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“Todas as grandes obras foram criadas no deserto, inclusive a Redenção.


Gomes Leal (1848-1921)

NO CALVÁRIO

Maria, com seus olhos magoados,


céus espirituais, lavava em pranto
as largas chagas de Jesus, enquanto
ria ao pé um dos três Crucificados.

Semblantes de mulher mortificados


escondiam a dor no casto manto.
Uma mulher de Henon chorava a um canto.
Jogavam sobre a túnica os soldados.

Marta, os pingos de sangue, alva açucena,


dir-se-ia no bom seio recolhê-los.
alguns riam, brutais, daquela pena.

Salomé tinha um mar nos olhos belos.


João fitava a Cruz – Mas Madalena
limpava a Cristo os pés com seus cabelos.

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O ROUXINOL DO CALVÁRIO

Na noite que passou


o Cristo, no Calvário,
um rouxinol cantou
sobre a Cruz, solitário.

Os trigueiros soldados,
e os lírios de Salém,
perguntavam pasmados :
— Que voz canta tão bem ?

Como sentindo os males


das suas próprias penas,
vergavam-se nos cálix,
chorando, as açucenas.

Choravam os caminhos,
os dados, os cilícios,
a grinalda de espinhos,
e a esponja dos suplícios.

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Choravam os sem luz,
e os rijos peitos bravos.
Começavam na cruz
a vacilar os cravos.

Pelo tranquilo espaço,


paravam as estrelas,
e o vagaroso passo
as mudas sentinelas.

Os peitos desumanos
ressentiam mudanças.
Deixavam os romanos
escorregar as lanças.

Assim cantou… cantou…


lembrando o Amor, o Céu.
Quando Jesus morreu,
do lenho, enfim, voou ! …

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TREVAS

Rasgou se o véu do Templo de alto a baixo,


Cortou o vento o ar como um açoite.
Rugiram os leões, e o eterno facho
do dia se eclipsou. — E fez-se a Noite.

Fenderam-se os rochedos, com ruídos.


Um singular terror gelou os ossos
dos legionários trágicos, vencidos
da confusão, do espanto, e dos destroços.

O morto surge e mais o seu sudário,


trazendo o assombro do final segredo.
O povo da Judeia do santuário
foi-se esconder na treva — e teve medo.

As violetas murcharam sobre a haste.


E uma voz singular, lúgubre, estranha,
soluçou pela trágica montanha :
— «Meu Pai! Meu Pai ! por que me abandonaste?»

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O ÚLTIMO GOLPE DE LANÇA

Quando ele enfim morrendo, ele, o cordeiro,


rola mansa no ar calado e imundo,
pendeu, bem como um lírio moribundo,
sobre a haste do trágico madeiro…

quando, lançando o espírito profundo,


ao reino belo, grande, verdadeiro.
caiu enfim chagado, justiceiro,
ainda, ainda perdoando ao mundo …

um soldado romano vendo-o exposto,


e já morto na Cruz, lívido o rosto,
com um golpe de lança o trespassou.

Saiu daquela chaga sangue e água:


— Sangue que inda quis dar a tanta mágoa.
— Água de pranto ainda que chorou.

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A TENTAÇÃO DO DESERTO

Num deserto misterioso,


orando, Jesus, em paz
foi num rochedo anguloso
tentado por Satanás

Quarenta dias orava,


dos jejuns sofrendo o açoite.
No abismo as horas contava
Satã, Príncipe da Noite.

Os grandes olhos noturnos


do azul sombrio e calado,
davam clarões taciturnos
ao perfil do Fulminado.

Lia-se em todo o seu rosto


de tristeza sem remédio,
não sei que oculto desgosto,
feito de Desdém e Tédio.

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Sobre a rocha culminante,
cerrou as asas e o olhar,
como um abutre gigante,
que já não sabe voar.

E a Jesus, num riso misto,


feito de Orgulho e Irrisão,
clamou: "Se acaso és o Cristo,
faze destas lajens pão!"

Como risadas contidas,


as notas da voz Estranha
reboaram repetidas
pela sinistra montanha.

Mas Cristo, olhando o infinito,


onde mil astros se somem,
tornou: "Satã, está escrito:
- Nem só de pão vive o Homem!"

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Então Satã, sobre o cume
mais alto, escuro, profundo,
mostrou-lhe quanto resume
vãs pompas, reinos do mundo.

E disse: "Dou-te vaidades,


mirras da Arábia, aloés,
chaves de impérios, cidades,
se me caíres aos pés!"

Mas Cristo, olhando o infinito


de estrelas, cheio de paz,
tornou: "Satã, está escrito:
- Só teu Deus adorarás!"

Então levando o Rabi


do templo sobre as alturas:
- "Se és Cristo, cai do alto ali
sobre aquelas lajens duras.

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Porque, se rolares do alto
do templo de Salomão,
não deves ter sobressalto
os Anjos te ampararão!"

Mas Cristo, olhando o infinito,


e depois a Satanás
tornou: "Satã, está escrito:
- Teu Senhor não tentarás!"

