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Texto por Ravn

Publicado originalmente em Platinorum.

Parte I
A Tradição Nórdica interpreta o Universo na forma da “Árvore do
Mundo”, com os Mundos da existência dispostos em seu tronco, raízes
e galhos; chamada de “Yggdrasill”, seu nome significa “Cavalo de
Ygg” – uma referência ao deus Óðinn (que possui muitos nomes,
sendo “Ygg” um deles) e sua autoimolação na Árvore, obtendo o
conhecimento das runas e da magia no processo. Em nossa
exploração da Magia Nórdica, começaremos entendo sua cosmogonia
tanto do ponto de vista da mitologia quanto magístico.

“Eu conheço o freixo que se ergue / chamado Yggdrasill, / uma


grande árvore, respingando / com água branca; / de onde vem o
orvalho / que cai nos vales, / que cresce eternamente verde sobre a
fonte de Urðr.” – Völuspá, Stanza 19; traduzido por Marcio
Alessandro Moreira
As principais fontes mitológicas e tradicionais sobre ela são
o Gylfaginning (“O Engano de Gylfi”, parte da Edda Prosaica) e
a Völuspá (“A Profecia da Vidente”, parte da Edda Poética); no
poema Grímnismál (“Os Ditos de Grimnir”, também da Edda
Poética), recebemos mais detalhes sobre a Yggdrasill e principalmente
a cosmogonia nórdica.

Na busca de estudar e trazer para os dias de hoje a Magia Nórdica, os


magistas atuais através do estudo da simbologia contida nas Eddas,
vêem a Yggdrasill não apenas como um mapeamento do Universo
como também da psicologia humana. Tanto a Völuspá quanto
o Gylfaginning apontam que a humanidade foi criada a partir de
árvores, o que apontaria que possuímos uma “Yggdrasill interna”
também; para muitos, isso é o que nos dá acesso aos Mundos externos.
Nessa abordagem mais psicológica, a Yggdrasill se torna uma boa
ferramenta para o auto-conhecimento.
Nas representações artísticas, normalmente era colocada como uma
grande árvore frondosa com uma águia em seu topo, quatro cervos em
torno de seu tronco e uma serpente enrolada em suas raízes (o dragão
dos mundos inferiores Níðhöggr). Ocasionalmente, também era
retratado um esquilo (Ratatoskr, que transitava entre os Mundos
levando notícias – muitas vezes distorcidas – entre o Dragão inferior e
a Águia superior) no tronco. Atualmente, muitos preferem versões
planificadas e simplificadas; porém é importante reforçar que essas
representações possuem funções artísticas ou didáticas, o mapa não é
o território.

A Árvore possui três Raízes principais, cada uma sobre três Fontes –
Urðr, Mimir e Hvergelmir. A Fonte de Urðr é associada com os
Mundos superiores, sendo a morada das Nornir (a tríade do Destino).
Além de tecerem e entremearem os destinos dos humanos, as três
deusas também usam a água e a lama desta Fonte para regar e nutrir a
Árvore, reparando os danos causados pelo dragão. É um local onde
mesmo divindades podem obter presságios e orientação.

Na Raiz equivalente aos Mundos intermediários fica a Fonte de Mimir


(nome que significa “Memória”), onde jaz a cabeça de um gigante –
preservada viva através da magia dos Æsir – que guarda o
conhecimento ancestral e místico. Nessa fonte, Óðinn sacrificou um
de seus olhos em uma de suas buscas por conhecimento oculto.

Por fim, na Fonte Hvergelmir brota a Raiz dos Mundos inferiores.


Dela jorram os rios primordiais que passam pelo Mundo dos mortos
fluindo até o Mundo dos humanos. Alguns autores a colocam como
a morada de Níðhöggr, dedicado a destruir a Árvore, por isso os
contemporâneos atribuem a ela uma simbologia de morte e
ressurreição.

Haviam diversas passagens e pontes entre os Mundos, sendo as mais


famosas Bifröst e Gjöll – respectivamente, a ponte reluzente que liga
Miðgarðr (Mundo Humano) e Ásgarðr (Mundo dos Deuses) e a ponte
escura que atravessa um rio gelado de mesmo nome e conecta
Miðgarðr com Helheim (Mundo dos Mortos). Embora sejam
desenhados como uma estrutura linear para facilitar a compreensão e
estudo, os Mundos são na verdade uma estrutura 3D e muitas vezes se
entrelaçam. No próximo post, vamos começar a explorar os Nove
Mundos e suas associações atuais com aspectos da mente.

Sjáumst bráðlega!

