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Eu lhes digo isso na esperança de que os ajude a compreender por que agi da

maneira como agi, no pleno conhecimento de que grandes forças se acumulavam em meu
Império com apenas um desejo — o de me destruir. Vocês que leem estas palavras podem
saber muito bem o que realmente aconteceu, mas eu duvido de que compreendam o porquê.

Há quem diga que eu não possuo consciência. Como são falsos, até consigo mesmos.
Eu sou a única consciência que jamais existiu. Assim como o vinho retém o perfume do
seu barril, assim eu mantenho a essência de minha gênese mais ancestral, e essa é a
semente da consciência. É isso que me faz sagrado. Eu sou Deus porque sou o único que
realmente conhece sua hereditariedade!

Vocês devem saber que eu possuo internamente, ao meu alcance, cada habilidade
e cada experiência conhecida em nossa história. Esse é o reservatório de energia no qual
me alimento quando abordo a mentalidade da guerra. Se vocês nunca ouviram os gritos e
os gemidos dos feridos e agonizantes, então não conhecem a guerra.

Eu já ouvi tais gritos em tamanho número que eles me perseguem. Eu mesmo já


gritei no final de uma batalha. E sofri ferimentos de todas as épocas: ferimentos feitos
com punhos, pedras e cajados. Com membros couraçados e espadas de bronze, e maça.
De espadas à silenciosa asfixia da poeira. De vapores alquímicos que enegrecem a língua
e afogam os pulmões ao esguicho rápido de chamas, ao trabalho silencioso de venenos
lentos... e mais ainda que não contarei! Eu os vi e senti a todos.

O estado de guerra incessante dá origem a suas próprias condições sociais, que


têm sido similares em todas as épocas. As pessoas entram num permanente estado de
alerta para evitar ataques. E você presencia a regra absoluta do autocrata. Todas as
coisas novas tornam-se perigosas regiões de fronteiras, novos
terras, novas áreas econômicas para explorar, novas ideias
ou novos engenhos, visitantes, tudo é suspeito.

O governo se estabelece com firmeza, algumas vezes


disfarçado como uma estrutura similar, mas sempre presente. A
sucessão hereditária segue as linhas do poder. O sangue dos poderosos
domina. Os vices regentes ou seus equivalentes apoderam-se das riquezas. E
eles sabem que devem controlar seus herdeiros ou então o poder lentamente lhes escapará.
Agora pode compreender a paz que proponho?
Entre as linhas do meu diário, encontra-se a luta com a visão que a civilização
possui de si mesma — uma disputa suarenta num campo onde as motivações do nosso
passado mais obscuro podem brotar de um reservatório inconsciente, tornando-se não
apenas eventos com os quais temos de viver, mas eventos que precisamos enfrentar. É o
monstro com cabeças de hidra que sempre nos ataca vindo de nosso lado cego.

Estranho como possa parecer, as grandes lutas, como as que vocês percebem
emergir da leitura de meus diários, nem sempre parecem visíveis aos seus participantes.
Muito depende do que as pessoas sonham na privacidade de seus corações. Sempre me
preocupei em moldar os sonhos assim como as ações.

Essa é a maneira pela qual o hoje modifica a história. Nem todos os contemporâneos
habitam o mesmo tempo. O passado está sempre mudando, mas poucos o percebem.

Qual a mais profunda diferença entre nós, entre você e eu? Vocês já sabem. São
as memórias ancestrais. As minhas atingem-me num completo clarão de consciência. As
suas atuam pelo lado cego. Alguns chamam isso de instinto ou destino. Essas memórias
aplicam suas alavancas sobre cada um de nós: naquilo que pensamos e naquilo que
fazemos.

Vocês se julgam imunes a tais influências? E, no entanto, ela os move. E aquilo


que se move exerce sua força de maneira que nenhum poder mortal jamais se atreveu a
estimar. E eu estou aqui para me atrever a isso. Eu sou a marionete dos deuses que viu
as cordas.

Que não reste dúvida de que eu sou uma reunião de meus ancestrais, uma arena
na qual eles exercitam meus impulsos. Eles são minha voz e eu sou o corpo deles através
do qual eu falo. Suas experiências são minhas. Seu conhecimento destilado é minha
herança. Esses milhares sou eu.

Eu conheço o mal em meus ancestrais porque sou cada uma daquelas pessoas. Esse
equilíbrio é delicado ao extremo. Sei que poucos entre aqueles que leem minhas palavras
chegaram a pensar em seus ancestrais desse modo.
Por acaso já lhes ocorreu que seus ancestrais foram sobreviventes, e que a própria
sobrevivência às vezes envolve decisões selvagens, uma espécie de brutalidade lasciva que
a civilização se esforça duramente para suprimir. Que preço vocês pagariam por tal
controle? Vocês aceitariam a sua própria extinção?

