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INTERPRETAÇÃO
PARA O
DESENVOLVIMENTO
PESSOAL
DESENHO FONTE DE
INTERPRETAÇÃO PARA O
DESENVOLVIMENTO PESSOAL
SUMÁRIO
INTRODUÇÃ O 3
1- A IMPORTÂNCIA DA ARTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL 12
2- O DESENHO DIDÁTICO INTERATIVO NA EDUCAÇÃO ONLINE 17
3- OS CAMINHOS PARALELOS DO DESENVOLVIMENTO
DO DESENHO E DA ESCRITA 22
4- A CASA: CULTURA E SOCIEDADE NA EXPRESSÃO DO DESENHO INFANTIL 42
REFERÊNCIAS
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INTERPRETAÇÃO PARA O
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INTRODUÇÃO
Pretendo expor neste trabalho o vértice encontrado para integrar estes aspectos e
manter a confiança de que, como psicanalista, é possível contribuir para a formação de
psicólogos que utilizam o desenho no processo psicodiagnóstico da criança. Esta
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proposta pretende contribuir para retirar a análise de desenhos do limbo no qual se
encontram todas as técnicas de avaliação psicológica, tratadas em algumas áreas
acadêmicas como um conjunto de instrumentos que retiram o sujeito de sua condição
de indivíduo.
Trata-se de lutar contra uma desconfiança gerada pela vulgarização, por vezes,
demasiado simplista, dos modos de investigação psicológica, que correm o risco de
catalogar a criança e ao mesmo tempo defender a utilização de desenhos como forma
de aproximação e conhecimento do sujeito.
Os testes são para mim apenas um meio e não um fim. Utilizo-os num diálogo, durante
o qual procuro apurar um sentido, um sentido, sem dúvida, em função de certo
esquema familiar. E é, pois, ao discurso do sujeito que vou prender-me sobretudo
(Mannoni, 1981, p. 84)
Diagnosticar é, neste sentido, interpretar, construir hipóteses que nos permitam dar
conta do trabalho simbólico junto aos conflitos que se estruturam no caminho de
construção da subjetividade, assim como abordar as formações imaginárias que se
apresentam como armadilhas do desejo para a sua satisfação (Sigal, 2000, p. 30).
A criança, por sua vez, não emite, intencionalmente, nenhuma mensagem codificada e
o psicanalista não tem que lhe mostrar alusivamente que sabe decifrar enigmas... É no
transcurso que a criança descobre o que tem para dizer e que por isso pode entrar no
universo do discurso (Diatkine, 2007, p. 35)
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hipóteses sobre a personalidade do artista. Freud é pródigo em exemplos de análise,
de mitos, produções artísticas, etc., representando conflitos típicos de todos nós.
Sobre os artistas e suas produções, Freud (1908/1980) aponta que a criatividade tem
como uma de suas fontes o brincar infantil. O poeta criativo faz o mesmo que a criança
ao brincar, cria um mundo de fantasia que é levado muito a sério e no qual investe
muita emoção, sem confundir realidade com fantasia e nisto resulta o prazer destas
experiências. São atividades levadas a sério, mas nas quais se desfruta de uma
liberdade para vivenciar as fantasias, um dos fatores que tornam tão fascinantes tanto
os escritores criativos quanto crianças ao brincar. Ler um livro, ver um filme ou
observar uma brincadeira ou desenho infantil satisfaz nosso anseio por vivenciar esta
experiência de exploração do mundo dos sentimentos e nos mostra como é
possível brincar com as fantasias, sem perder o contato com a realidade ou
enlouquecer, muito pelo contrário, elas permitem crescer e enriquecer-se com tais
experiências.
É sempre instigante acompanhar uma criança que se permite desenhar com liberdade,
pois nos leva com ela para um passeio no universo das fantasias infantis.
Todos nós mantemos dentro de nós um caminho para a exploração deste universo: o
caminho dos sonhos, a via régia para o inconsciente (Freud, 1900/1980). Ele afirma
que, todo sonho é uma realização disfarçada de um desejo sexual infantil reprimido;
uma formação do inconsciente que se utiliza predominantemente de imagens para
expressar-se, uma linguagem mais próxima do inconsciente em seu modo mais
primário de funcionamento, possível de surgir à mente durante o sono pela regressão
funcional ocasionada pelo estado de adormecimento. Esta condição, segundo Anzieu
(1981) está presente, em parte, também nas técnicas projetivas pela forma como são
configurados os materiais projetivos e pelo tipo de atividade proposta.
É intuito deste trabalho, alertar para o cuidado que devemos ter quando nos
aproximamos de uma técnica projetiva gráfica e dos manuais de interpretação. Os
manuais são úteis para orientar o psicólogo a respeito dos principais aspectos
simbólicos associados aos elementos destas produções gráficas.
Ao interpretar desenhos nos valemos dos significados dos símbolos deri vados da
psicanálise, dos folclores, dos estudos dos sonhos, dos mitos e das fantasias. Estes
símbolos funcionam como engates a partir dos quais o inconsciente se vale para
alcançar o caminho da consciência e, disfarçadamente, encontrar uma forma de
expressão. Devemos também estar atentos aos mecanismos de deslocamento e
condensação, além de uma vasta gama de tratamentos possíveis dados a estes
símbolos para a formação de um desenho final.
