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Semeiosis

SEMIÓTICA E TRANSDISCIPLINARIDADE EM REVISTA.


TRANSDISCIPLINARY JOURNAL OF SEMIOTICS

Por uma semiótica do riso: a semiose risível no


grupo de humor Porta dos Fundos
Diego Frank Marques Cavalcante
Professor Adjunto na Universidade federal do Sul e Sudeste do Pará. Coordenador do grupo de pesquisa
em Semiótica e micropolítica dos processos de criação. 
diegomarques@unifesspa.edu.br

Resumo
O propósito deste artigo é o de apresentar uma proposta epistemológica e
metodológica para pensar o riso do ponto de vista semiótico. Nesta perspectiva, o
sentido do riso deve ser investigado como processo de semiose que promove a
evolução dos signos. Propomos um procedimento dividido em quatro passos: a)
identificar regularidades que são indícios de um signo-piada; b) observar os aspectos
estéticos, éticos e contextuais envolvidos na produção de sentido; c) analisar a
colagem dos signos do riso para atingir os fins estéticos e éticos; d) investigar a
semiose por meio de sua dimensão simbólica. O grupo de humor Porta dos fundos
foi objeto de investigação, de forma específica, o esquete: O ensino.

PALAVRAS-CHAVE:
Esquete, Piada, Charles Sanders Peirce, epistemologia.

Abstract
The purpose of this article is to present an epistemological and methodological
proposal to think about laughter from a semiotic point of view. In this perspective,
the meaning of laughter should be investigated as a process of semiosis that
promotes the evolution of signs. We suggest a procedure divided into four steps: a)
identify regularities that would indicate a joke-sign; b) observe the aesthetic, ethical
and contextual aspects involving the production of meaning; c) analyze the collage
of the signs of laughter to achieve aesthetic and ethical ends; d) investigate semiosis
through its symbolic dimensions. The humor group Porta dos Fundos was the object
of this investigation, specifically, the sketch: The teaching.

KEYWORDS:
Skeleton, Joke, Charles Sanders Peirce, epistemology.

Junho/2022, v.10 n.1


ISSN 2178-5368

DOI 10.53987/2178-5368-2022-06-08
introdução
Desde a filosofia grega antiga, o riso vem se tornando um problema
sistemático de estudo. Na contemporaneidade, o esforço se espraia, desde a filosofia
até as neurociências. Em comum, embora partindo de pressupostos diferentes, as
abordagens parecem buscar uma “essência” do risível.

Nosso propósito não é o de atingir essa “graça”. O riso pode ter uma miríade
de causas, tais como: o acaso, uma disfunção neuroquímica no cérebro, uma
particularidade antropológica ou pessoal. Em suma, o risível é complexo, sendo, ao
mesmo tempo, químico, biológico e socioantropológico e afetivo.

Nesse sentido, nosso propósito é bem mais modesto. Interessa investigar, do


ponto de vista semiótico, a semiose da piada. Esta será entendida como uma
mediação forjada intencionalmente com o propósito de tornar algo engraçado para
alguém em um dado contexto. No lugar de uma teoria universal do risível, interessa
investigar o processo de atualização do riso a partir da ação do signo.

O esforço consiste em apresentar uma proposta epistemológica-


metodológica[1], baseada na semiótica de Charles Sanders Peirce para analisar os
sentidos do risível. Nessa perspectiva, é preciso levar em conta a relação da
semiótica com as outras ciências normativas, com a ética e a estética, bem como
com o contexto que irrita a ação dos signos. A semiose deveria ser compreendida
como um fluxo que articula, desde os ideais estéticos, até as resistências de um dado
contexto.

No primeiro momento do artigo, destacamos aspectos da semiótica de Charles


Sanders Peirce, enfatizando, sobretudo, a noção de signo e de semiose. A partir
dessa contextualização teórica, especulamos: como deve funcionar o signo para
tornar um dado objeto engraçado?

Nessa perspectiva, os signos produzidos por humoristas profissionais


poderiam ser entendidos como objetos privilegiados de investigação. Isso porque o
desenvolvimento dos signos do riso é seu ofício. Nesse sentido, seus signos são
constantemente selecionados, criticados, debatidos e desenvolvidos pela
comunidade “risível”.

Investigar as piadas de humoristas, enquanto processo de semiose, portanto, é


o foco da nossa contribuição. Se a piada é pensada como signo, então, pode ser
investigada como mediação. Se é assim, então, traz consigo um aspecto inteligente e
habitual, ou seja, em circunstâncias específicas, uma fórmula deveria ser eficiente
para dada finalidade. Nesse sentido, a ação de um dado signo pode ser observada a
partir das regularidades presentes aos eventos conduzidos por ele.

Se assumirmos, portanto, a hipótese de que a piada pode ser pensada como


signo, então, sua ação deveria ser passível de observação por meio de “fórmulas”
regulares expressas em diferentes piadas. Trata-se de observar indutivamente
elementos que corroboram a hipótese a partir das suas consequências sacadas
dedutivamente.

Se isso for verdade, então, é possível investigar processos de semiose do riso


a partir de piadas compostas por humoristas. Por outros termos, deve ser possível
observar regularidades nas piadas, que indicam um modo de combinar signos para
tornar risíveis dados objetos.

Neste artigo, fizemos uma pesquisa nos vídeos do grupo de humor Porta dos
fundos. A partir da observação inicial das piadas contidas nos diferentes esquetes,
buscamos aspectos recorrentes. Estas regularidades, então, indicam os efeitos de
uma dada fórmula-signo sobre piadas específicas. Em seguida, observaremos se a
aludida fórmula pode ser encontrada em outras piadas, indicando a plausibilidade da
hipótese.

