pretiosarum vestium ornatibus
invidentes. Caeterum, peccator et poenitens,
non est Ecclesiae macula; quia quamdiu
peccat, et non poenitet, extra Ecclesiam
constitutus est. Ubi desinit peccare, jam
sanus est. Haereticus vero vestem Domini,
Ecclesiam Christi, scindit, intercipit, vitiat,
irrugat. Cum enim schismata, inquit, et
contentiones in vobis sint, nonne carnales
estis, et secundum hominem ambulatis (I
Cor. III, 3)? Sed et, sermo eorum quasi
cancer serpit (II Tim. II, 17): haec est
macula unitatis, haec ruga. Denique ubi
super his Apostolus loquitur: de amore
Christi et dilectione proponit. Sicut
Christus, inquit, dilexit Ecclesiam, et se
ipsum tradidit pro ea (Ephes. V, 25); ut
haereticos summoveret, quia diligere non
noverunt. Caeterum, cur haec misero
poenitenti? quia et amare optat et amari.
XII. Ecclesia est, integra
Evangeliorum jura custodiens. Integra
utique quia tota, quia plena. Ubi praemium
fidelibus datur, ubi miseris lacrymae non
negantur, ubi curantur aegroti, ubi nihil sibi
vindicat insolens sanitas et superba justitia,
ubi sollicita in omnibus charitas perseverat,
omnia credens, omnia sperans, omnia
sustinens (I Cor. XIII, 7). Unde illud
Apostoli: Quis infirmus est, et non ego
infirmor. Quis scandalizatur, et ego non
uror (II Cor. XI, 29)? Ubi onera sua sustinet
tota fraternitas communiter dolens, mutua
pietate secura. Cuncti invicem sustinentes in
dilectione, satis agentes servare unitatem
Spiritus in conjunctione pacis (Ephes. IV,
3). Hoc erit Ecclesia, Symproniane frater;
hoc erit populus ex aqua et Spiritu sancto
20).
10. ‘A Igreja é uma virgem santa com sentidos
castíssimos, noiva de Cristo’. É verdade que é virgem,
mas também é mãe. É claro que é noiva, mas também é
esposa e cônjuge tomada do seu esposo: por isso é osso
dos seus ossos e carne da sua carne (Gen. 2, 23). Com
efeito David disse acerca dela: «Tua esposa é como
videira fecunda plantada ao lado da tua casa: os teus filhos
como rebentos de oliveira ao redor da tua mesa» (Sl. 127,
3). Potanto esta virgem tem muitos filhos e uma prole
imensa, que enche a terra inteira, que como enxame
numeroso fervilha sempre à roda das colmeias. É grande o
cuidado desta mãe para com os filhos e o seu afecto é
ternurento: os bons são honrados, os soberbos são
castigados, os doentes são curados, nenhum perece,
ninguém é desprezado. Os filhos estão em segurança sob a
protecção da mãe.
11. A Igreja não tem mancha, nem ruga (Ef. 5, 27),
isto é, não tem heresias, não tem Valentinos, nem
Catafriges, nem Novacianos. Com efeito, nestes há umas
sinuosidades manchadas e rugosas, que têm inveja dos
ornamentos das vestes preciosas. De resto, o pecador e
penitente não é uma mancha da Igreja, porque, enquanto
peca e não se arrepende, está fora da Igreja. Quando deixa
de pecar, já está são. O herege, porém, rasga, esfarrapa,
suja e amarrota a veste do Senhor, a Igreja de Cristo.
«Pois, – diz o Apóstolo – quando há cismas e contendas
entre vós, não é porque sois carnais e procedeis de modo
meramente humano?» (1Cor. 3, 3). Mas «as suas palavras
proliferam como gangrena» (2Tim. 2, 17). Esta é a
mancha da unidade, é esta a ruga. Enfim, quando o
Apóstolo fala disto, refere-se ao amor e afecto de Cristo.
«Tal como Cristo – diz ele – amou a Igreja e se entregou
por ela» (Ef. 5, 25), para repelir os hereges, porque não
aprenderam o que é amar. De resto, porque é que isto tem
a ver com o pobre arrependido? É que ele deseja amar e
ser amado.
12. ‘A Igreja é íntegra guardiã das leis dos
Evangelhos’. Íntegra, porque é toda, porque o é em
plenitude. É aí que se dá a recompensa aos fiéis, é aí que
não se negam as lágrimas dos desgraçados, é aí que os
doentes são curados, é aí que nada é reivindicado para si,
nem a saúde arrogante, nem a justiça soberba, é aí que se
mantém para com todos a solícita caridade, que «tudo crê,
tudo espera, tudo desculpa» (1Cor. 13, 7). Daí aquela
palavra do Apóstolo: «Quem é fraco, sem que eu o seja
também? Quem se escandaliza, sem que eu me sinta
queimar de dor?» (2Cor. 11, 29). É aí que toda a
fraternidade, condoendo-se mutuamente, carrega os fardos
uns dos outros, fortalecida na mútua piedade. Tolerando-
se todos mutuamente no amor, «fazendo por conservar a
renatus in Christo.
XIII. Nescio, ais, an remitti
peccatum ab episcopis possit, cum dixerit
Dominus: Qui me negaverit coram
hominibus, negabo eum coram Patre meo
qui in coelis est (Matth. X, 33). Cur igitur
Novatianus tuus, ne falso quidem adhuc
episcopatu sacerdos, longe ante quam
Cornelius Romae episcopus fieret, ante
quam sacerdotio illius invideret, haec
suasit? Habes Cypriani testimonium;
Cypriani quem nec vos umquam infamare
potuistis. Nam quodam in loco, ad
Antonianum hoc modo scripsit: Additum est
etiam Novatiano tunc scribente; et quod
scripserat, sua voce recitante; et Moyse,
tunc confessore nunc jam martyre
subscribente; ut lapsis infirmis et in exitu
constitutis pax daretur: quae litterae per
totum mundum missae sunt, et in notitiam
ecclesiis omnibus perlatae sunt. Quid ais,
Symproniane frater? Novatianus haec
scripsit, et ut obsequium merae voluntatis
adjungeret, etiam scripta recitavit. Testis est
ejus dextera, testis quae scripsit, manus:
testis lingua, quae legit. Adhuc Cornelius,
pro quo omnis haec vestra erupit invidia,
episcopus non erat. Longe posterius cum
plurimis coepiscopis, cum plurimis
confessoribus, statimque martyribus, ut
idem Cyprianus scribit, assensus est senum
consilio, licere dare pacem. Si poenitentiae
negandus est aditus, Novatianus in crimine
est, qui haec scripsit, suasit et legit. Ubi
tunc impatiens rigor? ubi ferox illa
censura? Si nemo vobis Cornelium
praetulisset, maneret illa scribentis
auctoritas.
XIV. Nunc displicet tota sententia,
nunc in nos tela jaciuntur, his ipsis
subministrantibus quorum auctoritate
convaluit causa telorum. At in hanc ipsam
haeresim, Novatiani quando coeperunt?
Audite, quaeso, et totum ordinem vestri
erroris advertite. Cornelius jam Romae
episcopus a sedecim episcopis factus, locum
cathedrae vacantis acceperat, et in illa qua
fuit praeditus castimonia virginali, crebras
persecutiones irati principis sustinebat. Tum
forte quidam presbyter Novatus ex Africa,
fraudatis in Carthaginiensi ecclesia viduis,
spoliatis pupillis, pecunia ecclesiae
denegata, projecto extra domum patre, et
eodem fame mortuo nec sepulto, uxoris
gravidae utero calce percusso partuque ejus
effuso, Romam venit. Et cum apud
Carthaginem, urgentibus in ecclesia
fratribus, dies cognitionis ipsius immineret,
et hic latitavit.
unidade do Espírito, pelo vínculo da paz» (Ef. 4, 3). Será
isto a Igreja, irmão Simproniano, será isto o povo em
Cristo renascido da água e do Espírito Santo.
13. ‘Não sei – dizes tu – como podem os bispos
perdoar os pecados, tendo o Senhor dito: «Quem me negar
diante dos homens, também eu o negarei diante de meu
Pai que está nos céus» (Mt. 10, 33)’. Porque é que então o
teu Novaciano, ainda antes de ser bispo com um falso
episcopado, muito antes de Cornélio se tornar bispo de
Roma, e antes de ter inveja do sacerdócio dele, ensinou
estas coisas? Tens o testemunho de Cipriano. Do mesmo
Cipriano a quem vós nunca conseguistes denegrir. Com
efeito numa certa passagem, escreveu deste modo a
Antoniano: «Acrescentou-se também, segundo um escrito
de Novaciano, que ele tinha escrito e lido em voz alta com
sua própria voz, e que fora subscrito por Moisés, nessa
altura confessor e agora já mártir, que se desse a paz aos
lapsos enfermos em perigo de morte. Esta carta foi
enviada por todo o mundo e foi divulgada a todas as
igrejas» (Cipriano, Carta 55, V, 2). Que dizes, irmão
Simproniano? Novaciano escreveu estas coisas e, para
acrescentar o obséquio da mera vontade, também leu em
voz alta o que escreveu. É testemunha a sua mão direita,
que a escreveu; é testemunha a sua língua, que a leu.
Ainda não era bispo Cornélio, por causa de quem
explodiu toda esta vossa inveja. Pois foi muito depois que,
de acordo com muitos bispos e muitos confessores, que
logo foram mártires, como escreve o mesmo Cipriano, se
concordou no conselho dos anciãos, em ser lícito dar a
paz. Se deve ser negado o acesso à penitência, Novaciano
cometeu um crime, porque ele escreveu, recomendou e
leu isto. Como é que fica agora o rigor intolerante? Como
é que fica aquela feroz censura? Se não fosse dada
preferência a Cornélio em vez de Novaciano,
permaneceria para vós aquela autoridade desse escritor.
14. Agora desagrada-vos toda a sua afirmação,
agora lançais dardos contra nós, servindo-vos destas
mesmas coisas com cuja autoridade ganhou forças o
motivo dos vossos dardos. Mas quando começaram os
Novacianos a cair nesta heresia? Ouvi, por favor, e prestai
atenção a toda a sequência do vosso erro. Cornélio, uma
vez feito bispo de Roma por dezasseis bispos, recebera a
sede vacante e resistia às perseguições frequentes do
príncipe irritado, com aquela pureza virginal de que
estava dotado. Então chegou a Roma um certo presbítero
Novato, vindo de África, depois de ter defraudado as
viúvas na Igreja de Cartago, espoliado os órfãos,
surripiado o dinheiro da Igreja, tendo posto fora de casa o
seu pai a quem deixou morrer de fome e não deu
sepultura, tendo pontapeado no ventre a esposa grávida,
sendo abortado o seu filho. Ora, em Cartago, sendo
apertado pelos irmãos na Igreja, ao ver que estava breve o

XV. Nec multo post, Novatianum
istum episcopatu Cornelii anxium (nam sibi
speraverat) cum aliquantis, ut in tali re
solet, ex sua parte fautoribus nutantem
impellit, dubitantem fovet; ut magnum
aliquid speret, hortatur. Invenit aliquos ex
eorum numero qui tempestatem
persecutionis illius evaserunt; apud quos
hanc ipsam de lapsis receptis, Cornelio
conflaret invidiam. Dat eorum epistolas ad
Novatianum. Ille ex auctoritate epistolarum,
sedente jam Romae episcopo, adversum fas
sacerdotii singularis, alterius episcopi sibi
nomen assumit: Cornelium lapsis
communicasse arguit: se vindicat
innocentem. Contra hunc mihi reddenda
ratio est, contra hunc asserendus pudor,
contra hunc vita purganda. Sed et vos,
inquies, episcopi talia cur probatis? Dicat
hoc alius: tu Novatianum defende.
Inexcusabilis videatur haec caeteris causa,
tibi licet grata sit. Tibi innocens sit, quisquis
est pro te nocens. Ne accusaveris alium eo
crimine, quo tu non potes liberari. Age, jam
totum pudorem nos episcopi debeamus, quia
et apostolorum nomen accepimus, quia
Christi appellatione signamur.
XVI. Negantem, inquis, Dominus
negat: tu, negantem nolo fatearis. Quis eum
negantem confitetur? qui ad poenitentiam
cogit, objurgat, crimen ostendit, vulnera
aperit, supplicia aeterna commemorat,
interitu carnis emendat? Hoc castigare est,
non fateri. Ait nobis Dominus: Vos estis sal
terrae (Matth. V, 13). Recte ergo salimus
ista dicendo, nec ad nihilum valebit quisquis
audierit. Vides non proculcari a nobis
sententiam Domini, sed probari; non abjici
severitatem, sed voluntatem ejus aperiri.
XVII. Sed poenitenti, inquies,
peccata dimittis; cum tantum in baptismate
tibi liceat relaxare peccatum. Non mihi
plane, sed Deo soli, qui et in baptismate
donat admissum, et poenitentium lacrymas
non repellit. Caeterum quod ego facio, id
non meo jure, sed Domini: Dei sumus
adjutores, inquit, Dei aedificatio est (I Cor.
III, 9). Et iterum: Ego plantavi, Apollo
irrigavit, sed Deus incrementum dedit: Ergo
neque qui plantat est aliquid, neque qui
rigat; sed qui incrementum dat, Deus (Ibid.
6, 7). Quare sive baptizamus, sive ad
poenitentiam cogimus, seu veniam
poenitentibus relaxamus; Christo id auctore
dia da sua denúncia, procurou esconderijo.