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O texto de Freud "Uma lembrança infantil de Leonardo da Vinci" (1910/1980) pode ser
útil para discutir os "usos e abusos" das técnicas projetivas. Ele traz, por um lado, uma
valiosa contribuição, revelando como a psicanálise pode, valendo-se das produções
gráficas e verbais do artista, alcançar a compreensão da sua personalidade, mas
também nos ajuda a ficar atentos para o perigo de nos apegarmos a determinados
conteúdos simbólicos no processo de construções de nossas hipóteses. Neste texto,
Freud mostra como as obras de Leonardo da Vinci retratam sua relação conflituosa
com sua mãe, enigmática e sedutora como a Mona Lisa, destacando não só aspectos
de conteúdo das obras de Leonardo, mas também a vagarosidade de sua produção, a
insatisfação com o resultado final, as modificações feitas nas obras até chegar a sua
conclusão, a repetição de um certo modelo de sorriso nas obras posteriores e a
contigüidade entre esta obra e uma outra (Sant'Ana com a Madonna e o menino) como
exaltação da maternidade. Mas a leitura deste texto também permite pensar sobre o
que chamo de abusos, pois como mostra Strachey (editor inglês da obra freudiana) em
nota introdutória ao texto, Freud teria se apegado a um conteúdo simbólico de um
determinado pássaro, que erroneamente é confundido com um símbolo mitológico
egípcio para formular a teoria da mãe fálica, mostrando o perigo de nos apegarmos a
determinados elementos simbólicos no afã de corroborar nossas hipóteses.
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constrói diante dele e os movimentos da criança em relação aos resultados de suas
produções e à presença do observador.
A interpretação deste processo dinâmico pode vir da resposta para algumas questões.
Como é tratada a folha de papel? Que relações a pessoa estabelece com a folha como
espaço e como a usa? Preocupa-se em ocupar a folha ou é uma pseudo-ocupação de
todas as folhas e lápis que estão a sua frente, sem poder realmente desenhar. Trata-se
de pura descarga de traços ou há uma elaboração no traçado? O contato com o
psicólogo ao longo dos encontros afeta de que maneira sua produção? Há uma visível
preocupação em não deixar espaços em branco, como se temessem o vazio, ou, ao
contrário, restringem-se a um único espaço da folha? Em que parte da folha se
colocam? Quais partes da folha não podem ocupar? Há alguma modificação ao longo
do encontro conosco? Como muda seu desenho? Expande-se ou restringe-se? Torna-
se mais colorido ou cada vez mais sombrio?
Queremos salientar que não se trata de excluir toda referência aos conteúdos
temáticos, mas integrá-los aos aspectos expressivos. Há um ambiente-folha no qual o
paciente vai através de seu lápis se colocar (Van Kolck, 1984) e a forma como o sujeito
a utiliza poderá revelar a forma como se coloca no mundo. Estas questões visam
investigar como é feita esta abordagem ao ambiente, usando o instrumento (lápis) do
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qual dispõe. Hammer (1991) coloca que estes aspectos expressivos traduzem as
atitudes básicas do indivíduo em relação a si mesmo e ao ambiente assim como a
forma como lida com seus impulsos.
Vários autores como Hammer (1991) e Rodulfo (1992) falam de uma escritura que se
revela por detrás de nossos traços no papel ou traços corporais. O que nos fornece
esta escritura no desenho são estes aspectos estruturais do desenho: tamanho;
pressão e qualidade da linha; posição na folha; precisão e grau de completude do
desenho; detalhamento; simetria; proporções; perspectiva; sombreamentos; reforços;
correções e retoques.
Além disso, deve-se considerar, frente a uma criança, que está em um processo de
desenvolvimento e de construção de sua estrutura de personalidade, que o uso do
desenho como linguagem e expressão também passa por um processo de
constituição. Do momento inicial no qual apropria-se do instrumento lápis, que lhe
permite o prazer da inscrição de um traço ou uma marca à possibilidade de usar sua
escrita como comunicação, de um lado uma descarga motora de prazer do gesto e de
outro a possibilidade de inscrição permanente (Mèredieu, 1974; Teixeira, 1991).
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1- A IMPORTÂNCIA DA ARTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Você já parou para pensar sobre a importância da arte em nossas vidas, sobre o
papel que ela ocupa em nosso dia a dia? A arte diverte, emociona, promove reflexões,
amplia os horizontes do pensamento, faz a gente viajar na imaginação.
Você consegue imaginar um mundo sem arte? Impossível, não é!? Até porque a arte
se mostra como necessidade de expressar o mundo desde os primeiros registros da
história.
Se a arte é tão importante para nós, pense nos efeitos que as expressões artísticas
causam nas crianças. É quase consenso entre pesquisadores e especialistas em
educação a ideia de que são muitos os benefícios para os pequenos.
Não é à toa que existem tantas aulas de musicalização infantil, contação de histórias,
danças, teatro e tantos produtos artísticos voltados para as crianças de diferentes
faixas etárias.
Neste artigo, vamos falar um pouco sobre esse assunto e abordar alguns dos
benefícios que comprovam a importância da arte na educação infantil. Acompanhe!
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Uma recomendação é procurar saber se a escola em que seu filho será matriculado
compreende a importância da arte na infância como ferramenta de desenvolvimento de
habilidades criativas, motoras, emocionais e sociais, e se conta com atividades
específicas para esse fim.
