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No âmbito das políticas públicas brasileiras está o reflexo da falta de atenção com os
arquivos pessoais, o que resulta de um “atraso” relativo às questões arquivísticas, históricas,
patrimoniais, enfim, culturais como um todo, a exemplo da real morosidade com a legislação
específica para arquivos:
No Brasil, o acesso às informações de arquivo sempre foi uma questão
complicada [...] só terá de fato respaldo legal no Brasil com a Constituição de
1988 [...] e, posteriormente, com a Lei de Arquivos, sancionada em janeiro de
1991, 153 anos após a criação do Arquivo Nacional. Na prática, contudo, as
soluções não são imediatas. (COSTA, 1998, p. 195-6)
A trajetória do Arquivo Nacional, descrita por Adriana Hollós (2010), reflete bem as
dificuldades enfrentadas no Brasil em relação a preservação documental. A criação do Conselho
Nacional de Arquivos (Conarq/ 1991) foi um avanço nesse sentido, no entanto, os problemas
concernentes aos arquivos pessoais foram pouco dirimidos. Nesse sentido, Célia Costa também
reflete sobre o binômio público/privado, uma questão que perpassa a Constituição em vigor.
Segundo ela:
A Lei de Arquivos brasileira instituiu, no seu capítulo III, a figura jurídica da
classificação de arquivos privados como de interesse público e social [...]. A
intervenção do Estado decorrente do ato c1assificatório não elimina os direitos
de propriedade que o titular do arquivo ou seus herdeiros possuem sobre os
documentos [...]. Tal dispositivo implica, sobretudo, a obrigatoriedade da
parte do proprietário ou detentor do arquivo de preservar os documentos
considerados relevantes para a história do país [...]. Por outro lado, a
classificação pelo poder público de um arquivo privado como de interesse
público e social não assegura o acesso a esse arquivo. A rigor, por se tratar de
um bem privado, a liberação à consulta pública desses documentos é da
competência exclusiva de seus proprietários. (COSTA, 1998, p. 196-7)
Ainda no intuito de amenizar esses dilemas, em 2003 foi instalada a Câmara Setorial
sobre Arquivos Privados do Conarq, criada com o objetivo de “identificar problemas e sugerir
ações voltadas para esse segmento específico” (HEYMANN, 2005, p. 06). Mas, como alcançar
e divulgar importantes arquivos pessoais de diferentes regiões do Brasil? Como definir, no
contexto atual, os critérios de relevância e interesse público e social para preservação destes
arquivos? Como garantir que arquivos pessoais ligados às “minorias” também sejam
preservados?
Embora alguns questionamentos apontem para o fato de serem atuais e restritas as
iniciativas voltadas para os arquivos pessoais no Brasil, não se deve desconsiderar o esforço de
diversos profissionais dedicados a refletir e direcionar caminhos para um trabalho qualificado
com os arquivos pessoais. Nesse sentido, destaca-se o trabalho de Lúcia Maria de Oliveira
(2012) como uma importante contribuição sobre o tema. Esta autora defende incisivamente que
o trabalho arquivístico resulta em produção de conhecimento e a descrição arquivística é uma
função de pesquisa, por isso, deve ser realizado não de forma mecânica, mas reflexiva,
especialmente porque estes arquivos são, cada vez mais, ricas fontes de pesquisa que interessam
aos mais diferentes usuários.
Em 1835, dois anos após a instalação deste oratório, foi feito outro pedido, dessa vez de
renovação da autorização por parte do Arcebispado da Bahia, para que o objeto de devoção
permanecesse na residência da família. Relatos orais de familiares indicam a permanência desse
oratório naquela residência ainda na segunda metade do século XX, quando, no processo de
partilha, muitos herdeiros se desfizeram desse e de outros móveis raros, vendendo-os a
antiquários e comerciantes.
Além deste documento, comprovantes de pagamento de impostos para a Receita
Provincial reiteram a posse da casa por parte dos membros dessa família:
Anno financeiro de 1875-1877
Vinte mil reis que pagou o Dr. José Antônio Gomes Netto, proveniente de
[...] sua caza à Rua de São Benedicto.
