Você está na página 1de 63

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - CCHL


COORDENAÇÃO DE LETRAS/ PORTUGUÊS

SUELLEN DEYSE FERREIRA LIMA

A TEORIA NA PRÁTICA: uma proposta para o ensino de ortografia na


Educação Básica

TERESINA - PI
2022
SUELLEN DEYSE FERREIRA LIMA

A TEORIA NA PRÁTICA: uma proposta para o ensino de ortografia na


Educação Básica

Trabalho de conclusão de curso


apresentado como requisito parcial para
obtenção do grau de Licenciado em
Letras/Português pela Universidade
Estadual do Piauí.

Orientador: Profa. Dra. Ailma do


Nascimento Silva

TERESINA - PI
2022
SUELLEN DEYSE FERREIRA LIMA

A TEORIA NA PRÁTICA: uma proposta para o ensino de ortografia na


Educação Básica

Trabalho de conclusão de curso


apresentado como requisito parcial para
obtenção do grau de Licenciado em
Letras/Português, pela Universidade
Estadual do Piauí.

Aprovado em ___ de__________ de 2022.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________________
Profa. Dra. Ailma do Nascimento Silva
(Presidente)

__________________________________________________________________
Profa. Dra. Norma Suely Campos
(1º Examinador)

__________________________________________________________________
Profa. Mestranda Larissa Nascimento Oliveira
(2º Examinador)
AGRADECIMENTOS

A Deus, que me proporciona a dádiva da vida, graças a Ele todas as minhas


conquistas são possíveis, por isso tudo que eu tenho devo ao Senhor.
Aos meus pais, Maria Antônia Ferreira Lima e Domingos Ferreira Lima, pelo
privilégio de tê-los me apoiando em tudo que preciso e por aceitarem a escolha do
meu sonho.
Ao meu companheiro, Marcos Eduardo Monteiro Leão, pela sua indescritível
paciência e compromisso, e pelas incontáveis palavras de incentivo. A sua presença
em minha vida é o meu maior presente! Amo-te!
À minha orientadora, Profa. Dra. Ailma do Nascimento Silva, que aceitou me
orientar no PIBIC e estender essa pesquisa ao TCC, e pela paciência e persistência
diante das minhas dificuldades. A você dedico a minha mais singela gratidão!
Às minhas amigas e parceiras de curso, Francimeire Gomes Moura e Iêda Irla
Vieira da Silva, por serem a base que me sustentou durante toda a graduação, pois
sem a amizade, o apoio moral, a cumplicidade de vocês eu não conseguiria conquistar
nada no curso. Eu desejo todo o sucesso do mundo a vocês, mulheres esforçadas e
exemplares!
À minha orientadora da monitoria da disciplina de Sociolinguística, Profa. Dra.
Soraya Melo, que me orientou nessa experiência gratificante com excelência!
A Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação e o Departamento de Pesquisa
que promoveram o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica (PIBIC)
para que eu pudesse iniciar minhas pesquisas.
Aos docentes do curso de Letras-Português por conduzirem com competência
as disciplinas, em especial, Profa. Ma. Lisete Napoleão, Prof. Dr. Franklin Oliveira e
Profa. Dra. Lucirene Carvalho.
Aos meus amigos e familiares que acreditam em meu potencial.
Por fim, aos colegas de turma da UESPI, que me ajudaram direta e
indiretamente.
RESUMO

Uma temática abordada por diversas pesquisas constata que o ensino da ortografia
se tem desenvolvido de forma mecanizada em sala de aula, o que favorece ao aluno
aprisionar-se em práticas consolidadas pelo livro didático ou pelas concepções do
docente anacrônicas. Essa prática, consequentemente, não oportuniza ao aluno a
reflexão sobre o Sistema Ortográfico e as suas respectivas regras. Nessa perspectiva,
como os insumos da Fonética e da Fonologia podem auxiliar no aprendizado da
ortografia da língua portuguesa? Os estudos fonéticos e fonológicos hão muitos
subsidia-nos com conhecimentos imprescindíveis, oportunizando-nos o
desenvolvimento de olhares diferenciados e reflexões teóricas que nos permitem
posicionar-nos intelectual e habilidosamente frente as mais diversas realidades de
usos linguísticos dos alunos dos mais diferentes anos escolares, sobretudo, em
particular objeto deste estudo, o ensino da ortografia. Dessa forma, nesta pesquisa
objetivamos discutir sobre a importância dos pressupostos fonéticos e fonológicos
imprescindíveis à compreensão e, consequentemente, à apropriação deste Sistema.
Para especificar este objetivo, buscamos refletir sobre o papel imprescindível da
fonologia para o ensino de língua materna; analisar as propostas do currículo nos anos
finais do Ensino Fundamental, destacando a abordagem dada ao tema Ortografia;
mapear as principais motivações/natureza dos erros ortográficos formulada por Zorzi
(1998). Para o desenvolvimento da pesquisa adotamos a natureza quanti-qualitativa,
descritiva e bibliográfica. Portanto, para fundamentar teoricamente esta pesquisa,
dialogamos com autores como Bisol (1996), Morais (1998, 2007), Seara, Callou e
Leite (2009), Lemle (2009), Nunes e Lazzaroto-Volcão (2011), Faraco (2012),
Nóbrega (2013), Miranda (2015), Silva (2017), dentre outros. O corpus de análise
desta pesquisa é constituído por trinta e oito (38) produções textuais de alunos do 6º
e 7º ano do ensino fundamental, retiradas do banco de dados dos Estudos
Interdisciplinares de Literatura (INTERLIT), instalado na Universidade Estadual do
Piauí (UESPI). Como resultados, constata-se que o ensino/aprendizagem do sistema
ainda é muito falho, pois conforme a análise, os erros mais recorrentes são
decorrentes do apoio na oralidade. Por fim, confirmamos que as vozes advindas de
bases teórico-metodológicas no âmbito da fonética e da fonologia são capazes de
estabelecer diálogos profícuos como o ensino da ortografia e apontar caminhos ainda
não explorados para melhor compreensão e mais rápida apropriação do sistema
ortográfico.

Palavras-chave: Fonologia. Ensino de Ortografia. Erros ortográficos.


ABSTRACT

A theme addressed by several researches finds that the teaching of spelling has been
developed in a mechanized way in the classroom, which favors the student to be
imprisoned in practices consolidated by the textbook or by the anachronistic
conceptions of the teacher. This practice, consequently, does not give the student the
opportunity to reflect on the Orthographic System and its respective rules. From this
perspective, how can Phonetics and Phonology inputs help in learning Portuguese
orthography? There are many phonetic and phonological studies that subsidize us with
essential knowledge, providing us with the opportunity to develop different
perspectives and theoretical reflections that allow us to position ourselves intellectually
and skillfully in the face of the most diverse realities of linguistic uses of students of the
most different school years, above all, in particular object of this study, the teaching of
orthography. Thus, in this research we aim to discuss the importance of phonetic and
phonological assumptions essential for understanding and, consequently, for the
appropriation of this System. In order to specify this objective, we seek to reflect on the
essential role of phonology for teaching the mother tongue; to analyze the curriculum
proposals in the final years of Elementary School, highlighting the approach given to
the topic Spelling; to map the main motivations/nature of spelling errors formulated by
Zorzi (1998). For the development of the research, we adopted the quanti-qualitative,
descriptive, bibliographic nature. Therefore, to theoretically support this research, we
dialogue with authors such as Bisol (1996), Morais (1998, 2007), Seara, Callou and
Leite (2009), Lemle (2009), Nunes and Lazzaroto-Volcão (2011), Faraco (2012),
Nóbrega (2013), Miranda (2015), Silva (2017), among others. The corpus of analysis
of this research consists of thirty-eight (38) textual productions by students in the 6th
and 7th year of elementary school, taken from the Interdisciplinary Literature Studies
database (INTERLIT), installed at the State University of Piauí (UESPI). As a result, it
appears that the teaching/learning system is still very flawed, because according to the
analysis, the most recurrent errors are due to orality support. Finally, we confirm that
the voices coming from theoretical-methodological bases in the scope of phonetics and
phonology are capable of establishing fruitful dialogues such as teaching orthography
and pointing out paths not yet explored for a better understanding and faster
appropriation of the orthographic system.

Keywords: Phonology. Teaching Spelling. Spelling errors.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Diferenças entre a Fonética e a Fonologia ................................................. 15


Figura 2: Níveis de representação ............................................................................ 26
Figura 3: Fragmento do texto 15: troca de z por s..................................................... 42
Figura 4: Fragmento do texto 21: troca de ç por s..................................................... 42
Figura 5: Fragmento do texto 3: troca de s por ss ..................................................... 43
Figura 6: Fragmento do texto 23: troca de x por s..................................................... 43
Figura 7: Fragmento do texto 5: troca surda-sonora ................................................. 45
Figura 8: Fragmento do texto 18: várias interferências da fala.................................. 46
Figura 9: Fragmento do texto 25: troca de nh por ia ................................................. 46
Figura 10: Fragmento do texto 11: apagamento de letras ......................................... 48
Figura 11: Fragmento do texto 14: redução ditongo ou > o ....................................... 49
Figura 12: Fragmento do texto 15: hipossegmentação ............................................. 51
Figura 13: Fragmento do texto 15: hipersegmentação .............................................. 51
Figura 14: Fragmento do texto 21: troca de am por ão ............................................. 53
Figura 15: Fragmento do texto 1: confusão am > ão ................................................. 53
Figura 16: Fragmento do texto 15: troca de u por l ................................................... 54
Figura 17: Fragmento do texto 30: troca de o por u .................................................. 54
Figura 18: Fragmento do texto 37: troca de m por n ................................................. 56
Figura 19: Fragmento do texto 15: origem etmológica .............................................. 56
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Distribuição dos principais erros ............................................................... 41


Gráfico 2: Distribuição dos erros decorrentes das possibilidades representações
múltiplas .................................................................................................................... 44
Gráfico 3: Apoio na oralidade .................................................................................... 47
Gráfico 4: Omissões de letras ................................................................................... 50
Gráfico 5: Hipossegmentação x Hipersegmentação ................................................. 52
LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Segmentos vocálicos orais e nasais do PB .............................................. 16


Quadro 2: Segmentos consonantais do PB .............................................................. 17
Quadro 3: Correspondências biunívocas entre fonemas e grafemas ........................ 22
Quadro 4: Correspondência múltipla grafema-fone-fonema ..................................... 23
Quadro 5: Relação grafema-fone-fonema (demais grafemas) .................................. 24
Quadro 6: Principais regularidades contextuais do PB ............................................. 30
Quadro 7: Principais regularidades morfossintáticas do PB ...................................... 31
Quadro 8: Irregularidades ortográficas ...................................................................... 32
Quadro 9: Classificação de erros ortográficos e proposta interventiva ..................... 38
Quadro 10: Erros relativos às possibilidades de representação múltiplas ................ 44
Quadro 11: Erros decorrentes de apoio na oralidade ................................................ 47
Quadro 12: Erros decorrentes de omissões de letras ............................................... 49
Quadro 13: Erros decorrentes da junção ou separação não convencional de palavras
.................................................................................................................................. 52
Quadro 14: Erros decorrentes de generalizações de regras ..................................... 55
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

2 FONÉTICA E FONOLOGIA: conceitos fundantes ................................................. 13

2.1 A importância da Fonética e da Fonologia na formação de professores de Língua


Portuguesa ................................................................................................................ 14

2.2 A Fonética, Fonologia e o Ensino: uma reflexão pedagógica.............................. 20

2.2.1 Relação assimétrica entre som e grafema ....................................................... 21

2.2.2 Uso da fonética e fonologia no ensino: implicações práticas ........................... 25

3 ORTOGRAFIA E O ENSINO DA ESCRITA........................................................... 29

3.1 Uma breve discussão teórica sobre este peculiar objeto de ensino .................... 29

3.2 O que dizem os documentos legais sobre Ortografia? ........................................ 33

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E ANÁLISE .......................................... 36

4.1 Caracterização da pesquisa ................................................................................ 36

4.2 Corpus ................................................................................................................. 36

4.3 Categorização dos principais erros ortográficos.................................................. 38

4.4 Análise de dados ................................................................................................. 40

4.4.1 Distribuição dos principais erros ....................................................................... 40

4.4.2 Alterações decorrentes da possibilidade de representações múltiplas ............ 41

4.4.3 Alterações ortográficas decorrentes de apoio na oralidade.............................. 45

4.4.4 Omissões de letras ........................................................................................... 48

4.4.5 Junção ou separação não convencional de palavras ....................................... 50

4.4.6 Alterações decorrentes da confusão entre as terminações am e ão ................ 52

4.4.7 Alterações decorrentes de generalizações de regras ...................................... 53

4.4.8 Letras parecidas ............................................................................................... 55

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 58

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 60
10

1 INTRODUÇÃO

Uma temática abordada por diversas pesquisas constata que o ensino da


ortografia se tem desenvolvido de forma mecanizada em sala de aula, o que favorece
ao aluno aprisionar-se em práticas consolidadas pelo livro didático ou pelas
concepções do docente anacrônicas. Essa prática, consequentemente, não
oportuniza ao aluno a reflexão sobre o Sistema Ortográfico e as suas respectivas
regras. Nessa perspectiva, como os insumos da Fonética e da Fonologia podem
auxiliar no aprendizado da ortografia da língua portuguesa?
Os estudos fonéticos e fonológicos hão muitos subsidia-nos com
conhecimentos imprescindíveis, oportunizando-nos o desenvolvimento de olhares
diferenciados e reflexões teóricas que nos permitem posicionar-nos intelectual e
habilidosamente frente as mais diversas realidades de usos linguísticos dos alunos
dos mais diferentes anos escolares, sobretudo, em particular objeto deste estudo, o
ensino da ortografia.
Essas subáreas da ciência da linguagem voltam-se seus estudos para o mundo
dos sons, cada uma com seus respectivos objetos de estudos. A Fonética debruça-se
sobre os sons da fala em uma perspectiva de estudo da própria mecânica dos sons
humanos; enquanto a Fonologia vai tratar destes em uma perspectiva mais funcional,
pois os sons como matéria-prima da língua organizam-se linguisticamente com o
propósito de cumprirem sua função de contrastar veredas distintas, pela própria
descrição dos seus respectivos objetos de estudos, elas mantêm uma relação de
interdependência dentro dos estudos dos sons de qualquer sistema linguístico. As
motivações e natureza dos erros ortográficos mais recorrentes que serão discutidos
nesta pesquisa nos atestarão esta afirmação, posto que é no ato do registro escrito
que se revelam as principais dúvidas sobre a forma de materializar o som no seu
aspecto gráfico. Desse ponto, então, a necessidade de discutirmos o impacto do
conhecimento da estrutura da língua, precisamente no âmbito da Fonética e Fonologia
para o ensino da língua escrita.
Ademais, sabemos que o aprendizado da escrita, bem como a apropriação do
sistema ortográfico, configura-se em um processo multifacetado e de natureza muito
complexa que exige do mediador desse processo um sólido fundamento teórico com
habilidade para identificar, categorizar, explicitar e explicar as mais diversas
11