Desenvolve a criatividade
Todos temos a capacidade inata de criar histórias inusitadas, fazendo conexões entre
as coisas que enxergamos no mundo ao redor, mas vamos, de alguma forma,
reprimindo essa característica ao longo da vida.
Ao nos envolvermos com atividades artísticas, tanto como espectadores quanto como
artistas, nos permitimos ampliar a imaginação e dar vazão à criatividade,
resgatando essa habilidade tão valiosa.
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Por isso, é importante estimular a criança artisticamente em todas as fases da infância,
fortalecendo a sua relação com a criatividade, algo que fará muita diferença na sua
trajetória ao longo da vida.
Uma dica é deixar a criança livre para criar de acordo com a sua própria imaginação,
sem limitar ou dizer o que é certo ou o que é errado na sua expressão artística.
Isso acontece porque as crianças ainda não têm controle e conhecimento sobre as
suas emoções. Essa é uma habilidade que se adquire com o tempo, e a arte pode
cumprir um importante papel nesse sentido.
Aguça os sentidos
A arte, em seus diferentes segmentos, oferece diversos estímulos aos sentidos, o
que proporciona autoconhecimento, desenvolve a sensibilidade e melhora a relação
da criança com ela mesma e com o mundo.
Você pode expor a criança a diferentes sons, odores, cores, permitir que trabalhem
com as mãos, aumentando assim o seu repertório de mundo a partir dos sentidos. Mas
permita que elas explorem o mundo do seu próprio jeito, sem interferir de forma
limitadora.
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Para isso, sem se dar conta, ela processa as informações e estímulos que recebe
através de seus sentidos e transforma em sua própria expressão.
Há diferentes formas de despertar o senso crítico nas crianças por meio da arte e
você pode aumentar a complexidade dos estímulos ao longo do tempo, de acordo com
a faixa etária, promovendo uma atitude mais curiosa, questionadora e mobilizadora.
Estimula a escrita
Uma das habilidades mais importantes para o aprendizado da escrita é a coordenação
motora. Ao estarem envolvidas com atividades que utilizam o tato, como a escultura
com massa de modelar, o desenho e a pintura, ainda que sejam apenas rabiscos, há
um estímulo ao desenvolvimento dessa habilidade. E isso pode fazer toda a diferença
quando ela atingir a idade de alfabetização.
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2- O DESENHO DIDÁTICO INTERATIVO NA EDUCAÇÃO ONLINE
Como se vê, as iniciativas em favor da EAD são crescentes no País, todavia precisam
vir acompanhadas de formação de professores para atuação na modalidade
educacional que ganha consolidação com a legislação recente e com as políticas do
MEC em favor da democratização do ensino superior. Visando responder à demanda
por formação de professores para docência online, este projeto estrutura-se no
contexto interinstitucional que envolve doze PPGs que se mobilizam em torno do
tema.
Uma sala de aula online não é apenas o conjunto de ferramentas infotécnicas, mas
um ambiente que se auto-organiza nas relações estabelecidas pelos sujeitos com os
objetos técnicos que interagem e afetam-se mutuamente ao longo do processo de
construção do conhecimento. Neste sentido, é preciso que o desenho didático
contemple uma intencionalidade pedagógica que garanta a educação online como
obra aberta, plástica, fluida, hipertextual e interativa. Caso contrário, repetirá práticas
próprias da pedagogia da transmissão.
A idéia de hipertexto eletrônico foi enunciada pela primeira vez por Vannevar Bush em
1945. Este matemático imaginava um sistema de organização de informações que
funcionasse de modo semelhante ao sistema de raciocínio humano: associativo, não-
linear, intuitivo, muito imediato. Nos anos 1960, Theodor Nelson criou o termo
“hipertexto” para exprimir o funcionamento da memória do computador. O desenho
didático pode estruturar-se como hipertexto assim entendido para exprimir o perfil da
sala de aula online engendrada pela co-autoria da equipe de produção, do docente e
dos cursistas na construção da aprendizagem e da própria comunicação. A sala de
aula online não mais centrada na figura do professor, mas possuidora permanente de
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diversos centros em que se dão a constante construção e a renegociação dos atores
em jogo. Nela, a aprendizagem se dá com as conexões de imagens, sons, textos,
palavras, diversas sensações, lógicas, afetividades e com todos os tipos de
associações. O docente não perde sua autoria enquanto mestre. De pólo transmissor
ele passa a agente provocador de situações, arquiteto de percursos, mobilizador da
inteligência coletiva. (SILVA, 2004).
O desenho didático precisará estruturar links com textos, imagens, sons, palavras,
páginas, gráficos, etc. E para a elaboração de conteúdos de aprendizagem deverá
contemplar princípios do hipertexto eletrônico como usabilidade (fácil acesso à
informação, navegabilidade intuitiva), multivocalidade (vários pontos de vista),
intratextualidade (conexões no mesmo documento), intertextualidade (conexões com
outros documentos), multilinearidade (leituras sem hierarquias) (LEMOS, 1999).
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3- OS CAMINHOS PARALELOS DO DESENVOLVIMENTO DO DESENHO E DA
ESCRITA
Estes relatos de prática mostram uma falta de coerência pedagógica enorme, tanto na
Educação Infantil como no Ensino Fundamental, pois há uma priorização do acesso ao
código escrito em detrimento do letramento e da grafia representada pelos exercícios
mecânicos de coordenação motora, sem se perceber a importância da ampliação do
conhecimento do mundo que pode advir de um trabalho bem dirigido através da
exploração dos desenhos das crianças, de suas relações com o mundo da escrita; da
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necessidade do investimento na formação de leitores e na relevância do papel do
professor como mediador de leitura, formal e informal.