Anno financeiro de 1892
Nove mil e seis centos reis que pagarão os herdeiros do Barão de Caetité
proveniente do imposto sobre sua caza a Rua 15 de novembro.4
Apesar da indicação de diferentes nomes de rua, é possível afirmar que se trata de uma
cobrança de imposto da mesma residência. Antes da proclamação da República a rua, que hoje
é conhecida como Rua Barão de Caetité, era chamada de Rua de São Benedito, em alusão a
Igreja de São Benedito, datada de 1833, cuja construção também é associada aos antecedentes
do Barão de Caetité. Após o advento da República (1889) essa rua, que já era uma das principais
da cidade e onde residiam políticos influentes da época, passou a se chamar Rua 15 de
Novembro, em homenagem a mudança do regime político, como aconteceu em diversas cidades
do país. No entanto, com a morte de José Antônio Gomes Neto (1890), o nome da rua foi mais
uma vez alterado, passando a se chamar Rua Barão de Caetité, dada a importância política e
social deste sujeito à época.
No arquivo desta família também foi encontrada uma fotografia dessa rua, ainda com o
antigo calçamento de pedras irregulares. Apesar do desgaste do tempo e da imagem
comprometida, é possível visualizar a Casa do Barão e as torres da Igreja de São Benedito.
Figura 02: Rua Barão de Caetité. S. d. Fonte: Arquivo da Família do Barão de Caetité. Dossiê:
Fotografias
O inventário de José Antônio Gomes Neto (1890), o Barão de Caetité, também reitera a
posse da casa e sua avaliação enquanto bem deixado aos herdeiros:
Deu a viúva inventariante a descrever huma casa sita nesta cidade, a rua
quinze de novembro, com uma porta e seis janelas de frente, confrontando
com a casa do finado Vigário Joaquim Pedro Garcia Leal, com mobília e mais
utensílios da mesma existentes, avaliada por quatro contos de reis.5
Quatro anos depois, com a morte da Baronesa, Elvira Benedicta de Albuquerque, a casa
foi dividida entre os cinco herdeiros deste casal (duas filhas e três genros), entre os quais estava
Joaquim Manoel Rodrigues Lima. A documentação familiar indica que foi ele quem
permaneceu residindo na Casa do Barão e, posteriormente, seu filho e nora, Joaquim Manoel
Rodrigues Lima Júnior e Alzira Spínola Teixeira Rodrigues Lima. O atual proprietário, Haroldo
Lima, também diz ter residido na casa juntamente com seus pais, Benjamim Teixeira Rodrigues
Lima (filho de Joaquim Manoel Rodrigues Lima Júnior) e Adelaide Borges Rodrigues Lima.
O arquivo da família e a lógica de acumulação dos documentos encontrados neste
imóvel também sugere que o crescimento familiar, a partir do casamento dos filhos, não
implicou a mudança de residência por parte das novas famílias constituídas, ao contrário,
registra-se que em diferentes momentos a Casa do Barão foi coabitada pelos herdeiros do
imóvel e suas respectivas famílias, o que aconteceu até a segunda metade do século XX.
Em 1881, o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), realizou o
tombamento de diversos imóveis de interesse histórico em Caetité, entre eles a Casa do Barão
que, na época, ainda se encontrava habitada e mobiliada (Tombamento Estadual – Decreto nº
28.398/1981). Essa ação de salvaguarda foi de suma importância para a preservação desta casa
que representa uma parcela significativa da história dos sertões baianos, especialmente da
cidade de Caetité.
Como dito anteriormente, ao longo dos anos o mobiliário da casa foi disperso entre os
familiares, e, mesmo após o tombamento, o imóvel continuou suscetível a disputa de herdeiros.
Essa situação foi amenizada quando o atual proprietário se dispôs a comprar a parte dos demais
herdeiros ficando, assim, como dono majoritário do imóvel. Mas, sem mobília e em estado
delicado de conservação, restaram na casa apenas papéis e livros espalhados em baús e caixas
deterioradas.