dificuldades que se apresentam nessa fase, consoantes a origem dos obstáculos


vivenciados pelos alunos na construção desse conhecimento, a saber a explícita
relação que se faz necessário diferenciar, a oralidade e escrita, ortografia e estratégias
cognitivas, fonologia e escrita, escrita e sequência de segmentos.
No entanto, o que se pode reconhecer a partir da ignorância e não da
resistência é que as ações pedagógicas na aula de língua escrita não utilizam a
explicação fonológica para lidar com os erros ortográficos dos alunos em sala de aula.
A preocupação pedagógica em eliminar, da forma mais automática possível, o
erro ortográfico é tida como imenso sucesso nas atividades mecanicistas, mesmo não
levando a nenhum tipo de reflexão sobre o sistema. Essa prática é facilmente
descartada quando, como defende Cagliari (1989), se observam as produções livres
nesse processo de apropriação da escrita. As variações são claras porque a criança
erra a forma ortográfica baseada na forma fonética, desvios esses que revelam
claramente contextos possíveis e não ocorrências aleatórias. É um momento do uso
linguístico real da escrita e da fala.
Outrossim, é válido ressaltar que a consolidação da apropriação deste sistema
envolve propriedades conceituais e convencionais, consequentemente reflexões
práticas, para o ensino de língua escrita que, embora tão presentes na Malha
Curricular dos Cursos de Licenciatura (Letras/Pedagogia), como nos de qualificação
(Pós-Graduação) parecem perdessem-se nas veredas entre o ponto de partida –
Universidade – e o ponto de chegada – escolas da educação básica, uma vez que as
lições discutidas na Linguística não encontram ecos no chão da escola, não
repercutem de forma positiva para a construção de um projeto educacional escolar
que ofereça ao cidadão/falante/ouvinte uma compreensão mais ampla do que sejam,
efetivamente, os usos da língua na sua vida. Posto que, estes usos representam mais
do que um fato isolado ou especificamente linguístico, vocal, gráfico, mais do que o
simples exercício mecânico de emissão de sons providos de significados. Na
realidade, os diversos usos da língua constituem um ato humano de âmbito social,
político, histórico, permeado com configurações ideológicas que tem consequências
e repercussões na vida de todos.
Por conseguinte, nesse trabalho, objetivamos de forma geral discutir as
implicações teóricas e práticas sobre Fonética, Fonologia e ensino de ortografia para
a construção de uma proposta pedagógica que reordene as estratégias metodológicas
de ensino. Para especificar este objetivo, buscamos refletir sobre o papel
12

imprescindível da fonologia para o ensino de língua materna; analisar as propostas do


currículo nos anos finais do Ensino Fundamental, destacando a abordagem dada ao
tema Ortografia; mapear as principais motivações/natureza dos erros ortográficos já
levantados e discutidos em diversas pesquisas.
Organizamos esse estudo em cinco capítulos para uma melhor condução das
discussões. O primeiro capítulo, a Introdução, aborda o tema e objeto e objetivo dessa
pesquisa, resumidamente. Os capítulos dois e três compõem o referencial teórico,
embasados nos pressupostos teóricos de Bisol (1996), Morais (1998, 2007), Seara,
Callou e Leite (2009), Lemle (2009), Nunes e Lazzaroto-Volcão (2011), Faraco (2012),
Nóbrega (2013), Miranda (2015), Silva (2017), e outros. O segundo abrange, nem de
forma superficial nem aprofundada, as teorias que compõe os estudos fonéticos e
fonológicos, essa parte constitui-se como base para a integralização de ações
pedagógicas quanto ao ensino de ortografia. Já no terceiro capítulo será discutido
brevemente sobre a ortografia e o que os documentos legais dizem ao seu respeito.
No quarto capítulo iremos tratar sobre os procedimentos metodológicos
utilizados nesta pesquisa e também faremos a análise de dados coletados. O corpus
de análise constitui-se de produções textuais de alunos do 6º e 7º ano do ensino
fundamental, retiradas do banco de dados dos Estudos Interdisciplinares de Literatura
(INTERLIT), instalado na Universidade Estadual do Piauí (UESPI).
No último capítulo e também quinto, apresentaremos as considerações finais e
uma proposta de intervenção para o ensino de ortografia.
Espera-se que, com esse estudo, a real importância da Fonética e da Fonologia
seja considerada, a fim de que os professores de línguas sejam mais eficientes e
profissionais que saibam utilizar fontes seguras e eficazes para o
ensino/aprendizagem do Sistema Ortográfico.
13

2 FONÉTICA E FONOLOGIA: conceitos fundantes

A linguagem tem por função comunicar, portanto, é um fato sociocultural, por


isso Saussure (2006) afirma que a linguagem, a cada instante, é um produto do
passado concomitantemente, uma instituição atual.
Há dois tipos principais de linguagem, a verbal e a não-verbal, que podem
ocorrer simultaneamente. Em relação à linguagem oral ou verbal, utiliza-se a fala, esta
é própria do ser humano, realizada por meio do aparelho fonador (conjunto de alguns
órgãos responsáveis pela produção dos sons vocais), todavia, essa função de articular
os sons é secundária, visto que os órgãos que o compõe têm como função primária e
natural, por exemplo, a mastigação, respiração.
Sabemos também que a fala é adquirida por intermédio das relações sociais e
dialógicas consoante ao que bem realça Marcuschi (2008, p. 18) “mais do que a
decorrência de uma disposição biogenética, o aprendizado e o uso de uma língua é
uma forma de inserção cultural e de socialização”.
Ademais, a fala não é o único item para que a linguagem ocorra, mas a sua
fusão com a língua se configura a linguagem. À vista disso, faz-se necessário
ponderar sobre a dicotomia saussuriana Langue e Parole, pois a distinção entre os
dois conceitos foi fundamental para os estudos sobre a linguagem. Na obra póstuma
de Ferdinand Saussure Curso de Linguística Geral, a língua é posta como objeto de
estudo da Linguística, desse modo a língua (langue) é “a parte social da linguagem,
exterior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la”
(SAUSSURE, 2006, p. 22). Em relação à fala (parole), Saussure (2006, p. 28) ressalta
que “nada existe, portanto, de coletivo na fala; suas manifestações são individuais e
momentâneas”.
Diante desse pressuposto teórico, a primeira definição para distinguir esses
dois itens deve-se a esse rememorado linguista e filósofo suíço, através dessa divisão,
pois, foi possível também distinguir a fonética e a fonologia, onde a primeira tem a ver,
sinteticamente, com os sons da fala, já a segunda, os sons da língua.
Ainda sobre a discussão da linguagem verbal, a escrita ingressa como uma
outra modalidade de uso da língua. Assim sendo, a fala e a escrita são duas
modalidades de uso da língua, além disso foi a escrita que estendeu os estudos
relacionados à língua como objeto, porque sem ela não estudaríamos a gramática em
sua perspectiva escrita, apesar de que, por essa razão, ela se tornou uma modalidade
14

de prestígio, por ser ensinada nas escolas e seguir uma norma-padrão, enquanto a
fala é adquirida naturalmente no meio social.
Tendo em vista os sons da fala como objeto de estudo, objetivamos nesse
capítulo discutir as teorias que abrangem a Fonética e a Fonologia do português
brasileiro. Embora estas subáreas difiram entre si, elas são linguisticamente
interdependentes, por isso é significativo investigá-las e distingui-las para alcançar o
objetivo principal deste estudo.
Na próxima seção, destacaremos o porquê da importância dessas subáreas
para a formação de professores de línguas, em particular, a língua portuguesa
brasileira. Em seguida faremos uma reflexão pedagógica acerca da Fonética e
Fonologia.

2.1 A importância da Fonética e da Fonologia na formação de professores de


Língua Portuguesa

Os estudos sobre fonética e fonologia servem para oferecer-nos uma


compreensão mais aprofundada sobre as características do subsistema fonológico do
Português brasileiro (doravante PB). Porém, uma grande maioria de estudantes e
professores de PB concluem que seus conceitos não são necessários para o
discernimento do sistema ortográfico e nem para a formação de professores de Língua
Portuguesa. Esse pobre pensamento pode emergir de ideias negligentes quanto ao
conhecimento da Fonética e Fonologia, visto que muitos estudantes consideram uma
disciplina de difícil aprendizagem, entretanto, se estes pretendem ensinar a língua,
precisam conhecer o instrumental necessário para a caracterização de sua língua e
estimular-se pelos estudos fonológicos.
Para compreendermos brevemente a Fonética e Fonologia do PB e evidenciar
a sua relevância para formação de professores de Língua Portuguesa, distinguiremos,
resumidamente, a seguir ambas as disciplinas.
A fonética, de acordo com Silva (2013, p. 17), “é a disciplina da Linguística que
apresenta os métodos para a descrição, classificação e transcrição dos sons da fala”.
Esta é pronunciável, pois executa os sons baseados nos modelos de articulação dos
sons da fala designados pelo Alfabeto Internacional de Fonética cuja transcrição
fonética é representada entre colchetes, já a transcrição fonológica, entre barras
transversais. A fonética divide-se em quatro áreas principais de seu interesse: a
15

articulatória (estudo da produção dos sons da fala), auditiva (estudo perceptivo da


fala), acústica (estudos dos sons a partir da transmissão do falante ao ouvinte) e
instrumental (estudo dos sons com o apoio de instrumentos laboratoriais).
A fonologia, por sua vez, segundo Silva (2013, p. 23), “investiga o componente
sonoro das línguas naturais, do ponto de vista organizacional, buscando explicar a
natureza abstrata da fala”. A fonologia não é pronunciável, pois a sua análise
compositora considera uma característica cognitiva. Essa diferenciação está
perceptível na figura 1, disponível no site da fonóloga Thaïs Cristófaro Silva:

Figura 1: Diferenças entre a Fonética e a Fonologia

Fonte: https://fonologia.org/fonologia/ Acesso em: 22 mai. 2022.

Como ambas subáreas procuram investigar como as pessoas ouvem e


reproduzem os sons da fala, elas são fundamentalmente importantes para o
conhecimento de estudantes, professores e linguistas, pois o seu conteúdo contribui
para ajuda profissional durante a alfabetização, logo as necessidades dos alunos
carecem de um atendimento seguro. Outras contribuições para a necessária
aprendizagem de seus estudos são o ensino de outras línguas, acompanhamento
fonoaudiológico, conhecimento do sistema oral durante o trabalho de tradução e
interpretação, além de contribuir para o papel da expressão oral (Dramaturgia), ciência
da telecomunicação, e outros.
Com a finalidade de apreendermos inicialmente como acontece o processo da
fala, precisamos conhecer os órgãos que trabalham em função disso na qualidade de
articuladores passivos (lábio superior, dentes superiores e o céu da boca) e
articuladores ativos (lábio inferior, a língua, o véu palatino e as pregas vocais).
Salientamos que esses órgãos não possuem a principal função de falar, mas de
16

contribuir para a digestão dos alimentos, então a execução da fala é secundária. Isso
conduz ao investigador a ter-se a si mesmo como aparato contribuinte para a
investigação, pois já armazenamos saberes fonológicos.
Os quadros 1 e 2 apresentam as representações dos segmentos vocálicos e
consonantais que fazem parte da fonética articulatória, alguns segmentos podem ser
caracterizados como alofones no contexto de sua reprodução sonora em frases ou
palavras, dependendo das particularidades de cada dialeto em diferentes regiões do
Brasil.

Quadro 1: Segmentos vocálicos orais e nasais do PB

Posição do corpo da língua na cavidade bucal


anterior central posterior
não arred. não arred. arred. .
ĩ ũ
alta
ɪ ʊ
Altura da língua

i u
e o
média-alta
ẽ õ
média-baixa ɛ ə ɔ
ã
baixa
a
Fonte: Adaptado de Silva (2011, p. 32).

Este quadro revela que somente as vogais posteriores são arredondadas.


Todas as vogais nasais recebem o til (~) para representar a nasalidade, há também
as representações das vogais que podem ocorrer em posição tônica, pretônica e
postônica, a depender do contexto regional, por exemplo, no Nordeste é comum as
vogais serem reproduzidas com o som aberto (terreno [tɛˈhẽnʊ]), ao invés do som
fechado como na região sul do país [teˈxẽnʊ]. As postônicas e átonas finais [ɪ, ʊ, ə]
são consideradas vogais frouxas porque é articulada com menor esforço e com
duração breve. Além dessa classificação também há a divisão dos ditongos orais e
nasais crescentes e decrescentes.
De acordo com o quadro 2, as consoantes estão classificadas quanto ao lugar,
modo de articulação estado da glote (vozeado/desvozeado). Tais propriedades são
notáveis para interpretar as particularidades de cada fone e suas diferenças entre si,
denomina-se traços distintivos, abordagem introduzida pela Teoria Gerativa. Por
exemplo, o fone [k] (Oclusiva velar desvozeada) e [g] (Oclusiva velar vozeada) são
iguais quanto ao lugar e modo de articulação, todavia se diferenciam quanto ao estado
17

da glote no instante de sua reprodução, pois o primeiro é desvozeado, porque não há


vibração das pregas vocais, e o outro é vozeado porque há vibração das pregas
vocais. Esse processo poderá ser identificado ao colocar uma das mãos espalmada
no pescoço, a vibração ou não será perceptível depois de alguns segundos emitindo
cada som.

Quadro 2: Segmentos consonantais do PB

Lugar de articulação
Bilabial Labiodental Dental ou Alveopalatal Palatal Velar Glotal
Alveolar
desv voz desv voz desv voz desv voz desv voz desv voz desv voz
Oclusiva p b t d k kʷ g gʷ
Modo de articulação

Africada ʧ ʤ
Fricativa f v s z ʃ ʒ x ɣ h ɦ
Nasal m n ɲ ỹ
Tepe ɾ
Vibrante ř
Retroflexa ɹ
Lateral lɬw ʎ lʲ y
Fonte: Adaptado de Silva (2011, p. 25).

Enfatizamos que estudar minuciosamente os segmentos que representam os


sons da nossa fala é indispensável para quem deseja ensinar o PB, logo,
corroboramos com Bagno (2007, p. 35) quando afirma que “99% da história da nossa
espécie ninguém escreveu nem leu nada”, logo, reiteramos que a fala antecede a
escrita. Marcuschi (1997) se posiciona quanto à essa discussão da seguinte maneira:

Sob o ponto de vista mais central da realidade humana, seria possível definir
o homem como um ser que fala, mas não como um ser que escreve, o que
traduz a convicção, hoje tão generalizada quanto trivial, de que a escrita é
derivada e a fala é primária. Não é necessária muita genialidade para
constatar que todos os povos, indistintamente, têm ou tiveram uma tradição
oral, mas relativamente poucos tiveram ou têm uma tradição escrita
(MARCUSCHI, 1997, p. 120).