Se você conhece todos os seus ancestrais, então se torna uma


testemunha pessoal dos eventos que criaram os mitos e as religiões do
nosso passado. Reconhecendo isso, deve reconhecer-me como um
criador de mitos.

Caçadas através de memórias ancestrais ensinam-me muitas


coisas. Os padrões, ah, os padrões que surgem. Ah, enfim, se os padrões
me ensinam alguma coisa, é que eles se repetem. Minha opressão de
maneira alguma é pior que qualquer outra, e nela, pelo menos eu
ensino uma nova lição.

Conheço um padrão profundo que todos negam com suas


palavras, ainda que suas ações o confirmem. Eles dizem que buscam
a segurança e a quietude, aquela condição a que chamam de paz. E
mesmo enquanto falam, eles criam as sementes da agitação e da violência.

Se encontram sua quieta segurança, sentem-se mal nela. Quão


tediosa a julgam? Olhe para eles agora. Olhe para o que fazem
enquanto eu registro estas palavras. Ah! Eu lhes darei eras de
tranquilidade forçada que prosseguem a despeito de todos os esforços
para se mergulhar no caos.

Os grupos tendem a condicionar seu ambiente para a sobrevivência do todo. E,


quando se desviam desse comportamento, isso pode ser tomado como sinal de doença
grupal.
Dado tempo suficiente para as gerações evoluírem, o predador produz adaptações
particulares para a sobrevivência de sua presa, a qual, através de uma operação circular
de retroalimentação, produz mudanças no predador, que novamente modificam a presa —
etc., etc., etc. Muitas forças poderosas fazem a mesma coisa. E vocês podem incluir entre
essas forças a religião.

A religião suprime a curiosidade. E quanto mais curioso eu me torno, menos


curiosos ficam aqueles que me adoram. Tudo que eu faço subtrai alguma coisa de meus
adoradores. Assim é que, no final, não farei coisa alguma, entregando tudo de volta ao
povo assustado,
que se encontrará sozinho e forçado a agir por si próprio.

A maior parte da civilização é baseada na covardia. É fácil civilizar ensinando a


covardia. Minam-se os padrões que levariam à bravura. Contém-se a livre iniciativa.
Regulam-se os apetites, colocam-se cercas nos horizontes. E se faz uma lei para regular
cada movimento. Nega-se a existência do caos e se ensina as crianças a respirarem
lentamente. Doma-se.

Eu crio um campo sem identidade nem centro, um campo onde até mesmo a morte
se torna mera analogia. Não desejo resultados. Apenas permito a existência desse campo
que não possui objetivos nem desejos, que não tem perfeições nem visões de realização

Só tolos só deixam de levar em conta o preço que inevitavelmente devem pagar. O


padrão é inevitável em suas falhas degenerativas. Repete-se nos sistemas de escravidão,
nas religiões estratificadas, nas burocracias, na nobreza em qualquer sistema que crie e
mantenha dependências. Seja um parasita por muito tempo e você não poderá existir sem
um hospedeiro.

Acreditem-me, a memória da minha paz permanecerá com eles para sempre —


Eles só irão buscar sua quieta segurança, daqui para a frente, com extrema cautela e
cuidadosa preparação. Quando parti para liderar a civilização ao longo de meu Caminho
Dourado, eu lhe prometi uma lição que até seus ossos iriam recordar.
Eu rezo, portanto, para que, quando vocês tiverem atravessado sua porção do
Caminho Dourado, a civilização não seja mais como crianças inocentes dançando ao som
de uma música que não podem ouvir.

E àqueles que se atrevem a me perguntar por que me comporto da maneira como


me comporto, eu respondo: Com minhas memórias, não posso fazer outra coisa. Não sou
um covarde, e um dia já fui um Silat. Hoje talvez seja apenas um demônio ou quem sabe
o Diabo?

O que é o diabo? Na nossa cultura o diabo é claramente definido. Ele é o ofensor


o antagonista o sussurro no ouvido da humanidade, nos tentando a pecar contra deus. A
quebrar as leis que melhor definem o que é bom e o que é mau. Todo o mau então surge
a partir dele

Aprendemos a dicotomia dia e noite razão e emoção criação e destruição .de uma
lado o criador o arquiteto de infindáveis planos para o nosso bem

Do outro lado a força destruidora o espírito caótico que é definido pela sua oposição
a ordem e ao bem

Percebam que diferente do deus criador que essencialmente criou o bem e a ordem
como estados inerentes das coisas o mal é consciente é uma escolha ativa. Isso demonstra
como somo marionetes nas mãos de deus, todas nossas escolhas são essencialmente más
e contrarias a vontade divina.

É contra essas cordas de marionetes que luto, todos fomos ludibriados pelas
divindades que de nos extraem a sua própria existência

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