Portas dos fundos é uma produtora de vídeos de humor veiculados na internet.


O grupo foi formado em 2012 no Rio de Janeiro. Originalmente, o elenco era
composto por: Antonio Tabet, Clarice Falcão, Fábio Porchat, Gregório Duvivier,
Gabriel Totoro, João Vicente de Castro, Júlia Rabello, Letícia Lima, Luis Lobianco,
Marcos Veras, Marcus Majella e Rafael Infante. Entre os temas principais do grupo
estão: a crítica às contradições, as violências e os abusos enraizados na cultura
brasileira.

charles sanders peirce: uma epistemologia da


transformação?
Para entender a piada do ponto de vista semiótico é preciso evidenciar as
consequências epistemológicas que estão implicadas e assumir a aludida abordagem.
Para isso é necessário destacar o contexto no qual Peirce desenvolveu sua semiótica
no escopo de uma crítica ao “espírito cartesiano” que Santaella (2004, p. 46) resume
da seguinte forma:

A fonte do cartesianismo está na intuição, mas seu alvo está no conhecimento


certo e seguro. Dada qualquer proposição, ou ela é original, imediata, não
determinada, ou ela é derivada, quando, então, procede de uma proposição anterior.
Qualquer linha de raciocínio deve ter um ponto de partida, uma origem, do que
decorre que, em algum momento, é possível atingir uma proposição originária que
não é deduzida de nenhuma outra. Se essa proposição é indubitavelmente certa, é
porque chegamos a um ato mental intuitivo, instantâneo. Proposições desse tipo são
incapazes de demonstração, nem necessitam disso, pois satisfazem o que é requerido
para chegar à certeza do conhecimento.

Peirce estabelece as bases de sua crítica ao “cartesianismo” na dita série


cognitiva de textos (1868-1869). Poderia se dizer que é senão a partir dessas críticas
que Peirce desenvolve a máxima que seria uma das molas propulsoras do
desenvolvimento de sua semiótica: só podemos pensar com signos. No seu artigo
seminal, “Sobre quatro capacidades que o homem reivindica para si”, Peirce coloca
em xeque alguns princípios do “cartesianismo[2]”:
1.Não temos poder de introspecção; pelo contrário, todo conhecimento do
mundo interno é derivado por raciocínio hipotético a partir de nosso conhecimento
de fatos externos. 2. Não temos nenhum poder de intuição, pois cada cognição é
determinada logicamente por cognições prévias. 3. Não temos nenhum poder de
pensar sem signos. 4. Não temos nenhuma concepção do absolutamente
incognoscível (PEIRCE, 1998, p.29).

É nesse sentido que o signo entra como elemento epistemológico decisivo na


teoria de Peirce. No lugar do sujeito e do nominalismo, entram o signo e sua ação
pragmática como elementos fundantes no processo do conhecimento.

Nesse sentido, para escapar do individualismo, ele vai buscar na


fenomenologia os princípios para sua arquitetura filosófica. Isso porque a
fenomenologia deveria apresentar as categorias universais da aparência, ou seja,
aspectos que poderiam ser observados por toda a comunidade, escapando, portanto,
da tenacidade, como fundamento da crença, e indo em direção ao método científico.

Peirce (1998), portanto, começa sua investigação fenomenológica[3],


buscando as categorias universais da aparência. A partir daí, toma as categorias
fenomenológicas como “esqueleto” diagramático dos fenômenos, apresentados em
três categorias: primeiridade, secundidade e terceiridade.

Na epistemologia semiótica de Peirce são problematizados: o sujeito e suas


dicotomias, enquanto fundamentos do conhecimento; o materialismo mecânico; um
ideal absoluto ou imutável. A noção de signo e, portanto, da semiótica, é forjada no
escopo dessas problematizações. A ação do signo é sinônimo de transformação,
inteligência, evolução, mente e coletividade.

Assim, no escopo de um posicionamento epistemológico semiótico, o riso


não pode ser pensado como essência ou princípio absoluto. Trata-se de um processo
evolutivo que, em cada contexto e na transformação histórico-social, vai buscando
mesclas de fórmulas para tornar algo engraçado. Essa evolução é promovida pelo
processo de semiose que se desenvolve socialmente.

Nessa trama de transformação dos signos, é preciso também levar em conta a


agência dos aspectos estéticos[5] e éticos que direcionam a ação dos signos. A
estética está preocupada com o que é admirável em si e com a ampliação das razões.
A ética, por sua vez, com a avaliação das ações para chegar à meta admirável.

Trata-se, portanto, de uma especificação e contextualização da estética. A


semiótica se preocupa com os meios razoáveis para alcançar o fim admirável. Nesse
sentido, é preciso inferir dos signos do riso uma finalidade estética e ética do risível:

A estética, ética e lógica são chamadas normativas porque elas têm como
função estudar ideais, valores e normas. Que ideais guiam nossos sentimentos?
Responder essa questão é tarefa da estética? Que ideais orientam nossa conduta?
Essa é a tarefa da ética. A lógica, por fim, estuda os ideais e as normas que
conduzem ao pensamento (PEIRCE, 1998, p. 2).

A semiótica do riso, por sua vez, deve investigar os meios razoáveis para
tornar algo engraçado para alguém. Seriam as fórmulas do risível que são mescladas,
testadas, aperfeiçoadas sistematicamente em uma dada comunidade risível. O fim da
semiótica é senão o argumento ou o meio racional para realizar os fins éticos e
estéticos.