Parte II
No primeiro post, conhecemos os princípios básicos a cerca da
Yggdrasill, a Árvore do Mundo no qual a cosmogonia nórdica está
apoiada. Agora, iremos conhecer um pouco mais sobre os Nove
Mundos que são usados para compreender a realidade. Tomaremos
uma abordagem que introduz tanto um ponto de vista mais próximo
do mitológico, quanto o daqueles que preferem a visão psicológica.

“Primeiro os filhos de Borr/trouxeram a terra,/eles que criaram/a


famosa Miðgarðr./A Sól brilhou do sul/nos salões de pedras;/então na
terra começou a crescer/os verdes alhos” – Völuspá, Stanza 4;
traduzido por Marcio Alessandro Moreira
É importante reforçar que existem diversas interpretações para a
Yggdrasill e seus Nove Mundos, baseadas em textos mitológicos de
épocas variadas. Outros pontos de vista costumam a variar
determinados mundos, como separar Svartálfheimr e Niðavellir
(normalmente desconsiderando Múspellsheimr nessas versões); ou
considerar Helheimr como uma região de Niflheimr. Ao lidarmos com
planificações e esquematizações, temos quer ter em mente que “o
mapa não é o território” e que na prática as coisas podem funcionar
um pouco diferentes que na teoria – por isso, surgem interpretações
variadas.

A versão que estou apresentando aqui é aquela que eu me adequei


melhor em meus trabalhos, incluindo também uma correlação recente
entre os Mundos e nove runas do alfabeto Elder Futhark. Estas runas,
caracterizadas por terem um desenho simétrico (por isso, durante o
jogo oracular, elas dão a impressão de não possuírem uma “posição
invertida”), passaram a ser consideradas portais que facilitam o acesso
aos Mundos e suas energias.
Uma arte que retrata os Nove Mundos de forma simplificada
Miðgarðr: o “Jardim do Meio” localizado no tronco da Yggdrasil, é o
Mundo Material criado a partir do corpo do gigante ancestral Ymir
após sua derrocada. Morada da humanidade, se situa no centro do
tronco da Yggdrasill e é ameaçada por gigantes de Jötunheimr. No
mar em seu entorno, está a serpente Jörmungandr (ou
“Miðgarðsormr”, “Serpente de Miðgarðr”); tão grande que seria capaz
de envolver o mundo todo e morder o próprio rabo, quando emerge
causa terremotos e tempestades. É não só o mundo em que estamos e
interagimos o tempo todo, como também o nosso estado habitual de
consciência. Sua runa correspondente é Jera, que rege a passagem do
tempo e representa os calendários; o deus Þórr é tido como seu
protetor, mas também é associado com deusas da Terra como Jörð.
Svartálfheimr: “Reino dos Elfos Negros”, também chamado de
Niðavellir (“Campos Escuros”) e localizado logo abaixo de Miðgarðr,
é um mundo subterrâneo onde habitam os anões e elfos negros – seres
ligados a terra mestres da forja e metalurgia, que fogem da luz solar.
Estes seres foram os responsáveis pela construção de diversas armas e
objetos mágicos usados pelos deuses, entre eles a lança de Óðinn, o
martelo de Þórr e o barco de Freyr. Internamente, podemos associar
esse processo da transformação de metais brutos em objetos mágicos
com o processo interno onde aquilo que está no subconsciente é
“refinado” até se tornar consciente, e externamente com a preparação
para algo ainda sutil ser manifestado em Miðgarðr. Sua runa
correspondente é Eihwaz, que representa o “tronco” ou “eixo”.

Ljósálfheimr: a “Morada dos Elfos Claros” logo acima de Miðgarðr.


Embora seu nome possa sugerir uma relação conflituosa com
Svartálfheimr, não há uma visão maniqueísta na Magia Nórdica; a
mitologia não aponta conflitos entre ambos, e alguns magistas os
veem como opostos complementares. Os elfos claros são retratados
como misteriosos, aparecendo tanto em cultos agrários quanto
familiares (em associação a ancestralidade), porém também
associados a magia; atribuiu-se a esse mundo a criatividade e
trabalhos mentais orientados pelos elfos. Também é um reino
associado com a fertilidade e a luz solar, uma vez que é habitado pelos
deuses solares Freyr (deus Vane da colheita) e Sól (deusa condutora
do sol). Sua runa correspondente é Sowilo, a runa do Sol.

Niflheimr: ao norte de Miðgarðr em um eixo horizontal está


Niflheimr, o “Mundo Enevoado”. É o mundo congelado do Gelo
primordial, o princípio passivo, receptivo, conservador e ordeiro.
Repleto de névoas e ilusões, é onde tudo o que não foi gerado ainda
jaz congelado, precisando o elemento ativo (o Fogo de
Múspellsheimr) para derreter o gelo e liberar a criação. Possui
correspondência com a runa Naudhiz, associada com amarras e
bloqueios.