15. Não muito depois, incitou esse Novaciano,
incomodado com o episcopado de Cornélio (pois esperava
que ele fosse para si), e que estava indeciso em depô-lo,
juntamente com alguns dos seus partidários, como é
costume nestes casos, e acalentou-o na sua indecisão,
exortando-o a que aspirasse a um lugar elevado.
Encontrou alguns do número daqueles que escaparam à
tempestade daquela perseguição, em quem excitou essa
mesma inveja contra Cornélio, por causa de ele receber os
lapsos. Apresenta cartas de recomendação deles em favor
de Novaciano. Então Novaciano, com a autoridade dessas
cartas, estando já a sede do Bispo de Roma ocupada,
usurpou para si o título do outro bispo, contra a lei da
singularidade do cargo episcopal. Acusou Cornélio de ter
admitido os lapsos à comunhão, enquanto ele se assume
como inocente. Perante um homem destes, preciso eu de
dar contas, afirmar a minha idoneidade, justificar a minha
vida? ‘Mas então – perguntarás tu – porque é que vós
aprovais tais actos de um bispo?’. Que outro diga isso. Tu
defende Novaciano. Que isto pareça imperdoável nos
outros, embora em ti seja lisonja. Seja para ti inocente,
todo aquele que é culpado no teu partido. Não acuses
outro do mesmo crime do qual tu não consegues libertar-
te. Ora vamos: nós, os bispos, devemos agir com toda a
idoneidade, porque também temos o nome de apóstolos e
porque nos assinamos com o nome de Cristo.
16. ‘O Senhor nega aquele que o nega’, dirás tu.
Não quero que tu aproves aquele que o nega. Quem é que
aprova aquele que nega Cristo? Será aquele que leva os
outros à penitência, que critica, que mostra onde está o
pecado, que abre a ferida, que faz menção dos suplícios
eternos, e que corrige com a mortificação da carne? Mas
isto é castigar, não é aprovar. O Senhor diz-nos: «Vós sois
o sal da terra» (Mt. 5, 13). Então nós salgamos de maneira
correcta, quando dizemos estas coisas, e todo aquele que
as ouvir, elas hão-de aproveitar-lhes de alguma coisa. Vês
assim que a afirmação do Senhor não é desprezada por
nós, mas comprovada. Vês assim que a severidade não é
afastada, mas vontade do Senhor é patenteada.
17. ‘Mas tu perdoas os pecados ao penitente – dirás
tu –, quando somente no baptismo te é permitido perdoar
o pecado’. Não é a mim que é permitido, evidentemente,
mas só a Deus, o qual também no baptismo dá o perdão e
não rejeita as lágrimas dos penitentes. De resto, aquilo
que eu faço, não o faço por minha autoridade, mas do
Senhor: «Nós somos cooperadores de Deus, e o edifício de
Deus» (1Cor. 3, 9), diz o Apóstolo. E ainda: «Eu plantei,
Apolo regou, mas foi Deus quem deu o crescimento.
Assim, nem o que planta nem o que rega é alguma coisa,
mas só Deus, que faz crescer» (1Cor. 3, 6-7). Portanto,
quer baptizemos, quer levemos os outros à penitência,
tractamus. Tibi videndum est, an Christus
hoc possit, an Christus hoc fecerit.
XVIII. Si poenitentibus remissio
peccatorum dari potuit, ais, baptisma non
fuit necessarium. Insulsissima comparatio!
Baptismus enim, sacramentum est
dominicae passionis: poenitentium venia,
meritum confitentis. Illud omnes adipisci
possunt, quia gratiae Dei donum est; id est,
gratuita donatio; labor vero iste, paucorum
est qui post casum resurgunt, qui post
vulnera convalescunt, qui lacrymosis
vocibus adjuvantur, qui carnis interitu
reviviscunt.
XIX. Frustra me posuisse asseris
illud exemplum quod Deus dixerit; Malo
poenitentiam peccatoris quam mortem
(Ezech. XXXIII, 11). Quid si adjecissem
illud Esaiae: Cum conversus ingemueris,
tunc salvaberis et scies ubi fueris (Isa. XXX,
15, sec. LXX)? Quid si id Apocalypsis:
Memento unde cecideris, et age
poenitentiam, et fac priora opera (Apoc. II,
5)? Haec, inquies, gentibus dicta sunt ante
baptismum. Audi Apostolum: Scimus autem,
quoniam quaecumque lex dicit, iis qui in
lege sunt, dicit et loquitur (Rom. III, 19).
Ergo eos qui sine lege vixerunt, poenitendi
conditio non tenebit. Qui et si poenituissent,
libera id fide fecerant, non imposito per
legem vinculo poenitendi.
XX. Ergo et vel Judaei, inquies, qui
ante baptismum poenituerunt, post
baptismum poenitere non possunt. Quis hoc
te docuit, frater Symproniane? Quis suasit,
ut qui ante poenituerit, postea poenitere non
debeat? Sed posterius hoc videbimus.
Interim, si Judaeis post baptismum
praeclusa est poenitentia, quia illam ante
persolverint; concede vel gentes quae
poenitentiae legem ante nescierint, posterius
poenitere debere. Sed et de Judaeis, nolo,
fallaris. Illi enim propterea prius
poenituerunt, quia vetus baptisma
corruperant, et quasi post fidem fide prodita
poenitebant. Audi Apostolum: Nolo enim
ignorare vos, fratres, quia patres nostri
omnes sub nube fuerunt, et omnes per mare
transierunt, et omnes in Moyse baptizati
sunt et in nube et in mari: et omnes eumdem
cibum spiritalem ederunt, et omnes eumdem
potum spiritalem biberunt. Bibebant autem
de spiritali petra sequente: Petra autem erat
Christus (I Cor. X, 1-4). Hoc ergo baptisma
violaverant, et ideo poenitebant.
quer perdoemos o pecado aos penitentes, fazemo-lo com a
autoridade de Cristo. É preciso que tu vejas se Cristo tem
poder para fazer isto, e se Cristo de facto o fez.
18. ‘Se pôde ser dada a remissão dos pecados aos
penitentes – dizes tu –, então o baptismo não foi
necessário’. Estultíssima comparação! Com efeito, o
baptismo é o sacramento da paixão do Senhor, enquanto o
perdão dos penitentes dá-se em razão dos méritos de
quem os confessa. Todos podem receber o baptismo,
porque é um dom da graça de Deus; isto é, um dom
gratuito. Mas o esforço da penitência é próprio dos poucos
que se levantam depois da queda, dos que se curam depois
de receber as feridas, dos que são ajudados em virtude das
suas preces lacrimosas, dos que revivem após a morte da
carne.
19. Afirmas ainda que em vão eu apresentei aquele
exemplo em que Deus disse: «Prefiro o arrependimento
do pecador à sua morte» (Ez. 33, 11). E se eu te tivesse
acrescentado aquela passagem de Isaías: «Quando, uma
vez convertido, chorares, então salvar-te-ás e saberás onde
estiveste» (Is. 30, 15, versão dos LXX)? E se eu te
apresentasse aquela do Apocalipse: «Lembra-te, pois,
donde caíste, arrepende-te e torna a proceder como ao
princípio» (Ap. 2, 5)? Mas tu poderás dizer: ‘Estas coisas
foram ditas às pessoas antes do baptismo’. Escuta o
Apóstolo: «Ora, nós sabemos que tudo o que a Lei diz, é
dito para os que estão sob a Lei» (Rom. 3, 19). Portanto, a
obrigação de fazer penitência não se aplica àqueles que
viveram sem estar sujeitos à lei. E, se estes o tivessem
feito, tinham-no feito pela sua liberdade na fé, não pela
obrigação de arrepender-se, a que a lei os vinculasse.
20. ‘Então – dirás tu – os judeus que antes do
baptismo fizeram penitência, não podem fazer penitência
depois do baptismo’. Quem é que te ensinou isso, irmão
Semproniano? Quem te convenceu de que quem antes fez
penitência, não deve depois fazê-la? Mas veremos isso
mais à frente. Entretanto, se aos judeus está vedada a
penitência depois do baptismo, porque se tinham
desembaraçado dela antes, admite ao menos que os povos,
que não conheceram a lei da penitência antes, depois
devem fazer penitência. Mas também não quero que tu te
enganes a respeito dos judeus. Na verdade, se eles fizeram
penitência antes, é porque profanaram o velho baptismo e,
uma vez atraiçoada a fé, como que se arrependiam depois
de a terem atraiçoado. Escuta o Apóstolo: «Não quero que
ignoreis, irmãos, que os nossos pais estiveram todos
debaixo da nuvem, todos passaram através do mar e todos
foram baptizados em Moisés, na nuvem e no mar. Todos
comeram do mesmo alimento espiritual e todos beberam
da mesma bebida espiritual; pois bebiam de um rochedo
espiritual que os seguia, e esse rochedo era Cristo» (1Cor.
10,1-4). Portanto, eles violaram este baptismo e, por isso,

XXI. Videamus deinde quid dicas: Si
Deus saepius jubet hominem poenitere,
inquis, saepius peccare permittit. Quid ais?
Ergo qui saepius remedium criminis
monstrat, crimen ostendit? Et medicus ille
cum curat [1069C] assidue vulnerari docet?
Deus nec peccare vult hominem semel, et
tamen liberat a peccato. Nec utique cum
liberat, peccatum docet; sicut nec qui ab
incendio liberat, incendium monstrat; nec
qui naufragum eripit scopulis, in saxa
compellit. Aliud est de periculo liberari,
aliud ad periculum cogi. Et fortasse paterer
hoc credi, si poenitentia, deliciae
putarentur; cujus labor tantus imponitur,
cui carnis interitus imperatur, cui juges
lacrymae, cui gemitus sempiterni. Volet
ergo ille sanatus iterum se secari, rursus
exuri? Volet peccare iterum, et iterum
poenitere, cum scriptum sit: Noli adjicere
peccatum, ne quid tibi deterius contingat
(Joan. V, 14)? Et adhuc: Assidue peccanti
non misereor (Eccli. XII, 3).
XXII. Quod si, ut ais, ad peccatum
cogitur, cui poenitentiae medicina
monstratur; quid tandem ille facturus est,
cui poenitentia ipsa praecluditur; cui
desperato remedio, totum vulnus operitur;
cui prorsus ex integro, vitae aditus
denegatur? In baptismo, inquies, semel
morimur, sicut ait Apostolus: An nescitis
quoniam quicumque baptizati estis in
Christo Jesu, in morte ejus baptizati estis?
Consepulti ergo estis ei per baptismum in
mortem, ut sicut Christus resurrexit ex
mortuis, sic et vos in novitate vitae
ambuletis (Rom. VI, 3-4). Quid mirum?
Docebat Apostolus quod essemus novi; ut
nemo peccaret: sequebatur tamen ut qui
peccaverat, poeniteret. Hic integer, ille
curatus viveret: innocens coronam,
poenitens veniam subiret: ille praemium,
iste medicinam acciperet. Denique idem
Apostolus dicit: Nam si cum adhuc
peccatores essemus, Christus pro nobis
mortuus est; multo magis justificati nunc in
sanguine ejus, salvi erimus per eum ab ira
(Rom. V, 9-10). Ab ira utique, quae
peccantibus debebatur. Quod si gentilem
populum non passus est mori; multo magis
redemptum non patietur exstingui. Nec
abjiciet, quos magno redemit; nec enim levis
illi est jactura famulorum. Non morietur
quidem amplius qui resurgit, ut scriptum est
(Rom. VI, 9). Sed ipse est advocatus apud
Patrem; sed ipse interpellat pro peccatis
nostris, haud despicabilis miserorum
patronus, parumve idoneus deprecator.
Responde, frater, an famulos Dei diabolus
se arrependiam.
21. Vejamos o que dizes depois: ‘Se Deus manda
muitas vezes o homem arrepender-se – dizes tu – é porque
permite que ele peque muitas vezes’. Que dizes? Então
quem muitas vezes mostra o remédio do pecado, está a
induzir ao pecado? Será que aquele médico, quando cura
assiduamente, está a ensinar a ferir-se? Deus não quer que
o homem peque nem sequer uma vez e todavia liberta do
pecado. E, realmente, não é quando liberta que ensina o
pecado. Tal como não estimula ao incêncio quem liberta
do incêndio. E também não está a empurrar contra as
rochas, aquele que tira o náufrago dos perigos. Uma coisa
é libertar do perigo, outra é empurrar para o perigo.
Talvez aceitasse que isso fosse assim, se se considerassem
delícas a penitência, que implica tanto esforço, que ordena
a morte da carne, lágrimas cintínuas, gemidos eternos.
Será que aquele que já está curado, quer de novo ferir-se
ou queimar-se? Quererá pecar de novo e arrepender-se
outra vez, quando está escrito: «Não peques mais, para
que não te suceda coisa ainda pior» (Jo. 5, 14)? E ainda:
«Não terei compaixão do que peca muitas vezes» (Ecles.
12, 3).