Nesse sentido, é possível destacar as primeiras consequências do que poderia


ser uma semiótica do risível: a) o riso não é entendido como “essência” ou uma
“forma estática”, mas antes como lógicas em transformação em níveis de
generalidades diferentes que são selecionados por uma comunidade risível; b) essas
transformações são avaliadas pela ética e conduzidas pelos impulsos admiráveis da
estética; c) a semiótica do risível pode ser entendida como as fórmulas-hábitos, em
constante  transformação, para tornar algo engraçado.

  Apresentadas as relações entre estética e ética com a semiótica, interessa


agora aprofundar a semiótica, posto que é a ciência normativa que interessa
investigar neste artigo. Deixando para outro texto a ênfase na estética e na ética.

Peirce (1998) apresenta variações sobre sua definição de lógica ou semiótica.


Em geral, o autor destaca esse ramo como a ciência que estuda o caráter
representativo dos signos em relação aos seus objetos. Esta representação é pensada
como uma mediação inteligente que tem como objetivo tornar eficientes as relações
entre o objeto e sua representação.

Interessa à lógica, portanto, estudar como deve funcionar o signo para que
tivesse um determinado efeito significativo. “A lógica é a ciência das leis (quase)
necessárias gerais dos signos e, especialmente, dos símbolos” (PEIRCE, 2008, p.
29). “A lógica classifica os argumentos, e, ao fazê-lo, reconhece diferentes espécies
de verdades” (PEIRCE, 1998, p. 200). Trata-se de privilegiar o processo da
racionalização.

É nesse sentido que a semiótica estuda o processo de semiose ou a ação do


signo.  A definição mais básica de signo pode ser sintetizada da seguinte forma:
signo é uma coisa, o seu fundamento, que evoca uma outra, seu objeto, para alguém,
seu interpretante. Nessa trama, o objeto é conhecido pelo interpretante graças à
mediação do signo. O signo, portanto, possibilita ao interpretante conhecer uma
coisa (objeto) a partir de outra (signo). Nesse sentido, o signo promove a
continuidade, a extensão, a transformação graças à relação mediada entre um objeto
e seu interpretante (PEIRCE, 1998, p.147).  

  É preciso também destacar o funcionamento do objeto que é mediado pelo


signo e que, por sua vez, o determina. Peirce distingue dois tipos de objeto:
dinâmico ou mediato e objeto imediato. Essa distinção é importante para entender a
dinâmica do processo de semiose. O objeto dinâmico é todo o contexto que afeta o
processo da semiose, ou seja, que impulsiona a ação do signo, mas que está ainda
fora do signo.

O objeto dinâmico só pode ser conhecido por alusões graças à experiência


colateral, ou seja, é, senão, o conhecimento comum entre os envolvidos, que
possibilita sua representação. Essa comunhão de formas forja a emergência do signo.
O objeto imediato é o objeto dinâmico, tal qual representado dentro do signo.

Pode se dizer, portanto, que o objeto imediato é uma espécie de captura do


objeto dinâmico, e que essa captura depende da mente comens dos envolvidos no
processo de semiose. O signo, portanto, é fruto formal do encontro entre mentes em
relação a um dado objeto dinâmico.

 O fundamento[6] do signo é a atualização dessa mente em comum em uma


dada expressão: seja em sons, aromas, formas visuais, seja em expressões táteis. Por
outro lado, as “quase-mentes” envolvidas no processo de semiose compõem a outra
parte do signo: os interpretantes. Estes são os efeitos do signo em uma mente
qualquer.

 Poderia se dizer que Peirce vislumbrou até mesmo os signos do riso quando
fala do chiste. O propósito de Peirce era o de elaborar um conceito de signo tão geral
capaz de abarcar todas as possibilidades de produção de sentido, inclusive o signo
risível:

Eu quero uma definição tal como um zoologista daria a um peixe, ou um


Químico de um corpo graxo ou de um corpo aromático – uma análise da natureza
essencial de um signo, se a palavra for usada como aplicável a tudo que a ciência
mais geral da semiótica deve considerar como sua ocupação estudar [...] se ele é da
natureza de um chiste, ou é selado e atestado, ou se depende da força artística; e eu
não paro aqui porque as variedades de signos não foram, por qualquer meio,
exauridas (SANTAELLA APUD PEIRCE, 2020, p.37).

Assim, se Peirce apresenta uma teoria universal do signo, ou seja, do modo


como um fundamento representa seu objeto para um interpretante, então, uma
semiótica do risível deve se ocupar de investigar lógicas capazes de tornar um dado
objeto engraçado para um dado campo interpretante. Sendo a investigação dos meios
para tornar algo engraçado.

Nesse sentido, como pode ser pensada a semiose do risível? É preciso partir
de uma aspiração apaixonada ao risível como mola propulsora do processo de
semiose, ou seja, o bem estético. A aspiração estética do humorista é tornar o mundo
engraçado, inventar razoabilidades do risível, ou seja, meios para tornar o mundo
engraçado. Assim como o cientista busca a verdade, o humorista busca o riso.

Em seguida é preciso destacar a agência da ética no processo de semiose. A


especificação dessa aspiração em dado contexto, bem como a avaliação das piadas,
no sentido de promover sua evolução em uma dada comunidade risível. Trata-se da
autocrítica bem como da heterocrítica dos propósitos do riso em dado contexto.