Então, insultando a larga


esfera do azul sem fim,
com uma risada amarga,
caiu o Maldito enfim.

Mas, ao tombar, com rir fero,


e palavras chocarreiras:
- "Adeus, Rabi!... Lá te espero
- no jardim das Oliveiras!"

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Gregório de Matos Guerra (1636-1696)

SONETO A JESUS CRISTO NOSSO SENHOR CRUCIFICADO

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,


Da vossa alta piedade me despido;
Antes, quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,


A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida já cobrada,


Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na Sacra História:

Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada,


Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.

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A NOSSO SENHOR JESUS CRISTO
COM ATOS DE ARREPENDIDO E SUSPIROS DE AMOR

Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade,


É verdade, meu Deus, que hei delinquido,
Delinquido vos tenho, e ofendido,
Ofendido vos tem minha maldade.

Maldade, que encaminha à vaidade,


Vaidade, que todo me há vencido;
Vencido quero ver-me, e arrependido,
Arrependido a tanta enormidade.

Arrependido estou de coração,


De coração vos busco, dai-me os braços,
Abraços, que me rendem vossa luz.

Luz, que claro me mostra a salvação,


A salvação pretendo em tais abraços,
Misericórdia, Amor, Jesus, Jesus

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@judepaulapolo
BUSCANDO A CRISTO

A vós correndo vou, braços sagrados,


Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados


De tanto sangue e lágrimas cobertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não deixar-me,


A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, pra chamar-me.

A vós, lado patente, quero unir-me,


A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

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Luís Vaz de Camões (1524-1580)

À PAIXÃO DE CRISTO NOSSO SENHOR

Se quando contemplamos as secretas


causas, por que o mundo se sustenta,
o revolver dos céus e dos planetas;

e se quando a memória se apresenta


este curso do sol, que é tão medido
que um ponto só não mingua nem se aumenta;

aquele efeito, tarde conhecido,


da lua, em ser mudável tão constante
que minguar e crescer é seu partido;

aquela natureza tão possante


dos céus, que tão conformes e contrários
caminham, sem parar um breve instante;

aqueles movimentos ordinários,


a que responde o tempo, que não mente,
cos efeitos da terra necessários;

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@judepaulapolo
se quando, enfim, revolve sutilmente
tantas cousas a leve fantasia,
sagaz, escrutadora e diligente;

vê bem, se da razão só não desvia,


o altíssimo Ser, puro e divino,
que tudo pode, manda, move e cria;

sem fim e sem começo, um ser contino;


um Padre grande, a quem tudo é possível,
por mais árduo que seja ao homem indino;

um saber infinito, incompreensível;


üa verdade que nas cousas anda,
que mora no visível e invisível.

Esta potência, enfim, que tudo manda,


esta causa das causas, revestida
foi desta nossa carne miseranda.

Do amor e da justiça compelida,


polos erros da gente, em mãos da gente
– como se Deus não fosse – perde a vida.

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@judepaulapolo
o cristão descuidado e negligente,
pondera isto que digo, repousado;
não passes por aqui tão levemente.

Não, que aquele Deus alto incriado,


Senhor das cousas todas, que fundou
o céu, a terra, o fogo e o mar irado,

não do confuso caos, como cuidou


a falsa teologia e povo escuro,
que nesta só verdade tanto errou;

não dos átomos falsos de Epicuro;


não do largo oceano, como Tales,
mas só do pensamento casto e puro.

Olha, animal humano, quanto vales,


que por ti este grande Deus padece
novo modo de morte, novos males.

Olha que o sol no Olimpo se escurece,


não por oposição doutro planeta,
mas só porque virtude lhe falece.

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@judepaulapolo
Não vês que a grande máquina inquieta
do mundo se desfaz toda em tristeza,
e não por natural causa secreta?

Não vês como se perde a natureza;


o ar se turba; o mar, batendo, geme,
desfazendo das pedras a dureza?

Não vês que os montes caem, a terra treme


e que, até na remota e grande Atenas
o sábio Dionísio sente e teme?

Ó sumo Deus, tu mesmo te condenas,


polo mal em que eu só sou tão culpado,
a tamanhas afrontas, tantas penas!

Por mim, Senhor, no mundo reputado


por falso e por quebrantador da lei,
a fama a ti se põe de meu pecado.

eu, Senhor, sou ladrão; tu, sumo Rei;


eu, só, furtei; tu, com ladrões padeces;
a pena a ti se dá do que eu pequei.

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@judepaulapolo
Eu, servo sem valor; tu, sumo preço,
em preço vil te pões, por me tirares
do cativeiro eterno, que mereço.

Eu, por perder-te; e tu, por me ganhares,


te dás aos homens baixos, que te vendem,
só para os homens presos resgatares.

A ti, que as almas soltas, a ti prendem;


a ti, sumo Juiz, ante juízes
te acusam, polo error dos que te ofendem.