22. Se – como tu dizes – é induzido ao pecado
aquele a quem se mostra o remédio da penitência, que é
que então há-de fazer aquele a quem essa penitência é
vedada, a quem, perdida a esperança do remédio, é
escondida toda a chaga, a quem é negada de novo a
entrada na vida? No baptismo – dirás tu – morre-se uma
vez, tal como afirma o Apóstolo: «Ou ignorais que todos
nós, que fomos baptizados em Cristo Jesus, fomos
baptizados na sua morte? Pelo Baptismo fomos, pois,
sepultados com Ele na morte, para que, tal como Cristo
ressuscitou de entre os mortos, também nós caminhemos
numa vida nova» (Rom. 6, 3-4). Olha que admiração! O
Apóstolo ensinava que nós devemos ser novos, a fim de
ninguém pecar. Mas deduz-se que quem tinha pecado,
devia arrepender-se. Um viveria renovado, outro viveria
curado. O inocente mereceria a coroa, o penitente
mereceria o perdão: um receberia o prémio, o outro
receberia o remédio. Enfim, o mesmo Apóstolo diz: «Se,
de facto, quando ainda éramos pecadores é que Cristo
morreu por nós; uma vez justificados no seu sangue,
muito mais seremos salvos por Ele da ira» (Rom. 5, 6.9).
Da ira que realmente era devida aos pecadores. Ora, se o
Senhor não deixou que o povo pagão morresse, muito
menos deixará que se extinga o povo redimido. Nem
abandonará aqueles que redimiu com grande preço, pois
não lhe é indiferente a perda dos seus servos. Na verdade
«não morrerá aquele que ressuscitou» (Rom. 6, 9), como
está escrito. Mas ele é nosso advogado junto do Pai,
intercede pelos nossos pecados, é um poderoso patrono
dos desgraçados e um intercessor muito competente.
possit opprimere, an non possit Christus
absolvere?
XXIII. Petri poenitentiam dicis ante
Domini passionem fuisse? Hoc tibi nemo
proposuit. Et tamen Petrus jam baptizatus
erat: huic enim dixerat Dominus: Qui lotus
est semel, non necesse habet iterum lavari
(Joan. XIII, 10). Accepit tamen postea
remedium Christi, sed ante poenituit; et ante
sanctus est habitus, quam ad remedium
perveniret. Nec poenitentia ejus in
memoriam scriberetur, ni profuisset aliquid
poenitenti. Flevit, inquit, amarissime
(Matth. XXVI, 75). Non vis facere fidelem,
quod Petrus fecit? non vis prodesse nobis,
quod Petro profuit? Age, Thomas meus
nonne post Domini resurrectionem de
resurrectione dubitavit? Nonne perfidiae
reus notatur a Domino, cum illi clavorum
notae, cum perfossae manus, cum lateris
vulnus ostenditur, cum sic ad eum ait
Dominus: Noli esse incredulus, sed fidelis
(Joan. XX, 27)? Quid ergo? erubuit
poenitere? nonne humiliatus est? nonne
Deum et Dominum suum illico confitetur?
numquid non illum exomologesis ista
commendat?
XXIV. Jam quam argute caput illud
absolvis, quod ego posui; datam episcopis
potestatem, ut quae ligassent in terra, ligata
essent et in coelis. Dicis, hoc non ad fideles,
sed ad catechumenos pertinere; ut
baptizandis adhuc scilicet populis, solvi
liceret crimina, vel teneri. Duorum denique
Evangelistarum capitula conjungis, ut unum
esse videantur; et adjicis, quod Matthaeus
minus integre prosecutus sit, complesse
Joannem: ut quia apud Matthaeum dixerat
Dominus; Ite et docete omnes gentes,
baptizantes eas in nomine Patris, et Filii, et
Spiritus sancti (Matth. XXVIII, 19); apud
Joannem impleverit dicens: Si cujus
dimiseritis peccata, dimittentur illi; cujus
retinueritis, et tenebuntur (Joan. XX, 23): ut
hoc dimittere vel ligare ad gentes quae
baptizandae erant, pertinuisse videatur,
quia prior Evangelista de gentibus
praelocutus sit; de solvendo autem et
ligando posterior impleverit. Quid ais?
Evangelistae duo dimidiatos invicem sensus,
et semi integros retulerunt? Verba his
invicem, ratiove defuerat; aut non in
omnibus totum Spiritus sanctus implebat,
propositos perferens sensus, et ad plenum
dicta definiens? Hominis confirmatum
testamentum nemo superordinat: Dei
tabulam, tabula diversa mutabit? Quaenam
in vobis haec vincendi cupido est, ut tale
aliquid audeatis? Quid quod apud
Matthaeum ipsum ante passionem suam
dixerat Dominus: Quaecumque ligaveritis in
Responde, irmão: se o diabo pode oprimir os servos de
Deus, não poderá Cristo absolvê-los?
23. Não é verdade que tu dizes que Pedro fez
penitência antes da paixão do Senhor? Ninguém te
apresentou isto. E todavia Pedro já era baptizado, pois o
Senhor tinha-lhe dito: «Quem já foi lavado uma vez, não
precisa de lavar-se de novo» (Jo. 13, 10). No entanto
recebeu depois o remédio de Cristo, mas antes fez
penitência. E foi tido por santo, antes de tomar o remédio.
Caso contrário, nem se registaria a memória da sua
penitência, nem lhe teria aproveitado de nada tê-la feito.
«Chorou amargamente» (Mt. 26, 75), diz o Evangelho.
Não queres que o cristão faça aquilo que Pedro fez? Não
queres que nos aproveite a nós, o que aproveitou a Pedro?
Vamos lá a ver. Não é verdade que o meu Tomé duvidou
da ressurreição, depois de o Senhor ter ressuscitado? Não
é verdade que o Senhor o apontou como culpado de
incredulidade, quando lhe foram mostradas as marcas dos
cravos, as mãos perfuradas e a ferida do lado, ao dizer-
lhe: «Não sejas incrédulo, mas crente» (Jo. 20, 27)? Que
fez ele? Envergonhou-se de fazer penitênica? Não é
verdade que se humilhou? Não é verdade que o confessa
ali mesmo como seu Senhor e seu Deus? Será que não o
enaltece esta confissão dos pecados?
24. Quão argutamente interpretas aquele capítulo
que eu apresentei, em que foi dado aos bispos o poder de
ficarem ligadas no céu as coisas que eles ligassem na
terra. Dizes que isso não tem a ver com os cristãos, mas
com os catecúmenos a fim de ser permitido absolver ou
reter os pecados aos gentios que ainda haviam de ser
baptizados. Por fim juntas os capítulos de dois
Evangelistas, de modo a parecerem só um e acrescentas
que João completou aquilo que Mateus escreveu de
maneira incompleta, de tal maneira que, tendo o Senhor
dito em Mateus: «Ide e ensinai todos pos povos (gentios),
baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo (Mt. 28, 19), em João completou, dizendo: «Se
perdoardes os pecados de alguém, ser-lhe-ão perdoados;
se retiverdes os pecados de alguém, ser-lhe-ão retidos»
(Jo. 20, 23). De modo que parece que este perdoar e reter
tem a ver com os gentios que haviam de ser baptizados,
porque o primeiro Evangelista falou dos gentios e o
último Evagelista completou com o ligar e desligar. Mas
que dizes tu? Será que dizes que os dois Evangelistas
referiram meios sentidos entre si e incompletos? Será que
lhes faltaram mutuamente palavras ou raciocínio, ou o
Espírito Santo não inspirava tudo a todos, quando
anunciava os sentidos propostos e definia plenamente as
palavras? Se ninguém pode acrescentar nada a um
testamento feito por um homem, como é que uma
escritura diferente poderá mudar a escritura de Deus? Será
tal este vosso desejo de vencer, que vos atreveis a uma
terra, erunt ligata et in coelo et quaecumque
solveritis in terra, erunt soluta et in coelo
(Matth. XVI, 19)? Apud Matthaeum hoc
praedixerat Dominus, et nullam ibi gentium
fecerat mentionem: cur ergo illi capitulum
Joannis adjungis, ubi suum posuit, et ita
posuit ut a gentibus separaret? quod utique
si ad gentes pertinere voluisset, potuit ipse
conjungere quod ipse ponebat.
XXV. Totum ergo quod quaeris,
apud Matthaeum habes. Cur non universa
legisti, qui episcopum doces? Primum
praecepti istius caput repete. Ipso referente
Matthaeo, paulo superius ad Petrum locutus
est Dominus; ad unum, ideo ut unitatem
fundaret ex uno; mox id ipsum in commune
praecipiens, qualiter tamen ad Petrum
incipit: Et ego tibi dico, inquit, quia tu es
Petrus, et super istam petram aedificabo
Ecclesiam meam, et portae infernorum non
convalescent adversus eam. Et tibi dabo
claves regni coelorum: et quaecumque
ligaveris super terram, ligata erunt et in
coelis; et quaecumque solveris super
terram, erunt soluta et in coelis (Ibid. 18,
19). Dic frater; de solis gentibus hoc locutus
est: Super hanc petram aedificabo, inquit,
Ecclesiam meam? Ecclesiam, non
baptizatas gentes vocat? homo necdum
renatus, corpus est Christi? Quid solvo
gentibus, quod non est ligatum? Nam si non
reputatum est, nec ligatum. Quid alligo,
quod nullo jure constringo? Gentilis homo,
liber est Legi. Vide nunc e contrario, an in
baptizatum utraque conveniant. Solvitur
venia, quia peccato tenebatur; ligatur
anathemate, quia solutus fuerat fide et per
gratiam liberatus. Quod si ad gentes hanc
solvendi licentiam vel ligandi spectasse
concedam; multo magis ad baptizatos
pertinuisse convincam. Nam si is solvi
potuit vel ligari, qui non habuit vinculum;
quanto magis ille quem fidei jura tenuerunt?
XXVI. Ais posuisse Matthaeum: Si
peccaverit in te frater tuus, vade et corripe
eum solus cum solo (Matth. XVIII, 15); ac
statim subjunxisse Dominum: Quaecumque
solveris in terra, soluta erunt et in coelis; ut
ad fratris offensam pertinere videatur. Age,
non vides quod supra dicit: Si in te
peccaverit frater tuus: heic vero addit:
Amen dico vobis. Quaecumque solveritis in
terra, etc. Illud uni jussit, hoc pluribus
relaxavit: illud ipse solvit in quem
admittitur; hoc vero, Ecclesia: illud, sine
sacerdote, sine fratribus; hoc ab omnibus
impetratur. Quaecumque solveritis, inquit;
omnino nihil excipit. Quaecumque, inquit:
vel magna, vel modica. Attende quod ad
coisa destas? Não é verdade que no próprio Mateus o
Senhor tinha dito, antes da sua paixão: «Tudo o que
ligardes na terra, será ligado no céu e tudo o que
desligardes na terra, será desligado no céu» (Mt. 16, 19?
Ora, se em Mateus o Senhor dissera isto e não fizera aí
nenhuma menção dos gentios, porque é que então lhe
acrescentas o capítulo de João que falou de outra coisa e
falou de tal forma que excluiu os gentios? Porque, se
realmente tivesse querido referir-se aos gentios, podia
incluí-los naquilo que falava.
25. Portanto, tudo aquilo que procuras, em Mateus
o tens. Porque é que não lestes tudo, tu que queres ensinar
um bispo? Repara no primeiro capítulo deste preceito.
Segundo refere o mesmo Mateus, um pouco acima, o
Senhor falou a Pedro: a um só, para fundar a unidade por
meio de um só; depois ordenou a mesma coisa para o
grupo, tal como começou a falar para Pedro: «Eu te digo –
disse o Senhor – que tu és Pedro e sobre esta pedra
edificarei a minha Igreja e as portas dos infernos não
prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino dos
céus: tudo o que ligares na terra, será ligado nos céus e
tudo o que desligares na terra, será desligado nos céus»
(Mt. 18, 19). Diz-me, irmão: isto aplicar-se-á apenas aos
gentios: «sobre esta pedra edificarei a minha Igreja»? Será
que ele chama Igreja aos gentios não baptizados? Será que
o homem, que ainda não renasceu, é corpo de Cristo? Será
que posso desligar nos gentios o que não está ligado?
Com efeito, se ele não foi integrado, não está ligado.
Como poderei ligar o que não tenho direito de sujeitar? O
homem gentio está livre da Lei. Repara agora, pelo
contrário, se no baptizado ambas as coisas convergem.
Absolve-se do pecado, porque estava preso ao pecado;
liga-se ao anátema, porque tinha sido desligado pela fé e
libertado por meio da graça. Mesmo que eu conceda que
este poder de ligar e desligar se aplicou aos gentios, com
muito mais razão poderei dizer que se aplicou aos
baptizados. Com efeito, se pôde ser desligado e ligado
aquele que não tinha vínculo, quanto mais aquele que
detinha os direitos da fé?
26. Dizes que Mateus escreveu: «Se o teu irmãos
pecar contra ti, vai e corrige-o a sós» (Mt. 18, 15), e que
imediatamente o Senhor acrescentou: «tudo o que
desligardes na terra, será desligado nos céus», de tal modo
que parece que isto se refere à ofensa do irmão. Vamos lá.
Tu não estás a ver o que ele diz acima: «Se o teu irmão
pecar contra ti», e o que acrescenta depois: «Tudo o que
ligardes na terra, etc». Na primeira frase ele fala para um
só, na segunda ele abrange muitos. No primeiro caso,
quem absolve é o próprio em quem recaiu a ofensa; no
segundo caso, quam absolve é a Igreja. No primeiro, sem
sacerdote e sem os irmãos; no segundo o perdão é pedido
por todos. Diz o texto: «Tudo o desligardes»; não
Petrum dicat inferius id quod peccatur in
hominem, septuagies et septies relaxandum;
ut ostendat, alias vel semel posse. Tamen
qui in Petrum peccat, Dominum laedit: sicut
ad Samuel ipse significat: Non te nullius
momenti fecerunt, sed me (I Reg. VIII, 7).
