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Resumo
O propósito deste artigo é o de apresentar uma proposta epistemológica e
metodológica para pensar o riso do ponto de vista semiótico. Nesta perspectiva, o
sentido do riso deve ser investigado como processo de semiose que promove a
evolução dos signos. Propomos um procedimento dividido em quatro passos: a)
identificar regularidades que são indícios de um signo-piada; b) observar os aspectos
estéticos, éticos e contextuais envolvidos na produção de sentido; c) analisar a
colagem dos signos do riso para atingir os fins estéticos e éticos; d) investigar a
semiose por meio de sua dimensão simbólica. O grupo de humor Porta dos fundos
foi objeto de investigação, de forma específica, o esquete: O ensino.
PALAVRAS-CHAVE:
Esquete, Piada, Charles Sanders Peirce, epistemologia.
Abstract
The purpose of this article is to present an epistemological and methodological
proposal to think about laughter from a semiotic point of view. In this perspective,
the meaning of laughter should be investigated as a process of semiosis that
promotes the evolution of signs. We suggest a procedure divided into four steps: a)
identify regularities that would indicate a joke-sign; b) observe the aesthetic, ethical
and contextual aspects involving the production of meaning; c) analyze the collage
of the signs of laughter to achieve aesthetic and ethical ends; d) investigate semiosis
through its symbolic dimensions. The humor group Porta dos Fundos was the object
of this investigation, specifically, the sketch: The teaching.
KEYWORDS:
Skeleton, Joke, Charles Sanders Peirce, epistemology.
DOI 10.53987/2178-5368-2022-06-08
introdução
Desde a filosofia grega antiga, o riso vem se tornando um problema
sistemático de estudo. Na contemporaneidade, o esforço se espraia, desde a filosofia
até as neurociências. Em comum, embora partindo de pressupostos diferentes, as
abordagens parecem buscar uma “essência” do risível.
Nosso propósito não é o de atingir essa “graça”. O riso pode ter uma miríade
de causas, tais como: o acaso, uma disfunção neuroquímica no cérebro, uma
particularidade antropológica ou pessoal. Em suma, o risível é complexo, sendo, ao
mesmo tempo, químico, biológico e socioantropológico e afetivo.
Neste artigo, fizemos uma pesquisa nos vídeos do grupo de humor Porta dos
fundos. A partir da observação inicial das piadas contidas nos diferentes esquetes,
buscamos aspectos recorrentes. Estas regularidades, então, indicam os efeitos de
uma dada fórmula-signo sobre piadas específicas. Em seguida, observaremos se a
aludida fórmula pode ser encontrada em outras piadas, indicando a plausibilidade da
hipótese.
A estética, ética e lógica são chamadas normativas porque elas têm como
função estudar ideais, valores e normas. Que ideais guiam nossos sentimentos?
Responder essa questão é tarefa da estética? Que ideais orientam nossa conduta?
Essa é a tarefa da ética. A lógica, por fim, estuda os ideais e as normas que
conduzem ao pensamento (PEIRCE, 1998, p. 2).
A semiótica do riso, por sua vez, deve investigar os meios razoáveis para
tornar algo engraçado para alguém. Seriam as fórmulas do risível que são mescladas,
testadas, aperfeiçoadas sistematicamente em uma dada comunidade risível. O fim da
semiótica é senão o argumento ou o meio racional para realizar os fins éticos e
estéticos.
Interessa à lógica, portanto, estudar como deve funcionar o signo para que
tivesse um determinado efeito significativo. “A lógica é a ciência das leis (quase)
necessárias gerais dos signos e, especialmente, dos símbolos” (PEIRCE, 2008, p.
29). “A lógica classifica os argumentos, e, ao fazê-lo, reconhece diferentes espécies
de verdades” (PEIRCE, 1998, p. 200). Trata-se de privilegiar o processo da
racionalização.
Poderia se dizer que Peirce vislumbrou até mesmo os signos do riso quando
fala do chiste. O propósito de Peirce era o de elaborar um conceito de signo tão geral
capaz de abarcar todas as possibilidades de produção de sentido, inclusive o signo
risível:
Nesse sentido, como pode ser pensada a semiose do risível? É preciso partir
de uma aspiração apaixonada ao risível como mola propulsora do processo de
semiose, ou seja, o bem estético. A aspiração estética do humorista é tornar o mundo
engraçado, inventar razoabilidades do risível, ou seja, meios para tornar o mundo
engraçado. Assim como o cientista busca a verdade, o humorista busca o riso.
4) Escolher uma piada que deve funcionar como atualização do signo-piada
para analisar semioticamente como o objeto é tornado risível. Nessa análise,
recorremos à análise tradicional do signo em relação ao objeto dinâmico, de forma
específica, dos símbolos.
Inicialmente, foi feita uma observação randômica dos vídeos do grupo portas
dos fundos. Nesta observação inicial, foi identificada uma recorrência de um dado
modo de combinar os predicados. Este design de predicados também está associado
a um contexto geral, indicando seu aspecto habitual.
O problema geral que aciona a mediação desse signo são casos de violência
simbólica, naturalizados na cultura brasileira. Foram identificados os seguintes
temas recorrentes: racismo, machismo, violência policial, homofobia, misoginia bem
como deboche diante dos direitos humanos.