Como isso, há muitos problemas na prática pedagógica que merecem uma discussão
mais aprofundada por parte de professores e demais profissionais envolvidos com
educação e aprendizagem.
Trata-se de um retrocesso sem tamanho, pois as pesquisas apontam que este treino
mecânico, além dos problemas já citados, não ajudará a criança em sua inserção no
mundo letrado. Pelo contrário, são muitas as crianças que não querem voltar para a
escola, pois se sentem cansadas, desmotivadas e incompetentes.
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desenho e brinquedo. Nestas atividades os signos representam significados e por isso,
contribuem para o processo de apropriação da linguagem escrita.
Toda criança em algum momento pede papel e lápis para desenhar. Se ela não tiver os
materiais mais convencionais, a criança busca instrumentos, para deixar, nas
superfícies, o registro de suas idéias, suas vontades, suas fantasias e seus gestos: se
não tiver papel, pode ser na terra, na areia, na parede, nos muros, nos móveis... Se
não tiver lápis serve um giz, uma pedra, gravetos, cacos de tijolos, carvão, tinta...
Poucos adultos conseguem perceber o quanto o desenho infantil pode ser revelador do
grau de grau de maturidade, do equilíbrio emocional e afetivo, bem como do
desenvolvimento motor e cognitivo da criança. Dentre vários autores que falam sobre a
importância do desenho destacamos Pillar,
Este fato tem trazido surpresas aos educadores que apresentam muitas dúvidas em
relação ao desenvolvimento do desenho e da escrita, confundindo alguns aspectos
comuns, das duas formas de representação.
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Sistema de Representação
Segundo Piaget, há dois sentidos para o termo representação. Num sentido mais
amplo, que ele chamou de representação conceitual, é confundido com o pensamento,
ou seja, com toda a inteligência que se apóia num sistema de conceitos e, num sentido
mais estrito, ele chamou de representação simbólica que se reduz às imagens mentais,
isto é, às lembranças simbólicas da realidade ausentes. Elas se relacionam entre si,
pois enquanto a imagem é um símbolo concreto, o conceito é mais abstrato. Isto se
deve ao fato que, embora o pensamento não se reduza a um sistema de imagens, ele
se faz acompanhar de imagens. Portanto, segundo Piaget (1978, p.87) "se pensar
consiste em interligar significações, a imagem será um 'significante' e o conceito, um
'significado'."
Este fato é muito importante porque ao se analisar desenho e escrita como linguagens,
elas só poderão aparecer depois do surgimento da função simbólica.
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referentes como objetos avulsos nem como símbolos usados por pessoas
particularmente, mas os signos são mediadores da comunicação entre os membros de
uma comunidade, justamente por compartilhar significados comuns.
Para Piaget, a criança desenha mais o que sabe do que realmente consegue ver. Ao
desenhar ela elabora conceitualmente objetos e eventos. Daí a importância de se
estudar o processo de construção do desenho junto ao enunciado verbal que nos é
dado pelo indivíduo.
Garatuja: faz parte da fase sensória motora (zero a dois anos) e parte da pré-
operacional (dois a sete anos), indo aproximadamente até três ou quatro anos. A
criança demonstra extremo prazer em desenhar e a figura humana é inexistente. A
garatuja pode ser dividida em:
Nessa fase a criança diz o que vai desenhar, mas não existe relação fixa entre o objeto
e sua representação. Por isso, ela pode dizer que um círculo ovalado seja um avião, e
antes de terminar o desenho, dizer que é um peixe.
Pré- Esquematismo: esta fase faz parte da segunda metade da fase pré-operatória,
indo normalmente até os sete anos quando ocorre a descoberta da relação entre
desenho, pensamento e realidade. Observa-se que os elementos ficam dispersos e
não são relacionados entre si.
Pseudo Naturalismo: faz parte da fase das operações abstratas (10 anos em diante).
É o fim da arte como atividade espontânea e muitos desistem de desenhar nesta etapa
do desenvolvimento. Inicia a investigação de sua própria personalidade, transferindo
para o papel suas inquietações e angústias, característica do inicio da adolescência.
Nos desenhos aparecem muito o realismo, a objetividade, a profundidade, o espaço
subjetivo e o uso consciente da cor. Na figura humana, as características sexuais
podem aparecer de forma exageradas.
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que vai fazer, indicando que há um planejamento da ação. Por isso, Vygotsky afirma
que a linguagem verbal é a base da linguagem gráfica. (1989, p. 141)
Este fato é essencial na visão do autor porque aqui se pode perceber já "um certo grau
de abstração" da criança que desenha, pois ao fazê-lo, libera conteúdo da memória.
Ele afirma que "[...] os esquemas que caracterizam os desenhos infantis lembram
conceitos verbais que comunicam somente aspectos essenciais do objeto." (1989,
p.127).
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desenhos permanecem ainda simbólicos, mas já se pode identificar o início de uma
representação mais próxima da realidade.