Conceditur ergo vel semel Ecclesiae, quod
nobis ipsis totiens imperatur.
XXVII. Nunc ad erraticam ovem,
drachmam illam, et adolescentiorem filium
revertamur: quae ego exempla cum strictim
scripto priore tetigissem, tu plena repetisti,
edocens et ostendens drachmam et ovem et
filium minorem ad publicanos et peccatores;
hoc est, humilem populum, non ad
Christianae plebis imaginem, nec ad
formam fidelium pertinere. Gratulor me
doceri; intellectum vero non esse, moleste
fero. Nam quid asseram? Ea quaecumque
lex dicat, his qui sub lege sunt, dicere (Rom.
III, 19); utique et hoc principaliter ad
priores dictum esse consentio, sed in forma
fidelium, sed in imagine futurorum, sicut
Apostolus dicit: Haec autem in figura
contingebant illis: scripta sunt autem ad
correptionem nostram, in quos, fines
saeculorum devenerunt. (I Cor. X, 11). Et
iterum: Quae omnia illis umbrae erant
futurorum bonorum (Hebr. X, 1). Certe ipse
adnuis, ad publicanos et peccatores, hoc est,
humilem populum, et ideo juniorem, illa
dictata. Dic ergo: an populus Christianus
ipse est junior? an in radicem cohaeserit?
an illa membra compegerit? aedificatus, ut
scriptum est, in fundamentis apostolorum et
prophetarum, et ipso angulari lapide
Christo Jesu (Ephes. II, 20). An Judaeorum
Deus tantum? Nonne et gentium? Immo et
gentium. Siquidem unus Deus, qui justificat
impium ex fide, et per fidem (Rom. III, 29,
30). Certe ille humilis populus, quem Deus,
drachmae, filio minori et oviculae
conferebat, Ecclesia fuit: unde omnis turba
credentium, unde populus Christianus. Huic
corpori nostra etiam membra conjuncta
sunt, et totae credentium portiones, ut in
bonam olivam ex oleastro gentium
convenirent, sicut Apostolus dicit:
Participes pinguedinis ejus effectae (Rom.
XI, 17)? atque ita unum omnes essemus in
Christo, Judaeus et Graecus, servus et liber
(Gal. III, 28). Si ergo cum illis humilibus
unum corpus sumus, dicta sunt et ad nos
quae veterum humiles audierunt: atque ita
omni corpori nuntiatum est, quidquid de
corporis parte praedicatum est.
XXVIII. Dicam planius: ille
exceptua nada. «Tudo», quer sejam coisas grandes, quer
sejam pequenas. Repara que um pouco mais abaixo diz a
Pedro que a ofensa contra o homem deve ser perdoada
setenta vezes sete (Mt. 18, 22), para mostrar que podia
perdoar-se uma vez ou muitas vezes. Todavia, quem
ofende a Pedro, magoa o Senhor, tal como ele o mostra a
Samuel: «Não é a ti que rejeitam, mas a mim» (1Sam. 8,
7). Portanto concede-se pelo menos uma vez à Igreja, o
que a nós próprios nos é mandado sempre.
27. Voltemo-nos agora para a ovelha perdida, para a
dracma, e para o filho pródigo, parábolas que eu apontei
ao de leve na minha anterior carta, mas que tu utilizaste,
ensinando e mostrando que a dracma, a ovelha e o filho
pródigo representam os publicanos e pecadores, isto é, o
povo humilde, não o provo cristão, nem os fiéis.
Congratulo-me com os teus ensinamentos, porém pesa-me
de que não haja aí um entendimento correcto. Pois o que é
que eu defendo? Que «todas as coisas que a lei diz, as diz
para os que estão submetidos à lei» (Rom. 3, 19).
Realmente concordo que também isto foi dito
principalmente para os publicanos e pecados, mas eles
prefiguram os futuros cristãos, tal como o Apóstolo diz:
«Estas coisas aconteceram-lhes para nosso exemplo e
foram escritas para nos servir de aviso, a nós que
chegámos ao fim dos tempos» (1Cor. 10, 11). E ainda:
«Todas essas coisas eram para eles uma sombra dos bens
futuros» (Heb. 10, 1). Certamente tu próprio concordas
que aquelas parábolas se aplicam aos publicanos e
pecadores, isto é, o povo humilde e por isso ao povo mais
novo. Diz-me lá então: o povo cristão é o mais novo, ou
esteve preso à antiga raiz, ou será que entrou na formação
daqueles membros? «É edificado – como está escrito –
sobre o fundamento dos Apóstolos e profetas, tendo Jesus
Cristo como pedra angular» (Ef. 2, 10). «Será que Deus é
só dos judeus? Não é também dos gentios? Sem dúvida
que é dos gentios. Na verdade há um só Deus, que
justifica a partir da fé e mediante a fé» (Rom. 3, 29-30).
Certamente aquele povo humilde, que Deus compara à
dracma, ao filho mais novo e à ovelha, foi a Igreja. Por
isso é toda a multidão dos crentes, por isso é todo o povo
cristão. A este corpo também os nossos membros estão
ligados, bem como todas as porções dos crentes, a ponto
de, a partir da oliveira brava dos gentios, todos ficarem
enxertados na oliveira boa, como diz o Apóstolo: «feitos
participantes da sua raiz» (Rom. 11, 17). Deste modo
todos somos um em Cristo: judeu e grego, escravo e
homem livre (Gal. 3, 28). Portanto, se nós somos um só
corpo com aqueles humildes, também foram ditas para
nós as coisas que os humildes antigos escutaram. E assim
a todo o corpo foi anunciado tudo o que a propósito de
uma parte do corpo foi anteriormente dito.
28. Falarei mais claramente: aquele povo posterior,
posterior populus, ille pauper, ille
mediocris, imago Ecclesiae fuit, anima
humilis et modesta, anima liberata per
Christum. Hanc venit Dominus salvam
facere, hanc apud inferos non reliquit: haec
est ovis illa quae humeris reportatur: id est,
nisu et vigore patientiae. Haec est drachma,
quae quaeritur: et vicinis, inventa
monstratur. Vides formam ejus similitudini
poenitentium convenire? Vides
misericordiam usque ad hoc tempus
extendi? Vides quaecumque Ecclesiae
nascenti dicta sunt, ad plenitudinem
Ecclesiae pertinere? Inde ibi Dominus
adjecit: Sic erit gaudium in coelo super
unum peccatorem poenitentiam agentem,
quam super nonaginta novem justos, quibus
non fuit opus poenitentia (Luc. XV, 7). Nam
si omnia illa ad commonendos nos scripta
sunt; cui tandem populus ille peccator
humilis comparabitur, nisi populo
poenitenti? Ac si figuris in ordinem
recurrentibus, nonaginta novem sanae,
omnis Ecclesia est; una vero erratica,
delinquentium portiuncula est: ac drachma
quae periit, miser ille peccator est: rediens
post mala sua filius, redempto illi similis
aestimatur.
XXIX. Jam recte a me positum vides,
cum de poenitentium curatione tractarem,
dixisse Dominum: Non est opus sanis
medico, sed male habentibus (Matth. IX,
12). Recte et illud: Beati lugentes, quoniam
ipsi consolabuntur (Matth. V, 5). Quidquid
de publicanis et peccatoribus dictum est, ad
aegros omnes et omnes miseros pertinebit.
XXX. De solis, ais scriptum esse
martyribus: Beati lugentes. Nemo ergo
praeter illos, peccata sua plangit? Non
David clamat: Lavabo per singulas noctes
lectum meum (Psal. VI, 7). Et iterum:
Quoniam cinerem, sicut panem edi; et
potum meum cum fletu miscebam (Psal. CI,
10). Non Jacob dicit: Anni vitae meae
durissimi (Psal. XLVII, 9). Non Apostolus
ad Timotheum: Desiderans te videre, memor
lacrymarum tuarum (II Tim. I, 4)? Nec
tamen hoc de martyre loquebatur. Quid
nunc? Miseri poenitentes siccos habent
oculos? Et qui peccasse se dolent, flere non
norunt? Ipsi communicantes, ipsi fideles,
lacrymas non habemus? Quempiam
nostrum, gaudente mundo, gaudere
delectat? Vos Novatiani, jam satiati estis,
divites facti estis, sine nobis regnare
coepistis (I Cor. IV, 8). Non ergo quisque
miserabilis est, ita incipit esse miserandus.
XXXI. Post haec proponis, et dicis
scriptum esse per Dominum: Omne
peccatum et blasphemia remittetur
pobre, humilde foi imagem da Igreja, alma humilde e
modesta, alma resgatada por Cristo. O Senhor veio salvá-
la, e não a deixou nos infernos. Esta é aquela ovelha que é
levada aos ombros, ou seja, com o esforço e o vigor da
paciência. Esta é a dracma que é procurada e mostrada às
vizinhas depois de achada. Não vês que a sua prefiguração
se aplica à semelhança com os penitentes? Não notas que
essa misericórdia se distende até aos nossos tempos? Não
vês que tudo o que se disse à Igreja nascente tem a ver
com a plenitude da Igreja? Por isso o Senhor acrescentou
aí: «Assim heverá alegria no céu por um pecador que se
arrependa, do que por noventa e nove justos, que não
precisam de arrependimento» (Lc. 15, 7). Com efeito, se
todas aquelas coisas foram escritas para nos advertir, a
quem é que então aquele povo pecador e humilde se há-de
comparar, a não ser ao povo penitente? Embora nas
figuras que se comportam ordenadamente, as noventa e
nove ovelhas sãs, esteja representada toda a Igreja,
todavia, uma só errática representa a porção dos
delinquentes; e a dracma que se perdeu representa esse
pobre pecador; e o filho que volta depois dos seus erros é
considerado igual ao outro que está redimido.
29. Já estás a ver que eu, quando abordei o assunto
da cura dos penitentes, acertadamente recorri às palavras
do Senhor: «Não é o são que precisa de médico, mas sim
os doentes» (Mt. 9, 12). E também acertadamente recorri
a estas: «Felizes os que choram, porque serão consolados
(Mt. 5, 5). Tudo o que foi dito acerca dos publicanos e
pecadores, a todos os débeis e desgraçados corresponderá.
30. Tu dizes que só se refere aos mártires essa
passagem: «Felizes os que choram». Sendo assim, será
que ninguém, à excepção deles, poderá chorar os seus
pecados? Não é verdade que David exclama: «Lavarei
todas as noites o meu leito» (Sl. 6, 7), e ainda: «Porque eu
comi a cinza como pão, e misturava a minha bebiba com o
pranto» (Sl. 101, 10)? Não diz também Jacob: «Os anos
da minha vida são duríssimos» (Sl. 47, 9)? Não diz o
Apóstolo a Timóteo: «Desejando ver-te, recordo-me das
tuas lágrimas» (2Tim. 1, 4)? Ora isto não se referia a
nenhum mártir. Como é então? Será que os pobres
penitentes têm os olhos secos? E os que se lamentam de
ter pecado, será que não sabem chorar? Nós próprios que
comungamos, que somos fiéis, será que não temos
lágrimas? É bom que algum de nós se alegre, enquanto o
mundo se alegra? Só vós, os Novacianos, já estais
saciados, já vos tornastes ricos, já começastes a reinar sem
nós (1Cor. 4, 8). Então não é porque alguém é desgraçado
que começa a ser digno de misericórdia.
31. Depois disto, argumentas dizendo que está
escrito pelo Senhor: «Todo o pecado e blasfémia será
perdoado aos homens; porém o que pecar contra o
hominibus; Qui autem in Spiritum sanctum
peccaverit, non dimittetur ei neque hic,
neque in futuro (Matth. XII, 31, 32). Aut ego
fallor, aut istud exemplum contra te valet.
Nam si omne peccatum et blasphemia
relaxabitur, vides veniam poenitentibus non
negari. Ergo omne peccatum, ergo ipsa
quoque blasphemia. Habes additum
secundum Lucam: Et in filium hominis
peccaverit remittetur ei (Luc. XII, 10). Quid
hoc amplius de misericordia Dei, de
clementia judicantis? An non invidet oculus
tuus, quia bonus est paterfamilias (Matth.
XX, 15)? Non licet illi facere, quod vult?
Quin immo, tu quis es qui judicas servum?
Domino suo stat, aut cadit: Potens est
autem Deus statuere illum (Rom. XIV, 4).
Sed qui in Spiritu sancto blasphemaverit,
ais, non remittetur ei (Matth. XII, 32). Soles,
totas percurrere lectiones: cur hic non
legisti, quid sit istud, In Spiritu? Habes
supra scriptum, cum Dominus daemonia
verbo fugaret, et virtutes multas speciali
vigore compleret, dixisse Pharisaeos: Hic
non expellit daemonia nisi in Beelzebub
principe daemoniorum (Ibid., 24): hoc est,
in Spiritum sanctum deliquisse, in ea
blasphemasse quae per sanctum Spiritum
gerebantur. In caeteris quippe peccatis, aut
errore labimur, aut metu frangimur, aut
carnis infirmitate superamur. Haec caecitas
est non videre quod videas, et sancti Spiritus
opera diabolo deputare, eamque gloriam
Domini qua diabolus ipse superatur, diaboli
appellare virtutem. Hoc est ergo quod non
dimittetur: reliqua bonis poenitentibus,
frater Symproniane, donantur.