Salientamos que não estamos constituindo um grau de hierarquia entre fala e


escrita, esta e aquela são igualmente essenciais para o desenvolvimento humano.
É válido destacar que as vogais e consoantes são sons para os estudos
fonéticos e fonológicos, e não letras, essa colocação é primordial para a
fundamentação dos conteúdos, desse modo, “palavras como cassado [kaˈsadʊ] e
caçado [kaˈsadʊ] possuem as mesmas consoantes apesar de serem grafadas com
18

letras diferentes” (SEARA, NUNES e LAZZAROTO-VOLCÃO, 2012, p. 12). Então,


nessa condição, o significado de tais palavras será objeto de estudo da semântica.
A maioria das comunidades de falantes possui representações fonéticas para
a caracterização de sua fala, contudo essas propriedades não são relevantes no ato
comunicativo. Bisol (1996) valida que os sons são meios de transmitir significados e
são usados e percebidos pelos falantes de uma língua não em virtude de suas
propriedades fonéticas, mas em razão das funções que desempenham na língua. Por
essa razão, compete somente ao educador o estudo mais apurado da fonética e
fonologia, já que “ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo
socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível
ensinar” (FREIRE, 2016, p. 26).
“A fonética apreende os sons efetivamente realizados pelos falantes da língua
em toda a sua diversidade; a fonologia abstrai essa diversidade para captar o sistema
que caracteriza a língua” (BISOL, 1996, p. 13). Dito isto, para compreender a
fonêmica, será necessário sintetizar as premissas que antecipam esta subárea.
A primeira premissa pressupõe como o ambiente ou contexto, que precede um
determinado segmento consonantal ou vocálico, concede alterações dos sons durante
a fala. Entender o ambiente ou contexto enfatiza o conhecimento sobre as ocorrências
dos processos de assimilação de vozeamento e de nasalidade. De modo exemplar, o
[s] quando seguido de consoante vozeada será vozeado e quando seguido de
consoante desvozeada será desvozeado, assim também é a assimilação de
nasalidade, que ocorre quando uma vogal assimila a nasalidade da consoante
seguinte dependendo da posição tônica da sílaba na palavra, um exemplo disso é a
assimilação nasal que ocorre quando reproduzimos a palavra cama [ˈkãmə], em nosso
idioleto piauiense assimilamos a nasalidade da vogal anterior, pois reproduzimos a
vogal [ã] nasalizada, e não [a] com o som oral como em outras regiões.
Em resumo das premissas restantes, o PB apresenta um sistema sonoro
foneticamente bastante simétrico, ou seja, para cada som de uma consoante ou vogal
há um outro som correspondente; o emprego de símbolos distintos na escrita do PB
é relevante para caracterização do vozeamento ou não, como em “cama” e “gama”;
por fim, a interpretação de um segmento vocálico ou consonantal é dada em resposta
à organização da estrutura silábica canônica do PB (CV).
Posteriormente, podemos reunir os conceitos básicos da fonêmica, que são o
fone, o fonema (unidade sonora diferenciada das demais unidades), alofone (unidade
19

relacionada à manifestação foneticamente variante de um fonema), variantes


posicionais (a ocorrência da alofonia depende do contexto do som na fala) e pares
suspeitos (representa um conjunto de dois sons com características análogas, que se
pode concluir como um alofone ou um fonema). Posto isto, alguns procedimentos são
importantes para a análise fonêmica, segundo Silva (2017):

“coletar o corpus; colocar todos os segmentos encontrados no corpus na


tabela fonética, identificar os sons foneticamente semelhantes; identificar
fonemas e alofones caracterizando a distribuição completa ou listando os
pares mínimos relevantes; colocar os segmentos na tabela fonêmica” (SILVA,
2017, p, 135).

Um exemplo de análise fonêmica é encontrar duas palavras com significados


distintos (denominado par mínimo) cuja sonoridade seja similar, conforme ocorre em
pata e bata, uma vez que a diferenciação dessas palavras decorre no aspecto
fonético, portanto, /p, b/ são fonemas por serem caracterizados pelo par mínimo por
contraste em ambiente idêntico (CAI).
No quadro fonêmico, geralmente, estão identificados dezenoves fonemas
consonantais /p, b, t, d, k, g f, v, s, z, ʃ, ʒ, R̅, ɾ, m, n, ɲ, l, ʎ/, três arquifonemas /R, N,
S/ e sete fonemas vocálicos /i, e, ɛ, a, ɔ, o, u/, únicos para a maioria os dialetos do
PB, tendo algumas exceções. Além dos fonemas, há também nos estudos fonológicos
a composição do esqueleto silábico do PB, do qual seu núcleo será perpetuamente
constituído por uma vogal, e a acentuação gráfica tendo função distintiva nas
representações dos vocábulos.
Segundo Bagno (2007, p. 36), “a língua é intrinsecamente heterogênea,
múltipla, variável, instável, e está sempre em desconstrução e reconstrução”. Limitar-
se apenas ao que se ensina na graduação não expande as habilidades docente, uma
vez que o plano de disciplina é limitado aos conteúdos introdutórios, isso em relação
à Fonética e Fonologia, pois não dá para abordar sobre tudo em apenas um período,
esses estudos são extensos.
Os professores devem atualizar-se constantemente, a fim de possuir uma
bagagem sólida sobre os estudos fonológicos e fonéticos para posicionar-se
intelectualmente diante de erros ortográficos que podem ser solucionados a partir de
contextos possíveis. Por exemplo, o famoso uso de “m” antes de [p] e [b], isso justifica-
se, em aspecto técnico, pelo lugar de articulação desses três sons na fala, o bilabial,
no qual o lábio inferior ativo e o superior passivo produzem uma obstrução completa
do ar, deste modo, o que irá diferenciar cada som é o estado da glote
20

(desvozeado/vozeado) e a posição do véu palatino (abaixado), para saída do ar pelas


vias nasais em [m]; no que concerne ao procedimento físico-articulatório, sabemos
que “m” e “n” são consoantes nasais, dessa forma, assimilamos o lugar/ponto de
articulação do som nasal, em coda silábica (final de sílaba), com o da consoante
seguinte (campo, canto). Ainda, Miranda (2015) frisa que:

A Fonologia, tendo como objeto de estudo os fonemas que são os sons de


uma língua, revela-se profícua para o ensino de língua portuguesa
especificamente nos processos de aquisição da leitura e da escrita da língua
materna, uma vez que a preocupação da Fonologia com a organização dos
sons dentro de um sistema linguístico explicita alguns contextos e processos
fonológicos que presentes na fala nortearão a escrita. Por esta razão, é
importante que professores da educação básica, da disciplina língua
portuguesa, compreendam melhor como acontecem a aquisição da fala e
seus processos fonológicos para entenderem, com maior clareza, a aquisição
da linguagem escrita e, em consequência a apropriação da ortografia
(MIRANDA, 2015, p. 40).

Essa compreensão deverá ser objetivada pelo professor para consolidar o


ensino eficazmente, assim, faz-se necessário estabelecer que “ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua
construção” (FREIRE, 2016, p. 24). Diante disso, Madureira e Silva (2017) elencam
três contribuições didático-pedagógicas da Fonética e da Fonologia em sala de aula:

I – possibilitar a compreensão da diferença entre som e letra; II – perceber


que a propriedade distintiva do som perpassa pelo estudo dos processos de
articulação da fala; III – compreender que a comunicação oral tem por base
os processos físico-articulatórios (MADUREIRA; SILVA, 2017, p. 83).

Os procedimentos estratégicos práticos serão fundamentados nas bases


teóricas. Freire (1983) relaciona a teoria e a prática como inseparáveis, portanto
aquele docente que “educa” visando apenas ao assistencialismo, ou seja, “dissertador
de um ‘conhecimento’ memorizado”, renuncia uma educação que este autor denomina
de gnosiológica autêntica.
Para darmos continuidade a essa discussão, abordaremos na próxima seção
uma reflexão pedagógica sobre Fonética e Fonologia e o Ensino.

2.2 A Fonética, Fonologia e o Ensino: uma reflexão pedagógica

O ensino mecanicista ainda faz parte da realidade da maioria das escolas


brasileiras. A realização de atividades decorativas mostrou-se falha, como aborda em
muitas pesquisas, dado que o ato decorativo não garante uma educação efetiva, já a
21

aprendizagem assegura um desenvolvimento mais gradativo. Decorar


superficialmente algo é amontoar mentalmente um conjunto de palavras que em seu
contexto não há lógica para o sujeito que somente decora e não aprende. Isso é visto
em muitas atividades de memorização de macetes matemáticos como a formulação
de frases para decorar a fórmula do movimento uniformemente variado (V = V0 + a.t),
as possíveis frases são “Vi você à toa”, “Vovô alfaiate”, “Vi você atirar”, contudo, esse
tipo de ensino é falho quando o professor não atende às demandas da compreensão
do uso dessa fórmula ao alunado. De fato, é necessário que os alunos queiram
aprender, todavia, o professor é o mediador desse processo. Assim sendo, os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) solida que:

Ao professor cabe planejar, implementar e dirigir as atividades didáticas, com


o objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforço de ação e reflexão do
aluno, procurando garantir a aprendizagem efetiva. Cabe também assumir o
papel de informante e de interlocutor privilegiado, que tematiza aspectos
prioritários em função das necessidades dos alunos e de suas possibilidades
de aprendizagem (BRASIL, 1998, p. 22).

Tal atribuição concilia-se à pedagogia da autonomia proposto por Freire (2016),


da qual determina que o papel fundamental do docente “é contribuir positivamente
para que o educando vá sendo o artífice de sua formação com a ajuda necessária do
educador” (FREIRE, 2016, p. 68).
Esse apoio à reflexão é executado quando o professor entende primeiramente
o sentido da aplicação de qualquer conceito no ensino. Nesse viés, quais são as
aplicabilidades dos insumos fonéticos e fonológicos no ensino? Dedicamos a seção
anterior para falar da importância desses estudos para formação docente, mas como,
efetivamente, esse conhecimento é aplicado em sala de aula? Diante dessas
indagações, antecipadamente, afirmamos que o docente não irá ensinar fonética e
fonologia, essas subáreas serão bases para o ensino de outras aptidões. Nesse
sentido, discutiremos nesta seção a relação entre som e grafema e as aplicações
práticas do uso dos estudos fonéticos e fonológicos.

2.2.1 Relação assimétrica entre som e grafema

De acordo com Rojo (2006) existem três grandes sistemas de escrita: o sistema
ideográfico ou logográfico, onde cada signo representa uma ideia ou objeto, este é
utilizado pelos chineses, astecas, egípcios, etc.; os sistemas silábicos, onde cada
22

signo representa uma sílaba, esse tipo de escrita evoluiu para a escrita alfabética em
povos como os hindus, fenícios, hebreus. O outro grande sistema é o mais utilizado
no mundo:

Os sistemas alfabéticos – onde cada signo representa um som decomposto


(fonemas e não mais sílabas) e esses signos podem se combinar para
representar sons diferentes. Graças a essas múltiplas combinações
possíveis, bastam cerca de 30 signos para que um alfabeto dê conta de uma
língua, o que torna seu aprendizado consideravelmente mais simples (ROJO,
2006, p. 15).

O sistema de escrita da língua portuguesa é o alfabético, no qual as letras


representam as unidades sonoras das palavras na língua, porém esse sistema não é
totalmente biunívoco, poucos são os casos. Lemle (2009, p. 11) conceitua
“correspondência biunívoca aquela em que um elemento de um conjunto corresponde
a apenas um elemento de outro conjunto, ou seja, é de um para um, a
correspondência entre os elementos, em ambas as direções”. No quadro 3 podemos
averiguar as consoantes e a vogal que possuem esse tipo de correspondência:

Quadro 3: Correspondências biunívocas entre fonemas e grafemas

Grafema Fonema Exemplo


p /p/ pastel, par, piranha, pele
b /b/ bar, berço, biruta
t /t/ touro, tarefa, tristeza
d /d/ dado, dente, difícil
f /f/ faca, força, ficar, forte
v /v/ vassoura, vida, vogal
nh /ɲ/ banho, nhoque
lh /ʎ/ palha, ilha
a /a/ caso, janela, jantar, lá
Fonte: Adaptado de Lemle (2009); Faraco (2012)

Quando observamos essa relação levando em consideração o som/fone, o fone


[a] sofre alteração em posição postônica final (beleza [beˈlezə]) em termos da
articulação com menor esforço muscular [+frouxo], e também o [d, t] antes de i e e
postônico final [i, ɪ] possui pronúncia africada alveopalatal [ʤ, ʧ] em algumas regiões,
principalmente no Sudeste. O restante das letras faz parte da correspondência
múltipla, na qual é dividida em grupos: uma letra representa mais de um fonema; um
fonema representa mais de uma letra. O quadro 4 reúne esses dois grupos:
23

Quadro 4: Correspondência múltipla grafema-fone-fonema


Grafema Fone Contexto Fonema Exemplo
c [k] diante de a, e, u /k/ caneca, crime
[s] diante de e e i: [i,e,ɛ] /s/ cinema, acervo
g [g] nos outros casos /g/ garrafa, garfo
[ʒ] antes de e e i: [i,e,ɛ] /ʒ/ gelo, girafa
gu [g] antes de e e i: [i,e,ɛ] /g/ guia, guerra
[gw] nos outros casos /gu/ guarita
m [ĩ, ẽ, ã, õ, ũ] nasalidade da vogal precedente, /iN, eN, aN, sarampo, bom
diante de p e b oN, uN/
[m] entre vogais, início de palavra /m/ cama, mala
final de palavra falam
[ẽɪ̯, ãʊ̯] /ẽi, ãu/ garagem
n [ĩ, ẽ, ã, õ, ũ] nasalidade da vogal precedente /iN, eN, aN, ganso, cantor
oN, uN/
[n] antes de vogal /n/ caneta, cana
[ẽɪ̯] final de palavra /ẽi/ hífen, nêutron
qu [k] antes de e e i: [i,e,ɛ] /k/ quilo, queijo
[kw] nos outros casos /ku/ quadro
r [h, ɦ, ɾ, ɹ, x, final de sílaba; /R/ carta, mar
ɣ]
Letra-Som

[ɾ] entre vogais, após consoante na /ɾ/ cara, prato


mesma sílaba
[h, x, ɣ, ɦ] início de palavra, após consoante /R̅/ rocha, enredo
em sílaba diferente;
s [s] nos outros casos /s/ salame, selva
[z] entre vogais, antes de consoantes /z/ casebre, asma
vozeadas
[s] antes de consoante desvozeada /S/ casca, castelo
[s,z] após n /s,z/ cansar, trânsito

w [v] sem previsão /v/ Weber, William


[w] /u/
[ʃ] Início de palavra /ʃ/ xarope
[ks] final de palavra /ks/ fax
x [s] antes de consoante /S/ expira
[s, ʃ, ks, z] entre vogais /s, ʃ, ks, z/ caixa, próximo,
táxi, exemplo
xc [s] antes de e e i: [i, e, ɛ] /s/ excita, excelente
[sk] nos outros casos /Sk/ exclamação
z [s] em final de palavra /S/ paz
[z] nos outros casos /z/ zero, anzol
c, s, [s] início de palavra /s/ celeste, sábio,
ss, sc, ç, precedido por consoante passa, oscila,
sç, xs, xc intervocálico caça, desça,
antes de e e i: [i,e,ɛ] exsudar, exceto

ch [ʃ] sempre /ʃ/ chinês


x depois de ditongos caixa, rouxinol
em vocábulos de origem indígena, abacaxi, xavante
Som-Letra

geralmente, depois de EN
enxame, enxada
j [ʒ] nos outros casos /ʒ/ flagelo, cajá
g antes de e e i: [i,e,ɛ]
k, qu, c [k] início de palavra, /k/ Kátia, quero,
antes de e e i: [i,e,ɛ] coisa
nos outros casos
r, rr [h, x, ɣ, ɦ] início de palavra, entre vogais, após /R̅/ rapaz, arroz,
consoante em sílaba diferente; Israel, genro

z, s, x [z] nos outros casos /z/ zíper


intervocálica casa, exemplo
Fonte: Adaptado de Silva (2011); Lemle (2009); Faraco (2012).
24