Assim, segundo Pillar, a escolha por Luquet2 se deu ao fato de que ele é citado na
maioria dos trabalhos que abordam o desenho a partir do construtivismo (Pillar, 1996a,
p.42). A sequência de desenvolvimento do desenho para Luquet é:
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Realismo fortuito: estágio, segundo Luquet, se subdivide em desenho involuntário e
desenho voluntário. No desenho involuntário, a criança desenha para fazer linhas, sem
se preocupar com imagens, porque não tem consciência de que as mesmas linhas
podem representar objetos. Aparecem figuras em forma de mandalas, radiais e sóis.
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Realismo intelectual: estendendo-se dos quatro aos 10-12 anos, caracteriza-se pelo
fato que a criança desenha do objeto não aquilo que vê, mas aquilo que sabe. Para
tanto, a criança se utiliza de processos variados, tais como a descontinuidade, o
rebatimento, a transparência, a planificação e a mudança de pontos de vista. Nos
desenhos abaixo poderemos observar a descontinuidade (os desenhos estão soltos no
ar, sem o apoio de uma linha no chão) e a transparência, pois se pode ver o interior da
casa:
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Realismo visual: Ocorre geralmente por volta dos 12 anos, marcado pela descoberta
da perspectiva e a submissão às suas leis, daí um empobrecimento, um enxugamento
progressivo do grafismo que tende a se juntar às produções adultas. Assim, a criança
abandona as estratégias utilizadas anteriormente e a transparência dá lugar à
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opacidade, ou seja, a criança desenha apenas os elementos visíveis e o rebatimento e
às mudanças de ponto de vista se coordenam, dando origem à perspectiva.
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As crianças não aprendem a ler e a escrever apenas porque veem pessoas lendo e
escrevendo, mas porque elaboram e transformam as informações que encontram em
seu meio. O contato com diferentes portadores de texto permite que as crianças
percebam que as letras não são apenas marcas no papel e sim objetos substitutos, isto
é, que representam alguma coisa, que há diferentes modos de escrever e diferentes
contextos funcionais para ler e escrever. Esse processo é favorecido por uma série de
objetos físicos que contêm escritas, tais como: livros, revistas, bulas, embalagens,
rótulos, cartas, receitas, mapas, cheques, listas telefônicas, notas fiscais, folhetos de
propaganda, instruções de jogo, dicionários, carnês etc.
Encontramos ainda, na maioria das escolas uma ênfase no ensino da língua como
código descontextulizado. A criança precisa aprender de modo mecânico e repetitivo e,
o que é pior, alienante. A escrita viva e real que possibilita a emergência da autori a fica
fora dos muros da escola. Ou seja, ensina-se a grafia, o desenho da escrita e não a
linguagem escrita.
Esta prática tem a ver com as concepções de escrita existentes na escola. Ela pode
ser vista como a transcrição de um código ou como a apropriação de um sistema de
representações. A escolha de uma concepção ou outra muda radicalmente o modo de
ensinar e de ver a questão da leitura e da escrita. Emília Ferreiro, pesquisadora
argentina que revolucionou a prática de alfabetização, com a sua pesquisa a
psicogênese da língua escrita, desviou o foco, até então dominante, de como se
ensinar, presentes nos diversos métodos de alfabetização, para como a criança
aprende. Ela afirma que:
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Ferreiro afirma que a criança constrói o seu conhecimento sobre a língua escrita na
interação com o objeto e que alfabetizar é um processo de conquista que a criança faz
em direção ao conhecimento da escrita, buscando compreender a natureza do seu
sistema. Em seu livro "Reflexões sobre a Alfabetização", Ferreiro tece um paralelo
entre o desenho e a escrita:
[...] sabemos, desde Luquet, que desenhar não é reproduzir o que se vê, mas sim o
que se sabe. Se este princípio é verdadeiro para o desenho, com mais razão o é para a
escrita. Escrever não é transformar o que se ouve em formas gráficas, assim como ler
também não equivale a reproduzir com a boca o que o olho reconhece
visualmente. (FERREIRO, 1985, p.55)
Portanto, se ler não é apenas decodificar e escrever não é copiar, quando a criança
estiver desenhando ou escrevendo, estará expressando as suas ideias a respeito do
sistema de representação utilizado. Nesse sentido, de acordo com Ferreiro (1985, p.
10),
Segundo Ferreiro, a partir dos quatro anos de idade, as crianças começam a distinguir
desenho de escrita. Esta distinção permite que vejam desenho e escrita como objetos
substitutos com naturezas e funções diferentes, pois o desenho passa a representar a
forma dos objetos e a escrita, o nome deles. Muitos confundem esta escrita com a
garatuja, mas a escrita é um sistema representativo e sua conquista transcende o
aspecto motor e a percepção de letras. A partir deste momento, a criança começa a
construir hipóteses sobre a escrita. (Anexo11: SEBER, 1997, p.38)
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Posto estas considerações, podemos retomar que, para Piaget, o desenho é uma das
manifestações semióticas. Desenvolve-se concomitantemente às outras
manifestações, entre as quais o brinquedo e a linguagem verbal (PIAGET, 1973) e que
para Vygotsky, a apropriação de um sistema simbólico de representação da realidade
em que os gestos, desenhos, e o brinquedo simbólico contribuem para esta
apropriação pelo seu caráter representativo, isto é, utiliza-se de signos para
representar significados.