Múspellsheimr: ao sul de Miðgarðr, é o Mundo do Fogo primordial


oposto à Niflheimr. O Fogo primordial constitui o princípio ativo,
expansivo, destrutivo e caótico. A interação dele com o Gelo de
Niflheimr dentro do Ginnungagap (o abismo vazio, anterior ao
Universo) foi o que deu início a criação. É habitado por gigantes de
fogo que são regidos por Surtr, portador de uma espada flamejante.
Sua runa correspondente é Dagaz, a runa da conclusão plena e
reinício.

Vanaheimr: o “Reino dos Vanir” à oeste de Miðgarðr é um plano


pacífico e abundante habitado pelo panteão de divindades antigas
ligadas à terra, à fertilidade e aos ciclos naturais. Os principais Vanir
são o deus do mar Njörðr e seus filhos Freyja e Freyr (embora este
habite Ljósálfheimr). Em seu centro há uma região chamada
“Fólkvangr” (“Campos do Povo”), que serve de destino para parte das
almas dos mortos. Internamente, é associado com as emoções que
fazem o papel de fertilizar e fortificar nossas idéias e planos,
garantindo seu crescimento. Sua runa correspondente é Ingwaz, a
sucessão natural.

Jötunheimr: também chamado de Útgarðr (“Jardins Exteriores”), o


“Reino dos Gigantes” localiza-se a oeste de Miðgarðr e é retratado
como um mundo primitivo e perigoso. Habitado pelos Jötnar
(gigantes), são seres com papéis ambíguos na mitologia – muitos são
associados com eventos climáticos destrutivos como as tempestades,
enquanto outros são sábios e detentores de segredos que os deuses
tentam tomar (tanto por força bruta, quanto através de estratagemas).
Em muitos casos, como os de Útgarða-Loki e Þrymr, os gigantes se
colocam como inimigos dos deuses e da humanidade; porém, as
gigantas são descritas dotadas de muita beleza e habilidade marcial,
frequentemente se envolvendo em casos amorosos com deuses. Se
manifesta dentro de nós através de instintos e impulsos que
costumamos a renegar, porém devemos lembrar que os colocando sob
controle e tendo uma relação respeitosa podem se tornar construtivos.
Sua runa regente é Isa, que representa o congelamento e estagnação.

Helheimr: o mundo mais profundo, onde a própria Árvore está


enraizada, é o mundo dos mortos governado pela deusa Hella. É
destinado às almas daqueles que não foram escolhidos pelos deuses
para residir em suas moradas (em Ásgarðr ou Vanaheimr); por isso,
embora aparente ser um mundo de inércia, também é um mundo de
renascimento onde as almas podem descansar – o deus Baldr foi
recebido em Helheimr após ser morto nas intrigas de Loki. Isso se
reflete na própria aparência da deusa, em parte uma bela jovem e em
outra um cadáver em decomposição. É associado ao inconsciente
profundo, onde estão aspectos que por mais que interfiram em nosso
ser o tempo inteiro estão muito longe da luz da consciência – e por
isso, muitas vezes são temidos e suprimidos. Sua runa regente é
Hagalaz, associada ao granizo e indicadora daquilo que está além do
nosso controle.

Ásgarðr: o lar dos deuses Æsir, no topo da Árvore, governado por


Óðinn e Frigg. Ásgarðr é associado ao “Eu Superior” e possui vários
palácios e salões que servem de morada para os Æsir, sendo o mais
famoso Valhöll – onde as Valkyrias levam as almas daqueles que
morreram em batalha para se juntarem aos seus exércitos. Pode ser
acessado de Miðgarðr pela travessia da ponte Bifröst, brilhante porém
estreita, guardada pelo deus Heimdall. Momentos de “inspiração”- em
que nos sentimos realmente extasiados ou motivados – nos colocariam
em contato com o grau de consciência associado a Ásgarðr, além da
comunhão com os deuses. É atribuído à runa Gebo, associada com
presentes – um lembrete dos sacrifícios que são necessários para se
obter as dádivas de Ásgarðr.

O estudo da Yggdrasill e a compreensão dos Mundos e suas interações


é um dos primeiros passos para a prática da Magia Nórdica; porém,
sempre devemos nos lembrar que o aprendizado é constante e nunca
acaba. Também devemos ter em mente que o conhecimento possui um
preço que até o próprio Óðinn teve que pagar – como diz um ditado
nórdico, “a dádiva sempre busca pelo pagamento”!

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