Essas relações cruzadas, conforme dita Faraco (2012), também possuem


algumas regularidades, a depender do contexto. Entretanto, Lemle (2009) considera
que as letras que representam sons idênticos em contextos idênticos não possuem
um princípio fônico que sirva de guia para a escrita das letras concorrentes, portanto,
nesses casos, o ideal é memorizar a grafia correta por meio do dicionário. De acordo
com o quadro 4 o fonema que mais tem grafemas concorrentes é o /s/, por isso a
maioria dos erros ocorrem nesse contexto.
Callou e Leite (2009, p. 45) reiteram que “quanto mais a língua se desenvolve,
mais o sistema ortográfico se afasta do sistema fonológico, como ocorre no inglês e
no francês”. À vista disso, construir um quadro que considere a relação entre grafema-
fone-fonema considerando as diferenças regionais e individuais, seria precário, pois
não há como estabelecer apenas uma variante como base devido a tantas variações
linguísticas. Não obstante, a fim de estabelecer essa relação para o restante das
letras, propomos o seguinte quadro:

Quadro 5: Relação grafema-fone-fonema (demais grafemas)

Grafema Fone Contexto Fonema Exemplo


l [l] nos outros casos /l/ lata, atlas
[w, ɫ] em final de sílaba sal, caldo
h mudo início de palavra zero hora, homem
participa dos dígrafos ch, lh, nh
y [i] início de palavra /i/ yoga, yakisoba
meio de palavra bullying, nylon
final de palavra catupiry, spray
nomes próprios Yara, Suely
e [e] posição tônica e pretônica /e/ medo
[ẽ] posição tônica ou átona lema
[i] posição pretônica escola
[ɪ] posição pretônica ou postônica perigo
[ɪ̯] precedido de vogal em ditongo pães
[ĩ] seguido de consoante nasal empresta
é [ɛ] posição pretônica /ɛ/ geral
ê [e, ẽ] posição tônica seguido de ipê, pêssego
consoante oral, seguido de cênico
consoante nasal
i [i] posição tônica e pretônica /i/ vida
[ɪ] posição pretônica ou postônica pirata
[ɪ̯] precedido de vogal em ditongo lei, papai
[ĩ] seguido de consoante nasal lima
zero entre algumas consoantes participa
o [o, ɔ, õ] posição tônica e pretônica /o/ bolo, colega, fome
[u] posição pretônica bolacha
[ʊ] posição pretônica bolacha
[ʊ̯] precedido de vogal em ditongo caos
[ũ] precedido de vogal em ditongo mão
zero nasal passo
25

ô [o, õ] fim de palavra átono avô, cômico


ó [ɔ] seguido de consoante oral ou nasal /ɔ/ avó
posição tônica
ú [u] posição tônica em proparoxítona, /u/ cúmulo, cura,
u posição tônica e pretônica buraco
[ʊ] posição pretônica ou postônica cápsula
[ʊ̯] precedido de vogal em ditongo museu
Fonte: Adaptado de Silva (2011); Seara, Nunes e Lazzaroto-Volcão (2015).

Não utilizamos neste quadro a teoria bifonêmica (VN), porque já está


subentendido no quadro 4, em que m e n demarcam a nasalidade da vogal
precedente. Em ambos quadros tentamos mostrar didaticamente a relação entre
grafema-fone-fonema, sendo assim, pode-se perceber que a variação de sons que há
no PB é enorme, isso mostra o quanto a língua está sujeita a mudança. Essas
mudanças não são ruins, ao invés, são fundamentais para a evolução sociocultural e
linguística.
Ao finalizarmos essa discussão da relação entre som e grafema, iremos
discorrer a seguir as aplicações práticas do uso da fonética e fonologia em ambiente
escolar.

2.2.2 Uso da fonética e fonologia no ensino: implicações práticas

Marcuschi (2007, p. 57) revela que “não é correto analisar a fala sob a ótica da
escrita, justamente porque a escrita é uma padronização e uma regulamentação da
língua que não se verifica na fala”. Por consequência, o processo de aquisição da fala
e da escrita são extensos em diferença.
Tendo em vista o processo de aquisição da escrita e leitura, os professores
terão de trabalhar a consciência fonológica dos seus alunos. Esta ocorre no nível da
consciência da palavra, silábica e fonêmica, assim, as habilidades de consciência
fonêmica se dividem em cinco, conforme Seara, Nunes e Lazzaroto-Volcão (2015, p):
(1) apagamento de fonemas; (2) combinação de fonemas; (3) detecção de fonemas;
(4) segmentação de fonemas; (5) invariância de fonemas.
Assentados nesta reflexão, reiteramos o que destaca Miranda (2012):
O papel do componente fonológico não pode ser desprezado no processo de
aquisição da escrita, uma vez que a criança já possui um conhecimento sobre
a fonologia, podendo facilmente explorá-lo. Nesta perspectiva, é possível
considerar que, durante o processo de aquisição da escrita, surgem
condições propícias para que a criança “atualize” seus conhecimentos acerca
da fonologia da língua (MIRANDA, 2012, p. 129).
26

Na figura 2, disponível no site da fonóloga Thaïs Cristófaro Silva, é apresentado


a distinção entre fonética, fonologia e escrita em níveis de unidades, representação,
processamento, oralidade, gramática, manifestação e notação:

Figura 2: Níveis de representação

Fonte: https://fonologia.org/2021/07/28/fonemas-fones-letras/ Acesso em: 11 ago. 2022.

Cada um dos três sistemas tem suas propriedades singulares, das quais podem
divergirem ou não em termos de símbolos. O docente que internaliza a compreensão
das informações que estão nessa figura, terá uma ação pedagógica mais
fundamentada em torno do ensino da língua.
Faraco (2012) determina que “introduzir uma pronúncia artificial afasta o aluno
da estratégia correta”, sendo assim, utilizar esse modo de ensino parte do pressuposto
que só existe uma única pronúncia correta, da qual se baseia o sistema ortográfico.
Nem o professor, tampouco o aluno utiliza em sua fala esse tipo de pronúncia, então,
durante o processo de retextualização, o aluno irá utilizar a sua memória e o seu
entendimento sobre ortografia.
Esse entendimento se faz necessário porque no ensino de língua portuguesa
se aprende a competência linguística, mais particularmente, a escrita e a leitura.
Submeter-se às variadas formas de linguagem exigem uma aprendizagem
integralizada. Diante disso, os PCNs de língua Portuguesa ressaltam que:

O objeto de ensino e, portanto, da aprendizagem é o conhecimento linguístico


e discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práticas sociais
mediadas pela linguagem. Organizar as situações de aprendizagem, nessa
27

perspectiva, supõe: planejar situações de interação nas quais esses


conhecimentos sejam construídos e/ou tematizados; organizar atividades que
procurem recriar na sala de aula situações enunciativas de outros espaços
que não o escolar, considerando-se sua especificidade e a inevitável
transposição didática que o conteúdo sofrerá; saber que a escola é um
espaço de interação social onde práticas sociais de linguagens acontecem e
se circunstanciam, assumindo características bastantes específicas em
função de sua finalidade: o ensino (BRASIL, 1998, p. 22).

O processo de alfabetização e ensino da ortografia, requer muito estudo e


procura pelo conhecimento. Madureira e Silva (2017, p. 88) afirmam que “tratar da
manifestação dos sons da fala humana, mesmo (ou especialmente) em uma atividade
de ortografia, proporciona ao educando uma reflexão acerca das diferenças entre as
modalidades oral e escrita”. Portanto, o ensino apoiado no uso da reflexão desenvolve
várias competências linguísticas dos alunos, logo que eles serão sujeitos de seu
aprendizado, e os alunos como tal participam e interagem mais em sala de aula. Essa
forma de ensino deve-se iniciar no lar das crianças, na aquisição da fala, quando vão
associando o significado ao significante através de muitas indagações.
De acordo com Seara, Nunes e Lazzaroto-Volcão (2015), antes da
alfabetização, as crianças precisam ser estimuladas pelos pais, principalmente,
acerca do que falam e ouvem, será nesse ato comunicativo que a criança
fundamentará os aspectos tanto sonoro quanto abstrato da língua, com o propósito
de trabalhar na pré-escola as habilidades de consciência fonológica nas seguintes
atividades: rima, aliteração, consciência de sílaba, consciência de palavras. As
autoras propõem para esse trabalho algumas sugestões de atividades:

Imitar o motor de um carro, vibrando os lábios; passar a língua atrás dos


dentes, sobre os alvéolos e sentir as reentrâncias; segurar os lábios
superiores com as duas mãos, tentando evitar seu movimento e produzir
vogais; segurar os lábios inferiores com as duas mãos, tentando evitar seu
movimento e produzir vogais; com a boca aberta, inspirar pelo nariz e expirar
rapidamente pela boca; projetar os lábios, fazendo “bico”, e produzir vogais
mantendo o arredondamento dos lábios; imitar animais [...] (SEARA, NUNES
e LAZZAROTO-VOLCÃO, 2015, p. 176).

Essa proposta sugere um trabalho que promova a diversão e a interação em


sala de aula. Os resultados dessas sugestões ocorrem lentamente e aos poucos as
crianças vão percebendo a diferença de cada som.
Depois dessa etapa, os alunos, conforme vão adquirindo a escrita, vão
compreendendo o sistema ortográfico e se adequando às normas de seu uso. Deste
modo, alguns processos fonológicos, senão todos, dependendo do grau de instrução,
que ocorrem na oralidade se apoiam também na escrita.
28

Segundo Seara, Nunes e Lazzaroto-Volcão (2015, p. 140), “quando a aplicação


de uma regra altera a representação subjacente, estamos diante de um processo
fonológico”. Integralizamos esses processos apenas com exemplos, assentados na
discussão dessas autoras:
a) Assimilação: um fone assume traços distintivos do segmento seguinte.
• Palatização: guia – [ˈkʲilʊ] – /ˈkilo/
• Labialização: tudo – [ˈtʷudʷʊ] – /ˈtudo/
• Nasalização: cama – [ˈkãmə] – /ˈkama/
• Vozeamento: gosta – [ˈgɔʃtə] – /ˈgɔSta/; mesmo – [ˈmeʒmʊ] – /ˈmeSmo/
• Harmonia vocálica: menino – [miˈninʊ] – /meˈnino/
b) Restruturação silábica: alteração na distribuição das consoantes e vogais.
• Estrutura silábica básica: livro – [ˈlivʊ] – /ˈlivɾo/
• Permuta: lagarto – [laɣˈgatʊ] – /laˈgaRto/
c) Enfraquecimento e reforço: os segmentos são modificados de acordo com sua
posição na palavra.
• Apagamento ou síncope: fósforo – [ˈfɔʃfɾʊ]] – /ˈfɔSforo/
• Reforço: paz – [ˈpaɪ̯ʃ] – /ˈpaS/
d) Neutralização: os segmentos se fundem em um ambiente específico.
• júri – [ˈʒuɾɪ] – /ˈʒuɾi/
• jure – [ˈʒuɾɪ] – /ˈʒuɾe/
e) Monotongação: um ditongo passa a ser produzido como uma única vogal.
• peixe – [ˈpeʃɪ] – /ˈpeiʃe/
f) Inserção ou epêntese: acréscimo de um segmento à forma básica.
• afta – [ˈafitə] – /ˈafta/
g) Sândi externo: ocorre nas fronteiras das palavras.
• ferro usado – [fɛhuˈzadʊ] – /ˈfɛR̅o uˈzado/

Como vimos, a forma como se fala influencia na forma como se escreve, nesse
sentido, cabe ao docente organizar sua metodologia viabilizando um
ensino/aprendizagem reflexivo, propondo atividades que façam os alunos perceberem
a diferença entre fala e escrita.
No próximo capítulo, discorreremos sobre a Ortografia e o que os documentos
legais dizem ao seu respeito.
29

3 ORTOGRAFIA E O ENSINO DA ESCRITA

Abordaremos nesse capítulo uma breve discussão teórica sobre a Ortografia e


o que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os Parâmetros Curriculares
Nacionais (doravante PCN) dizem ao seu respeito.

3.1 Uma breve discussão teórica sobre este peculiar objeto de ensino

Segundo Morais (2007), do ponto de vista histórico ou diacrônico, o português


só passou a ter uma norma ortográfica, visto que possui conotação alfabética, depois
de um tempo. Esse processo foi demorado, enquanto, desde o século XVIII, outras
línguas já tinham uma convenção ortográfica socialmente acordadas. A propósito,
mesmo em dias atuais, a escrita do português é diferenciada entre os países que o
adotam como língua oficial, por exemplo, em Portugal se escreve receção e no Brasil
recepção.
Por muito tempo, existiu a tendência de buscar uma escrita mais próxima da
pronúncia de palavras. Por outro lado, essa forma de pensamento tem algumas
complexidades, porque para manter uma escrita totalmente ou quase próxima da fala,
teria que haver apenas uma variante padrão, e devido à desigualdade social, o que
mais se constata é que a variante escolhida seria a de prestígio, falada por pessoas
de classes superiores na sociedade.
O Brasil como país totalmente diversificado, abrange muitos dialetos, isto é,
variedades linguísticas, como o dialeto mineiro, carioca, baianês, e diversos outros.
Cada tipo apresenta semelhanças e diferenças entre si (como vimos no quadro 4, p.
23), contudo, se houvesse uma escrita unificada para cada tipo de dialeto, integrando
apenas as particularidades de sua pronúncia, a comunicação não seria impossível,
mas haveria dificuldades. Diante disso, Morais (2007) reitera:

Em primeiro lugar, precisamos admitir que a escrita alfabética


nota/representa “coisas inestáveis”, isto é, as palavras orais. Como
mencionamos há pouco, as palavras de uma língua não têm – não tiveram,
nem nunca terão – pronúncia única. Tomemos, por exemplo, as formas de
pronunciar o nome do país de onde vieram nossos primeiros colonizadores.
Diferentes falantes de nossa língua pronunciam, por exemplo, /purtugal/,
/portugau/ ou /purtugau/. Se fôssemos transcrever fielmente os fonemas
pronunciados, teríamos, ao final, grafias diferentes. Pensando num texto
longo, em que o mesmo problema ocorreria com muitas palavras, isso
implicaria um enorme trabalho para nós, leitores, já que não poderíamos
30

identificar os vocábulos escritos valendo-nos de formas “fixas”, que vamos


armazenando em nossa mente (MORAIS, 2007, p. 15).