Nesse sentido, a partir do refinamento e direcionamento das ações e dos


propósitos na ética, partimos para a busca dos meios para atingir os propósitos, ou
seja, uma semiótica do riso. Trata-se, portanto, de fórmulas que devem tornar
objetos engraçados em dados contextos.              

O humorista deveria ter, portanto, hábitos mentais treinados para perceber


contextos risíveis, ou seja, passíveis de se tornarem engraçados, bem como capaz de
articular as fórmulas adequadas para esse fim. O contexto seria o objeto dinâmico
que incita a produção do signo por parte do humorista. A partir do conhecimento em
comum com seu público, o humorista deve articular meios para tornar o contexto
engraçado.

Trata-se da emergência do signo risível. Apresenta-se o objeto imediato do


risível, ou seja, o objeto dinâmico, tal qual representado no signo risível. Por outros
termos, o objeto dinâmico é traduzido em consonância com os propósitos do signo
risível.

Do ponto de vista semiótico, essas fórmulas são legissignos[7] do risível.


Essas fórmulas devem ter persistido, dada sua eficiência para tornar objetos
engraçados, logo, continuam graças à crença social na sua efetividade. O
fundamento do signo é pragmático e mutante, e não absoluto e imutável.

É claro que investigar a multiplicidade de legissignos risíveis no decorrer da


história é um trabalho pouco plausível, sobretudo, para a amplitude de um artigo. No
entanto, é possível investigar a transformação dos legissignos na contemporaneidade
por meio do modo como são transformados pelos seus especialistas, os humoristas.
Nesse sentido é que destacamos o grupo de humor porta dos fundos. No próximo
tópico, discutimos a possibilidade de um procedimento de investigação semiótica
para o risível.

por uma metodologia semiótica do risível


Tendo destacado os aspectos epistemológicos de uma semiótica do risível,
cabe adentrar nas consequências metodológicas de tal posicionamento. Há décadas,
pesquisadores[8] buscam adaptar a semiótica de Charles Sanders Peirce a um
procedimento metodológico de investigação das linguagens empíricas. Nosso
esforço, portanto, vem da trilha desses competentes pesquisadores.

  Assumimos também a perspectiva pragmaticista de Charles Sanders Peirce


no que diz respeito ao método de condução do raciocínio científico. Trata-se de
combinar abdução, dedução e indução com o propósito de investigar a plausibilidade
das hipóteses. Na abdução, buscamos explicação motivada por algo surpreendente.
A assunção dessa hipótese deve trazer consigo consequências (dedução) que devem
ser observadas nos casos singulares (indução). A observação dessas consequências
vai conferir um grau de confiança às consequências da hipótese:
A indução consiste em a partir de uma teoria, em deduzir pela predicação dos
fenômenos, e em observar esses fenômenos em vista a ver quão aproximadamente
eles estão de acordo com a teoria [...] A validade da indução depende da relação
necessária entre o geral e o singular. É precisamente isso que constitui a verdade do
pragmatismo (PEIRCE,1998, p. 221).

Nesse sentido, apresentamos a seguinte hipótese: a piada poderia ser pensada


como signo, de forma específica, signos de lei (legissignos). Se as piadas são
influenciadas por mediações gerais, então, a ação do signo pode ser inferida a partir
de aspectos regulares que se apresentam em diferentes piadas (réplicas do signo).

Assim, a partir da observação de piadas de um dado humorista devem emergir


modos regulares de combinar dados predicados. Destes, portanto, especulamos
fórmulas que explicam este design regular. A hipótese se torna plausível se for
possível observar este modo de orquestrar os predicados em várias das piadas do
humorista. São os indícios da semiose risível, ou seja, das mediações engraçadas.

É mister destacar que uma epistemologia de inspiração semiótica é capaz de


analisar processos de semiose em diferentes níveis de generalidade. Bense (2003, p.
89-90), inspirado na semiótica peirciana, propõe níveis diferentes de ordens ou
determinações: fenômenos físicos, como as leis naturais, são altamente
determinados. Fenômenos culturais de média determinação. Os signos estéticos são
entendidos como fracamente determinados. Quanto menos determinada a semiose,
maior sua liberdade para estabelecer novas conexões, renovando os sentidos.

Max Bense (2003, p.102-103) chama de estados estéticos as ordens de signos


“menores” desenvolvidas pelos artistas-poetas. Esse processo está atrelado ao que o
autor chama de majoração, que pode ser entendida como a composição de signos
complexos a partir da combinação de signos mais simples:

Por majoração deve-se entender, aqui, a formação, ou conjunção de signos


individuais em um signo reunido [Gesamtzeichen], portanto, a introdução de um
signo individual de ordem superior como “super-signo”, o qual resume signos
individuais de ordem inferior (BENSE, 2007, p.98).

Neste artigo, interessa-nos investigar estes estados estéticos na produção


sígnica do risível: investigar os “super-signos” expressos nas piadas. Por outros
termos, as articulações entre fórmulas: uma bricolagem de legissignos. Esses modos
específicos de combinar signos em dados contextos indicam semioses características
de dado humorista.

O procedimento pode ser dividido em quatro momentos: 1) O primeiro


consiste em inferir a ação dos signos compostos pelo humorista. Neste momento,
devemos fazer uma observação randômica e observar aspectos regulares nas piadas
e suas relações com um contexto geral.
2) Identificado o contexto da ação do signo, inferir os aspectos estéticos e
éticos que motivam a ação do signo nas diferentes situações de sua ação. 3) Elaborar
uma hipótese de majoração do signo, ou seja, uma relação plausível entre o modo de
ordenação dos predicados nas piadas e supostas fórmulas que explicariam a
regularidade destas combinações de predicação.

