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PUC Campinas – Faculdade de Teologia

Disciplina: Teologia Espiritual


Profa. Ceci M. C. Baptista Mariani
Subsídio para uso exclusivo em sala de aula

A ESPIRITUALIDADE CRISTÃ NA HISTÓRIA

Diferentemente da ciência e da cultura, a espiritualidade cristã evolui na história em continuidade com a tradição.
Bernard McGinn (2012) vai distinguir três grandes tradições espirituais:

1. A primeira tem como referência o monaquismo a partir do século IV

O mais decisivo dos fatores na formação grego-cristã da mística ocidental não foram as contendas do século
II, nem mesmo a impressionante teologia mística de Orígenes no século III, mas a criação e o triunfo do
monaquismo no século IV. (MCGINN, 2012, p.199)

2. A segunda tradição começa em 1200

(...) uma nova vaga de devoção, evidente nos movimentos mendicantes e nas beguinarias, alimentou-se desse
primeiro componente “monástico”, mas também o desafiou de modo importante, não apenas através da
variedade de suas instituições, mas especialmente através de seu acento na possibilidade de atingir a perfeição
mística em todas as esferas da vida, como Mestre Eckhart (um de seus grandes expoentes) e outros insistiram.
Esse novo estágio na história da mística cristã (...) conheceu um desenvolvimento considerável até o fim do
século XVI (MCGINN, 2012, p.199-200).

3. A terceira tradição começou no século XVII e vem até a atualidade

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O monaquismo teve papel decisivo no momento mais primitivo da mística ocidental:

O monaquismo praticamente sozinho forneceu o contexto dentro do qual alguns cristãos deveriam cultivar o
conhecimento da Escritura e a vida de penitência e prece que preparavam o crente para formas mais especiais
de contato imediato com Deus nesta vida. Monges e Monjas passaram a ser vistos como cristãos ideais, os
virtuosi religiosos que combinavam o autodomínio ascético e o conhecimento necessário para chegar a Deus.
(MCGINN, 2012, p.200)

A evolução da gradual de formas reconhecidas de vida ascética no século III foi a matriz histórica de onde o
monaquismo surgiu. Vários tipos de formas livres de ascetismo estavam difundidos no cristianismo nessa época.
(p.201-202)

No último quarto do século III, alguns desses ascetas já tinham dado início à prática da anachoresis, ou
afastamento da sociedade rumo ao deserto, uma separação que envolvia tanto uma mudança geográfica de
natureza significativa quanto um novo tipo de exploração da geografia interna da alma. (MCGINN, 2012, p.202)

(...) O mártir, o ideal cristão dos três primeiros séculos, testemunhou a natureza demoníaca da sociedade pela
dramática confissão de Cristo no contexto público do tribunal e da arena; o monge, que se tornou o sucessor
do mártir no novo império cristão do século IV, se sobrepôs ao mártir, rompendo com a sociedade humana
para chegar à perfeição autárquica e ao controle completo sobre os demônios através de “um rito de
dissociação bastante elaborado e solene – de se tornar um estranho total”. (MCGINN, 2012, 202-203)
Antão, o pai dos monges:

Antão, segundo Atanásio (357), teria sido um jovem órfão camponês de relativa abundância material convertido pelo
contato com a mensagem evangélica sobre a pobreza material (Mt, 19,21), que se retirou para, no isolamento e sob a
tutela de um anacoreta, libertar-se das tentações. Depois de uma primeira experiência de vitória contra as forças do
mal, retirou-se para um forte abandonado no deserto onde passou vinte anos em guerra contra o Inimigo. Depois
desse tempo, por intervenção dos amigos que arrombaram a porta do forte, saiu transformado. O tempo de
isolamento deu a ele o domínio sobre si mesmo, sobre o mundo, e especialmente contra os demônios:

Através dele, o Senhor curou muitos dos presentes que sofriam de males físicos; outros ele purgou de
demônios, e a Antão ele deu o dom da fala. Assim, ele consolou muitos que pranteavam, e outros, hostis uns
aos outros, ele reconciliou na amizade, estimulando todos a não preferir nada no mundo ao amor de Cristo.
[...] Ele persuadiu muitos a se entregar à vida solitária. E assim, a partir de então, havia monastérios naS
montanhas, e o deserto tronou-se cidade graças aos monges, que deixaram sua própria gente e se registraram
para a cidadania nos céus (Vida 14, apud Gregg, p.42-43). (apud MCGINN, 2012, p.204).

O MAIOR DOM DE ANTÃO SERÁ O DO


DISCERNIMENTO DOS ESPÍRITOS

O deserto, tradicionalmente o lar dos demônios e não dos humanos, era o lugar onde o encontro com os
espíritos do mal – demônios da luxúria, da gula, da posse e similares – poderia ser mais prontamente
encontrado e dominado através da paciente penitência na cela. (MCGINN, 2012, p.206)

O ASCETISMO NÃO É UM FIM EM SI MESMO,


MAS UM MEIO PARA A TRANFORMAÇÃO

Além das formas solitárias, o monaquismo também assumiu a forma cenobítica, com ênfase na harmonia da koinonia,
a comunidade dos irmãos. Pacômio pode ser considerado o pai dessa forma de monaquismo.

O monaquismo tem um potencial questionador:

O papel de Atanásio na disseminação da fama de Antão, assim como o elogio dado por ele no Logion
pacomiano, levanta a importante questão da relação entre o novo fenômeno do monaquismo e a estrutura
estabelecida e hierarquia da Igreja. Não pode haver dúvidas de que o monaquismo foi originalmente um
fenômeno muito mais estranho e ameaçador do que parece agora, através da tela das nossas um tanto
tendenciosas fontes. Jean Leclerq e outros já falaram com acerto do “monaquismo selvagem”, do monaquismo
como fenômeno contrassocial, que foi contra os valores do mundo civilizado da Antiguidade tardia e estava,
indubitavelmente, em maior tensão com as estruturas eclesiásticas do que comumente imaginamos. (...)
Embora o monaquismo tenha sido organizado rapidamente e até rotinizado a serviço da Igreja imperial, a
função marginal e crítica do monaquismo continuou a marca-lo através da história. O monaquismo vive em
uma tensão criativa entre o carisma e a legislação, entre a crítica e o apoio tanto da sociedade quanto da
Igreja. (MCGINN, 2012, p.209)

McGinn menciona três grandes escritores místicos com ligação com o monaquismo: Gregório de Nissa, Macário e
Evágrio Pôntico.

Referência:

MCGINN, Bernard. As fundações da mística: das origens ao século V, Tomo I. São Paulo: Paulus, 2012.

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