Com a introdução dos estudos da Teoria Gerativa, os fonemas passam a não


ser somente unidades mínimas, mas “unidades sonoras que se distinguem
funcionalmente de outras unidades sonoras da língua” (SILVA, 2011, p. 109). Nesse
sentido, Morais (2007, p. 16) ressalta que “a fixação de formas escritas únicas,
operada pela ortografia, não se limita à dimensão sonora ou fonológica”. Por esse e
outros motivos que o PB apresenta uma convenção ortográfica que envolve não só a
escrita palavras, mas a sua segmentação em textos, acentuação gráfica e pontuação.
Conforme Morais (2001), a ortografia é considerada um objeto de
conhecimento de tipo normativo, prescritivo e convencional, “que ajuda a estabelecer
a comunicação escrita” (p. 258), e por isso é função da escola ensinar
sistematicamente, abrangendo também a irregularidade e regularidade do sistema.
“No caso daquela, não há regra ou princípio gerativo que se aplique de maneira mais
ou menos generalizada ao conjunto de palavras de nossa língua” (MORAIS, 2007, p.
19). Entretanto, essa irregularidade pode ser trabalhada através de atividades de
visualização ortográfica. Já a regularidade do sistema ortográfico apresenta, segundo
Morais (2007), três tipos: diretas, contextuais e morfossintáticas.
A regularidade direta (observe o quadro 3, p. 23) é visto em palavras que
contém letras de relação biunívoca, como em banho, faca, pato, etc., além dessas,
considera-se também as palavras que apresentam as consoantes nasais m e n em
início de palavra ou sílaba: mala, navio. Contudo, devido a esses grafemas terem
certas semelhanças, os alunos ainda tendem a confundi-las.
No quadro 6 estão presentes alguns grafemas que devem a sua regularidade
ao contexto ou ambiente em que se encontra.

Quadro 6: Principais regularidades contextuais do PB


Grafema Contexto Exemplo
c diante de a, o, u casa, come, bicudo
qu diante de e, i pequeno, esquina
‘qü’ consequência
g diante de a, o, u gato, gota, agudo
gu diante de e, i paguei, guitarra
‘gü’ sempre linguiça
z início de palavra zangada, zelo, zinco, zorra,
zumbido
s início de palavra, diante de a, o, u saco, sorvete, suco
j sempre, diante de a, o, u jaca, carijó, caju
31

Grafema Contexto Exemplo


r início de palavra, após consoante em sílaba rei, honra, caro, carta, mar
diferente, intervocálico, final de sílaba ou
palavra;
rr intervocálico carro
u posição tônica bambu
o posição átona final bambo
i posição tônica fígado
e posição átona final monte
m antes de p e b campo, jambo
n outros casos canto, bandeira
Fonte: Adaptado de Morais (2007); Lemle (2009).

Além dessas regularidades, de acordo com Morais (2007), há também os


empregos das vogais a, e, i, o e u precedentes de m e n (como em cana, remo), cujo
processo fonológico acontece por assimilação da nasalidade da consoante posterior
em início de sílaba; os empregos de ão, ã e em, terminando em /ãu/, /ã/ e /ẽi/ como
feijão, lã, jovem. Esse tipo pode acontecer, assim como as diretas, sem o uso da
memorização de palavras, todavia, como já sabemos, as palavras são segmentadas
em sílabas e essas em fonemas, nesse sentido, a grafia correta de palavras não estão
associadas somente à escrita correta de uma sílaba com o uso da norma regular,
porém, compreender a forma regular é um grande passo para memorizar as
irregularidades do sistema.
Ainda há também um outro tipo de regularidades que o sistema apresenta: as
regularidades morfossintáticas, observa-se no quadro 7.

Quadro 7: Principais regularidades morfossintáticas do PB

Flexões verbais Derivação lexical


O emprego de R nas formas verbais do infinitivo O emprego de L em coletivos terminados em /aw/
que tendemos a não pronunciar (cantar, comer e e adjetivos terminados em /aw/, /ew/, /iw/ (como
dormir). milharal, colegial, possível, sutil).
O emprego de U nas flexões verbais do passado O emprego de ÊS e ESA em adjetivos pátrios e
perfeito do indicativo (cantou, comeu e dormiu). relativos a títulos de nobreza (português,
O emprego de ÃO nas flexões verbais do futuro portuguesa, marquês, marquesa).
do presente do indicativo (cantarão, comerão e O emprego de EZ em substantivos derivados
dormirão). como rapidez e surdez.
Os empregos de AM nas flexões verbais do O emprego de OSO em adjetivos como gostoso
passado ou do presente e carinhoso.
pronunciadas /ãw/ átono (sejam, cantam, O emprego de ICE no final de substantivos como
cantavam, cantariam). chatice e doidice.
O emprego de D nas flexões de gerúndio que, Substantivos derivados que termina com o sufixo
em muitas regiões, tende a não ser pronunciado ÊNCIA, ÃNCIA e ANÇA também se escrevem
(como em cantando, comendo e dormindo). com C ou Ç ao final (por exemplo, ciência,
Os empregos de SS nas flexões no imperfeito do importância, esperança).
subjuntivo (cantasse, comesse, dormisse).
Fonte: Adaptado de Morais (1998, 2007).
32

Ensinar essas regras fará com que os alunos desenvolvam suas habilidades
de escrita, tornando discentes que saibam escrever diferentes tipos de textos, pois a
produção textual é uma produção escrita e espontânea das ideias dos alunos, e
quando a estruturação dessas ideias é competente à norma, a leitura e a interpretação
são satisfatórias.
Por fim, podemos agrupar também as irregularidades apresentadas por Morais
(2007) no quadro 8.
Quadro 8: Irregularidades ortográficas

a notação do som /s/ com S, C, Z, SS, X, Ç, XC, SC, SÇ e S: por exemplo, em


seguro, cidade, assistir, auxílio, açude, exceto, piscina, cresça, exsudar.
a notação do som /z/ com Z, S e X (gozado, casa, exame).
a notação do som /S/ com X, CH ou Z (xale, chalé, rapaz).
a notação do som /g/ com J ou G (gelo, jiló).
a notação do som /λ / com L ou LH em palavras como família e toalha.
a notação do som /i/ com I ou E em posição átona não-final (cigarro, seguro).
a notação do som /u/ com U ou O em posição átona não-final (buraco, bonito).
o emprego do H em início de palavra (harpa, hoje, humano).

Fonte: Adaptado de Morais (2007, p. 22).

Nesses casos não existe regras que ajude o aluno no momento da escrita, por
isso requer o uso da memorização. Desse modo, é válido propor que nas atividades
de memorização, o docente não deva atribuir ao ensino todas as palavras do
dicionário, ele deve fazer um levantamento das principais palavras com contexto
irregular, das quais os alunos mais usam nas produções textuais, e também deve
considerar o uso do dicionário como fonte segura e padrão.
Para minimizar os erros derivados do desconhecimento quanto à irregularidade
do sistema ortográfico, o docente deverá se apoiar também no estudo semântico e
morfofonêmico, para que o aluno compreenda que o sentido também é importante
para a grafia correta, assim como o estudo da estrutura, formação e classificação de
palavras. Assim, observe o exemplo: Vanessa comprou um par de calçados/Esse
assunto tem causado polêmica. No primeiro caso pode ocorrer erros por
generalizações de regras (observe a figura 4, p. 38) e pela possibilidade de
representação múltiplas, visto que a letra l em coda silábica passa a ser produzido
como vogal u em algumas regiões do Brasil, além disso o fonema /s/ tem muitas
possibilidades de representações gráficas, inclusive o ç o representa, por isso a
importância de fornecer atividades que refletem o uso dessas palavras nas frases e
orações.
33

A convenção ortográfica instalada socialmente funciona para unificar não a


pronúncia, mas a comunicação. “Escrever de forma unificada facilita a tarefa de se
comunicar por escrito. E cada um continua, por exemplo, com liberdade para ler um
texto em voz alta pronunciando as palavras à sua maneira” (MORAIS, 2001, p. 258).
Na próxima seção abordaremos a respeito do que os PCNs e a BNCC dizem
sobre a ortografia.

3.2 O que dizem os documentos legais sobre Ortografia?

Um dos objetivos da BNCC bem como dos PCNs é formar sujeitos críticos
capazes de questionar a realidade. E para que essa formação seja progressiva, é
necessário que o docente como mediador esteja qualificado em proporcionar a
participação crítica desses alunos em diferentes atividades. Corroboramos com
Madureira e Silva (2017) quando afirmam que “o processo de formação do professor
de Língua Portuguesa precisa se estruturar num plano da interdisciplinaridade, com
vistas a garantir que a docência se paute não em uma atividade mecânica, e sim
reflexiva, crítica e investigativa”. A maioria desses professores, de fato, não
reconhecem que não estão executando tal objetivo à risca, pois ainda utilizam
atividades mecanicistas que não levam os educandos à reflexão.
Os PCNs ratificam essa discussão postulando que há possibilidade de
desenvolver um trabalho que permita ao aluno descobrir o funcionamento do sistema
grafo-fonêmico da língua e as convenções ortográficas ao tratar o sistema ortográfico
como meio para uma reflexão a respeito da língua, e para que essa reflexão possa
acontecer, as estratégias pedagógicas devem se articular nos seguintes eixos:

a) privilégio do que é “regular”, permitindo que, por meio da


manipulação de um conjunto de palavras, o aluno possa, agrupando-
as e classificando-as, inferir as regularidades que caracterizam o
emprego de determinada letra; b) preferência, no tratamento das
ocorrências “irregulares”, dos casos de frequência e maior relevância
temática (BRASIL, 1998, p. 85)

É sabido que o aprendizado de novas palavras é inesgotável e que não tem


como aprender palavra por palavra, por isso os alunos necessitam de um mediador
que auxilie de forma qualificada na exploração do corpus de palavras, dando
preferência às ocorrências irregulares de maior relevância, contudo, deve-se explorar
34

em sala de aula todas as inferências do sistema ortográfico integralmente, conforme


preceitua a BNCC:

Independentemente da duração da jornada escolar, o conceito de educação


integral com o qual a BNCC está comprometida se refere à construção
intencional de processos educativos que promovam aprendizagens
sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os interesses dos
estudantes e, também, com os desafios da sociedade contemporânea
(BRASIL, 2017, p 14).

A sistematização dessa educação integral se dá a partir do mapeamento das


principais dificuldades, visando analisar o que o aluno já aprendeu das regras
ortográficas e o que ele ainda precisa aprender,

isso pressupõe que o professor adote um olhar que diferencie as variadas


dificuldades ortográficas e que, diante da produção dos aprendizes, ele se
pergunte coisas como: este aluno já domina as regularidades mais simples
ou diretas (P, B, T, D, F, V, M em início de sílaba, N em início de sílaba)?;
que regras contextuais já dominou e quais precisa ainda internalizar?; quais
regras morfossintáticas mais freqüentes (como as ligadas a certas flexões
verbais) ele já dominou e quais precisa aprender?; que palavras de uso
freqüente, envolvendo irregularidades, estão sendo escritas de modo errado
e precisam ser aprendidas, já que aparecerão muitas vezes em seus textos?
(BRASIL, 2017, p. 48)

Ademais, deve-se atentar ao fato de que “a preocupação com a ortografia não


deve crescer a ponto de inibir a expressão escrita da criança” (LEMLE, 2009, p. 23).
O ensino de Ortografia em sala de aula faz-se necessário, porque as normas
que abrangem esse sistema unificam a escrita das palavras, visto que, por meio dos
estudos fonéticos articulatório, isto é, os sons da fala, observamos que há variações
linguísticas em diferentes regiões do Brasil e se estas variações fossem transcritas
graficamente sem o uso da Ortografia, haveria várias transcrições, assim,
impossibilitaria a comunicação, por isso a existência desse sistema. Vale pontuar que
esse sistema não prescreve a forma “certa” ou “errada” de pronunciar as palavras,
pelo contrário, ele dá liberdade a cada sujeito à sua maneira de falar, por conseguinte,
tal sistema está vinculado à forma correta de escrita e não de fala.
Ainda, tal ensino não deve ser baseado na equivocada conclusão de que a
linguagem escrita é uma mera representação da linguagem oral, pois a distância que
separa a fala da escrita é extensa, o que causa sérias controvérsias na hora da
representação gráfica daquela, gerando um dos problemas mais complexos do ensino
da língua escrita que é a extensão em que se deve aceitar ou não a influência do
código oral no escrito.
35

Morais (1998) reitera que “ao contrário do que muitas pessoas pensam,
aprender ortografia não é só uma questão de memória”, ou seja, nem sempre o
método de decorar e fazer muitos exercícios fará os alunos acertarem a grafia correta
das palavras. Assim, segundo este autor, compreender não é o mesmo que decorar,
por isso os professores devem pensar em um novo tipo de ensino “um ensino que
trate a ortografia como objeto de reflexão” (MORAIS, 2001, p. 5).
Apoiar-se somente no material no livro didático (LP) também não assegura um
ensino de qualidade, logo que nem sempre o LP terá conteúdos suficientes para o
ensino de ortografia, desse modo, Pienta (2018) afirma:

Vale ressaltar que nenhum material didático, por si só, por melhor elaborado
que seja, pode garantir a qualidade e a efetividade do processo de ensino e
aprendizagem. Serão, sempre, mediadores do processo, com diversas
funções específicas que podem ser otimizadas pelo professor, a fim de
ampliar suas possibilidades de utilização. Todos estão em função do
processo de ensino e aprendizagem e devem interessar enquanto
possibilidade de se compreender melhor as relações entre os processos de
ensino, os suportes didáticos e as suas funções (PIENTA, 2018, p. 42).

A qualidade do ensino está atribuída no envolvimento de todos os suportes


didáticos disponíveis, pois a utilização de apenas um método, retarda o alcance das
competências gerais objetivadas pela BNCC.
A BNCC (2017) chama de ortografização o processo de ensino da ortografia,
que em sua construção envolve três relações importantes: a) as relações entre a
variedade de língua oral falada e a língua escrita; b) os tipos de relações fono-
ortográficas do português do Brasil; e c) a estrutura da sílaba do português do Brasil.
Os conhecimentos linguísticos sobre a norma-padrão devem ser propiciadores
de reflexão a respeito do funcionamento da língua no contexto das práticas de
linguagem (BRASIL, 2017). Consoante a isso, Nobréga (2013, p. 126) revela que “o
ensino de ortografia sustenta-se em aprendizagem por descoberta sempre que o
conteúdo selecionado orientar-se por uma regularidade”.
No capítulo quatro abordaremos os procedimentos metodológicos desta
pesquisa e a análise de dados.
36

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E ANÁLISE

Neste capítulo iremos apresentar os procedimentos metodológicos para o


alcance do objetivo dessa pesquisa, no que se refere às contribuições dos estudos
fonéticos e fonológicos para o ensino da ortografia, através da categorização dos
principais erros classificados por Zorzi (1998). Dividimo-lo em quatro seções: a
primeira apresenta a caracterização da pesquisa; a segunda refere-se à delimitação
do corpus; a terceira apresenta a categorização dos principais erros ortográficos; e a
quarta está subdividida em oito subseções destinadas à análise quanti-qualitativa das
motivações dos principais erros ortográficos a partir dos dados coletados.