 4) Escolher uma piada que deve funcionar como atualização do signo-piada
para analisar semioticamente como o objeto é tornado risível. Nessa análise,
recorremos à análise tradicional do signo em relação ao objeto dinâmico, de forma
específica, dos símbolos.

No próximo tópico, portanto, utilizaremos esse procedimento para analisar


um signo-piada característico do grupo de humor Porta dos fundos.

os signos risíveis no grupo de humor porta dos fundos


Partindo do procedimento de investigação proposto, destacamos quatro
momentos de análise. O primeiro é o de identificar a regularidade de um contexto
geral que deve acionar uma dada semiose risível. Se o legissigno é fundamentado
por uma fórmula habitual, então, deve ser acionado para “revolver” problemáticas
de um objeto geral. Por outros termos, tornar um dado contexto engraçado.

Inicialmente, foi feita uma observação randômica dos vídeos do grupo portas
dos fundos. Nesta observação inicial, foi identificada uma recorrência de um dado
modo de combinar os predicados. Este design de predicados também está associado
a um contexto geral, indicando seu aspecto habitual.

  A partir desta observação inicial, foi elaborada uma hipótese de uma


combinação de fórmulas que explicaria a recorrência dos aludidos modos de
articulação dos predicados. São, portanto, um estado estético no escopo da semiose
risível do grupo Porta dos fundos.

Chamamos a ação desse “super-signo” de superioridade-sarcástica-analógica-


exagerada-progressiva na crítica cultura de violência simbólica brasileira. A
extensão do nome é proposital para evidenciar o caráter associativo que
caracterizaria o processo de majoração do signo. Cada um desses termos designa,
tanto as supostas fórmulas do riso mescladas, quanto o contexto geral que o aciona.

O problema geral que aciona a mediação desse signo são casos de violência
simbólica, naturalizados na cultura brasileira. Foram identificados os seguintes
temas recorrentes: racismo, machismo, violência policial, homofobia, misoginia bem
como deboche diante dos direitos humanos.

O contexto geral, como foi destacado, faz parte do processo de investigação


semiótica, posto que é, senão, um contexto geral que aciona um dado hábito, no qual
suas fórmulas deveriam ser eficientes. Na tabela abaixo é apresentada a relação entre
o esquete, o contexto que aciona a ação do signo e a majoração do signo que
analisamos nesse trabalho.
Quadro 01[9]: relação entre os esquetes, o contexto de violência simbólica e o
signo majorado em análise no artigo.

Esquete Objeto risível Signo-piada

Ensino Crítica à educação sexual Signo em análise

Sobre a mesa Machismo Signo em análise

Colonizado Neoliberalismo Signo em análise

Cantada Machismo Signo em análise

Negro Racismo Signo em análise

Suborno Corrupção Signo em análise

Lei seca Corrupção Signo em análise

Cidadão de bem Corrupção Signo em análise

Veado Homofobia Signo em análise

Piranho Machismo Signo em análise

Comercial de Margarina Machismo Signo em análise

Mercado Feminino Machismo Signo em análise

O mundo tá ficando chato Racismo Signo em análise

Escritor Branco Racismo Signo em análise

Sabe com que tá falando? Corrupção Signo em análise

Bala de borracha Violência policial Signo em análise

É preciso destacar que, na composição do signo-piada, deve existir uma


aspiração estética para tornar o mundo engraçado. A partir da estética, a ética deve
especificar esse propósito, associando-a a um contexto e a uma ação.

No caso do grupo Porta dos fundos, o propósito ético é senão tornar risíveis
argumentos violentos que se naturalizaram na cultura brasileira. Assim, o propósito
mais geral de fazer rir está associado a um contextual: rir e criticar aspectos da
cultura brasileira que são preconceituosos e violentos.

  Em seguida, devemos especular, a partir da observação do design dos


predicados, quais combinações de fórmulas explicariam este modo de expressão.
São as supostas fórmulas que compõem a majoração do signo do riso.
Nossa hipótese é que um modo de combinar cinco fórmulas caracteriza um
estado estético do grupo Porta dos Fundos: superioridade, sarcasmo, analogia,
exagero e progressão. Os efeitos desta suposta majoração dos signos podem ser
observados nos esquetes destacados no quadro 1. Algumas dessas fórmulas, em
outros contextos epistemológicos, são entendidas como teorias do riso: trabalhos
sobre história do riso[10], passando pelas neurociências[11] e pelos trabalhos de
humoristas[12].

 A primeira fórmula é a da superioridade[13]. Esta fórmula pode ser resumida


da seguinte forma: Se o sujeito A quebra as convenções sociais que compõem a
lógica, ética ou estética normativa em um Contexto C, então, A é passível de riso
para um campo interpretante B. O grupo Porta dos Fundos usa essa fórmula para
selecionar a falta de sentido e arbitrariedade naturalizada na cultura brasileira. A
fórmula da superioridade, portanto, é usada para uma primeira seleção do objeto do
riso, ou seja, o que se tornará risível?

A fórmula do sarcasmo é mesclada com a da superioridade para refinar a


seleção do objeto do riso bem como conduz para um modo específico de
ridicularização, a saber. Segundo Singh (2012) no sarcasmo existe o uso de
instrumentos indiretos para ridicularizar ou zombar de quem traz consigo elementos
grosseiros ou ofensivos. O sarcasmo tem finalidade, portanto, destrutiva.