Portanto, as duas linhas teóricas convergem para um mesmo ponto: desenho e escrita
são formas de representação, são expressões da função semiótica e têm em comum a
mesma origem gráfica. Além disso, a evolução do desenho acompanha o processo de
desenvolvimento da criança, passando por etapas que caracterizam a maneira da
criança se situar no mundo
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Num segundo momento, a criança passa a distinguir desenho da escrita, percebendo-
os como objetos substitutos. Neste momento, a criança entra na fase do desenho
voluntário (ainda no realismo fortuito) e da escrita pré-silábica.
Considerações Finais
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Portanto, pensar em desenho constitui num desafio quando percebemos que muito se
tem falado sobre o desenho, mas quase nada em relação ao processo da produção
das crianças.
Para que possa se ver a criança com um novo olhar torna-se necessário que se tenha
uma nova atitude em relação a ela, considerando-se que aprender é também interagir
com uma multiplicidade de linguagens. Palavras, ações, gestos, expressões de afeto
por meio do corpo, do desenho, do olhar, tudo isso compõe o dia-a-dia da criança
dentro do espaço escolar e também funcionam como referência de constância e
continuidade, tornando o espaço educativo compreensível para ela e abrindo caminhos
para as descobertas e as manifestações da criança.
O grafismo é o meio pela qual a criança manifesta sua expressão e visão do mundo, o
exercício de uma atividade imaginária, que se relaciona a um processo dinâmico, em
que a criança procura representar o que conhece e compreende. Pelo fato de o
desenho infantil ser um meio de compreensão da realidade, é um valioso instrumento
para a construção de conhecimentos, pois mostra um produto resultante da imaginação
e atividade criadora da criança.
O importante nesse processo é o educador ampliar o olhar para além dos padrões e
procurar ver as crianças pelo que elas têm e não pelo que lhes falta. O trabalho com a
linguagem do desenho e da escrita requer profunda atenção no que se refere ao
respeito à individualidade e aos esquemas de conhecimento próprios de cada criança,
pois o desenho como possibilidade de brincar e de comunicar marca o
desenvolvimento da infância e a escrita como possibilidade de comunicar, resgatar
lembranças, registrar o vivido e o imaginado, marca a construção da autoria.
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4- A CASA: CULTURA E SOCIEDADE NA EXPRESSÃO DO DESENHO INFANTIL
O DESENHO INFANTIL
Nossos estudos com desenhos sempre foram feitos em trabalhos de crianças. Por isso,
para melhor fundamentar nossas reflexões sobre o desenho da casa, torna-se
necessária uma revisão teórica de aspectos relevantes do grafismo no
desenvolvimento infantil.
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Segundo Widlöcher (1998), os desenhos infantis são objeto de nossa curiosidade
porque não existe o desenho adulto. Se o adulto não é um artista, ele não desenha.
Sua atividade gráfica é reduzida a alguns ensaios de caricaturas e rabiscos não
figurativos. As crianças, no entanto, revelam, em relação aos desenhos, um tipo de
conduta que parece próprio e espontâneo.
A criança não toma cuidado com a aparência visual que permite reconhecer o objeto.
Fiel, antes de tudo, à sua preocupação com o significado, ela faz igualmente uso de
procedimentos que vão ao encontro do realismo visual. Se um detalhe invisível permite
fazer um reconhecimento melhor do objeto, ele será representado contra toda a
aparência.
Assim, a criança não hesita, no quadro de uma casa em que ela venha a desenhar a
fachada, em representar o interior das peças que a compõem, seus habitantes nas
respectivas tarefas familiares, os móveis, etc. Este fenômeno, conhecido como
transparência, não merece, segundo Widlöcher (1998), esse nome, pois é uma vez o
interior e uma vez o exterior que a criança representa, sem procurar combinar
logicamente essas duas representações.
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Wallon, Cambier e Engelhart (1990), buscando ilustrar a influência do meio nos
trabalhos infantis, relatam um estudo feito há dez anos, no Nepal, por uma etnóloga, N.
Bauthéac, cujo objetivo era aprender, pelas crianças, os fundamentos de sua
sociedade. O recolhimento dos desenhos teve lugar no acaso dos caminhos, nas
cidades, no curso das atividades cotidianas, fora das escolas em geral, salvo em
Katmandou. Segundo as regiões estudadas, as tendências aparecem muito
nitidamente nos desenhos, seja na sua grafia seja no seu simbolismo.
Os desenhos obtidos com crianças taru, aborígenes da região do Terai, celeiro agrícola
ao norte do território indiano, mostram que a folha de papel é um espaço aberto e que
ela se recobre em todos os sentidos, segundo a cultura e o meio ambiente em que a
criança está inserida. As crianças taru, segundo Bauthéac, citada por Wallon e cols.
(1990), reproduziram o esquema gráfico tradicional para fazer, nos desenhos de
homens e animais, o apoio de dois triângulos, inspirando-se nas esculturas decorativas
das casas taru.
Nas vilas do vale do Langtang, a 4000m. de altura, num lugar onde as crianças vivem
afastadas de outra civilização que não a sua, sem escola e sem imagem, os desenhos
de 400 crianças são uma transmissão dos símbolos culturais pelos símbolos religiosos,
como os objetos de oferenda e bandeiras sagradas.
O desenho conta também, a quem pode entender, o que nós somos no momento
presente, integrando o passado e nossa história pessoal. O desenho conta sobre o
objeto; ele é a imagem do objeto e se inscreve entre numerosas modalidades da
função semiótica: ilustrar, desenhar, fazer o sentido com os traços, quer dizer com
outros sinais ou com as imagens de tais objetos, que são muitas vezes difíceis de dizer
ou descrever com as palavras.