4.1 Caracterização da pesquisa

Essa pesquisa possui abordagem quanti-qualitativa. A pesquisa quantitativa,


conforme Silva e Menezes (2005, p. 22), “considera que tudo pode ser quantificável,
o que significa traduzir em números opiniões e informações para classificá-las e
analisá-las”. Pode-se observar essa abordagem no levantamento indireto de erros
ortográficos em produções textuais espontâneas de alunos dos anos finais do ensino
fundamental, verificado por meio da distribuição dos principais erros constituídos por
Zorzi (1998). Em decorrência, essa pesquisa também é descritiva, pois “visa
descrever o estabelecimento de relações entre variáveis” (SILVA; MENEZES, 205, p.
21). Quanto à natureza qualitativa, essa se desvela na qualificação e caracterização
das motivações de erros ortográficos, assentados em teorias, sobretudo, as
fonológicas.
Além disso, essa pesquisa é de cunho bibliográfico, pois foi elaborada a partir
de material já publicado constituídos em livros físicos e digitais e artigos disponíveis
na internet.

4.2 Corpus

A ortografia não é uma questão de natureza científica. É certo que ela precisa
de uma teoria científica acerca de língua e seus usos, porém, ela se encaixa melhor
dentro de uma norma linguística estabelecida pela sociedade com convenções
determinada dentro do sistema.
37

Uma vez estabelecido o sistema ortográfico, junto a ele veio a noção de erro
causando um desafio à escola o seu processo de ensino-aprendizagem. As formas
ortográficas têm uma função básica de anular as variações linguísticas, e por serem
estas classificadas como um grande problema histórico dentro do sistema torna-se
muito mais complexo para quem está em processo de aquisição desta norma.
Entendemos que é basilar e ponto chave de partida no ensino a compreensão
dos seguintes pontos:
1) que a escrita da língua portuguesa é de natureza alfabética, portanto a priore
as letras representam as unidades sonoras das palavras na língua;
2) que as relações, predominantes em nosso sistema são as complexas;
3) que a apropriação do sistema ortográfico quer por criança ou adulto exige
conhecimentos bastante específicos sobre a natureza do sistema.
Assentados nessa compreensão, para a construção investigativa foram
desenvolvidas três etapas, a saber:
1ª Etapa: Leitura e compreensão da teoria sobre Fonética, Fonologia e
ortografia, que subsidiaram o nosso conhecimento sobre as motivações e a natureza
dos erros ortográficos;
2ª Etapa: Construção de um quadro em que se estabeleceu, didaticamente, a
relação GRAFEMA X FONE X FONEMA;
3ª Etapa: Fizemos um levantamento indireto de categorização de erros
ortográficos mais recorrentes em produções textuais espontâneas de alunos o 6º e 7º
ano do ensino fundamental, justificando teoricamente as suas motivações.
Os dados foram coletados no banco de dados dos Estudos Interdisciplinares
de Literatura (INTERLIT), instalado na Universidade Estadual do Piauí (UESPI). No
total foram analisados trinta e oito (38) textos com diferentes temáticas, apenas quinze
(15) foram contextualizados ao longo da análise e recortados em pequenos
fragmentos, para discussão a respeito das motivações dos erros cometidos, ao todo
foram vinte e cinco (25) recortes.
Os resultados nos permitiram fazer uma reflexão sobre a importância das lições
da ciência da linguagem, corporificada pelas suas teorias, sobretudo aqui destacamos
as fonológicas, cujo propósito foi subsidiar nossa compreensão dos diversos erros
ortográficos. Para que possamos construir uma proposta interventiva sobre o ensino
do sistema ortográfico que minimize as possíveis dificuldades ortográficas que os
alunos da Educação Básica apresentam.
38

Esta pesquisa é uma ampliação da temática desenvolvida no Programa de


iniciação científica realizado pela Universidade Estadual do Piauí durante o período
de 2019 a 2020.

4.3 Categorização dos principais erros ortográficos

Os alunos dos anos finais do ensino fundamental ainda cometem erros


ortográficos relativos ao apoio da oralidade, estes deveriam ocorrer apenas durante a
aquisição da escrita, de modo que somente os erros contextuais e arbitrários fossem
realizados. Sabemos, no entanto, que essa ideia está muito distante da realidade,
visto que esses erros estão dispostos com muita frequência nas produções
espontâneas dos alunos do Ensino Fundamental, conforme podemos atestar nas
dissertações pesquisadas durante a realização desta pesquisa e que, aqui, reiteramos
a divulgação das propostas interventivas apresentadas pelas autoras.
Para nossas discussões, utilizaremos a classificação de erros definido por
Zorzi (1998, págs. 34-41) seguido de nossa proposta interventiva para minimizar ou
mesmo debelar essas dificuldades, conforme quadro 7:

Quadro 9: Classificação de erros ortográficos e proposta interventiva


CLASSIFICAÇÃO DE PRINCIPAIS DIFICULDADES PROPOSTA INTERVENTIVA
ZORZI (1998)
No sistema de escrita alfabética do PB, Trabalhar: a irregularidade e
1.Alterações observa-se em algumas situações uma regularidade do fonema /k/ em
decorrentes da instabilidade na forma de grafar algumas início de palavra e do fonema
possibilidade de letras, pois: /s/ em início, meio e fim de
representações 1. A grafia do fonema /k/ que pode ser palavra através de atividades
múltiplas representado por q(quero) c(coisa) e dinâmicas que promovam a
K(Kátia); pesquisa e a memorização da
2. A grafia do fonema /s/ que pode ser grafia correta;
representado por s(sala), ss(passeio), regras para o uso do g e do j
c(cidade), ç(paçoca), sc(crescer), sç(nasça), em palavras derivadas, das
xc(excesso), x(explicar) e z(nariz) quais se escrevem com g os
substantivos terminados com a
sílaba –gem e com j as formas
flexionadas de verbos que, no
infinito, terminam em –jar;
a regra que determina a
escrita diferente do –esa e do
–eza;
a identificação de situações
em que se deve escrever –oso
/ -osa;
a grafia correta das palavras
com s, ç e x que que vêm
antecedida de ditongo.
39

CLASSIFICAÇÃO DE PRINCIPAIS DIFICULDADES PROPOSTA INTERVENTIVA


ZORZI (1998)
2. Alterações Apoio irrestrito na oralidade, ou seja, o aluno Trabalhar: a tonicidade e a
ortográficas escreve do jeito que fala. Ex.: escrita de palavras com
decorrentes de apoio mãi, leiti, tomá, familha etc terminação em r e a escrita
na oralidade das vogais e e o em posição
postônica final;
a escrita das letras o, e, i, u
nas sílabas pretônicas das
palavras;
a escrita de palavras em cujas
sílabas constem o acréscimo
de uma vogal (i ou u) que ao
lado de outra vogal formará
um ditongo não existente;
a percepção da relação entre
fonemas (sons) e letras,
notadamente dos pares f/v;
p/b; t/d.
Ausência de correspondência quantitativa, Trabalhar: a escrita de
3. Omissões de letras ou seja, as palavras são grafadas de forma palavras preservando as
incompleta. Ex.: quemar, tesora, bombero semivogais i e u na sílaba,
mesmo que não ocorra na fala
a ditongação, para isso o
recurso utilizado será a
memorização e visualização;
com a escrita de palavras que
têm vogal nasalizada; mostrar
as formas de nasalização das
palavras; praticar a pronúncia
de palavras com vogais
nasalizadas;
a escrita das palavras (verbos,
principalmente) com
terminação em r;
a memorização de palavras
iniciadas com H que sejam de
uso mais frequente.
Os alunos usam padrões da oralidade para Trabalhar a escrita em frases,
4. Junção ou separação separar ou unir as palavras. Ex.: a noção de palavra funcional
não convencional de asvezes, na quela, siperder ou lexical versus palavra
palavras gramatical e a segmentação
das palavras no contexto de
frases.
5. Alterações Como do ponto de vista fonético as palavras Trabalhar: a identificação da
decorrentes da terminadas por am ou ão têm o mesmo som, nasalização final feita por til (~)
confusão entre as sem o devido destaque ao acento tônico, o e m em verbos conjugados.
terminações am e ão aluno acaba por grafá-las de forma o uso adequado de –ão para o
indistintas. Ex: falaram/falarão, futuro e o –am para o pretérito
comeram/comerão e outros tempos verbais.
O aluno tende a generalizar alguns Trabalhar: a escrita das
6. Alterações princípios da escrita convencional. palavras com sílabas
decorrentes de Ex.:fugiu/fugio, cimento/cemento, terminadas com a letra l;
generalizações de tesoura/tesolra a escrita das letras o, e, i, u,
regras quando em final das palavras.
Identificar os diferentes
contextos representados pelo
grafema ‘R’;
a escrita de palavras que têm
vogal nasalizada; mostrar as
formas de nasalização das
palavras; praticar a pronúncia
de palavras com vogais
nasalizadas;
40

Dadas as semelhanças na escrita de Trabalhar a escrita de palavras


7. Letras parecidas algumas palavras, o aluno tende a com as consoantes nasais n e
representar ortograficamente de forma m, diferenciando-as não só
errada algumas palavras. Ex.: quanto ao lugar de articulação
timha/tinha, caminho/caminlo, medo/nedo na fala, mas, relacionando ao
seu contexto regular em início
de sílabas. Para isso,
primeiramente, o professor
deve trabalhar a segmentação
silábica em todos os contextos
(CV, CVC, VC, CCVCC).
Fonte: Adaptado de Zorzi (1998); Quadros (2015); Miranda (2015); Nunes (2015).

Embasados na classificação dos principais erros ortográficos feita por Zorzi


(1998), analisaremos na seção seguinte esses erros a partir de dados coletados
indiretamente.

4.4 Análise de dados

Procederemos à análise dos dados encontrados em produções textuais de


alunos do 6º e 7º ano da Educação Básica, a partir da categorização dos principais
erros discutidos na seção anterior. Coletamos esses dados no banco de dados dos
Estudos Interdisciplinares de Literatura (INTERLIT), instalado na Universidade
Estadual do Piauí (UESPI). Ao todo foram analisados trinta e oito (38) textos com
diferentes temáticas, apenas quinze (15) serão contextualizadas ao longo da análise.
Como esta é uma pesquisa de análise indireta, iremos nomear os fragmentos como
Texto nº, exemplo: Texto 1, Texto 2, Texto 3, assim sucessivamente. O diagnóstico
dos erros apoiou-se no parâmetro proposto por Nóbrega (2013).

4.4.1 Distribuição dos principais erros

A partir da análise de trinta e oito (38) produções textuais espontâneas,


organizamos uma lista completa contendo todos os erros, inclusive os que se repetem.
Assim sendo, organizamos tipologias com indicadores de erros dispostos em
contextos regulares e irregulares do sistema ortográfico.
Em seguida classificamos o tipo de fonemas representado pelo grafema
empregado de forma incorreta no texto, localizado em posição inicial, medial e final
de palavras, considerando também o tipo de sílaba e sua tonicidade: pretônica, tônica
e postônica. Logo depois, procuramos identificar a classe gramatical das palavras e o
41

uso de palavras homófonas-heterográficas ou parônimas que não se ajustam ao


contexto em que foi inserido. Para este tipo, foram encontradas as palavras
cassar>caçar, traz>trás, mas>mais.
Distribuímos em porcentagem os principais erros, a saber: alterações
decorrentes da possibilidade de representações múltiplas (RM); alterações
ortográficas decorrentes de apoio na oralidade (O); omissões de letras (OL); junção
ou separação não convencional de palavras (J/S); alterações decorrentes da confusão
entre as terminações am e ão (CT); alterações decorrentes de generalizações de
regras (GR); letras parecidas (LP). Conforme podemos observar no gráfico 1

Gráfico 1: Distribuição dos principais erros

1%
1%
O
7%
5% RM
18% 49% OL
GR
19% J/S
LP
CT

Fonte: Pesquisa indireta.

De acordo com esse gráfico, os erros decorrentes de apoio na oralidade (197),


da possibilidade de representações múltiplas (75) e omissões de letras (72) são os
mais recorrentes. Posto isto, iremos discutir teoricamente as motivações destes e dos
demais erros nas próximas subseções.

4.4.2 Alterações decorrentes da possibilidade de representações múltiplas

Os erros decorrentes pelas possibilidades de representações múltiplas


possuem em alguns contextos regularidades. Em outros contextos idênticos, apenas
a consulta ao dicionário poderá esclarecer a grafia correta.
42

Entretanto, sem o devido conhecimento sobre as regularidades do sistema


ortográfico os alunos erram continuamente. Atestamos essa afirmação considerando
o exemplo do fragmento do texto 15, figura 3. Esse texto é uma reconto do conto “O
compadre da morte”.
Figura 3: Fragmento do texto 15: troca de z por s

Fonte: Pesquisa indireta.

Está perceptível o desconhecimento desse aluno quanto à regularidade do


sistema, pois o fonema /z/ em início de palavra será sempre representado pelo
grafema z: zombar, zumbido, zangada. No presente fragmento há também a presença
de outros tipos de erros, como a generalização de regras (pedio, deo); a segmentação
de palavra (en bora); o apagamento do r na terminação -er da forma do infinitivo
verbal; a desnasalização do n na palavra recompesa.
Além disso, é preciso destacar também os erros que ocorrem no meio de
palavras, como o da figura 4. Esse texto é um relato sobre a experiência mais
marcante vivida pela aluna, uma festa surpresa que fizeram para ela.

Figura 4: Fragmento do texto 21: troca de ç por s

Fonte: Pesquisa indireta.

Nesse fragmento, a última sílaba da palavra esqueça (esquesa) jamais poderá


ser grafada por s, porque em contexto intervocálico essa letra representa o fonema
/z/. Já a palavra calçado não há uma regra de princípio gerativo, no entanto, podemos
classificar as palavras causado (verbo no particípio passado) e calçado (substantivo
masculino, por isso, errou-se a classificação de palavras em decorrência da
generalização de regras (troca de l por u).
43

No fragmento da figura 5, é possível identificar sinais de reformulação da sílaba


devido a dúvida da grafia correta. O seguinte texto discorre sobre o aborto no Brasil,
e nesse fragmento defende-se a não legalização do aborto.

Figura 5: Fragmento do texto 3: troca de s por ss

Fonte: Pesquisa indireta.

Se observarmos com atenção, o fonema /z/ foi escrito na terceira sílaba palavra
indesejada pela letra z, e depois foi reformulada com ss. Contudo, o fonema /z/ não é
representado em nenhuma palavra por ss. Sendo assim, seria “mais cabível” utilizar
a letra z.
De acordo com Faraco (2012), a letra s ocorre mais que z e x em coda silábica,
entretanto, o uso x é quase sempre regular quando precedido pela vogal e, como em
extra, exclusão, excelente. Conforme essa discussão, no fragmento do texto 23 da
figura 6, ocorre a troca de x por s.

Figura 6: Fragmento do texto 23: troca de x por s

Fonte: Pesquisa indireta.