A diferença da ironia, é que o sarcasmo é mais incisivo e está relacionado a


contextos nos quais há algum tipo de violação. Nesse sentido, o sarcasmo é uma
resposta risível e ao mesmo tempo “cortante” a uma dada violência. Nesse sentido, a
combinação das duas fórmulas (superioridade e sarcasmo) seleciona a falta de
sentido, com ações violentas, majorando o signo da seguinte forma: são selecionadas
pelo signo a falta de sentido nas ações violentas da cultura brasileira com o
propósito de ridicularizá-las e destruí-las.

O sarcasmo funciona por meio de instrumentos indiretos de revide à


violência. O grupo Porta dos Fundos se utiliza, sobretudo, da analogia para forjar
esses processos. Sendo esta, portanto, uma terceira fórmula mesclada na majoração
do signo.

Segundo Peirce (1998, p.6), a analogia é um tipo de inferência que mescla


abdução e indução. A inferência analógica se articularia da seguinte forma: se dois
objetos apresentam predicados em comum, então é plausível que apresentem outros
aspectos em comum. Peirce cita o exemplo da relação entre Terra e Marte. A Terra
tem água, que é condição para a vida. Marte tem água, então, não é improvável ter
vida em Marte.

  A partir da analogia, o grupo ridiculariza um dado comportamento geral


mostrando semelhanças com outros contextos absurdos, evidenciando a falta de
sentido da situação ridicularizada. Esse “corte” no objeto risível é intensificado a
partir da associação com duas outras fórmulas: a do exagero e a da progressão, a
saber.
Em cada contexto análogo, a falta de sentido é exagerada de forma
progressiva, de modo que a sequência dos exemplos análogos torna cada vez mais
ridículo o contexto original.

No último momento da investigação, fizemos uma análise de como essa


mescla de signos faz a mediação risível de um contexto específico, inventando uma
piada. Trata-se da atualização do “super-signo” supracitado. Analisaremos o esquete
intitulado: ensino[14]. O esquete foi produzido em 2016 e tinha como objeto do riso
o argumento de que os professores são “doutrinadores” da ideologia dita esquerdista.
O movimento “escola sem partido”, liderado pelo procurador Miguel Nagib,
simboliza essa representação social.

 No escopo da dita “dominação ideológica”, está a ideologia de gênero. Para


os que acreditam na “dominação ideológica”, os professores usam seu espaço
privilegiado de ensino para doutrinar os alunos na ideologia “esquerdista”. Em 2016,
uma série de professores passaram a ser perseguidos por fazer a aludida “ideologia
de gênero”.

Nesse contexto, entram em pauta temas como o da educação sexual, bem


como o do respeito à diversidade. Membros da “escola sem partido” acreditam que
esclarecer esses temas leva as crianças à prática do sexo desordenado, bem como são
influenciadas a se tornarem gays. Esse, portanto, é o contexto que incita a ação do
signo para o inquérito da piada: seria uma atualização do contexto geral. A violação
é contra a imagem dos professores e a de seus alunos bem como a questão
homoafetiva.

Se a estética do humor busca a racionalização risível do mundo, a ética do


Grupo Porta dos Fundos é tornar risíveis argumentos preconceituosos e violentos em
relação às minorias. Nesse sentido, tornar o aludido argumento do MBL risível é a
especificação dos propósitos estéticos em éticos. Em seguida, cabe à semiótica
buscar meios para tornar o aludido argumento risível.

A fórmula da superioridade é um dos legissignos risíveis inferidos do esquete.


Ele seleciona a falta de sentido do argumento do MBL, tornando-o o objeto do riso.
O grupo porta dos fundos seleciona o seguinte argumento do MBL: se alguém
aprende sobre algo, logo, torna-se esse algo.

É possível analisar também a mescla da fórmula da superioridade com a do


sarcasmo: ridicularizar e cortar de forma indireta argumentos que violentem outrem.
No caso, a relação entre o argumento do MBL e o trabalho dos professores
(doutrinadores) e a capacidade cognitiva dos alunos (ascéticos).

A analogia é associada ao sarcasmo para compor os aspectos indiretos do


corte sarcástico. No esquete, parte-se do contexto no qual um pai reclama que seu
filho teve aula de orientação sexual e se tornou gay, uma referência ao argumento do
MBL. Em seguida, são feitas analogias a outros contextos: índio, árvore e Zumbi
dos Palmares. Nos casos análogos, os filhos tornaram-se índios, árvores e Zumbis.
No caso do Zumbi, o aluno não prestou atenção e se tornou um zumbi de série
americana, no entanto, a aula era sobre Zumbi dos Palmares.

 A analogia, por sua vez, é combinada com a fórmula do exagero, bem como
da progressão. O grupo utiliza a fórmula do exagero nos contextos analógicos, no
sentido de tornar o sarcasmo mais ácido e ridicularizar, ainda mais, a falta de sentido
do argumento do MBL. Esse exagero, no entanto, é apresentado de forma
progressiva, ou seja, parte-se do contexto da educação sexual; depois para o
contexto indígena; em seguida o aluno se torna árvore; e por fim, a falta de atenção
do aluno, que o torna em um zumbi de seriado americano.

considerações finais
Charles Sanders Peirce deixou contribuições significativas para a história das
ideias epistemológicas. Ainda no final do século XIX e início do século XX
contribuiu com questões fundamentais para teoria do conhecimento como, por
exemplo, o falibilismo, o problema da indução, a inserção da abdução como parte
criativa do inquérito científico (IBRI, 1992).

