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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA

CURSO DE CINEMA

DISCIPLINA: LEITURA E ESCRITA DE TEXTOS ACADÊMICOS

PROFESSOR: RONEI GUARESI

ARNALDO RIBEIRO

1984

-RESENHA-

Vitória da Conquista, 11 de novembro de 2021


1984

Arnaldo Ribeiro1

Publicado originalmente em 1949, o romance "1984", do escritor inglês


George Orwell, é uma das obras de ficção distópica mais influentes do século
XX, e tão atual que é possível perceber suas "previsões" de um mundo sob
intensa vigilância nessas primeiras décadas do século XXI. O livro pode ser
dividido em três partes: a primeira delas revela como era a sociedade criada
por Orwell, inspirada na opressão e no aparelhamento estatal dos regimes
totalitários, como o fascismo e o nazismo, forças totalitárias das décadas de
1930 e 1940. Aquele mundo, criado por Orwell, é dividido em três grandes
nações: Oceania, Eurásia e Lestásia, que vivem em constante estado de
guerra entre si. A segunda parte do livro descreve o que poderia ser chamado
de revolução interna do personagem central "Winston Smith", um membro do
Partido Externo, que é funcionário público do Ministério da Verdade. Apesar do
nome, o trabalho da instituição é alterar o passado, falsificando dados
históricos, com o objetivo de reafirmar o que o "Big Brother" diz no momento.
"Winston Smith", apesar de possuir algumas regalias, alimenta dúvidas sobre
os verdadeiros ideais do seu Partido. A terceira e última parte poderia ser
descrita como um desfecho trágico, com o sistema sobressaindo-se aos
interesses pessoais, vencendo os cidadãos e qualquer forma de ruptura com
aquele estado totalitário, com uma política de extrema vigilância e
cerceamento das liberdades individuais. Trata-se, pois, de uma obra
espetacular capaz de inspirar até os dias atuais uma reflexão sobre a essência
desagregadora e destruidora de qualquer forma de poder totalitário.
O mundo que Orwell conheceu, e no qual concebeu 1984, era um
ambiente sombrio que trazia ainda as feridas abertas da segunda grande
guerra. Aquele mundo viveria em seguida a guerra fria, protagonizada por dois

1
ARNALDO RIBEIRO, graduando do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia, e-mail: 202020771@uesb.edu.br
grandes blocos de nações que dividiram o mundo em dois, um capitalista e o
outro comunista, que duraria décadas.
A chamada guerra fria, mantida entre os Estados Unidos e a antiga
União Soviética, países líderes de cada bloco, criou um fantasma, o do
extermínio por armas termonucleares. Algo que durou até fins dos anos 80,
mas que teve seu ápice justamente no ano de 1984, quando o mundo se via à
beira de uma terceira guerra. Quem viu o filme "The Day After" (1983), dirigido
por Nicholas Meyer, exibido no Brasil somente no ano seguinte, conseguirá
compreender aquele drama. Agora o mundo parece reviver tudo aquilo pelo
qual passou, mas com novos ingredientes e novos personagens, num perigoso
jogo de xadrez da nova geopolítica mundial e a crescente escalada militar das
grandes nações e outras menores, com potencial poder destrutivo de suas
armas atômicas.
É possível atribuir a 1984 o conceito de atemporalidade, pois a obra é
capaz de fazer o leitor refletir não apenas sobre o que foi a segunda metade
do século XX, mas sobre os tempos atuais, a complexidade do mundo
moderno e os problemas que envolvem as sociedades deste primeiro quarto
de século XXI. Numa visão futurista, e quase profética, ele antevê um planeta
super conectado, onde cada passo das pessoas é vigiado por câmeras de
segurança espalhadas até mesmo em suas residências.