XXXII. Posthaec, de sarmentis et vite
proponis sic: Ait Dominus apud Joannem:
Ego sum vitis vera, et Pater meus agricultor
est. Omne sarmentum in me quod non affert
fructum, tollet illud; et omne fructiferum,
purgabit illud (Joan. XV, 1). Vides igitur in
sarmentis fructum requiri, id est bona opera
poenitentiae, sicut Joannes ait: Facite ergo
fructum dignum poenitentiae (Matth. III, 8).
Vides sarmenta purgari, quae sunt
detrimenta carnis, damna laetitiae, damna
patrimonii, vitae labores; qui actus proprie
poenitentium sunt. Vides etiam agriculturam
Domini, qui ipsa etiam sarmenta non
perdat, sed purget et colligat, aliqua plane
in ignem, aliqua novellandis pastinandisque
vineis.
XXXIII. Eli sacerdos, ais, loquitur et
dicit: Si vir in virum peccaverit, orabunt pro
eo; si autem in Deum peccaverit quis orabit
pro eo (I Reg. II, 25)? Joannes itidem: Si
quis scit peccare fratrem suum peccatum
non utique ad mortem, postulabit pro eo, et
Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem aqui, nem no
futuro (Mt. 12, 31-32). Ou eu me engano, ou este exemplo
serve contra ti. Com efeito, se todo o pecado e blasfémia
for perdoado, podes ver que o perdão não é negado aos
penitentes. Portanto é todo o pecado, portanto é também a
própria blasfémia. Encontras ainda mais isto em São
Lucas: «Também ao que pecar contra o filho do homem,
ser-lhe-á perdoado» (Lc. 12, 10). Que mais queres da
misericórdia de Deus e da clemência daquele que julga?
Ou serão maus os teus olhos, porque o patrão é bom (Cf.
Mt. 20, 15)? Não lhe será permitido fazer aquilo que
quer? Ou aliás, «quem és tu para julgares o criado de um
outro? Se está de pé ou se cai, isso é lá com o seu patrão.
O Senhor tem poder para o segurar» (Rom. 14, 4). «Mas
quem blasfemar contra o Espírito Santo – dizes tu – não
lhe será perdoado» (Mt. 12, 32). Já que costumas
percorrer todos as leituras, porque é que não leste o que é
isto de blasfemar contra o Espírito Santo? Tem-lo escrito
mais acima, quando o Senhor afugentava os demónios
com a sua palavra e realizava muitas maravilhas com
especial poder, tendo dito os fariseus: «Este só expulsa os
demónios por Belzebu, príncipe dos demónios» (Mt. 12,
24). Ou seja, delinquiram contra o Espírito Santo,
blasfemaram contra aquelas coisas que eram realizadas
pelo Espírito Santo. Na verdade, nos outros pecados nós
ou caímos por erro, ou quebrantados pelo medo, ou
vencidos pela debilidade da carne. Esta cegueira é não ver
o que deves ver, é atribuir ao diabo a obra o Espírito
Santo, e é chamar virtude do diabo àquela glória do
Senhor, com que o diabo é vencido. Isto é, portanto, o que
não será perdoado: os outros, irmão Simproniano, são
perdoados aos bons penitentes.
32. Depois disto, argumentas com os sarmentos e a
videira desta maneira: o Senhor diz em São João: «Eu sou
a videira verdadeira e meu Pai o agricultor. Todo o
sarmento que está em mim e não dá fruto, ele corta-o; e
todo o que dá fruto, ele limpa-lo-á» (Jo. 15, 1). Portanto,
tu vês que nos sarmentos se requer o fruto, ou seja, as
boas obras da penitência, tal como João diz: «Produzi um
fruto digno de penitência» (Mt. 3, 8). Vês que são limpos
os sarmentos, que são as mortificações da carne, as
privações da alegria, as privações do património, os
sofrimentos da vida. Acções estas que são realmente
próprias dos penitentes. Vês ainda o trabalho agrícola do
Senhor, que não perde esses mesmos sarmentos, mas os
limpará e apanha: uns para os lançar ao fogo, outros para
enxertar e replantar as vinhas.
33. Dizes que o Sacerdote Eli diz: «Se um homem
pecar contra outro homem, rezarão por ele; se, porém,
pecar contra Deus, quem rezará por ele?» (1Re. 2, 25). Da
mesma maneira João: «Se alguém vir que o seu irmão
comete um pecado que não leva à morte, reze por ele e
dabit illi vitam Deus. Est autem peccatum
quod ad mortem ducit, non pro illo dico ut
depreceris (I Joan. V, 16). Vides hoc totum
ad peccata manentia pertinere, non ad eos
qui aliquando peccaverint, et coeperint
poenitere, ante quam quisquam pro illis
roget. Longum est, ut exempla replicemus.
Attende universa peccata quibus Dominus
comminatur: jam videbis esse praesentia.
Quod si non proderit justo in tempore
iniquitatis suae praeterita justitia; non
oberit impio in tempore justitiae suae
iniquitas derelicta (Ezech. XVIII, 24), cum
scriptum sit: Relinquat impius vias suas, et
vir facinorosus cogitationes suas; et
convertatur ad Deum et misericordiam
consequetur (Isa. LV, 7). Quod si Deus
etiam peccata praeterita punivit, deque
transactis et praetermissis poenam
suppliciumque constituit; age, non habet in
sua potestate mutare sententiam? Non
Rahab, non Nabuchodonosor regem, non
Gabaonitas, non Ninivitas, non Segor a
praedicto interitu liberavit? Non per ipsum,
Joel vates haec intulit: Convertimini ad
Dominum Deum vestrum, simulque jejunio,
et fletu, et planctu; quia misericors est,
patiens, et longanimus, et multae
miserationis, et poenitens in malitiis. Et quis
scit si reversus poenitebitur, et relinquet
post se benedictionem (Joel. II, 12-14)?
Quare sicubi constitutam peccantibus
poenam probaveris, hoc tenebis, aut
peccatis perseverantibus constitutam, aut
libertatem Deo relictam mutandae, si
poeniteas, ad meliora sententiae.
XXXIV. Ais adhuc, scriptum: Quod
si manus tua vel pes tuus scandalizaverit te,
abjice eum abs te (Matth. V, 29). Quid sit
hoc, Moyses, Deuteronomio testificante,
praedixit: Si autem precatus fuerit te frater
tuus (hi sunt enim oculi et manus nostrae)
aut filia tua, aut uxor tua quae est in sinu
tuo, aut aequalis animae tuae, dicens:
Eamus et serviamus diis quos non noveras
(Deut. XIII, 7). Deinde adjecit inferius:
Deferes eum, et manus tua erit super ipsum
ad occidendum eum. Vides ergo, non de
poenitentibus dictum, sed de his qui non
solum ipsi in facinore perseverant, verum
etiam nos scandalizare non desinunt. Hi
quamlibet chari sint, relinquendi: quamlibet
utiles deserendi sunt.
XXXV. Proponis adhuc dixisse
apostolum Paulum: Auferte malum ex vobis
ipsis (I Cor. V, 13): malum utique,
perseverans. Caeterum, poenitentia malum
non est, cum David dicat: Bonum est
exomologesim facere Deo (Psal. XCI, 2).
Nec tamen mecum est ille quem poenitet,
nec parte sanctorum, nec pace conjungitur.
Sed dicit Apostolus: Si quis frater
Deus dar-lhe-á vida. Há também um pecado que conduz à
morte; por esse pecado não digo que se reze» (1Jo. 5, 16).
Notas que tudo isto diz respeito aos pecados que
permanecem, não aos que um dia pecaram e comneçaram
a fazer penitência, antes que alguém reze por eles. Seria
longo que apresentássemos exemplos. Repara em todos os
pecados com os quais o Senhor ameaça. Verás que são os
pecados que ainda estão presentes. É que, se a justiça
passada não aproveitar ao justo no tempo da sua
iniquidade, também a iniquidade cometida não
prejudicará o ímpio no tempo da sua justiça (Cf. Ez. 18,
24), estando escrito: «Deixe o ímpio os seus caminhos, e o
criminoso os seus projectos. Volte-se para o Senhor, que
terá piedade dele» (Is. 55, 7). Mas, se Deus também
castigou os pecados passados e estabeleceu penas e
suplícios para os atrasados e deixados, vamos lá: não
estará nas suas mãos mudar de sentença? Não libertou Ele
da referida morte a Raab, ao rei Nabucodonosor, aos
Gabaonitas, aos Ninivitas, a Segor? Não é por Ele que o
Profeta Joel dirige estas palavras: «Convertei-vos ao
Senhor vosso Deus com jejuns, com lágrimas, com
gemidos, porque Ele é clemente e compassivo, paciente e
rico em misericórdia, arrependendo-se de castigar os
males. E quem sabe se Ele muda de ideia e volta atrás,
deixando, ao passar, alguma bênção» (Joel 2, 12-14)? Por
isso, se com algumas passagens provares que foi
estabelecida uma pena para os pecadores, tens de admitir
que ela foi constituída ou para os que perseveram nos
pecados, ou que foi deixada liberdade a Deus para mudar
a sentença para melhor, se te arrependeres.
34. Afirmas ainda que está escrito: «Se a tua mão
ou o teu pé te escandalizar, corta-os e lança-os para longe
de ti» (Mt. 5, 29). O significado disto, deu-o Moisés, no
Livro do Deuteronómio: «Se o teu irmão (são estes na
verdade os nossos olhos e mãos), ou a tua filha, a tua
esposa que vive na tua intimidade ou consideras igual à
tua alma, pecar, dizendo: ‘Vamos servir os deuses que
ainda não conheces’ (Deut. 13, 7). E a seguir acrescentou
mais abaixo: «Afastar-te-ás dele e tua mão será a primeira
a levantar-se contra ele para lhe dar a morte» (Deut. 13,
10). Vês, portanto, que não se referiu aos penitentes, mas
àqueles que não só perseveram no crime, mas também não
deixam de nos escandalizar. Estes, por mais queridos que
sejam, devem ser abandonados, por mais úteis que sejam
devem ser dispensados.
35. Argumentas ainda que o Apóstolo Paulo disse:
«Afastai o mau do meio de vós» (1Cor. 5, 13). Na verdade
trata-se do mau que persevera. De resto a penitência não é
um mal, pois David diz: «É bom confessar os pecados ao
senhor» (Sl. 91, 2). Todavia não está comigo aquele que
não se arrepende, nem toma parte na assembleia dos
santos e na paz. Mas diz o Apóstolo: «Mesmo que alguém
nominatur, et sit aut fornicator, aut
simulacris serviens, aut avarus, aut
maledicus, aut ebrius, aut rapax, cum
ejusmodi nec cibum sumere (I Cor. V, 11).
Vides non sine causa esse positum, et sit, id
est, qui necdum poeniteat, qui necdum
improbus esse desierit. Et certe de avaris, et
ebriosis, et maledicis, simul dictum est.
XXXVI. Responde, frater, an nullus
ejusmodi, vestra pace teneatur. Ergo inde
est, et quod per Esaiam Deus clamat: Simul
iniqui et peccatores peribunt (Isa. I, 28);
non poenitentes, non misericordiae opera
procurantes, quibus apud eumdem rursus
Esaiam Deus dicit: Et si fuerint peccata
vestra ut phaenicium, ut nivem dealbabo: et
si ut coccum, ut lanam candidam ea efficiam
(Ibid. 18).
XXXVII. Attamen, ut ais, Apostolus
condemnavit errantem. Nam ad Corinthios
prima ita dicit: Ipse ego quidem absens
corpore, praesens autem spiritu, jam
judicavi eum qui tale facinus admisit: in
nomine Domini nostri Jesu Christi,
congregatis vobis omnibus in virtute Dei,
tradere ejusmodi satanae, in interitum
carnis, ut spiritus salvus sit in die Domini (I
Cor. V, 3-5). Nota, frater, primum, quod
non damnat eos cum quibus iste
communicat: solus ipse qui tale facinus
admiserat, satanae traditur, solus
excluditur, salva pace sanctorum. Vos,
omnes ecclesias pro uno peccatore
damnatis? Deinde vides, quod hic ipse
peccator incestus, non morti traditur, sed
satanae, ad emendandum, ad
colaphizandum, ad poenitendum. Denique
ait, Ad interitum carnis, non tamen animae,
non etiam spiritus: sed ad solius carnis
interitum, tentationes scilicet, carnis
angustias, detrimenta membrorum, sicut
alibi de intemperantibus dicit:
Tribulationem autem carnis patientur
ejusmodi (I Cor. VII, 28). Vis hoc scire? in
secunda Corinthiorum, hunc ipsum impium
idem Paulus absolvit. Nam de ipso ait:
Sufficit illi qui ejusmodi est, objurgatio ea
quae fit a pluribus; ut e contrario magis
donetis et consolemini, ne forte majore
tristitia absorbeatur, qui ejusmodi est:
Propter quod obsecro vos, ut constituatis in
eum charitatem (II Cor. II, 6-8). Item infra:
Si cui autem aliquid donastis, et ego: nam et
ego quod donavi, propter vos in persona
Christi, ut non possideatur a satana (Ibid.
