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O ano é 1431.

A Guerra dos Cem Anos, envolvendo ingleses e


franceses, está em um momento decisivo. Condenada por heresia e feitiçaria,
uma menina de apenas dezenove anos, arde viva em uma fogueira. Vinte e
cinco anos depois, a Igreja Católica reabre o processo e todas as acusações
contra ela são retiradas. Séculos mais tarde, em 1910, a menina queimada viva
torna-se santa, canonizada pela mesma Igreja e, ainda mais: torna-se
padroeira da França. A trajetória de vida de Joana d’Arc é tão fascinante
quanto a trajetória do mito em que ela foi convertida após a sua morte. Devido
a isso, mais do que biografias, temos incontáveis obras ficcionais sobre ela:
romances, peças teatrais, games, filmes. A cultura contemporânea ama a
Donzela de Orleáns e a revisita constantemente.

Para começar, muito do que se convencionou dizer sobre Joana está na


fronteira entre o mito, a ficção e a verdade. Colette Beaune, historiadora
francesa e estudiosa da vida de Joana, afirma que há muito tempo não existe
uma verdade oficial em se tratando de Joana d’Arc. Ela é a mulher mais bem
documentada de toda a época medieval. Tornou-se um mito em vida, ao ser
objeto de dois discursos paralelos e contrários: dos armagnacs e dos
borguinhões, aliados dos ingleses, que a transformaram em uma feiticeira
maligna. Portanto, o processo de condenação (1431) reflete as acusações,
enquanto o processo de anulação (1455-6) vale-se do outro lado. O culto a
guerreira serviu como ferramenta para desconstrução da idade média e
conteúdo para a criação da saga do herói no imaginário iluminista.

Joana não era “pastora”, mas sim filha de camponeses abastados. A


alcunha de pastora tinha, antes de tudo, uma dimensão espiritual e simbólica.
Joana foi acolhida na Corte do Delfim por uma razão muito simples: ela era
uma profetiza, dentre muitas outras surgidas na época. Os reis de França, tal
como os reis do Antigo Testamento, tinham por hábito acolher os mensageiros
de Deus. A novidade apresentada por Joana foi justamente sua vontade, por
fim satisfeita, de seguir até o campo de batalha, aos 17 anos, buscou o chefe
militar de sua região, Robert Baudricourt, pedindo para ser levada à presença
do Delfim Carlos, que se tornaria Carlos VII. Ele seria o ocupante do trono
francês, mas fora afastado da linha sucessória pelo tratado de Troyes.
Acompanhada de pequena comitiva, Joana chega à presença de Carlos, revela
sua missão e é autorizada a liderar forças militares até Orleáns, que se
encontrava sitiada pelos ingleses. Joana liberta Orleáns e tem outras vitórias
militares. Carlos é coroado triunfalmente em Reims, em 1429, na presença de
Joana. Ela segue em campanhas militares, até ser capturada pelos
borguinhões no ano seguinte e ser levada para os ingleses, os quais, por sua
vez, a entregam à Inquisição. Após longo julgamento, é condenada à morte na
fogueira.

Joana d’Arc hoje é santa, canonizada pela igreja católica em 1910 e


objeto de culto e devoção, não apenas na França, mas também em outros
lugares do mundo. Parte da hipocrisia cultuada pela igreja na idade média a
mesma que condenou a fogueira é responsável por sua canonização o
principal objetivo de criar heróis na sofrida e mórbida idade das trevas, a ideia
de uma “Idade Média racialmente pura branca” foi utilizada para fins políticos
por extremistas de direita durante os séculos XX e XXI. Mas não são apenas
extremistas que acreditam nessa ideia. Há evidências que apontam que muitas
(talvez a maior parte das) pessoas constroem suas ideias sobre a Idade Média
da cultura popular, e não da escola ou de livros escritos por acadêmicos – e as
imaginações recriadas pela cultura popular sobre a Idade Média europeia
apresentam quase exclusivamente personagens que são branco(a)s. Mesmo
em versões fantasiosas do passado como Game of Thrones ou a série de
videogame Dragon Age, a ideia que não existia nenhuma pessoa não-branca
na Europa durante a Idade Média é utilizada para justificar uma falta de
diversidade nas representações.

Para finalizar podemos buscar semelhanças da idade média com


a direita no Brasil, principalmente a igreja e o atributo da fé como aplicado com
Joana cominando na sua morte. O Brasil passa a se identificar com a sua dita
“origem portuguesa”, proclamando a sua natureza judaico-cristã como principal
pilar da sua cultura. Fortalecendo os projetos conservadores medievais ao
retratar a idade média como o verdadeiro passado da nação, a extrema-direita
branqueia a sua própria história e a crueldade da sua prática política daí a
necessidade de heróis e heroínas para dirimir essas histórias na sociedade
com o objetivo claro de doutrinação e falseamento da realidade assim
aconteceu com Joana D’arc e se repete no dia a dia da política brasileira
REFERÊNCIAS

LE GOFF, Jacques, and Jean-Claude SCHMITT. “Dicionário analítico do


ocidente medieval.” São Paulo: Editora Unesp, 2017.
YOUNG, Helen. De onde vem a “Idade Média Branca”?. The Public
Medievalist, http://www.publicmedievalist.com/white-middle-ages-come, p. (1-
8), março, 2017.
PACHÁ, Paulo. Por que a extrema direita ama a Idade Média europeia.
https://www.viomundo.com.br/politica/paulo-pacha-por-que-a-extrema-direita-
brasileira-ama-a-idade-media-europeia.html, p.(1-3), abril, 2019.

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