Além dessa troca, não há concordância da palavra inexplicado com o verbo é,


portanto, a grafia correta é inexplicável. Ainda, a palavra violência não está acentuada.
Vimos no capítulo 3 que substantivos terminados com o sufixo nominal ência são
acentuados, além de que sempre se escrevem com c. O aluno que produziu esse
texto revela bom domínio de algumas regularidades do sistema ortográficos, apesar
disso, precisa trabalhar com a escrita de palavras com vistas a junção e separação de
palavras.
No quadro 10, podemos acompanhar a distribuição de todos os erros coletados
por motivos de representação múltiplas.
44

Quadro 10: Erros relativos às possibilidades de representação múltiplas

Fonema Grafema Registro ortográfico


/s/ c, s, ss, z, aconteca>aconteça, criaca>criança nacido/nacisdo>nascido
sc, ç, sç, xs, aconcelhar/aconcelharem> aconselhar, insentivar>incentivar,
xc, x adolecencia>adolescência, crece>crescer, cer>ser, censsasão>
sensação, desepição>decepção, ameasada> ameaçada,
fasse>fosse, celeção> seleção, asendeu> acendeu, aseza>acesa,
cassar> caçar, tréz>três, teçera>terceira cabiseira>cabeceira,
voutase> voltasse, dansar>dançar, naseo> nasceu,
dise/dissedo/dissia>disse/dizendo/dizia,
comecol/comeco/comessou/comesamos>começou/começamos,
curase>curasse, buscacem> buscassem, viracem> virassem,
deixaxi> deixasse, asistir>assistir protecão>proteção dercer/decí>
descer, balanso>balanço, lensóis>lençóis, semiterio>cemitério,
esquesa>esqueça, causado> calçado, condisão>condição,
felisidades>felicidades, desede> decidir, inesplicado>inexplicado,
asertos>acertos, eso>isso, atencão>atenção, profisoes> profissões,
tradisionais> tradicionais transformacoes>transformações,
vasoras>vassouras.
/z/ s, z, x endessajada> indesejada, precizar> precisar, resa/resar> reza/rezar,
aseza>acesa, sangada>zangada, nestezia>anestesia,
fasia/fisemos>fazia/fizemos, retrazado> retrasado,
valoresada>valorizada
/ʃ/ ch, x decha>deixa, mechendo>mexendo, desmansha>desmancha,
ichada> enxada, cachão> caixão
/ʒ/ j, g geito>jeito
Fonte: Pesquisa indireta.

Os erros referentes às representações múltiplas se manifestaram da seguinte


forma: fonema /s/ (57), fonema /z/ (11), fonema /ʃ/ (6), fonema /ʒ/ (1), essa distribuição
mostra-se em porcentagem no gráfico 2. Desses erros apenas 18% ocorrem em
contexto regular.

Gráfico 2: Distribuição dos erros decorrentes das possibilidades


representações múltiplas

1%
8%
15% Fonema /s/
Fonema /z/
Fonema /ʃ/
76%
Fonema /ʒ/

Fonte: Pesquisa indireta.


45

Conforme esse gráfico e o quadro, as alterações decorrentes da possibilidade


de representações múltiplas ocorrem com mais frequência com o fonema /s/, visto que
é o fonema que tem mais possibilidades de representação: c, s, ss, z, sc, ç, sç, xs, xc,
x.

4.4.3 Alterações ortográficas decorrentes de apoio na oralidade

Nesta subseção, serão apresentados alguns exemplos de erros decorrentes de


apoio na oralidade. Vale ressaltar, que a maioria dos exemplos de erros distribuídos
neste capítulo se apoiam na oralidade, tais como monotongação (toro>touro),
ditongação (nois>nós), hipersegmentação (en quanto), hipossegmentação (entodo),
apagamento /R/ final (aprende>aprender), vocalização do fonema /l/ (legal>legal),
generalização de regras (começol> começou), abaixamento da vogal (enterropida>
interrompida), dentre outros., contudo, preferimos distribuir os erros por motivos mais
específicos.
No fragmento do texto 5, o autor tenta explicar o porquê o aborto não deve ser
legalizado no Brasil, observe a figura 8.

Figura 7: Fragmento do texto 5: troca surda-sonora

Fonte: Pesquisa indireta.

Na troca de t por d nota-se uma interferência da fala, visto que a relação


fonológica e grafêmica dessas letras são biunívocas. Também há erros em
regularidades contextuais de r/rr, pois o r da segunda sílaba da palavra tirando possui
o som do “r-fraco”.
O autor do texto 18 da figura 10, também relatou uma experiência vivida,
intitulada “O dia que cai da cacunda do meu primo”.
46

Figura 8: Fragmento do texto 18: várias interferências da fala

Fonte: Pesquisa indireta.

Os processos fonológicos identificados na figura 8 são: monotongação


(banhero>banheiro), hipossegmentação (milevou>me levou), redução de gerúndio
(mentino>mentindo). A monotongação também é vista na figura 9. Neste fragmento,
o aluno registra alguns de seus dados pessoais como a comida preferida e o signo do
zodíaco.

Figura 9: Fragmento do texto 25: troca de nh por ia

Fonte: Pesquisa indireta.

A redução do ditongo -ou por -o são frequentes na escrita dos alunos. Além
disso, o aluno se apoia na oralidade para escrever a palavra lasanha (lazaia), devido
ao contexto arbitrário do uso do fonema /z/ em posição intervocálica (s~z) e o
desconhecimento da regularidade do dígrafo nh.
Outros tipos de ocorrências do apoio na oralidade estão registrados no quadro
11, a seguir.
47

Quadro 11: Erros decorrentes de apoio na oralidade

Motivações REGISTRO ORTOGRÁFICO


Troca de e/i crimi>crime, enterropida>interrompida, futibol> futebol, di>de,
inbora/imbora>embora, desede>decidir, conhecir>conhecer,
emginação>imaginação, consedero>considero, ichada>enxada
Troca de o/u custurero>costureiro, fumo>fomos
Síncope prenspe>príncipe, campio>campeonato
Epêntese desepição>decepção, currupicao>corrupção

Permuta carta>catar, nacisdo>nascido, vigança>vingança, estrupo>estupro,


porde>poder, curberto>coberto
Troca de l >lh medalia>medalha
Escrita oralizada trarpotes>transportes, acletas>atletas, contralho>contrário, sesconde>se
esconde, reglamando>reclamando, abordo>aborto, cando>quando, prami>
para mim, inpitima> impeachment, xeroquex>xerox, carpinava>capinava,
dercer>descer, mideribo>me derrubou, des>desde brincadero>brincadeira,
ofelhas>ovelhas, agus>alguns, voltare>voltaria, entrão>então, pra/pro>para
o, cordições>condições, nois>nós, deremos>teremos, nuos dero>nos
deram, lazaia>lasanha
Fonte: Pesquisa indireta.

A escrita oralizada está relacionada às palavras cuja características são orais,


ou seja, são transcritas obedecendo os sons da fala, como se pôde observar no
quadro 11 nas palavras acletas>atletas, deremos>teremos. Para identificarmos as
discriminações do quadro, observe o gráfico 3.

Gráfico 3: Apoio na oralidade

2%
4% 4% 4%
Escrita oralizada
13% Troca de e/i

51% Permuta
Troca de o/u

22% Síncope
Epêntese
Troca de l >lh

Fonte: Pesquisa indireta.

Revela-se com a porcentagem prevista nesse gráfico que a escrita oralizada,


especificamente, é a motivação mais comum. A motivação menos comum acontece
pela troca de l por lh, entretanto, nos exemplos do quadro anterior, na palavra
48

contralho>contrário ocorreu a troca de lh por r, visto que o aluno ainda não associou
o lugar de articulação do r (r-fraco) palavras.

4.4.4 Omissões de letras

Nessa subseção trataremos das palavras em que há omissão de letras,


motivadas pela desnasalização, redução de proparoxítona, apagamento de morfemas
flexionais nominal de número (-s: plural) e verbo-nominal (-r: infinitivo), redução de
ditongos e outros casos.
Na figura 10, observa-se o fragmento de um texto recontado, cujo título é “O
padre e a morte”. Desse título já podemos destacar que não possui relação com a
produção, tampouco com o conto original, porque o conto não relata a história de um
padre, e sim de um pai que precisava de um padrinho para o seu último filho. Apesar
da boa intenção em dar um novo título para o conto, padre e compadre possuem
significados diferentes de acordo com o dicionário.

Figura 10: Fragmento do texto 11: apagamento de letras

Fonte: Pesquisa indireta.


Conforme Faraco (2012), a letra x será sempre usada depois de ditongo:
rouxinol, caixão, paixão. Nesse caso da figura 10, o ditongo foi reduzido e
consequente o ch acrescentado. Ademais, o aluno tende apagar o r em final de sílaba
(mote>morte), e reduzir a proparoxítona (prenspe>príncipe).
Na figura 11, o aluno desenvolveu uma tirinha denominada “Como é a Raissa”.
Nessa tirinha, podemos observar algumas alterações, tal como o próprio nome da
49

personagem que no título é Raissa, já no primeiro e terceiro quadrinho está escrito


Rhayssa.
Figura 11: Fragmento do texto 14: redução ditongo ou > o

Fonte: Pesquisa indireta.

No quarto quadrinho, ocorre o apagamento do morferma flexional da forma


verbal ir no presente do indicativo (vou).
No quadro 12 estão distribuídos os erros encontrados por omissões de letras.
Percebe-se que os erros por omissão de -r em final de palavra e redução de ditongo
em final de sílaba são os que mais dependem da dimensão sintática para classifica-
los, pois elas dependem das relações de concordância.

Quadro 12: Erros decorrentes de omissões de letras

Motivação Registro ortográfico


Desnasalização criaca>criança, ligua>língua, resmugando>resmungando
dissedo>dizendo, recompesa> recompensa, tabem>também,
atiganente> antigamente
Redução de proparoxítona prenspe>príncipe, esvamos>estávamos
Omissão de -r em final de sílaba aplica>aplicar, transformado>transformador acaba> acabar,
perde>perder, da>dar, anda>andar, trata>tratar, mote>morte,
teçera>terceira, resa>rezar, jogado>jogador chora>chorar,
banha>banhar, compra>comprar, valoriza>valorizar,
aprende>aprender, ganha>ganhar, passa>passar, come>comer,
brinca>brincar, presta>prestar, compra> comprar
Omissão de -s em final de sílaba pulamo>pulamos, fomo>fomos
50

Redução de ditongo -am >-o dero>deram


Redução de ditongo -ai > -a, -ei vo>vou, ligo>ligou, chego>chegou, ordeno> ordenou,
>-e, -ou >o banhero>banheiro, entro>entrou decha>deixa, poco>pouco,
torno>tornou cachão>caixão, mostro>mostrou, falo>falou
robar>roubar, toro>touro, bestera>besteira vasora>vassoura
Redução de gerúndio causano> causando, mentino>mentindo, morreno> morrendo
Outros casos agus>alguns, nestezia>anestesia, avia>havia, cupa>culpa,
pra>para, chegei> cheguei, tavão>estavam,
campiona>campeonato, cabam>acabam, rum>ruim
sexuas>sexuais, adutos> adultos, professos>professores
Fonte: Pesquisa indireta.

O gráfico a seguir mostra essas distribuições dessas omissões conforme os


dados apanhados.

Gráfico 4: Omissões de letras

Omissão de -r
Redução de ditongo -ai > -a,
3% 1% -ei >-e, -ou >o
Outros casos
3%
5% Desnasalização
11% 34%
Redução de gerúndio

18% Omissão de -s
Redução de proparoxítona
25%
Redução de ditongo -am >-o

Fonte: Pesquisa indireta.

Consoante ao gráfico 4, as omissões de -r são os que mais ocorrem na escrita


dos alunos, e a redução do ditongo -am em -o é menos recorrente, dado que a
confusão tende acontecer mais com a terminação em -ão do que -o.

4.4.5 Junção ou separação não convencional de palavras

Os erros decorrentes por hipersegmentação ou separação de palavras e a


hipossegmentação ou junção de palavras revelam a dúvida que o aluno tem quanto à
segmentação de palavras na escrita, pois na fala, esse processo ocorre por vários
motivos que dependem da prosódia fonética.
51

Diante disso, nessa subseção os erros encontrados são razoáveis para o ano
do ensino fundamental que esses alunos se encontram.
Na figura 12, observa-se a hipossegmentação das palavras pelo menos
(pelomenos) e por isso (poriso).

Figura 12: Fragmento do texto 15: hipossegmentação

Fonte: Pesquisa indireta.

Esse aluno possui algumas dificuldades quanto ao desconhecimento dos tipos


de palavras: gramatical e fonológica. A junção das palavras por isso (poriso) ocorreu
porque a primeira palavra corresponde ao modelo silábico CVC e a segunda, VC-CV.
Nesse sentido, a articulação de palavras no português geralmente acompanha o
modelo canônico CV, por isso o aluno associou o modelo articulatório referente à fala
e fez a junção na escrita: CV-CV-CV (po-ri-so). Já na junção das palavras pelo menos
(pelomenos) também houve apoio na oralidade, visto que a consoante m marcou a
nasalidade da vogal o da palavra anterior. O texto desse aluno foi o que teve mais
marcas da oralidade com 58 erros de todos os tipos.
Nesse mesmo texto da figura anterior, há também presença de erros
decorrentes da hipersegmentação.

Figura 13: Fragmento do texto 15: hipersegmentação

Fonte: Pesquisa indireta.

A separação da palavra embora (en bora) e os desvios de outros segmentos


sustenta mais ainda a afirmação que fizemos anteriormente sobre o quanto esse aluno
carece do conhecimento sobre a ortografia.
O quadro 13 apresenta os erros decorrentes da hipo e hipersegmentação.
52

Quadro 13: Erros decorrentes da junção ou separação não convencional de


palavras

FONEMAS REGISTRO ORTOGRÁFICO


Hipossegmentação porisso> por isso, ledar>lhe dar, tratuli> tratou-lhe, pelomenos>pelo
menos, mibotou> me botou, milevou> me levou, anoite> a noite,
identro> e dentro, atarde> à tarde, tabom>está bom, pegala>pega-la,
aparte> a parte, entodo>em todo
Hipersegmentação de baixo>debaixo, en tão>então, da quele>daquele, en quanto>
enquanto, ficoa pareceno>ficou aparecendo, en bora>embora, do
endo>doendo
Fonte: Pesquisa indireta.

Conforme analisado nesse quadro, o gráfico 5 apresenta a porcentagem de


erros encontrados nos dados levantados.

Gráfico 5: Hipossegmentação x Hipersegmentação

46% 54%
Hipossegmentação
Hipersegmentação

Fonte: Pesquisa indireta.

Conclui-se pelo gráfico que a porcentagem de erros decorrentes da


hipossegmentação ocorre com mais frequência, todavia, quase empata com o outro
tipo.

4.4.6 Alterações decorrentes da confusão entre as terminações am e ão

Segundo Nóbrega (2013), a maioria das palavras terminadas em -ão são


oxítonas. Dessa forma, a acentuação se distribui em duas formas de palavras: verbos
e substantivos. Ademais, essa acentuação orienta no uso das desinências que
marcam a 3ª pessoa do plural do futuro do presente do indicativo (-ão: oxítona):
botarão, estarão; a 3ª pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo (-ram) e a 3ª
pessoa do plural do presente do indicativo (-am), ambas formas paroxítonas: botaram,
botam.
53

Na figura 14, o aluno erra por falta de concordância verbal, já que ele está
relatando um acontecimento que já ocorreu.

Figura 14: Fragmento do texto 21: troca de am por ão

Fonte: Pesquisa indireta.

