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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA

CURSO DIREITO - DISCIPLINA DIREITOS HUMANOS

ESCRAVIDÃO POR DÍVIDA

GHIOVANA CARDOSO DA SILVA


MATRÍCULA: 20212101196

Rio de Janeiro
2021
1. INTRODUÇÃO
Apesar de ser prática ilegal no mundo inteiro, nunca houveram tantos escravos quanto
existem hoje. São 21 milhões de pessoas aprisionadas e forçadas a trabalhar, movimentando
uma indústria que gera 150 bilhões de dólares anualmente, de acordo com dados da
International Labor Organization (2014). As vítimas, pessoas em situação de pobreza e
desempregadas, frequentemente oriundas de países subdesenvolvidos, são seduzidas por
promessas de um bom salário e melhora nas condições de vida, porém a realidade é
completamente oposta. Operários de fábricas cujas jornadas de trabalho chegam a 15 horas ou
mais, mulheres que só se dão conta que foram vendidas como prostitutas após serem
encarceradas, crianças forçadas a mendigar, entre tantas outras formas de trabalho escravo ou
análogo ao escravo não são situações tão distantes como a maioria imagina. Neste trabalho,
faremos uma análise do funcionamento, história e medidas contra a escravidão por dívida no
Brasil, uma das modalidades mais comuns.

2. A ESCRAVIDÃO
O tipo de exploração em questão é baseado em obrigar a vítima a contrair uma dívida
com o patrão, geralmente na compra de ferramentas necessárias para o trabalho ou referente
aos custos da imigração de seu país de origem para o local onde irá trabalhar, e tornar essa
dívida impossível de ser paga. O salário oferecido é muito baixo, geralmente mal é suficiente
para cobrir os custos de vida, então o trabalhador não consegue pagar o valor devido nunca. O
trabalho costuma ser insalubre, sem o fornecimento de equipamentos de proteção e as
jornadas de trabalho são muito longas, porém a vítima é proibida de trocar de emprego
enquanto não honrar sua incumbência, ficando presa nessa relação abusiva pelo resto de sua
vida.
Esse é um cenário recorrente na área rural, especialmente no Mato Grosso e Pará. De
acordo com dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de
Pessoas (2021), 70% das vítimas trabalham no setor agropecuário, seguido pela construção
civil, que constitui 5% dos casos. O estado com mais pessoas resgatadas em 2021 foi Minas
Gerais, chegando a um total de 420 pessoas, constatação feita pelo Ministério do Trabalho em
sua última análise realizada em setembro deste ano. Entretanto, até evoluir para esse estado,
houveram muitas transformações na escravidão exercida no Brasil.
3. HISTÓRIA
Existem indícios da escravidão em quase todas as sociedades desde a Antiguidade,
datando a época do Egito Antigo e Mesopotâmia. No Brasil, os primeiros registros de
escravidão são do período após a chegada dos portugueses no território, considerando que não
existe uma forma de confirmar se o trabalho forçado era uma prática entre as tribos indígenas
nativas. Assim, os europeus começaram a escravizar indígenas, e depois africanos, visto que
capturar os nativos do Novo Mundo se tornou uma tarefa muito árdua uma vez que eles
conheciam a mata e eram capazes de fugir facilmente.
A escravidão foi oficialmente abolida em 1888, sob pressão da Inglaterra, parceira
econômica muito importante para o Brasil na época. Porém o trabalho escravo continuou com
outras facetas, visto que o ex-escravo se viu completamente desamparado, sem moradia,
posses ou formações técnicas que pudessem garantir uma vida digna. A maioria continuou
trabalhando para seu antigo dono, exercendo as atividades que fazia antes de liberto. Não
houve nenhuma política de integração dos ex-escravos à sociedade, criando um grupo
marginalizado bastante pronunciado cujas desvantagens impactam a posição social e
oportunidades de seus descendentes até hoje.
A evolução natural de um cenário como esse foi escravizar de maneiras alternativas, já
que esse é um modelo muito rentável para o dono, e foi dessa forma que o artifício da dívida
começou a ser empregado. Uma vez adquirida, a dívida perdura por tempo indeterminado e
pode passar de geração em geração, o que é contra a lei, conforme o art. 391 do Código Civil,
que diz “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor1”.