10) . Vides Apostoli indulgentiam, proprias
etiam sententias temperantem? Vides
mitissimam lenitatem longe a vestro
supercilio separatam? longe a Novatiani
fronte dissimilem, communi vero vitae ac
se chame irmão, mas for fornicador, adorador de imagens,
avaro, maldizente, ébrio ou ladrão, com alguém assim
nem sequer deveis comer (1Cor. 5, 11). Já estás a ver que
não foi por acaso que isto foi dito, ou seja, que isto deve
acontecer com aquele que ainda não se arrepenceu e com
aquele que ainda não deixou de ser desonesto. E ao
mesmo tempo também se disse o mesmo acerca dos
avaros, dos ébrios, dos maldizentes.
36. Responde, irmão, se acaso não há alguém assim
na vossa paz. Por conseguinte, também Deus exclama por
meio de Isaías: «Os iníquos e pecadores perecerão ao
mesmo tempo» (Is. 1, 28); não os penitentes, não os que
procuram as obras de misericórdia, aos quais Deus diz,
segundo o mesmo Isaías: «Mesmo que os vossos pecados
sejam como escarlate, torna-los-ei brancos como a neve;
Mesmo que sejam vermelhos como a púrpura, os farei
brancos como a lã» (Is. 1, 18).
37. No entanto, como dizes, o Apóstolo condenou
aquele que erra. Com efeito, na Primeira aos Coríntios diz
assim: «Quanto a mim, ausente de corpo mas presente em
espírito, já julguei aquele que cometeu um tal crime: em
nome do Senhor Jesus, por ocasião de uma assembleia
onde estareis reunidos na virtude de Deus, que tal homem
seja entregue a Satanás para mortificação da sua carne, a
fim de que o seu espírito seja salvo no Dia do Senhor»
(1Cor. 5, 3-5). Repara, irmão, em primeiro lugar, que
Paulo não condena aqueles que com esse pecador estão
em comunhão: só condena aquele que tinha cometido o tal
pecado, esse é que é entregue a satanás, só ele é excluído,
salvaguardada que fica a paz dos santos. E vós? Será que
condenais todas as igrejas por causa de um só pecador?
Depois, deves notar que aqui este pecador incestuoso não
é entregue à morte, mas a Satanás, para se emendar, para
ser esbofeteado, para fazer penitência. Por fim Paulo diz
que é «para mortificação da sua carne», mas não da sua
alma, do se espírito. Apenas e só para a mortificação da
carne, ou seja, a tentações, as angústias da carne, o
abatimento dos membros, tal como noutra passagem ele
diz a propósito dos dissolutos: «Padecerão essa tribulação
da carne» (1Cor. 7, 28). Queres saber mais? Na Segunda
Carta aos Coríntios, o mesmo Paulo absolveu esse mesmo
pecador. Com efeito ele diz acerca dele: «Basta a esse
homem a censura que a comunidade lhe infligiu. Agora,
porém, é melhor que lhe perdoeis e o consoleis para que
não sucumba ao peso de demasiada tristeza. Peço-vos,
pois, que tenhais caridade para com ele» (2Cor. 2, 6-8). E
da mesma maneira mais abaixo: «A quem vós perdoais,
eu também perdoo. E se perdoei foi por amor de vós, na
pessoa de Cristo, para que não seja possuído por Satanás»
(2Cor. 2, 10-11). Já estás a ver o perdão do Apóstolo,
mitigando as próprias sentenças? Já estás a ver a
mansíssima suavidade bem distinta da vossa severidade,
saluti omnium consulentem?
XXXVIII. At etiam in nos severus
censor invelieris. Dicis, ex lege coelesti
unum ex mandatis solvere non licere, nec
communicare lupis agnos, et quod omnis
consensus in crimine sit; et ideo qui picem
tetigerit, inquinetur (Eccli. XIII, 1); nec sit
ulla societas luci ad tenebras, aut templo
Dei cum idolis, aut conventio Christi ad
Belial (II Cor. VI, 14, 15). Ideoque David
dicit: Furem videbas, et currebas cum eo, et
cum adulteris portionem tuam ponebas
(Psal. XLIX, 18). Ais tandem, quia nos
Domini mandata rescindimus. Nos unum
apicem Legis inflectimus; an potius
Novatiani, qui tota Ecclesiae, tota
concordiae jura violarunt, qui post tot pacis
annos, tot foedera sanctitatis, novas sibi
leges, nova instituta, novos ritus pepererunt,
arcanum justitiae inexorabili fronte
simulantes? Nos in Ecclesiam lupos
recepimus, qui haereticorum ora vitamus;
an potius Novatiani, qui cum ipsi sint
rapaces lupi, paulo miseriores oviculas
reformidant? Nos consentimus malis, nos
picem tangimus, nos tenebris cohaeremus,
nos idolo et Belial jungimur; an illi qui
Evaristum, qui Nicostratum receperunt,
caeterosque ab Ecclesia recedentes, lingua,
manu, moribus inquinatos? Nos cum
adulteris et furibus convenimus; an illi qui
Novatum, vitae suae et capiti praetulerunt;
post interceptam pecuniam pupillorum
atque viduarum; miseri parentis et partus
uxoris parricidam, non modo non
poenitentem, verum etiam gloriantem?
Verum Paulus Apostolus dixit: Manus cito
nemini imponas (I Tim. V, 21). Docet idem;
vel tarde, vel post poenitentiam non
negandas.
XXXIX. Sed perdita Hiericho, Achar
filius Charmi propter furtum vestis occisus
est. Age; vos, totos fures interficite
pecuniarum nostrarum atque librorum; et in
Novati ossa saevite. Jugum illud rursus
accipite, quod neque nos, neque patres
nostri portare potuerunt (Act. XV, 10). Quid
cessatis, Novatiani, oculum pro oculo,
dentem pro dente (Deut. XIX, 21) deposcere,
animam postulare, Circumcisionis et
Sabbati redintegrare commercium? Necate
fures, lapidate petulantes. Nolite in
Evangelio legere quod pepercerit Dominus
etiam adulterae confitenti (Joan. VIII, 11),
quam nemo damnarat: quod peccatricem
quae lacrymis pedes ejus lavabat,
tão desigual do semblante carrancudo de Novaciano, tão
consentânea com a saúde e a vida comum de todos?
38. Também te armas em severo censor contra nós.
Dizes que, de acordo com a lei celeste, não é lícito
quebrar um só dos mandamentos, nem misturar os
cordeiros com os lobos e que todo o que lhe dá
consentimento comete um pecado. Por isso, «o que toca
no pez ficará manchado» (Ecles. 13, 1). Não deve haver
nenhum consórcio entre a luz e as trevas, nem entre o
templo de Deus e o dos ídolos, nem nenhum convénio
entre Cristo e Belial (Cf. 2Cor. 6, 14.15). Por isso é que
David diz: «Se vês um ladrão, tornas-te amigo dele e
fazes sociedade com os adúlteros» (Sl. 49, 18). Por fim,
dizes que nós rasgamos os mandamentos do Senhor. Será
que fomos nós que omitimos um só til da lei, ou não
foram antes os Novacianos que violaram todos so direitos
da Igreja e da concórdia; que, despois de tantos anos de
paz, de tantas alianças de santidade, promulgaram para si
novas leis, novas normas, novos ritos, fingindo possuir o
mistério com o semblante carregado da justiça? Somos
nós que na Igreja recebemos os lobos, não obstante
evitarmos as fauces dos hereges, ou são antes os
Novacianos que com os hereges são lobos devoradores
com medo das ovelhinhas um pouco mais desgraçadas?
Somos nós que consentimos com os maus, somos nós que
tocamos o pez, que nos tornamos herdeiros das trevas, que
nos associamos ao ídolo e a Belial, ou são antes aqueles
que acolheram Evaristo e Nicostrato, bem como os outros
que se afastam da Igreja, conspurcados pela língua, mãos
e costumes? Somos nós que temos sociedade com os
adúlteros e ladrões, ou são antes aqueles que preferiram
Novato na sua vida e existência, depois que este desviou o
dinheiro dos órfãos e das viúdas, assassino do infeliz pai e
do filho da esposa, não só impenitente, mas ainda
orgulhoso de tais actos? Na verdade o Apóstolo Paulo
disse: «Não imponhas as mãos a ninguém
precipitadamente» (1Tim. 5, 21). É isto que ele ensina:
que o perdão não deve ser negado, quer seja mais tarde,
quer seja logo depois da penitência.
39. Mas tu dizes que, depois de perdida Jericó,
Akar, filho de Karmi, foi morto por causa de um furto.
Vamos lá. Matai todos os ladrões do nosso dinheiro e dos
nossos filhos e enfurecei-vos contra os ossos de Novato.
Tomai de novo aquele jugo que nem nós, nem os nossos
pais puderam levar (Cf. Act. 15, 10). Porque deixais, ó
Novacianos, de pedir «olho por ilho e dente por dente»
(Det. 19, 21), de reivindicar a pena capital, de se
restabelecerem as leis da Circuncisão e do Sábado? Matai
os ladrões, delapidai os desonestos. Negai-vos a ler no
Evangelho que o Senhor Perdoou também à adúltera que
confessava o seu pecado (cf. Jo. 8, 11), a quem ninguém
tinha condenado; que o Senhor absolveu a pecadora que
absolverit: quod Rahab apud ipsam
Hiericho urbem Phoenicum liberavit: quod
Thamarem a sententia patriarchae
absolverit: quod, Sodomis quoque
pereuntibus, Loti filias non exstinxerit;
liberaturus et generos, si futurum excidium
credidissent.
XL. Age; non tenes dicere apud
David Dominum: Cum his qui oderunt
pacem, eram pacificus (Psal. CXIX, 7)?
Salomonis quoque sententiam non tacere;
frater fratrem adjuvans, exaltabitur (Prov.
XVIII, 9)? Quid Apostolus? Fratres, et si
praeoccupatus fuerit homo in aliquo delicto;
vos qui spirituales estis, instruite hujusmodi
in spiritu mansuetudinis, considerantes
vosmetipsos ne tentemini. Invicem onera
vestra portate, et sic adimplebitis legem
Christi (Gal. VI, 1, 2). Et illud quod ante
jam retuli: Opto enim anathema esse in
Christo pro fratribus meis cognatis
secundum carnem (Rom. IX, 3). Et iterum:
Omnibus omnia factus sum, ut omnes
lucrifacerem (I Cor. IX, 22): hoc est, cum
vulneratis, gemitus; cum aegrotantibus,
laborem; mortem cum moriente partiri,
casum fratrum cum statu suo posse miscere,
aliquid de sua sanitate decidere, et
deficientibus adhibere medicinam.
XLI. Quid vobis prodest superba et
aspera fronte durari, altis regere cervicibus,
vultus torquere a miseris, auditus oculosque
praecludere? Numquam (vos oro)
cecidistis? Nulla in vestris mentibus macula
est? Nulla in oculis (oro) festuca? Quis
gloriabitur castum se habere cor, aut
mundum se esse a peccatis (Prov. XX, 9,
sec. LXX)? Credo; vos justi, benevoli,
temperantes, quibus membra omnia sana
sunt, quibus omne corpus intactum, quibus
medicus necessarius non est, nec medicina
languorum. Intrate jam coelum; paradisi
aditus, romphaea cedente, penetrate; tot
nostrorum populis, Deum unicum
confitentibus, dona vestra praecludite. Quae
si se longe aliter habent quam implacabilis
immanitas rigor rerum, et immanitas vestra
mentitur; jam intelligitis Novatiani, Deum
posse misereri; jam miseris fratribus de
praeterito confitentibus, vel seram patere
medicinam; jam vulneratum illum a Levita
et sacerdote praeteritum, per Christum
posse curari: jam Ecclesiae preces
humilibus non negandas; jam manus
sacerdotum miserandis fratribus
exhibendas.
XLII. Nos autem intelligimus, ut
exprobras, Ecclesiam Dei, columbam non
felle amaram, non unguium laceratione
violentam, parvulis quoque plumis
exiguisque. Scimus etiam puteum aquae
vivae fontemque signatum, nulla haeretici
lavava os seus pés com as lágrimas; que o Senhor livrou
Raab, junto da mesma Jericó, cidade dos Fenícios; que
absolveu Tamar da sentença do Patriarca; que não fez
desaparecer as filhas de Lot, quandos os habitates de
Sodoma pereciam; que também teria libertado os genros
de Lot, se tivessem acreditado na futura ruína.
40. Vamos lá. Não defendes tu que o Senhor disse
por David: «Eu era pacífico com aqueles que odiaram a
paz» (Sl. 99, 7)? Não é verdade que a sentença de
Salomão também diz isto: «O irmão que ajuda os irmãos
será exaltado» (Prov. 18, 9)? Que disse o Apóstolo?
«Irmãos, se porventura um homem for apanhado nalguma
falta, vós, que sois espirituais, corrigi essa pessoa com
espírito de mansidão; e tu olha para ti próprio, não estejas
também tu a ser tentado. Carregai as cargas uns dos outros
e assim cumprireis plenamente a lei de Cristo» (Gal. 6, 1-
2). E ainda aquela passagem que já antes referi:
«Desejaria ser anátema em Cristo, pelo bem dos meus
irmãos segundo a carne» (Rom. 9, 3). E ainda: «Fiz-me
tudo para todos, para ganhar a todos» (1Cor. 9, 22), ou
seja, gemi com os feridos, sofri com os doentes, morri
com o que morre, caí com os irmãos, para poder partilhar
a sua situação, acomodar-me ao seu estado de saúde e
aplicar o remédio aos débeis.
