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PUC Campinas – Faculdade de Teologia


Disciplina: Teologia Espiritual
Profa. Ceci M. C. Baptista Mariani
Subsídio para uso exclusivo em sala de aula

ESPIRITUALIDADE NA CONTEMPORANEIDADE

A modernidade, ao trazer uma maior sensibilidade para a importância da histórica, impactou a


espiritualidade. No âmbito do cristianismo, afirma o teólogo J.B. Metz, uma nova aproximação da Bíblia
orientada pelo método histórico-crítico faz ver a face histórica do Cristo da Fé, o Jesus de Nazaré cujo olhar
messiânico não se destina aos pecados dos outros, mas aos seus sofrimentos.

Essa sensibilidade messiânica ao sofrimento não tem nada a ver com plangência, com um culto tristonho
ao sofrimento, mas tem tudo a ver com uma mística bíblica da justiça: paixão por Deus como empatia
pelo sofrimento alheio, como mística prática da compaixão. (METZ, 2013, p.19)

A compaixão, enquanto percepção participativa do sofrimento alheio exige a disposição a uma


mudança de visão, a disposição para olharmos e avaliarmos com os olhos dos sofredores e ameaçados. Essa
mudança de visão provoca o descentramento. Ao nos deixarmos interromper pelos sofrimentos dos outros,
temos nossos desejos e interesses preferencias relativizados. A mística bíblica não supõe, entretanto, a
dissolução do eu. Na verdade, afirma Metz,

sua meta é um crescimento cada vez mais profundo rumo a uma “aliança” entre Deus e o homem, na
qual [...] o eu das pessoas não é misticamente anulado, mas apaixonadamente solicitado, ou seja, exigido
numa mística de “compassio”, a compaixão de Deus, experimentada e comprovada como compaixão.
(METZ, 2013, p.68)

Para Metz, uma revolução antropológica se opera por essa interrupção. Uma força de oposição que
capacita para a interrupção dos contextos terrenos da violência é o que define, para esse teólogo, o espírito
pentecostal: graça de Deus que ensina “aos corações a arte de parar e dar meia volta, quando o “Adão” natural
tenta sempre prosseguir”. Espírito e graça expressam-se como força de oposição quando a opressão geral das
reproduções sociais exige que tudo continue da maneira como está (METZ, 2013, p.139).
Essa nova sensibilidade faz ver que a experiência do mistério de Deus revelado em Jesus acontece
quando se tem os olhos abertos para os sofredores desse mundo, obedecendo sua autoridade. A “mística de
olhos abertos”, como a denomina Metz, sendo uma mística da compaixão, não se restringe a uma tradição
religiosa, mas tem um sentido universal, pois, depois do processo de secularização e da emergência do
pluralismo religioso, a autoridade das vítimas é a que deve valer para todos (METZ, 2013, p.71).
A mensagem bíblica dirigida a todos não é em primeiro lugar um conjunto de leis e doutrinas, mas é
um convite à observância daquele que é o principal mandamento bíblico, o amor a Deus e ao próximo,
entendidos como uma unidade indissolúvel. Na mensagem de Jesus, o amor ao próximo não está ao lado, mas
faz parte do amor a Deus (METZ, 2013, p.93).
Inclui-se também nessa experiência espiritual mística o “escândalo do amor ao inimigo” que implica
a eliminação da base de ódio e violência da vida política (METZ, 2013, p.84).

Num sentido corretamente interpretado, a espiritualidade cristã é uma espiritualidade basicamente


política, e a mística cristã é uma mística política, não mística do poder político e da dominação política,
mas antes de tudo, simplesmente e basicamente uma mística de olhos abertos. Jesus nos ensinou uma
espécie de mística da percepção, em que se poderia enxergar mais (de forma oportuna e inoportuna)
tornando visíveis os sofredores invisíveis e encorajando a prática da compaixão como uma mística da
justiça de Deus. (METZ, 2013, p.85)

A mística de olhos abertos é, portanto, uma mística inspirada na justiça de Deus que desce e se coloca
ao lado do sofredor para salvar o mundo pelo poder da compaixão, solidariedade e comunhão.

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