1 Agenda 2030, ONU.


4. AÇÕES AFIRMATIVAS
O Brasil é um dos países que se comprometeram com a Agenda 2030 da ONU, cujas
diretrizes de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável conta com as seguintes metas
relativas ao trabalho escravo:
“8.7 Tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho
forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, e
assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho
infantil, incluindo recrutamento e utilização de crianças-soldado, e até
2025 acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas.2”
Dessa forma, o governo federal deve tomar providências e intensificar as medidas já
em vigor em âmbito nacional a fim de cumprir esse objetivo no tempo estipulado. Para esse
fim, contamos com o 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, criado em
2001 e atualmente vinculado ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que
possui 66 metas nas esferas federal, estadual e municipal, além de incluir a mídia e órgãos
destinados ao combate ao trabalho escravo. A Comissão para Erradicação do Trabalho
Escravo - CONATRAE é responsável por acompanhar o cumprimento das ações desse plano
de metas.
Quanto ao caráter vigilante, a fiscalização conduzida pelo Ministério do Trabalho e
Previdência é uma das iniciativas mais importantes, que resultou em 234 ações fiscais no
período de janeiro a setembro de 2021. Outra medida desse ministério é o Cadastro de
Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo,
popularmente conhecido como Lista Suja do Trabalho Escravo, um documento atualizado
periodicamente contendo todas as empresas e pessoas físicas que utilizaram trabalho escravo
no Brasil, permanecendo durante dois anos após sua inclusão nele. A lista apresenta nome do
empregador, CPF ou CNPJ, local, número de trabalhadores envolvidos, entre outras
informações disponíveis para consulta do público geral. Por meio desse projeto, fornecedoras,
distribuidoras e consumidores podem se informar e não se associar mais com esses
estabelecimentos.
Seguindo a linha de conscientização, a cartilha Será que estou sendo vítima de
trabalho escravo?, criada pelo Ministério do Trabalho e Previdência é uma ferramenta
excelente, visto que o conhecimento acerca dos variados tipos de trabalho escravo nos dias de
hoje não é amplamente difundido. Ajudar o trabalhador a reconhecer por si mesmo a
exploração que está sofrendo e como procurar ajuda é essencial para a modalidade em estudo,

2 Artigo 391 da Lei nº 10406 de 10 de Janeiro de 2002.


a escravidão por dívida, pois esse é um método velado, com aparência de troca legítima. A
falta de correntes físicas não diminui as amarras intangíveis prendendo a vítima, pelo
contrário, a engana e destrói.
Por fim, é relevante ressaltar que para eliminar o mal que é o trabalho escravo, não
depende apenas do governo, e sim de todos. É possível denunciar suspeitas de regime escravo
ou análogo ao escravo em vigor por meio do Disque 100 e no site, sedes e aplicativo do
Ministério Público do Trabalho. Indicadores para manter em mente são empregados com
aparência acuada ou amedrontada, entrada e saída constante de pessoas em uma propriedade
privada sem justificativa clara. Viver em condições tão degradantes é uma situação à qual
ninguém deveria ser submetido, e a mudança começa na informação, na cobrança de ações
para autoridades e no estender a mão para quem precisa.
REFERÊNCIAS

BRASIL. 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Brasília, 2008.


Disponível em: <https://reporterbrasil.org.br/documentos/novoplanonacional.pdf>. Acesso
em: 16 out 2021.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. Cadastro de Empregadores que tenham
submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo. Brasília, 2021. Disponível
em: <https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/composicao/orgaos-especificos/
secretaria-de-trabalho/inspecao/areas-de-atuacao/cadastro_de_empregadores.pdf>. Acesso
em: 15 out 2021.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. Será que estou sendo vítima de trabalho
escravo? Brasília, 2021. Disponível em:
<https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/assuntos/proteja/arquivos/cartilha-trabalho-
escravo-1.pdf>. Acesso em: 15 out 2021.
Como as Nações Unidas apoiam os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil.
Nações Unidas, 2021. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/sdgs>. Acesso em: 16 out
2021.
GARBERS, K. Modern slavery, hidden in plain sight. Palestra proferida no TEDx.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?
v=xYQdZWj5G0g&list=PLRKmI6s_d_Yj9b7ZmbEQGWFos62hAD7vn&index=47>.
Acesso em: 15 out 2021.
ILO says forced labour generates annual profits of US$ 150 billion. International Labor
Organization, 2014. Disponível em:
<http://www.ilo.org/global/about-the-ilo/newsroom/news/WCMS_243201/lang--en/
index.htm>. Acesso em: 11 out 2021.
LOPES, A. Escravidão por dívida no norte do Tocantins: Vidas fora do compasso. Tese
(Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo. São Paulo, p 317. 2009. Disponível em:
<https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-05022010-094122/publico/
ALBERTO_PEREIRA_LOPES.pdf>. Acesso em: 15 out 2021.
Perfil dos casos de trabalho escravo. Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do
Tráfico de Pessoas, 2020. Disponível em:
<https://smartlabbr.org/trabalhoescravo/localidade/0?
dimensao=perfilCasosTrabalhoEscravo>. Acesso em: 11 out 2021.
Radar SIT: foram realizadas 234 ações fiscais até setembro de 2021. Ministério do
Trabalho e Previdência, 2021. Disponível em: <https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-
br/noticias-e-conteudo/trabalho/2021/outubro/radar-sit-foram-realizadas-234-acoes-fiscais-
ate-setembro-de-2021>. Acesso em: 15 out 2021.
RUSSO, A . Os Direitos Humanos e a escravidão por dívida do trabalhador rural
brasileiro. Tese (Mestrado em Direito) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São
Leopoldo, p. 120. 2005. Disponível em:
<http://www.repositorio.jesuita.org.br/bitstream/handle/UNISINOS/2386/direitos
%20humanos.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 11 out 2021.

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