Chamam-te malfeitor, não contradizes;


sendo tu dos profetas a certeza,
dizem que quem te fere profetizes.

Riem-se de ti; tu choras a crueza


que sobre eles virá. A gente dura,
por quem tu vens ao mundo, te despreza.

O teu rosto, de cuja fermosura


se veste o céu e o sol resplandecente,
diante de quem muda está a Natura,

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@judepaulapolo
com cruas bofetadas da vil gente,
de precioso sangue está banhado
cuspido, arrepelado cruelmente.

Aquele corpo tenro e delicado,


sobre todos os santos sacrossanto,
de açoutes rigorosos flagelado;

depois coberto mal de um pobre manto,


que se pegava às carnes magoadas,
para dobrar-lhe as dores outro tanto.

Magoavam-no as chagas não curadas,


um tormento causando-lhe, excessivo,
ao despir pelas mãos cruéis e iradas.

As santíssimas barbas de Deus vivo,


de resplandor ornadas, lhe arrancavam,
para desempenhar Adão cativo.

Com cordas pelas ruas o levavam,


levando sobre os ombros o troféu
das vitórias que as almas alcançavam.

Produzido por JULIANA DE PAULA POLO 18


@judepaulapolo
e tu que passas, homem cireneu,
ajuda um pouco este Homem verdadeiro,
que agora como humano enfraqueceu!

Olha que o corpo, aflito do marteiro


e dos longos jejuns debilitado,
não pode já co peso do madeiro.

Oh! Não enfraqueçais, Deus encarnado!


Essas quedas, que tanto vos magoam,
suportai, Cavaleiro sublimado!

Que aquelas altas vozes que lá soam,


dos padres são que estão no Limbo escuro,
que já de louro e palma vos coroam.

Todos vos bradam que subais ao muro


da cidade infernal, e que arvoreis
em cima essa bandeira mui seguro.

Oh Santos Padres, não vos apresseis,


que muito mais a Deus que a vós custaram
essas duras prisões em que jazeis!

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@judepaulapolo
Aquelas mãos, que o mundo edificaram,
aqueles pés, que pisam as estrelas,
com duríssimos pregos se encravaram.

Mas qual será a pessoa, que as querelas


da angustiada Virgem contemplasse,
que não se mova a dor e a mágoa delas,

e que dos olhos seus não estilasse


tanta cópia de lágrimas ardentes
que carreiras no rosto assinalasse?

Oh! Quem lhe vira os olhos refulgentes


desfazendo-se em lágrimas, regando
aquelas belas faces excelentes!

Quem a vira cos gritos ir tocando


as estrelas, a quem responde o Céu,
cos acentos dos Anjos retumbando!

Quem vira quando o claro rosto ergueu


a ver o Filho, que na Cruz pendia,
donde a nossa saúde descendeu!

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@judepaulapolo
Que mágoas tão chorosas que diria!
Que palavras tão míseras e tristes
para o Céu, para a gente espalharia!

Pois que seria, Virgem, quando vistes


com fel nojoso e com vinagre amaro
matar a sede ao Filho que paristes?

Não era este o licor suave e claro


que, para o confortar, então daríeis
a quem vos era, mais que a vida, caro.

Como, Virgem Senhora, não corríeis


a dar tetas puras ao Cordeiro
que padecer na Cruz com sede víeis?

Não só era esse, Senhora, o verdadeiro


poto, que vosso Filho desejava,
morrendo polo mundo num madeiro;

mas era a salvação, que ali ganhava


para o mísero Adão, que ali bebia
na fonte, que do peito lhe manava.

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Pois, ó pura e Santíssima Maria,
que enfim sentistes esta mágoa, quanto
a gravidade dela o requeria;

dessa Fonte sagrada e peito santo


me alcançai üa gota, com que lave
a culpa, que me agrava e pesa tanto.

Do licor salutífero e suave


me abrangei, com que mate a sede dura
deste mundo tão cego, torpe e grave.

Assi, Senhora, toda a criatura


que vive e viverá, que não conhece
a Lei do vosso Filho, santa e pura;

o falsíssimo herege, que carece


da graça, e com danado e falso esprito
perturba a Santa Igreja, que florece;

o povo pertinaz, no antigo rito,


que só o desterro seu, que tanto dura,
lhe diz que é pena igual ao seu delito;

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@judepaulapolo
o torpe Ismaelita, que mistura
as leis, e com preceitos viciosos
na terra estende a seita falsa, impura;

os idólatras maus, supersticiosos,


vários de opiniões e de costume,
levados de conceitos fabulosos;

as mais remotas gentes, onde o lume


da nossa fé não chega, nem que tenham
religião algüa se presume;

assi todos, enfim, Senhora, venham


confessar um só Deus crucificado,
e por nenhum respeito se detenham.

Mas de todos o vício já passado,


o Seu nome co vosso, neste dia,
seja por todo mundo celebrado;
e respondam os Céus: JESUS, MARIA.

Produzido por JULIANA DE PAULA POLO 23


@judepaulapolo

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