É possível também identificar ressonâncias da contribuição de Peirce do


método hipotético-dedutivo bem como o racionalismo crítico que – décadas depois –
seria desenvolvido por Karl Popper (2013). Destacamos, neste artigo, uma outra
contribuição importante do lógico americano: a de pensar o processo de
conhecimento a partir da ação dos signos ou semiose. Esta contribuição foi
desenvolvida, sobretudo, em sua semiótica.

Neste artigo, partimos do pressuposto de que as piadas podem ser


investigadas como se fossem signos, ou seja, como mediações inteligentes capazes
de tornar risíveis dados objetos. Privilegiamos a predominância da lógica da
terceridade na investigação, ou seja, fórmulas gerais que deveriam transformar
dados contextos gerais em risíveis: os legissignos risíveis.

Isto não quer dizer que a observação empírica deva ser descartada, ao
contrário. As hipóteses referentes as supostas fórmulas só podem ser inferidas bem
como “falseadas” a partir da observação sistemática dos predicados que devem estar
presentes em uma quantidade significativa de piadas. Uma epistemologia, fundada
na semiótica, deve ser permeada por processos de retroalimentação entre suposições,
aspectos necessários e experimentais.

É nesse sentido que propomos um inquérito em quatro momentos que podem


se intercambiar: 1) observação randômica das piadas e percepção de predicados
regulares; 2) conjecturar sobre fórmulas risíveis que explicariam a regularidade dos
aludidos predicados e observar se as consequências da hipótese podem ser
observadas em uma amostra de piadas. Em caso positivo a hipótese se torna
plausível, do contrário deve ser reformulada. 3) Inferir os aspectos estéticos e éticos
envolvidos na ação do signo 4) Detalhar como a fórmula se atualiza em uma piada
no sentido de esclarecer o funcionamento do legissigno risível.
O signo risível, portanto, deve ser investigado a partir da conjunção de
tecidos de níveis de generalidades e fundamentos diferentes; desde as aspirações
estéticas; as especificações das ações éticas; os signos do riso; as fórmulas do riso
majoradas por um grupo de humor ou humorista (estados estéticos); até chegar a
uma piada específica que seria uma atualização do legissigno risível.

Privilegiamos a semiose do riso, envolvendo um legissigno-simbólico, logo,


um modo de tornar argumentos risíveis. Evidenciamos o argumento do MBL de que
existe um processo de manipulação ideológica nas escolas. No entanto, haveria a
possibilidade de investigar os legissignos-icônicos ou indiciais.

No primeiro caso, destacando lógicas de transformar as qualidades expressas


nos signos em engraçadas. Nos legissignos indiciais, por sua vez, promovendo o riso
a partir da manipulação de dados contextos[15]. Fica aberta a possibilidade de
investigar os signos do riso em diversos outros contextos: na publicidade, no
jornalismo, no discurso político, nos memes, redes sociais etc.

notas
[1] Seguimos Lopes (2001.p, 98) no que diz respeito à relação intrínseca entre
epistemologia e metodologia. A primeira é entendida como uma teoria do
conhecimento que permite uma leitura específica do objeto. É nesse sentido que o
objeto é, antes, construído, e não dado. A metodologia é entendida como
explicitação dos modos de conhecer um dado objeto. É nesse sentido que uma
metodologia deve estar conectada a um posicionamento epistemológico. Nesse
sentido, partindo de uma perspectiva epistemológica-semiótica, nosso propósito,
portanto, é o de construir uma “lente” para a investigação da piada e, em seguida,
explicitar possíveis caminhos de análise que derivariam da posição epistemológica
escolhida.

[2] Pode se dizer que o que estava em jogo era uma virada epistemológica: do
sujeito como elemento fundante do conhecimento para a ação dos signos,
intersubjetivamente produzida em uma dada comunidade.

[3] A fenomenologia, como o nome propõe, é o estudo dos fenômenos, que é


para Pierce qualquer coisa que se apresente à mente. Os fenômenos podem ser
descritos por meio da relação das três categorias fenomenológicas (CP 8. 213). As
três categorias são: primeiridade (Firstness), secundidade (Secondness)  e
terceiridade (Thirdness). Estas podem ser compreendidas como finos esqueletos,
tons, ou estruturas lógicas das aparências que, por meio das suas relações, tornam
possível estudar qualquer phaneron.

[5] Segundo Santaella (2017), a estética de Peirce tem seu bem supremo
naquilo que é admirável em si. Esse admirável é senão a própria evolução da
racionalidade em sua mudança e aperfeiçoamento dos hábitos. Nesse sentido, uma
estética do risível poderia ser pensada como uma atração pela racionalização risível
do mundo como um bem em si. Por outros termos, uma atração por tornar as coisas
engraçadas. Os humoristas enquanto profissionais do riso, portanto, teriam essa
aspiração cultivada de forma especial em sua semiose. A partir dessa aspiração
risível, desenvolve-se uma ética do risível que conduz as ações em consonância com
as aspirações estéticas. Nesse sentido, é uma especialização da estética. As piadas
devem ser avaliadas no escopo de uma comunidade risível que deve direcionar os
esforços do risível para dados contextos e objetos.

[6] O primeiro correlato é o fundamento do signo. Trata-se do signo em si


mesmo. O fundamento é o que habilita o signo a funcionar como tal, tornar possível
a representação. Para ter a potencialidade de ''estar no lugar'' de outra coisa, é
necessário abstrair as especificidades materiais. Neste sentido, nas suas relações com
possíveis objetos dinâmicos, o fundamento ''não coloca'' no lugar do objeto todos os
elementos deste último, mas antes aqueles que apresentam consonância abstrativa e
estão envolvidos com seu propósito: ''Representa esse objeto, não em todos os seus
aspectos, mas com referência a um tipo de ideia que eu denominei fundamento do
representâmen'' (PEIRCE, 2008, p. 46).