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O desenho é um suporte onde se misturam e se cruzam os valores do objeto e os
valores da pessoa. (Grubits & Darrault-Harris, 2001). Ele é a concretização de um
diálogo inconsciente, buscando conciliar as exigências do sujeito e aquelas do objeto,
um diálogo que organiza o conhecimento e permite reduzir a distância entre o eu e o
não-eu.
Wallon e cols. (1990) alertam quanto aos riscos que corremos ao analisar o desenho,
quando, para facilitar ou por falta de clareza, nossa atitude pragmática nos leva a
esquecer as origens do desenho e a considerá-lo como objeto autônomo, sem nos
preocuparmos inicialmente com as circunstâncias particulares e os processos que
orientam sua produção.
A CASA
Em relação aos desenhos propostos no HTPF 2, o tema pessoa faz um apelo ao reino
animal, àquele da árvore, o reino vegetal e àquele da casa, o reino mineral.
Por outro lado, a casa é construída, elaborada, edificada pela mão do homem. No seu
estado atual, sua concepção é o resumo de todas as aquisições efetuadas ao longo
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das diferentes etapas do desenvolvimento humano. Assim, também a criança é
moldada a partir de seus instintos, educada, transformada por sua família, ambiente e
cultura. A representação de uma casa, portanto, parece, muito particularmente, levar
em conta as interações entre a natureza e a cultura, entre o inato e o adquirido, entre o
indivíduo e a sociedade.
Royer (1989) afirma, na sua obra Le dessin d’une maison, que a casa constitui um
arquétipo mais complexo, e por isso, mais difícil de interpretar, mais rico também de
significados que os temas desenho da árvore e pessoa. A casa é o símbolo de todas
as "peles" sucessivas que nos envolvem - o seio materno, corpos, família, universo - e
que vão se encaixando e modelando.
Assim, desenhar uma casa é evocar o último ego que reside mais fundo, assim como
suas relações com todos seus envelopes; é revelar as modalidades de sua pertença no
mundo.
Para a autora, a casa é o termo mais carregado de ressonância afetiva, mais capaz de
desencadear tantas lembranças, tantos sonhos, tantas paixões: a casa da infância, a
casa da família, a casa das férias, a casa dos sonhos matrimoniais, a casa de retiro, a
última moradia.
Cada uma de nossas casas possui suas fragrâncias, corredores e portas secretas,
espaços, recantos, alquimia, culinária, ruídos e silêncios, fogos e águas, luzes,
penumbras assustadoras ou propícias aos desabafos.
A imagem da casa, alegre ou não, nos acompanha ao longo de nossa vida. Esse
arquétipo ligado a nossa segurança, amores, posses, status social, está inscrito mais
profundamente em nós, até na nossa parte primitiva e animal, como a concha para o
caracol.
A etologia nos informa que um grande número de animais possui, como nós, uma casa
com suas peculiaridades: a toca rudimentar escondida sob as moitas, ninhos
cuidadosamente construídos, buracos com labirintos com múltiplas passagens,
colmeias sofisticadas, etc. Em torno desses refúgios, o animal delimita um território,
uma zona de jogo e de caça, que ele se reserva e que marca os limites graças ao odor
pessoal de seus dejetos, reconhecido pelos outros membros de sua espécie, assim
como pelos predadores. (Royer, 1989).
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No curso de sua evolução, a habitação foi submetida a formidáveis transformações.
Inicialmente escondido em grutas naturais, o homem foi pouco a pouco personalizando
sua habitação troglodita, acumulando tesouros e projetando suas fantasias na
decoração das paredes.
Dessa forma o homem construiu suas casas à imagem de sua evolução. Royer (1989)
afirma que também a criança, na pesquisa de sua identidade, desenha as casas.
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Percebemos claramente que algumas crianças fizeram opção por desenhos de casas
ligadas por caminhos, de acordo com a tradição de referido grupo, reunindo as
habitações pelo parentesco, no mesmo local). Outro grupo desenhou casas isoladas,
mantendo, porém, as características da arquitetura Guarani/Kaiowá. Finalmente, outras
representaram simplesmente casas como os padrões de desenhos comuns da maioria
das crianças que frequentam escolas, nos centros urbanos.
Tendo em vista que a busca de identidade dessa população infantil - o que sobrevive
da cultura indígena e o que vem se impondo na sociedade nacional envolvente -
constituía o ponto fundamental na proposta de nossa pesquisa, achamos essa
indicação valiosa para seleção dos sujeitos.
O espaço onde vivem, segundo estudos de Viveiros de Castro (1992), Schaden (1974),
Meliá (1990) e outros, envolve a significativa e peculiar relação do Guarani com a terra,
que vai muito além do lugar para a morada e sobrevivência e de onde retiram o
sustento através da agricultura.
Outra experiência semelhante ocorreu numa reserva Bororo, realizada numa oficina de
desenho3 com giz de cera, com um grupo de 12 crianças, em 2002, em Meruri, Mato
Grosso, onde aparece também, no desenho da casa, a representação da organização
social do referido grupo étnico.
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Na concepção dos Bororo, a sociedade é organizada em aldeias formadas por um
conjunto de choupanas tradicionalmente dispostas em círculo, em torno de uma grande
choupana central, a casa dos homens, bai mana gejewu4. A aldeia é dividida em duas
metades pelo eixo leste-oeste, com as choupanas tugarege ao sul e
choupanas ecerae ao norte, segundo Viertler (1976).