Uma antiga máxima, atribuída tanto ao americano Thomas Jefferson


(1743-1826) quanto ao irlandês John Philpot Curran (1750-1817), diz que “o
preço da liberdade é a eterna vigilância”. A autoria pode não ter sido
confirmada, mas o conteúdo se mostra cada vez mais profético conforme a
tecnologia avança. Câmeras de segurança que monitoram ruas, edifícios e
áreas públicas de forma ininterrupta se tornaram rotina e há tempos
estimulam o debate sobre como a privacidade pode ser sacrificada em
nome da busca de maior proteção [...] A China é um dos casos mais
extremos quando o assunto é vigilância. O país tem cerca de 170 milhões
de câmeras instaladas e o número chegará a 600 milhões até 2020.
Embora em menor escala, o tipo de tecnologia que permite o
reconhecimento facial a partir do cruzamento de algoritmos já está
disponível no Brasil. Em São Paulo, o projeto City Câmeras criou uma
plataforma colaborativa com dispositivos da prefeitura (cerca de dois mil já
instalados) e câmeras residenciais, unidas em um sistema único, o que o
Secretário Municipal de Segurança Urbana José Roberto Rodrigues de
Oliveira chamou de “instrumento de prevenção e resolução de crimes”
(SOLLITTO, 2018,).
Um outro aspecto dessa sociedade vigiada, previsto na obra, diz
respeito ao medo e à desconfiança mútua entre pessoas, governos e até
mesmo grandes corporações. Algo com potencial poder desestabilizador que
vai além do imaginável pelo senso comum. Quando uma sociedade vive um
clima de ódio, desconfiança e medo, é possível que algo muito estranho esteja
acontecendo longe dos holofotes e, provavelmente, poucas pessoas se deem
conta desse estado de coisas. E o que poderia ser visto como "proteção", seja
do estado ou das grandes empresas, passa a ser um problema. "O grande
irmão está de olho em você" (1984, p. 09). Desse ponto de vista vale destacar
a China, um país que vive grande fase de expansão econômica internacional e
ambiciona alcançar até 2050 os seus objetivos: ultrapassar os Estados Unidos
como maior potência econômica e militar do planeta. Para isso, aquele país
asiático, administrado por uma ditadura comunista, tem sido uma das nações
que mais emprega os meios de vigilância em massa para controlar a vida dos
seus cidadãos e de empresas transnacionais estabelecidas em seu território.
Talvez um outro questionamento precise ser feito: quem controla as
informações que circulam na rede mundial de dados? A resposta pode estar
no "Google" - talvez aquela que queiram que você saiba. O Google LLC,
fundado em 1998, é uma empresa multinacional de serviços online e software
dos Estados Unidos. É uma gigante que hospeda e desenvolve uma série de
serviços e produtos baseados na internet e gera lucro principalmente através
da publicidade pelo AdWords - que coleta dados dos usuários que utilizam
seus serviços em todo o planeta através do uso de inteligência artificial. Já
parou para se perguntar como ele sabe tanto sobre você? Mas o Google é
apenas uma dessas empresas!
Em um mundo globalizado, onde bilhões de pessoas têm acesso à rede
mundial de dados, popularmente conhecida como internet, torna-se cada vez
mais difícil manter as coisas em segredo - pelo menos por algum período de
tempo. Seria a internet algo semelhante às "teletelas"? Então quem seria o
"Winston Smith" dos dias atuais? Edward Snowden, aquele norte americano,
ex-agente da CIA, acusado de espionagem por vazar informações sigilosas
que envolvem o poder dos Estados Unidos. Ou seria o australiano Julian
Assange, criador do site WikiLeaks que já publicou mais de 1 milhão de
documentos confidenciais enviados por fontes anônimas? Esses personagens
da vida real parecem ter visto algo além do que seria conhecido pelos
cidadãos não despertos, e têm, em comum, o interesse de alertar o mundo
sobre o perigoso jogo de manipulação da verdade e da maneira com a qual os
grandes atores da política global lidam com a informação, incluindo as formas
de obtê-la, “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o
presente, controla o passado” (1984, p. 84). A frase, plenamente oportuna aos
dias atuais, é parte do slogan do "Partido", figura utilizada por George Orwell
para representar o Estado totalitário em seu universo distópico.
George Orwell concebeu suas "profecias" de "1984" quase como uma
advertência ao que viria a acontecer no futuro. Previu um mundo repleto de
mentiras institucionalizadas e muitos mecanismos de vigilância opressivos. É
até possível pensar nas "teletelas" como os aparelhos smartphone, conectados
à rede mundial de dados. Também é possível pensar a “novilíngua”, com seu
vocabulário medíocre e artificialmente reduzido, espalhada pelos quatro cantos
do planeta, cuja pobreza visa também reduzir a capacidade que as pessoas,
de certo modo já desprovidas de intelecto, têm de pensar. Enquanto isso, o
mundo caminha mansamente em direção a uma sociedade sombria e
alienada, de vigilância em massa na qual a informação é manipulada para se
manter tudo sob controle, sem "verdade", sem "paz" e sem "amor''.

ORWELL, George. 1984. 9ª Reimpressão. São Paulo: Editora Companhia das


Letras. 2009.

SOLLITTO, André. Liberdade vigiada. Isto É, Edição nº 2523, 27 abr. 2018.


Disponível em: <https://istoe.com.br/liberdade-vigiada/>. Acesso em 12 nov.
2021.

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