franceses, está em um momento decisivo. Condenada por heresia e feitiçaria, uma menina de apenas dezenove anos, arde viva em uma fogueira. Vinte e cinco anos depois, a Igreja Católica reabre o processo e todas as acusações contra ela são retiradas. Séculos mais tarde, em 1910, a menina queimada viva torna-se santa, canonizada pela mesma Igreja e, ainda mais: torna-se padroeira da França. A trajetória de vida de Joana d’Arc é tão fascinante quanto a trajetória do mito em que ela foi convertida após a sua morte. Devido a isso, mais do que biografias, temos incontáveis obras ficcionais sobre ela: romances, peças teatrais, games, filmes. A cultura contemporânea ama a Donzela de Orleáns e a revisita constantemente.
Para começar, muito do que se convencionou dizer sobre Joana está na
fronteira entre o mito, a ficção e a verdade. Colette Beaune, historiadora francesa e estudiosa da vida de Joana, afirma que há muito tempo não existe uma verdade oficial em se tratando de Joana d’Arc. Ela é a mulher mais bem documentada de toda a época medieval. Tornou-se um mito em vida, ao ser objeto de dois discursos paralelos e contrários: dos armagnacs e dos borguinhões, aliados dos ingleses, que a transformaram em uma feiticeira maligna. Portanto, o processo de condenação (1431) reflete as acusações, enquanto o processo de anulação (1455-6) vale-se do outro lado. O culto a guerreira serviu como ferramenta para desconstrução da idade média e conteúdo para a criação da saga do herói no imaginário iluminista.
Joana não era “pastora”, mas sim filha de camponeses abastados. A
alcunha de pastora tinha, antes de tudo, uma dimensão espiritual e simbólica. Joana foi acolhida na Corte do Delfim por uma razão muito simples: ela era uma profetiza, dentre muitas outras surgidas na época. Os reis de França, tal como os reis do Antigo Testamento, tinham por hábito acolher os mensageiros de Deus. A novidade apresentada por Joana foi justamente sua vontade, por fim satisfeita, de seguir até o campo de batalha, aos 17 anos, buscou o chefe militar de sua região, Robert Baudricourt, pedindo para ser levada à presença do Delfim Carlos, que se tornaria Carlos VII. Ele seria o ocupante do trono francês, mas fora afastado da linha sucessória pelo tratado de Troyes. Acompanhada de pequena comitiva, Joana chega à presença de Carlos, revela sua missão e é autorizada a liderar forças militares até Orleáns, que se encontrava sitiada pelos ingleses. Joana liberta Orleáns e tem outras vitórias militares. Carlos é coroado triunfalmente em Reims, em 1429, na presença de Joana. Ela segue em campanhas militares, até ser capturada pelos borguinhões no ano seguinte e ser levada para os ingleses, os quais, por sua vez, a entregam à Inquisição. Após longo julgamento, é condenada à morte na fogueira.
Joana d’Arc hoje é santa, canonizada pela igreja católica em 1910 e
objeto de culto e devoção, não apenas na França, mas também em outros lugares do mundo. Parte da hipocrisia cultuada pela igreja na idade média a mesma que condenou a fogueira é responsável por sua canonização o principal objetivo de criar heróis na sofrida e mórbida idade das trevas, a ideia de uma “Idade Média racialmente pura branca” foi utilizada para fins políticos por extremistas de direita durante os séculos XX e XXI. Mas não são apenas extremistas que acreditam nessa ideia. Há evidências que apontam que muitas (talvez a maior parte das) pessoas constroem suas ideias sobre a Idade Média da cultura popular, e não da escola ou de livros escritos por acadêmicos – e as imaginações recriadas pela cultura popular sobre a Idade Média europeia apresentam quase exclusivamente personagens que são branco(a)s. Mesmo em versões fantasiosas do passado como Game of Thrones ou a série de videogame Dragon Age, a ideia que não existia nenhuma pessoa não-branca na Europa durante a Idade Média é utilizada para justificar uma falta de diversidade nas representações.
Para finalizar podemos buscar semelhanças da idade média com
a direita no Brasil, principalmente a igreja e o atributo da fé como aplicado com Joana cominando na sua morte. O Brasil passa a se identificar com a sua dita “origem portuguesa”, proclamando a sua natureza judaico-cristã como principal pilar da sua cultura. Fortalecendo os projetos conservadores medievais ao retratar a idade média como o verdadeiro passado da nação, a extrema-direita branqueia a sua própria história e a crueldade da sua prática política daí a necessidade de heróis e heroínas para dirimir essas histórias na sociedade com o objetivo claro de doutrinação e falseamento da realidade assim aconteceu com Joana D’arc e se repete no dia a dia da política brasileira REFERÊNCIAS
LE GOFF, Jacques, and Jean-Claude SCHMITT. “Dicionário analítico do
ocidente medieval.” São Paulo: Editora Unesp, 2017. YOUNG, Helen. De onde vem a “Idade Média Branca”?. The Public Medievalist, http://www.publicmedievalist.com/white-middle-ages-come, p. (1- 8), março, 2017. PACHÁ, Paulo. Por que a extrema direita ama a Idade Média europeia. https://www.viomundo.com.br/politica/paulo-pacha-por-que-a-extrema-direita- brasileira-ama-a-idade-media-europeia.html, p.(1-3), abril, 2019.