41. De que vos aproveita endurecer-vos com
semblante soberdo e carregdo, dar ares de autoridade com
levantada cerviz, carregar o rosto para os infelizes e
fechar para eles os olhos e os ouvidos? Pergunto-vos:
Nunca caístes? Não há nenhuma mancha em vossas
almas? Pergunto: Não há nenhum argueiro nos vossos
olhos? Quem se poderá gloriar de ter um coração casto ou
de estar limpo dos pecados (Prov. 20, 9, seg. LXX)? Só
vós, creio eu, que sois justos, benévolos, moderados,
cujos membros todos estão sãos, cujo corpo inteiro está
intacto, para quem o médico não é necessário, nem o
remédio das doenças. Entrai já no céu. Atravessai a porta
do paraíso, pois a espada vos dá passagem. Fechai a tantos
do nosso povo, que confessam o único Deus, os vossos
dons. E se as coisas são de longe muito diferentes daquilo
que finge o vosso implacável rigor e a vossa crueladade,
então entendei, Novacianos, que Deus pode compadecer-
se, que pode dar o remédio, ainda que lento, aos infelizes
irmãos que confessam o mal passado, que aquele homem
ferido, desprezado pelo Levita e pelo Sacerdote, pode ser
curado por Cristo, que as preces da Igreja pelos humildes
não devem ser recusadas, que as mãos dos sacerdotes
devem ser impostas aos irmãos dignos de misericórdia.
42. Nós porém entendemos, embora tu reproves
isso, que a Igreja de Deus é uma pomba sem fel amargo,
sem a violência da dilaceração das garras, mas com penas
pequenas. Sabemos também que o poço e a fonte selada
da água viva não se sujam com nenhuma impureza de
gurgitis labe sordere, hortumque conclusum
plenum oleribus magnis pariter et parvulis,
vilibus atque pretiosis. Octo quoque animas
ex arca, sed inter quas et Cham fuerit: et
millia illa volucrum atque ferarum bina
atque septena, munda pariter et immunda:
fontes vero siccos, et nebulas turbinibus
excitatas, haereticorum sterilitatem et
insanarum vocum impetus arbitramur.
XLIII. Nec promittimus libertatem,
cum ipsi servi simus poenae; sed crimina
nostra confessi, reliquos etiam ut fateantur
hortamur, credantque in eum qui justificat
impium ex fide (Rom. III, 26), qui reflectit
sententiam, adversus malitiam irrogatam
(Joel. II, 13, sec. LXX). Attendimus quoque
a falsis prophetis et lupis rapacibus, cum
cavemus a vobis (Matth. VII, 15). Jannem
vero et Mambrem sic restitisse Moysi, sicut
vos catholicis, arbitramur. Inde sic ponit
Apostolus: Quia sicut Jannes et Mambres
restiterunt Moysi, ita et hi resistunt veritati:
homines mente corrupti et a Deo reprobi;
sed ultra non proficient: insipientia enim
eorum manifesta erit omnibus, sicut illorum
fuit (II Tim. III, 8, 9). Quod in vos dictum
esse manifestum est, qui neque proficere
amplius, neque insipientiam vestram celare
potuistis.
XLIV. Qui baptizatur a mortuo, nihil
proficit (Eccli. XXXIV, 25); utique qui
haeretico fonte dilutus, sic et qui peccatoris
oleo ungitur, id est, qui spiritu satiatur
immundo. Ergo et filii sanguinum vos eritis.
Non enim pacem fratrum, sed sanguinem
concupiscitis. Fides falsa, est vestra
credulitas. Adultera mulier, haeretica
congregatio est: Catholica enim, ab initio,
de viri sui thoro et thalamo non recessit, nec
alienos amatores aut extraneos concupivit.
Vos exsulem formam novo colore pinxistis;
vos thorum vestrum a conjugio separastis
antiquo; vos a matris unicubae corpore
recessitis, novo placendi genere, novis
corruptelarum illecebris expoliti.
XLV. Nam quod Cyprianum
beatissimum mihi pro contrario teste
proponis, quia in Epistola quae de Lapsis
est, Moysen et Danielem et Job orasse pro
peccatoribus dicat, nec impetrasse, dicente
Domino: Et si tres in medio eorum fuerint
Noe, Job et Daniel, non liberabunt filios
neque filias, sed ipsi soli salvi erunt (Ezech.
XIV, 20). Utinam, utinam Cypriano teste
nitaris, utinam tam salubribus sententiis
acquiescas. Ille enim, cum lapsos ad
poenitentiam cogeret qui poenitere
algum sorvedouro herético, e que o jadim cerrado está
cheio de grandes plantas, mas também de pequenas, de
plantas sem valor, mas também de preciosas. Da arca de
Noé saíram oito pessoas, mas entre elas também estava
Cam. E aqueles milhares de aves e feras – sete pares de
cada – eram puros e impuros. Na verdade, consideramos
que as fontes secas e as névoas levantadas pelos
redemoinhos são a esterilidade dos hereges e o ímpeto das
suas vozes insanas.
43. Nem prometemos a liberdade, sendo nós
próprios escravos da pena, mas confessamos os nossos
pecados e também exortamos os outros a que os
confessem e creiam naquele que justifica o ímpio pela fé
(cf. Rom. 3, 26), e que revoga a sentença dada contra a
maldade (Joel 2, 13, seg. LXX). Prestamos atenção
também aos falsos profetas e aos lobos devoradores,
quando nos acuatelamos de vós (Mt. 7, 15). Estamos
convencidos de que da mesma forma que Janes e
Mambres resistiram a Moisés, assim também vós resistis
aos católicos. Por isso assim fala o Apóstolo: «Do mesmo
modo que Janes e Mambres se opuseram a Moisés, assim
estes se opõem à verdade. É gente de mente corrupta e
réprobos aos olhos de Deus. Mas não irão longe, pois a
sua insensatez tornar-se-á patente a todos, como
aconteceu com os primeiros» (2Tim. 3, 8-9). É evidente
que isto foi dito contra vós, que nem pudestes ir longe,
nem ocultar a vossa insensatez.
44. «Aquele que faz a ablução depois de tocar um
morto, de nada lhe serve» (Eclesi. 34, 25). De nada
realmente, se foi lavado numa fonte herética, ou se é
ungido com o óleo do pecador, isto é, se é saciado pelo
espírito imundo. Portanto também vós sereis homicidas.
Com efeito não buscais a paz dos irmãos, mas o seu
sangue. A vossa credulidade é uma fé falsa. A
congregação herética é uma mulher adúltera. Na verdade
a Igreja Católica desde o início nunca se afastou do leito e
tálamo do seu esposo, nem cobiçou amantes alheios ou
estranhos. Vós maquilhastes com uma nova cor o rosto de
uma proscrita. Vós negastes o vosso leito ao antigo
esposo. Vós vos afastastes do corpo da mãe que só
conheceu um marido, com uma novo género de sedução e
adornados com novos fascínios corruptíveis.
45. É que tu apresentas-me o testemunho do
gloriosíssimo Cipriano contra mim, porque, na Carta dos
Lapsos ele diz que Moisés, Daniel e Job oraram pelos
pecadores e não alcançaram o que pediam, dizendo o
Senhor: «Se estivessem lá Noé, Daniel e Job, eles não
salvariam seus filhos e filhas, mas apenas salvariam as
suas vidas» (Ez. 14, 20). Oxalá, oxalá te apoies no
testemunho de Cipriano. Quem dera que tu concordasses
com as suas tão salutares sentenças. Com efeito, ele, ao
forçar à penitência os lapsos que a não queriam, dizendo
nolebant, dicentes a confessoribus sive
martyribus accepisse se pacem, docuit et
ostendit, quod nec patriarchae illi pro non
poenitentibus impetrarent. Etenim quis
liberare possit invitum? quis pro superbis
humiliari? quis pro non poenitentibus
impetrare? Quod utique cum diceret, ad
poenitentiae cogebat remedia. Nec contra se
locutus est aliquid vir illius gravitatis et
meriti, sed fundendas a peccatoribus preces
docuit, et exomologesim diligendam. Ipsa
tamen Cypriani exempla te permovent,
quibus et Moysen et caeteros sanctos non
impetrasse commemorat, qui pro
peccatoribus postulabant.
XLVI. Ain? Non vides Moysen pro
quibus non impetraverit? Reversus ad
populum, quid audit in castris? Voces
ebriorum et cantus idolothyti personabant.
Adhuc perseverabat in nequitia populus,
adhuc in ipso crimine permanebat, ac
poenitere non noverat. Attamen quis tibi
nostrum dixit, quod Moyses non
impetraverit? Dixerat quidem illi Deus;
Deliquit ante me, delebo eum de libro
(Exod. XXXII, 33). Dixerat tamen
auctoritate judicis et Domini potestate; sed
vide quam cito reflexerit sententiam,
adversus populi malitiam irrogatam.
Ausculta. Propheta statim, ibidem: Et
precatus est, inquit, Moyses in conspectu
Domini Dei sui; Quare, Domine, irasceris
ita in populum tuum? et reliqua (Ibid.
32,11). Item infra: Et propitius factus est
Dominus de malignitate quam dixerat facere
populo suo (Ibid. 14). Vides lenitam esse
iram Dei? Vides offensam esse placatam?
Et pro populo non rogavit, nec quod fecerat
poenitenti.
XLVII. Sed Noe, inquis, et Daniel, et
Job, filios et filias liberare non potuerunt.
Et hoc tale est: si pro non rogantibus
petant; si pro perseveranti in crimine
deprecentur; si non singulos, si non paucos,
sed millia multa defendant. Caeterum Noe
domum suam a ruina publica liberavit; et
Job recepit cuncta quae perdidit; et Daniel
instantem illum sapientibus Babyloniae
gladium oratione decussit. Lot certe pro
salute oppidi, Paulus pro vectoribus navis
orat. Sic absolvuntur a justis, qui poenitere
noverunt.
XLVIII. Postremo vel illud aspicio
quod scriptum ait: Ipsi soli salvi erunt
(Ezech. XIV, 20). Qui illi? Ipsi utique qui
pro peccatoribus deprecantur, impune pro
talibus postulabunt. Et cur Ecclesiam
que tinham recebido cartas de paz dos confessores ou
mártires, ensinou-lhes e mostrou-lhes que nem sequer
aqueles Patriarcas conseguiram alcançar o perdão para os
não penitentes. Na verdade, quem é que pode salvar
alguém contra a sua vontade? Quem pode humilhar-se por
causa de soberbos? Quem pode alcançar o perdão para os
não penitentes? Realmente Cipriano, ao dizer isto,
instigava-os aos remédios da penitência. Nem um homem
daquela importância e mérito ia falar alguma coisa
contrária ao que muitas vezes tinha falado: ele que
ensisou que se deviam fazer preces pelos pecadores e que
devia estimar-se a confissão dos pecados. Todavia
impressionam-te os exemplos de Cipriano, que referem
que nem Moisés nem os outros santos, que intercediam
pelos pecadores, conseguiram alcançar-lhes o perdão dos
pecados.
46. Como é que é? Não vês por quem é que Moisés
intercedeu? Voltado para o povo, que ouviu ele no
acampamento? Ressoavam as vozes dos ébrios e os cantos
idólatras. O povo ainda perseverava na maldade, ainda
permanecia no seu pecado e não tinha sabido arrepender-
se. Todavia quem de nós é que te disse que Moisés não
intercedeu? Na verdade Deus tinha-lhe dito: «Apagarei do
meu livro aquele que pecou contra mim» (Ex. 32, 33). No
entanto Deus tinha dito isto em virtude da sua autoridade
de Juiz e do seu poder de Senhor. Mas vê como depressa
revogou a sentença ditada contra a malícia do povo.
Escuta. O Profeta na mesma passagem diz: «Moisés
implorou na presença do Senhor: “Porquê, Senhor, a tua
cólera se inflamará contra o teu povo? Etc”» (Ex. 32, 11).
E mais abaixo: «E o Senhor arrependeu-se das ameaças
que proferira contra o seu povo» (Ex. 32, 14). Já estás a
ver como é suave a ira de Deus? Já estás a ver como a
ofensa foi aplacada? No entanto Moisés não intercedeu
pelo povo, enquanto este não se arrependeu do que fizera.
47. Mas tu dizes que Noé, Daniel e Job não
conseguiram salvar os seus filhos e filhas. Mas isto só é
assim, se eles intercedem pelos que não suplicam o
perdão, se rezam pelo que persevera no seu pecado, se
defendem não um ou outro, nem um pequeno número,
mas muitos milhares de pecadores. De resto, Noé salvou a
sua casa da ruína pública, Job recebeu tudo o que perdeu,
Daniel susteve, com a sua oração a aquela espada que
estava sobre a cabeça dos sábios da Babilónia. Lot
certamente reza pela salvação da cidade e Paulo pelos
passageiros do barco. Assim aqueles que praticaram a
penitência são absolvidos por intercessão dos justos.
48. Por fim, volto os meus olhos para o que está
escrito: «Só eles serão salvos» (Ez. 14, 16, versão antiga
da Vulgata). Eles quem? Certamante aqueles que
intercedem pelos pecadores pedirão por estes, sem que daí
damnas? cur pro poenitentibus prohibes
deprecari; si etiam pro his petere licet, quo
quibus non licet impetrare? Lege igitur
diligentius Cyprianum meum: lege totam de
Lapsis epistolam: lege aliam quam ad
Antonianum dedit; ubi exemplis omnibus
Novatianus urgetur: jam scies quid de
poenitentium curatione pronuntiet.