Dessa forma, para que haja concordância verbal na dimensão sintática do


texto, o aluno deveria grafar assim: gritaram, porque o devido uso requer a conjugação
do verbo na 3ª pessoa do plural do pretérito perfeito. Além do mais, nesse fragmento
observamos desvios relacionados ao uso do pronome oblíquo (pegala>pega-la) e a
omissão de u na palavra cheguei (chegei), isso ocorre porque o u não é pronunciado
em dígrafo.
No fragmento da figura 15, o erro ocorre pelo mesmo motivo da figura anterior.

Figura 15: Fragmento do texto 1: confusão am > ão

Fonte: Pesquisa indireta.

Além desses, outros erros foram encontrados também, tais como: tavão>
estavam, gritarão>gritaram, dero>deram, desaparecerão> desapareceram.
Esse tipo de erro acontece na escrita porque na fala são pronunciados da
mesma maneira, pois as terminações em -am não são considerados dígrafos, mas
ditongos nasais /ãu/ assim como em -ão (observe o quadro, p. 23).

4.4.7 Alterações decorrentes de generalizações de regras

O tipo de erro exposto nessa subseção também se denomina hipercorreção em


contexto pelos quais há regularidade, pois, conforme Morais (2007), o emprego de u
nas flexões verbais do passado perfeito do indicativo enquadra-se no grupo de
regularidades morfossintáticas.
54

Na figura 16, o aluno utilizou o corretivo para reformular a palavra começou


(comecol), contudo, errou novamente.

Figura 16: Fragmento do texto 15: troca de u por l

Fonte: Pesquisa indireta.

Essa vocalização da lateral /l/ acontece em muitas comunidades do Brasil,


como já discutimos anteriormente. Então, foneticamente, ela é representada pela
lateral vocalizada [w]. O aluno generaliza a regra porque esse som também é
pronunciado nas palavras: sal, mortal, pedal. A diferença é que a letra l não deve ser
grafada para marcar flexão de verbos, todavia apresenta-se em palavras como
substantivos e adjetivos: sal, modal.
Já na figura 17, o erro diferencia-se do anterior, pois a troca acontece com duas
vogais.

Figura 17: Fragmento do texto 30: troca de o por u

Fonte: Pesquisa indireta.

Erra-se a palavra preocupa (preocupa) por causa da ignorância quanto à


segmentação de palavras, na qual a letra o é segmentada na palavra como sílaba de
apenas um núcleo que é a vogal o, dessa forma, sua separação silábica é desta
maneira: pre-o-cu-pa-ção (com 5 sílabas, e não 4).
No quadro 14, contém também outros tipos de generalizações de regras,
constatando que nesse tipo ocorre a troca de sons semelhantes, mas graficamente
diferentes.
55

Quadro 14: Erros decorrentes de generalizações de regras

FONEMAS GRAFEMA REGISTRO ORTOGRÁFICO


/l/ l augumas>algumas, voutar/voutasse>voltar/voltasse,
legau>legal, principaumente>principalmente
/u/ u comecol>começou, perguntol>perguntou, deo>deu,
vio>viu, pedio>pediu, concordoo>concordou,
respondeo>respondeu, botol>botou, ficoo>ficou
/o/ o preucupa>preocupa
/N/ m, n emtão>então, ben>bem, comvidou>convidou
(arquifonema) desenpenho> desempenho, olenpíada>olimpíadas,
acanpamento>acampamento,
en>em,conpra>compra, exenplo>exemplo.
/R̅/ rr mideribo> me derrubou, tiderubol>te derrubou –
moreram> morreram
/ɾ/ r querro>quero, tirrando>tirando
Fonte: Pesquisa indireta.

As generalizações de regras mais recorrentes ocorrem com a representação


do fonema /u/ devido a vocalização de l em final de sílaba ou palavra e a troca de u
por o em ditongos, e também do arquifonema /N/ quanto à representação de n e m
em final de sílaba. O gráfico 7 mostra essas variáveis.

Gráfico 7: Generalizações de regras

4%
7% troca de u por l
10%
31% troca m/n
troca de l por u
17%
troca de rr por r
31% troca de r por rr
troca de o por u

Fonte: Pesquisa indireta.

4.4.8 Letras parecidas

Essa última categoria de erros abrange erros que ocorrem em contextos


regulares, explicitamente as letras n e m em início de sílaba. Os demais ocorrem pelo
desconhecimento de que a letra m quando em posição de coda silábica e marcadora
da vogal da nasalidade da vogal anterior, esta vem antes de p e b.
56

O texto 37 é um dos textos com mais erros ortográficos dos quais estão
distribuídos em todas as outras categorias. Podemos observar a troca das consoantes
nasais no fragmento da figura 26.

Figura 18: Fragmento do texto 37: troca de m por n

Fonte: Pesquisa indireta.


Nessa figura, as palavras escritas como casamento (causamento), comida
(conida), pamonha (pamonha) revela que a troca feita foi apenas pelo número de
perninhas, pois pode-se observar que outras palavras são escritas corretamente
nessa situação silábica: atingamente, mão, milho. Além disso, esse aluno possui
grande dificuldades com os marcadores de nasalidade, dado que em palavras
terminadas em ão, o til (~) é posto em cima da vogal o, ao invés da vogal a: fougaõ,
naõ.
Nessa outra ocorrência, figura 27, o aluno escreve a palavra homen com o n
em final de palavra, logo, vale destacar, que o uso do n não é tão comum em final de
palavra, este mostra-se mais comum no interior da palavra, pois não é limitado como
a consoante m. Nesse fragmento a seguir, o aluno também fez um reconto do conto
“O compadre da morte”.

Figura 19: Fragmento do texto 15: origem etmológica

Fonte: Pesquisa indireta.


57

Na primeira linha do fragmento da figura 27, a palavra homen tem a presença


correta da consoante nasal m, entretanto, na terceira linha, observa-se a troca do m
por n. No entanto, esta palavra tem origem do latim: homo, inis, então, o erro ocorreu
por origem etimológica.
Os erros decorrentes de letras parecidas distribuem-se apenas em 1% de todos
os erros analisados, como visto no gráfico 1.
58

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através dos estudos e pesquisas realizadas, podemos constatar a necessidade


de pensar em novas estratégias de ensino da ortografia, por meio de propostas
interventivas, neste sentido propomos as seguintes:
Os professores devem se apoiar nos conhecimentos fonéticos e fonológicos
para promoverem atividades reflexivas e dinâmicas sobre a ortografia. Primeiramente,
deve-se trabalhar a consciência fonológica dos alunos, em seguida, abordar assuntos
sobre a segmentação silábica, a fim de que os alunos reconheçam todos os tipos de
sílabas e não somente a canônica, dado que por meio da pesquisa, muitos alunos
erram a grafia correta por ainda se apoiarem no exemplo de que apenas uma
consoante seguida de vogal configura-se em segmentação de silábica. Dessa forma,
mesmo que não ocorra na fala, o aluno minimizará o apagamento de letras em final
de sílaba na escrita.
Em seguida, o professor deverá trabalhar a relação fonema e grafema,
revelando a regularidade que o sistema apresenta. Para um ensino gradativo, a
abordagem desse tema deve começar com as relações biunívocas entre fonema e
grafema, depois associá-las às relações contextuais, morfossintáticas e, por fim,
irregulares. Vale destacar que no ensino de contextos arbitrários, deve-se começar
também, inicialmente, pela disputa que há entre dois grafemas em início de palavra,
como celeste, seco. Após isso, o docente poderá introduzir o ensino das
representações múltiplas que ocorrem no interior da frase, descartando as
possibilidades que jamais poderão ocorrer, apesar de que em outro contexto essa
possibilidade ocorra, por exemplo, o fonema /s/, jamais poderá ser representado pelo
grafema s em contexto intervocálico. Por fim, deve-se trabalhar a irregularidade e em
alguns casos a regularidade em final de sílaba.
Ressaltamos, que essas atividades reflexivas poderão ser aderidas com o
apoio de atividades já propostas em algumas dissertações como as formuladas pelas
autoras Miranda (2015), Quadros (2015) e Nunes (2015). A partir dessas atividades,
o educador poderá acrescentar suas intervenções.
Essa proposta apoia-se no que a BNCC (2017) propõe, pois relaciona
conteúdos estudados anteriormente com os mais avançados, dessa forma, o docente
deverá avaliar quais são as principais dificuldades para posicionar-se na direção de
ensino que achar ideal. Então, se de acordo com a avaliação, contata-se que os
59

alunos compreendem bem a estrutura silábica do português, o estudo da


segmentação das palavras não deverá ser descartado, mas poderá ser discutido
superficialmente com vistas ao ensino sistemático.
Por fim, corroboramos com Nóbrega (2013, p. 45), quando reitera que” um
ensino reflexivo de ortografia é uma porta de entrada para reflexão de natureza
linguística”. Dessa maneira, o suporte teórico-metodológico para ensinar ortografia e
relacionar teoria e prática em sala de aula está assentado nas teorias sobre Fonética
e Fonologia, na qual muitos docentes não dão o devido crédito durante a
internalização desses conceitos em sua formação. Entendemos também que a
Ortografia é um sistema regido por regras, por isso compete ao educador explicitar de
forma funcional essas regras, pois o ato de ensinar vai muito além de apenas formular
atividades decorativas.
60

REFERÊNCIAS

BISOL, Leda. Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 3. ed.


Porto Alegre: Edipucrs, 2001.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Base Nacional Comum Curricular:


Educação é a Base. A etapa do Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEB, 2017. p. 57-
191.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais


(PCN): terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília:
MEC/SEF, 1998.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental (SEF). Programa de Formação de


Professores Alfabetizadores: guia de orientações metodológicas gerais. Brasília,
2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ seb/arquivos/pdf/guia_orient.pdf
Acesso em: 01 fev. 2022.

CALLOU, Dinah; LEITE, Yonne. Iniciação à fonética e à fonologia. 11. ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

FARACO, Carlos Alberto. Linguagem escrita e alfabetização. São Paulo: Contexto,


2012.

FREIRE, P. Extensão ou comunicação? ed. 7. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.


Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996,

LEMLE, Miriam. Guia teórico do alfabetizador. 17. ed. São Paulo: Ática, 2009.

MARCUSCHI, Luiz; DIONISIO, Angela Paiva (Orgs.). Fala e escrita. 1. ed., 1. reimp.
Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização.


9. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

MADUREIRA, André Luiz Gaspari. SILVA, Fabrício Oliveira. Fonética e fonologia na


docência: contribuições para o processo de ensino e de aprendizagem da linguagem.
Educação em Foco. ano 20, n. 31. maio/ago. 2017. p. 73-94. Disponível
em:<http://revista.uemg.br/index.php/educacaoemfoco/article/download/1262/1421>.
Acesso em: 16 dez. 2019.

MIRANDA, Ana Ruth Moresco; MATZENAUER, Carmen Lúcia Barreto. Aquisição da


Fala e da Escrita: relações com a Fonologia. Cadernos de Educação. Pelotas, p.
359-405, janeiro/abril 2010. Disponível em:
https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/caduc/article/download/1626/1509.
Acesso em: 16 dez. 2019.
61

MIRANDA, Ana Ruth Moresco; PACHALSKI, Lissa. Dados de aquisição da linguagem


e sistema pretônico das vogais do Português: fonologia e ensino. Veredas – Revista
de Estudos Linguísticos. Disponível em:
https://periodicos.ufjf.br/index.php/veredas/article/view/32475 Acesso em: 22 mai.
2022.

MIRANDA, Ana Ruth Moresco. Um estudo sobre o erro ortográfico. In: Otília Lizete
Heining, Cátia de Azevedo Fronza (Org.). Diálogos entre linguística e educação.
Blumenau: EDIFURB, 2010, v. 1, p. 141-162.

MIRANDA, Ana Ruth Moresco. Reflexões sobre a fonologia e a aquisição da


linguagem oral e escrita. NAME, Cristina; TEIXEIRA, Luciana (Org.). Aquisição da
linguagem. Veredas – Revista de Estudos Linguísticos. Juiz de Fora: 2012.
Disponível em:
https://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2012/10/9AnaRuthMMirandapara-substituir-
3.pdf Acesso em 19 abr. 2022.

MIRANDA, Margarida Maria Silva. A escrita ortográfica de alunos do 6º ano: a


motivação fonológica para os erros produzidos. Dissertação (Mestrado em Letras -
PROFLETRAS) -UESPI. Teresina, 2015. 189 p.

MORAIS, Artur Gomes. A norma ortográfica do português: o que é? para que serve?
como está organizada? MORAIS, Artur Gomes de. MELO, Kátia Leal Reis de.
Ortografia na sala de aula. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007 p. 11-28

MORAIS, Artur Gomes. Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo: Editora Ática,
1998.

NÓBREGA, Maria José. Ortografia. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2013.

OLIVEIRA, Marco Antônio. Da análise de “erros” aos mecanismos envolvidos na


aprendizagem da escrita. Educ. Rev. Belo Horizonte (12): 33-43, dez. 1990.

PIENTA, Ana Cristina Gipiela. Pesquisa e prática pedagógica. 2. ed. Curitiba: Fael,
2018.

QUADROS, Maria Aldetrudes de Araújo Moura Paula. Aprendizagem ortográfica do


fonema /s/: um estudo sobre as representações múltiplas nos ditados imagéticos e
nas produções escritas de alunos do 5º ano. Dissertação (Mestrado em Letras -
PROFLETRAS) – UESPI. Teresina, 2015. 179 p.

ROJO, Roxane. As relações entre fala e escrita: mitos e perspectivas - caderno do


professor. Belo Horizonte: Ceale, 2006.

SAUSSURE, Ferninand de. Curso de linguística geral. 27. ed. São Paulo: Cultrix,
2006 [1916].

SEARA, Izabel Christine. NUNES, Vanessa Gonzaga. LAZZAROTTO-VOLCÃO,


Cristiane. Fonética e fonologia do português brasileiro: 2º período. Florianópolis:
LLV/CCE/UFSC, 2011.
62

SEARA, Izabel Christine. NUNES, Vanessa Gonzaga. LAZZAROTTO-VOLCÃO,


Cristiane. Para conhecer Fonética e Fonologia do português brasileiro. São
Paulo: Contexto, 2015.
SILVA, Edna Lúcia da; MENEZES, Estera Muszkat. Metodologia da pesquisa e
elaboração de dissertação. 4. ed. rev. atual. Florianópolis: UFSC, 2005.

SILVA, Thaïs Cristófaro. YEHIA, Hani Camille. Desafios e perspectivas no ensino de


fonética e fonologia. MARTINS, Marco Antonio (Org). Gramática e ensino. Natal, RN:
EDUFRN, 2013. p. 14-38. (Coleção Ciências da Linguagem Aplicadas ao Ensino; v.
1).

SILVA, Thaïs Cristófaro. Dicionário de fonética e fonologia. São Paulo: Contexto,


2011.

SILVA, Thaïs Cristófaro. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e


guia de exercícios. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2017.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes,


2014.

ZORZI, Jaime Luiz. Aprender a escrever: a apropriação do sistema ortográfico. Porto


Alegre: Artes Médicas, 1998.

Você também pode gostar