[7] Plaza (2010) destaca o papel dos legissignos para pensar o processo de
semiose. Isso porque é senão o legissigno que apresenta as regras sintáticas que
possibilitam o signo fazer alusão ao seu objeto movido por um dado propósito: “O
legissigno, estabelece uma rede de relações e conexões internas entre forma e
significação que se imprime na sintaxe e configura os caracteres de seu objeto
imediato’’ (PLAZA, 2010, p.72). Em nosso contexto, os legissignos do risível,
portanto, são as fórmulas gerais que, em dados contextos, devem gerar riso: as
sintaxes do risível que conduzem a produção dos signos.

[8] Santaella (2002), em sua semiótica aplicada, apresenta a possibilidade de


analisar as linguagens, privilegiando a ação das tricotomias. Seja no fundamento
(legissigno; sin-signo e qualissigno); seja na relação com seu objeto (ícone, índice e
símbolo); seja no efeito interpretante (rema, discente e argumento). Não obstante,
Bense (2003), também seguindo a lógica da tricotomia de Peirce, destaca três modos
de pensar os estados estéticos; a partir dos meios que estariam relacionados ao
fundamento do signo; como referências ao objeto; ou como efeitos interpretantes.
Santaella (2005), em suas matrizes da linguagem, faz um esforço inventivo para, a
partir da semiótica de Peirce, buscar um caminho para a análise empírica das
linguagens. As matrizes da linguagem estariam “entre” o alto grau de abstração da
gramática especulativa e a especificidades das linguagens manifestas. A autora
divide sua proposta em três matrizes (também em consonância com as categorias
fenomenológicas): sonora, visual e verbal. A matriz sonora (fundada no quali-signo-
icônico-remático) privilegia a sintaxe das linguagens. A matriz visual, as formas
(sin-singno – indicial-discente). A verbal, por sua vez, privilegia o discurso
(legissigno-simbólico-argumentativo). Esse esforço para compreender as relações
entre níveis abstratos, em direção às empíricas, é de suma importância para nossos
interesses. Plaza (2010, p. 90-91), em sua tradução intersemiótica, segue o mesmo
caminho. O autor propõe uma tipologia de traduções: icônica, indicial e simbólica.
A icônica produz uma montagem sintática similar ao objeto que traduz. Na indicial,
existe um movimento topológico-metonímico ou homeomórfica. Na primeira existe
uma relação de parte pelo todo do objeto traduzido; no segundo, existe uma relação
de ponto a ponto. Na simbólica, traduções são fundadas mais em aspectos lógicos,
mais abstratos e intelectuais do que sensíveis.

[9]  Disponível em: ENSINO - YouTube; SOBRE A MESA - YouTube; COL


ONIZADO - YouTube; CANTADA - YouTube; NEGRO - YouTube; SUBORNO -
YouTube; LEI SECA - YouTube; CIDADÃO DE BEM - YouTube;  VIADO - YouT
ube; PIRANHO - YouTube; COMERCIAL DE MARGARINA - YouTube; MERCA
DO FEMININO - YouTube; O MUNDO TÁ CHATO - YouTube; ESCRITOR BRA
NCO - YouTube; SABE COM QUEM TÁ FALANDO? - YouTube; BALA DE BOR
RACHA - YouTube. Acesso em: 08/04/2022.

[10] As teorias da superioridade, da incongruência e do alívio são recorrentes


em pesquisas sobre o risível. Na literatura científica em ciências humanas existem
diversos trabalhos sobre essas teorias, a saber: MINOIS (2003); ALBERTI (1999);
EAGLETON (2020); BERGER (2017); ACOSTA (2009); MORREALL (1983);
SALIBA (2000); DE LA VEJA (1983); BREMMER & ROODENBURG (2000);
BAKHTIN (1987); ATTARDO (2000).

[11] Nas neurociências também se multiplicam as pesquisas sobre teorias


universais do riso, tais como: WEEMS (2014); SLAVULZKT (2014); POSSENTE
(2018); SIMON & SCHUSTER (2014); PROVINE (2000).

[12] As teorias da superioridade, da incongruência e do alívio podem ser


encontradas em vários trabalhos de humoristas, a saber: HELITZER (2013); LINS
(2014); PEREIRA (2017).

[13] No escopo dos estudos sobre o humor, é recorrente a busca por fórmulas
universais do riso. A dita teoria da superioridade encontra eco sistemático em
diversas teorias do humor, nos autores das notas 12,13 e 14, por exemplo. Para além
da teoria da superioridade, a teoria da incongruência e do alívio são explicações
recorrentes para o riso. Nosso propósito, no entanto, não é o de buscar uma fórmula
universal do riso, é antes o de investigar como fórmulas são usadas pelos humoristas
para resolver seus problemas específicos, desenvolvendo formas singulares de fazer
piadas para dados contextos.

[14] Disponível em: ENSINO - YouTube. Acesso em: 08/04/2022.

[15] Cavalcante (2018) faz um ensaio sobre o riso icônico a partir da análise
da performance do palhaço Tiririca. Cavalcante (2019) faz uma análise do riso
indicial a partir da análise das piadas de Whindersson Nunes.
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 CAVALCANTE. Diego. A semiótica do riso na comédia stand-up: a sátira do


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de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da
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