No caso do grupo Porta dos fundos, o propósito ético é senão tornar risíveis
argumentos violentos que se naturalizaram na cultura brasileira. Assim, o propósito
mais geral de fazer rir está associado a um contextual: rir e criticar aspectos da
cultura brasileira que são preconceituosos e violentos.
A analogia, por sua vez, é combinada com a fórmula do exagero, bem como
da progressão. O grupo utiliza a fórmula do exagero nos contextos analógicos, no
sentido de tornar o sarcasmo mais ácido e ridicularizar, ainda mais, a falta de sentido
do argumento do MBL. Esse exagero, no entanto, é apresentado de forma
progressiva, ou seja, parte-se do contexto da educação sexual; depois para o
contexto indígena; em seguida o aluno se torna árvore; e por fim, a falta de atenção
do aluno, que o torna em um zumbi de seriado americano.
considerações finais
Charles Sanders Peirce deixou contribuições significativas para a história das
ideias epistemológicas. Ainda no final do século XIX e início do século XX
contribuiu com questões fundamentais para teoria do conhecimento como, por
exemplo, o falibilismo, o problema da indução, a inserção da abdução como parte
criativa do inquérito científico (IBRI, 1992).
Isto não quer dizer que a observação empírica deva ser descartada, ao
contrário. As hipóteses referentes as supostas fórmulas só podem ser inferidas bem
como “falseadas” a partir da observação sistemática dos predicados que devem estar
presentes em uma quantidade significativa de piadas. Uma epistemologia, fundada
na semiótica, deve ser permeada por processos de retroalimentação entre suposições,
aspectos necessários e experimentais.
notas
[1] Seguimos Lopes (2001.p, 98) no que diz respeito à relação intrínseca entre
epistemologia e metodologia. A primeira é entendida como uma teoria do
conhecimento que permite uma leitura específica do objeto. É nesse sentido que o
objeto é, antes, construído, e não dado. A metodologia é entendida como
explicitação dos modos de conhecer um dado objeto. É nesse sentido que uma
metodologia deve estar conectada a um posicionamento epistemológico. Nesse
sentido, partindo de uma perspectiva epistemológica-semiótica, nosso propósito,
portanto, é o de construir uma “lente” para a investigação da piada e, em seguida,
explicitar possíveis caminhos de análise que derivariam da posição epistemológica
escolhida.
[2] Pode se dizer que o que estava em jogo era uma virada epistemológica: do
sujeito como elemento fundante do conhecimento para a ação dos signos,
intersubjetivamente produzida em uma dada comunidade.
[5] Segundo Santaella (2017), a estética de Peirce tem seu bem supremo
naquilo que é admirável em si. Esse admirável é senão a própria evolução da
racionalidade em sua mudança e aperfeiçoamento dos hábitos. Nesse sentido, uma
estética do risível poderia ser pensada como uma atração pela racionalização risível
do mundo como um bem em si. Por outros termos, uma atração por tornar as coisas
engraçadas. Os humoristas enquanto profissionais do riso, portanto, teriam essa
aspiração cultivada de forma especial em sua semiose. A partir dessa aspiração
risível, desenvolve-se uma ética do risível que conduz as ações em consonância com
as aspirações estéticas. Nesse sentido, é uma especialização da estética. As piadas
devem ser avaliadas no escopo de uma comunidade risível que deve direcionar os
esforços do risível para dados contextos e objetos.
[7] Plaza (2010) destaca o papel dos legissignos para pensar o processo de
semiose. Isso porque é senão o legissigno que apresenta as regras sintáticas que
possibilitam o signo fazer alusão ao seu objeto movido por um dado propósito: “O
legissigno, estabelece uma rede de relações e conexões internas entre forma e
significação que se imprime na sintaxe e configura os caracteres de seu objeto
imediato’’ (PLAZA, 2010, p.72). Em nosso contexto, os legissignos do risível,
portanto, são as fórmulas gerais que, em dados contextos, devem gerar riso: as
sintaxes do risível que conduzem a produção dos signos.
[13] No escopo dos estudos sobre o humor, é recorrente a busca por fórmulas
universais do riso. A dita teoria da superioridade encontra eco sistemático em
diversas teorias do humor, nos autores das notas 12,13 e 14, por exemplo. Para além
da teoria da superioridade, a teoria da incongruência e do alívio são explicações
recorrentes para o riso. Nosso propósito, no entanto, não é o de buscar uma fórmula
universal do riso, é antes o de investigar como fórmulas são usadas pelos humoristas
para resolver seus problemas específicos, desenvolvendo formas singulares de fazer
piadas para dados contextos.
[15] Cavalcante (2018) faz um ensaio sobre o riso icônico a partir da análise
da performance do palhaço Tiririca. Cavalcante (2019) faz uma análise do riso
indicial a partir da análise das piadas de Whindersson Nunes.
referências bibliográficas
ALBERTI, Verena. O riso e o risível na história do pensamento. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar; Ed. FGV, 1999.
____. A teoria geral dos signos. São Paulo: Ática S.A, 1995.
____. Estética de Platão a Peirce. São Bernardo do Campo: Editora Cod 3s, 2017.
WEEMS, Scott. Ha! The science of when we laugh and why. Nova York: Basica
Books, 2014.