Cyprianum loquor, vestra oppugnantem et
catholica jura retinentem. Tertullianum post
haeresim (nam multa inde sumpsistis) ipsum
epistola sua, et ea ipsa quam catholicus
edidit, audies confitentem, posse Ecclesiam
peccata dimittere.
XLIX. Vides ergo Ecclesiam esse
reginam in veste aurata et variegata (Psal.
XLIV, 10); multorum utique corporum,
multorumque populorum varietate
compositam. Non est coloris unius ista
pictura, nec in uno habitu emicat tanta
diversitas. Pars illa indumenti tegit, ista
componit. Nonnulla pectori adhaeret, aliqua
ultimo sinu trahitur, et inter vestigia ipsa
sordescit. Quaedam, purpurae martyrum
comparatur; aliqua, serico virginali;
nonnulla, sinu plicante, subsuitur, aut acu
inserente reparatur. Alius enim sic, alius
autem sic (I Cor. VII, 7); et tamen una, in
omnibus, regina componitur.
L. Ergo eadem fecunda vitis et
locuples, plures habens ramos, multo
palmitum crine distentior; nihil ne ex istis
hiberno frigore laboravit? nihil asperas
grandines pertulit? nihil torridas incusavit
aestates? Asperior est haec gemma
palmitibus, ista fortior, illa sincerior; haec
se diffundit in fructus, haec in solas
exuberat frondes. Vitis tamen ubique
formosa.
LI. Mater haec adolescentularum,
quarum non est numerus (Cant. VI, 8).
Calculare denique si potes catholicos
greges, et duc in digitos nostrae plebis
examina. Nec illa modo quae toto orbe
diffusa sunt cunctis plena regionibus; sed
haec, frater Symproniane, quae tecum in
proximis finibus et vicina urbe consistunt.
Contemplare, quot nostros unus aspicias,
quot meorum populis solus occurras. Nonne
ut stillicidia, fontibus magnis? nonne, ut ab
oceano quaedam gutta, sorberis? Dic, dic
an istae adolescentulae ex vestra plebe
generentur, an tu solus has parias. Nostra
est, inquam, ista regina electa matri suae
atque perfecta (Ibid., 9). Nihil quippe
electum, nisi melius et majus ex alio; nihil
perfectum potest esse, nisi plenum.
LII. Jam et illud attendite, an haec
potissimum aedificata sit: In fundamentis
lhes venha castigo. Então porque é que tu condenas a
Igreja? Porque é que proíbes que se reze pelos penitentes?
Se também é lícito pedir por estes, porque é que não há-de
ser permitido alcançar para eles o perdão? Lê, portanto, o
meu Cipriano com mais atenção. Lê toda a Epístola dos
Lapsos. Lê também a outra que ele escreveu a Antoniano,
onde Novaciano é atacado com todos os argumentos.
Então já poderás saber como é que ele se pronunciou
acerca da cura dos penitentes. Cito Cipriano que se opôs
às vossas doutrinas e manteve os direitos da Igreja
Católica. Tu dás ouvidos a Tertuliano, depois que se
tornou herege (pois dele vós recebestes muitas ideias),
mas deverás ouvi-lo também na sua epístola, aquela
mesma que ele escreveu enquanto católico, onde ele
confessa que a Igreja pode perdoar os pecados.
49. Vês então que a Igreja é a rainha com a veste de
ouro e matizada de várias cores (Sl. 44, 10), composta
pela variedade de muitos corpos, de muitos povos. Não é
de uma só cor esta pintura, nem é num só traje que brilha
tanta diversidade. Uma parte da indumentária cobre o
corpo, outra embeleza-o. Uma ajusta-se ao peito, outra é
arrastada por uma cauda e suja-se com o andar. Uma
compara-se à púrpura dos mártires, outra à seda das
virgens, outra é cosida por baixo para frizar as pregas, ou
precisa de ser remendada com a agulha. Na verdade, «um
de uma maneira, outro de outra» (1Cor. 7,7). E todavia é
uma só rainha que se caracteriza com muitas coisas.
50. Por conseguinte, esta é a videira fecunda e
abundante, cheia de muitos ramos, que se apresenta mais
distendida graças à farta cabeleira dos seus sarmentos.
Será que nenhum destes foi afectado pelo frio do inverno?
Será que nenhum deles teve de aguentar os inclementes
granizos? Nas varas um rebento é mais agreste, outro mais
forte, outro mais puro. Um produz frutos, outro só dá
folhas. Todavia a videira em toda a parte é formosa.
51. Esta é a mãe de «donzelas sem conta» (Cant. 6,
8). Conta, se fores capaz, as comunidades católicas e
contabiliza os enxames do nosso povo. Não só aqueles
que, enchendo todas os lugares, estão difundidos por toda
a terra, mas também estes, irmão Simproniano, que
contigo moram nos territórios aqui à volta e na cidade
vizinha. Contempla quantos de nós tu olhas sozinho, a
quantos do meu povo tu sozinho te opões. Não serás tu
como as gotículas dentro dos tanques grandes? Não serás
tu absorvido como uma gota no oceano? Diz-me, diz-me
se estas donzelas são geradas do vosso povo, ou és tu
sozinho que as dás à luz? Repito, a nossa Igreja é esta
rainha, a escolhida da sua mãe e perfeita (Cf. Cant. 6, 9).
Na verdade, só é escolhido o que é melhor e maior, nada
pode ser perfeito senão for completo.
52. Repara agora também se esta Igreja foi
prophetarum et apostolorum ex ipso
angulari lapide Jesu Christo (Ephes. II, 20).
Si ante te coepit, si ante te credidit, si a
fundamentis prioribus non recessit, si non
illa migravit, si non a reliquo corpore
separata suos sibi magistros et propria
instrumenta constituit, si quid insolitum
argumentata est, si quid novi juris invenit, si
corpori suo repudium pacis indixit: plane
tunc a Christo recessisse videatur, tunc
extra prophetas et apostolos constitisse.
LIII. Haec igitur erit domus magna,
locuples omnium diversitate vasorum, in
qua purum refulget aurum, in qua ductile
lucet argentum; verum, quae etiam lignea
sicut scriptum est (II Tim. II, 20), et fictilia
vasa dignatur. Magna enim domus multos
movet usus, opera diversa sollicitat. Non
solum quaerit argentum, nec aureo tantum
delectatur ornatu. Subinde plus decet
magna, contemptus; et inter nobiles
ambitus, exigua quoque jocunda sunt.
Nullus artifex opera sua despicit, nec vilia
sibi putat esse quae fecit. Et unde pro
peccatoribus passum putas Christum, nisi
quod perdere noluit quidquid ipse formavit?
Unde illum putas hodieque interpellare pro
miseris, nisi quod modicum, eumque et
despectissimum, non repellit; neminem, ex
his quos acceperit, perditurus; ligneo licet
ac fictili comparentur, atque ita in domo sua
omnia vasa componit?
LIV. Tandem, frater Symproniane,
non pigeat esse cum multis; tandem libeat
reduvias Novatianorum, et praesegmina
vestra contemnere; tandem catholicos
greges et tam late patentes Ecclesiae
populos intueri. Ubi unus, inquies, ibi et
ego; et ubi duo, ibi Ecclesia: ubi unus tamen
concors; ubi duo, pacifici. Ubi unus, et
Ecclesia; quanto magis ubi plures?
Meliores, inquit, duo quam unus: et spartum
triplex non rumpitur (Eccle. IV, 9.12). Audi
David: Psallam nomini tuo in ecclesia multa
(Psal. XXXIV, 18). Et iterum: In populo
gravi laudabo te (Ibid.). Et: Deus deorum
locutus est, et vocavit terram ab ortu solis
usque ad occasum (Psal. XLIX, 1). Quid
semen Abrahae, secundum stellarum modos
et numeros arenarum, vestra paupertate
contentum? Benedicentur in te, inquit,
omnes tribus terrae (Gen. XXII, 18). Dic;
Novatianus has impleat? Non tam parum,
sanguine suo redemit Deus, nec tam pauper
est Christus.
LV. Cognosce jam, frater, Ecclesiam
Dei dilatantem tabernacula sua, et
edificada com preponderância nos fundamentos dos
profetas e apóstolos a partir da pedra angular que é Jesus
Cristo (Ef. 2, 20). Se ela começou antes de ti, se ela já
antes de ti acreditava, se não se afastou dos primeiros
fundamentos, se não foi embora para outro lado, se não
arranjou para si os seus próprios mestres e instrumentos
próprios, afastada do restante corpo, se começou a pensar
de maneira nova, se achou algum direito que não tinha, se
declarou um repúdio de paz ao seu corpo, então parece
claramente que se afastou de Cristo, então parece que se
excluiu dos profetas e apóstolos.
53. Esta Igreja é, portanto, a casa grande, cheia de
toda a espécie de vasos, na qual refulge o ouro puro, na
qual reluz a dúctil prata, mas também ela se digna ter
vasos de madeira e de barro, como está escrito (cf. 2Tim.
2, 20). Com efeito uma casa grande comporta muitos usos
e requer diversas operações. Não só procura a prata, nem
somente se deleita com o ornamento de ouro. De vez em
quando o que é desprezível destaca mais o que é
grandioso e no meio do nobre fausto também ficam bem
as coisas insignificantes. Nenhum artífice despreza as suas
obras, nem considera que é vil aquilo que fez. Ora porque
razão é que tu achas que Cristo padeceu pelos pecadores,
senão porque não quis perder tudo o que ele criou? Porque
razão é que pensas que ele também hoje intercede pelos
desgraçados, senão porque não rejeita o humilde e o
desprezível, senão porque nenhum dos que ele adquiriu se
há-de perder, embora fossem comprados de mandeira ou
de barro, colocando assim na sua casa todos os vasos?
54. Por fim, irmão Simproniano, não te
envergonhes de estar com muitos. Que te agrade, enfim,
desprezar as ninharias dos Navacianos. Que te agrade,
enfim, voltar os olhos para as comunidades católicas e
para os povos da Igreja tão visíveis por todo o lado. Dir-
me-ás: onde estiber um, aí estarei eu; e onde estiverem
dois, aí estará a Igreja. Todavia isso é onde estiver um que
seja concorde e onde estiverem dois que sejam pacíficos.
Se onde está um, aí está a Igreja, quanto mais onde estão
muitos? «É melhor dois, do que um só» – diz a Escritura –
, «o cordel dobrado em três não se parte» (Ecl. 4, 9.12).
Escuta David: «Cantarei ao teu nome na grande
assembleia». E ainda: «Eu te louvarei no meio da
multidão» (Sl. 34, 18). Mais: «O Deus dos deuses falou e
convocou os habitantes da terra desde o nascente ao
poente» (Sl 49, 1). Será que a descendência de Abraão,
mais numerosa que as estrelas e o número das areias, se
contenta com a vossa pequenez? «Em ti serão abençoadas
– diz o Senhor – todas as tribos da terra» (Gen. 22, 18).
Diz-me lá: Novaciano preencheu-as? Não é tão pouco o
que Deus remidiu com o seu sangue, nem é tão pobre
Cristo.
55. Reconhece já, irmão, a Igreja de Deus que dilata
aulaeorum palos dextra sinistraque
figentem: intellige, ab ortu solis usque ad
occasum laudabile nomen Domini (Psal.
CXII, 3). Vide, vide, quaeso, Novatianis in
verba luctantibus, catholicas agi toto orbe
divitias.
LVI. Super omnibus quibus a te sum
consultus, instruxi. Nullum, ex propositis
caput sententiamve praeterii. Ad ipsos
apices et verba respondi. Si consulentis
animo requisisti, amanter ostensum est: si
lacessentis, haud segniter disputatum.
Subjungam, cum vacuum erit, et aliam
epistolam, in qua non vestra redarguam, sed
nostra proponam: quam, si benigne et sine
fastidio legeris, fortasse non laedet. Interim,
in ista, peto ut singula quaeque percenseas.
Omnia cito lecta praetereunt: si charismata
meliora desideras, et bonae eruditionis
animam geris, non facile tam vera
contemnis. Dominus te in aeternum
custodire et protegere dignetur, et
Christianum vivere faciat ad concordiam
spiritualem. Amen.
as suas tendas, fixando à direita e à esquerda os paus dos
panos delas. Entende que «desde o o nascer ao pôr-do-sol
deve ser louvado o nome do Senhor» (112, 3). Vê, vê por
favor que, enquanto os Novacianos esgrimem palavreado,
as riquezas da Igreja católica refulgem por todo o mundo.
56. Expliquei tudo o que tu me expuseste. Não
deixei nenhum capítulo ou sentença do que me foi
proposto. Respondi a todas as palavras e até às vírgulas.
Se me perguntaste com espírito de quem quer saber, foi-te
respondido com amor. Se me perguntaste com espírito de
provocação, não fugi à discussão por covardia. Escrever-
te-ei ainda outra carta, quando tiver tempo, na qual não
vou contestar as vossas doutrinas, mas sim propor as
nossas. Se a leres com boa vontade e sem enfado, talvez te
seja últil. Entretanto, no que diz respeito a esta presente
carta, peço que reflictas em todos e cada um dos seus
pontos. Tudo o que é lido à pressa, escapa. Se desejas
melhores dons do Espírito e cultivas o espírito da boa
erudição, não desprezarás facilmente coisas tão
verdadeiras. Que o Senhor se digne guardar-te e proteger-
te e faça com que tu vivas como Cristão em ordem à
concórdia espiritual. Amen.
Tradução: pza, 2020