Na ocasião das primeiras visitas feitas a Meruri e Garça, para a execução da uma
pesquisa, na década de 1990, observamos que alguns aspectos da cultura Bororo,
como os descritos pelos autores Lévi Strauss (2000) e Viertler (1976), permaneciam
como outrora, mas outros haviam sido modificados.
No Garça, aldeia que fica a trinta quilômetros de Meruri, constatamos que as casas dos
índios eram construídas de palha e ainda dispostas em círculo, de acordo com a
tradição Bororo. A organização das famílias permanecia e o bai mana gejewu era
mantido, com suas atividades, no centro da aldeia (Grubits 1994).
Em Meruri, ao contrário, as casas eram de tijolo e a disposição delas não era circular,
apesar da tentativa de que as fileiras formassem pelo menos um retângulo em torno do
terreno central, onde existia uma estrutura que constituía uma tentativa de construção
do bai mana gejewu (algumas estacas e cobertura de palha). Nem círculo nem o
retângulo se completaram, mas, segundo os depoimentos dos moradores, ainda se
tentava que as famílias mantivessem uma organização semelhante à tradicional
(Grubits 1994).
Nos desenhos infantis Bororo realizados na oficina, em 2002, percebemos que nas
representações, completas ou não, também ocorriam tentativas de manutenção da
referida organização.
Além das casas, desenhou também árvores, um cachorro, o sol e nuvens. Ainda nesse
nível, predominam as cores azul e amarela. No segundo, representou um ônibus, uma
nuvem com chuva - mas sem nenhum desenho embaixo destas nuvens -, duas flores,
uma árvore, uma casa com arquitetura dos desenhos da cidade, tudo no mesmo
tamanho e nas cores vermelha e alaranjada.
Finalmente, no plano inferior, usando a própria borda do papel como linha de terra,
desenhou, da esquerda para a direita, uma árvore e uma casa vermelha, uma flor
verde e amarela, maior que a casa, um cachorro sem as patas traseiras e uma
representação de chão sob suas patas, uma árvore azul, uma figura feminina em preto,
uma outra casa e árvore, ambas em vermelho.
As casas ainda são uma mistura da arquitetura Guarani/Kaiowá com a casa da cidade.
As árvores e a flor são maiores do que as casas. O cachorro e a figura feminina são
menores do que os outros desenhos.
Nesse desenho, os três níveis estão bem-definidos, sendo que uma linha horizontal
separa o segundo do terceiro de cima para baixo. No primeiro, sob o sol, com nuvens
ao lado, aparece a representação das casas reunidas, um cachorro junto a uma árvore
e mais adiante uma bananeira e depois da casa uma plantação.
Cabe ressaltar que a casa aparece nos desenhos que, em análises semióticas
posteriores, iriam nos indicar a representação dos três níveis (superior/céu;
médio/terra, aldeia e inferior/mundo subterrâneo) da cosmologia Guarani. (Grubits &
Darrault-Harris, 2001)
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freqüentemente são representadas três partes de frente no desenho da casa, ou uma
inclinação à esquerda e outra à direita.
Todos esses aparelhos estão fora da casa, como se ele quisesse expor, ordenar os
objetos de consumo da sociedade moderna, importantes na busca de sua identidade
de homem da cidade. Desenhou também duas laranjeiras e uma outra árvore, o sol
amarelo rodeado de nuvens, um coqueiro e várias flores, informando, porém, que eram
da sua casa e não da reserva indígena.
Vejamos o caso da menina. Desde sua primeira pintura, ela começa a representar
através de seus destinadores e destinatários conforme análise semiótica desenvolvida
em pesquisa, que sempre são bons e satisfatoriamente organizados, quando
intimamente ligado às forças da natureza, matas, roças; representa as casas
ordenadas segundo a organização social tradicional Guarani.
A casa, nosso objeto de estudo desde a seleção das crianças, foi muito reveladora na
trajetória de ambos.Apareceu indicando, para a menina, mais aspectos da cultura
Guarani/Kaiowá e sua estrutura familiar, representada pela ligação de casa, ou um
agregado de pequenas aldeias, bairros, de casas voltadas para si mesmas, conforme
afirmou Schaden (1974, p. 59-60). Quanto ao menino, os desenhos das casas têm
características semelhantes aos das crianças da cidade.
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Na última sessão com o grupo da referida pesquisa, a meninarepresentou somente a
cosmologia e natureza, o menino, com muito destaque, os aparelhos e viaturas que
caracterizam o mundo moderno, ou seja, aquilo que é muito anunciado e pontuado na
mídia de um modo geral.
Os homens não são ceramistas, trabalham mais na pecuária e caça. Um dos trabalhos
de um menino Kadiwéu serve como ilustração dos temas, cores e desenhos escolhidos
pelos meninos. A casa, os dois animais silvestres, uma anta e um tatu, assim como um
boi, não são coloridos.
Cabe ressaltar, mesmo sem termos chegado à discussão final da pesquisa, que a
construção da identidade Kadiwéu na análise destes trabalhos aparece sem conflitos
ou contradições em relação à sociedade nacional envolvente.
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REFERÊNCIAS
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https://www.scielo.br/j/pe/a/hPdwKkkxp4zhrJJYpYm9sBG/<acesso em 29/09/2023>
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