Em 2002, através de uma intervenção do IPAC, a coordenação do Arquivo Público
Municipal de Caetité foi informada sobre a existência e a condição de tais documentos. Iniciou-
se, então, um longo trabalho de higienização, identificação e organização prévia de tais
documentos, coordenado inicialmente pelo Profº Paulo Henrique Duque Santos e depois, mais
diretamente, pelo Profº Marcos Profeta Ribeiro, juntamente com equipe de monitores da
UNEB. Posteriormente, Rosália Junqueira Aguiar, atual coordenadora do APMC, também
mediou uma equipe de trabalho para catalogação dos livros que ainda restavam no casarão,
apenas uma parcela remanescente da biblioteca adquirida pela família ao longo dos anos.
Nesse período, tentou-se uma negociação com a família para a implantação do projeto
Casa de Cultura de Caetité, proposto pela Profª Maria de Fátima Novais Pires e pelo Profº Paulo
Henrique Duque Santos, coordenadores do APMC. Entretanto, diante do valor monetário do
imóvel e da falta de recursos para desapropriá-lo, a execução deste projeto ficou inviabilizada.
Sem autonomia para dispensar um cuidado mais eficiente aos documentos e livros higienizados
e previamente organizados, à equipe do APMC não restou alternativas a não ser acondicioná-
los da forma como foi possível, em caixas-arquivo e/ou envoltos em papel neutro, porém, ainda
expostos às condições naturais de deterioração do imóvel: goteira, insetos, poeira, etc.
Figura 03: Condições físicas do imóvel e acondicionamento da documentação. 2011. Autora: Mozana
Dantas
1
Doutoranda em História Social pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Professora do curso de História
da UNEB/ Campus VI. Email: lielvaaguiar@gmail.com
2
O alto sertão da Bahia é uma região de grande relevância histórica, porém, ainda pouco estudada em seus diversos
aspectos. Segundo NEVES (1998:22), a “Região do Alto Sertão da Bahia, é referenciada na posição relativa ao
curso do Rio São Francisco na Bahia e ao relevo baiano, que ali projeta maiores altitudes”. Também é chamada
de “Alto Sertão da Serra Geral, ou simplesmente Sudoeste Bahiano”.
3
Arquivo da Família do Barão de Caetité. Série: José Antônio Gomes Neto. Subsérie: Familiares. Dossiê: José
Antônio Gomes. 1833. [Documento em fase de classificação] – grifos meus.
4
Arquivo da Família do Barão de Caetité. Série: José Antônio Gomes Neto. Subsérie: Finanças. Dossiê: Recibos
de pagamento de impostos. [Documentos em fase de classificação] – grifos meus.
5
APEB. Sessão: Judiciário. ID: José Antônio Gomes Neto (Barão de Caetité). 1890. Notação. 02/722/1187/01 –
grifos meus.
6
Como salientado anteriormente, trata-se de uma documentação de inestimável valor histórico, todavia, o acervo
não é aberto à pesquisa, os proprietários não se dispuseram a doar os documentos para o Arquivo Público local,
nem mesmo permitem o tratamento desta documentação em espaço mais adequado. A digitalização do acervo seria
o meio mais seguro de preservá-lo de modo qualificado, possibilitando a consulta pública.
7
Projeto sumário, escrito para concorrer a editais e angariar recursos para compra de equipamentos técnicos de
digitalização.
8
O arranjo é o “processo de agrupamento dos documentos singulares em unidades significativas e o agrupamento,
em relação significativa, de tais unidades entre si. O arranjo é uma operação ao mesmo tempo intelectual e
material: deve-se organizar os documentos uns em relação aos outros; as séries, umas em relação às outras, os
fundos, uns em relação aos outros; dar número de identificação aos documentos, colocá-los em pastas, caixas ou
latas; ordená-los nas estantes. (BELLOTO, 2006).
9
Conforme Heloísa Belloto (2006, p. 130-1), há princípios básicos a serem observados no processo de organização
de arquivos, entre eles o “princípio da proveniência” que consiste em deixar agrupados, sem misturar a outros, os
arquivos (documentos de qualquer natureza) provenientes de [...] uma pessoa física ou jurídica determinada [...].
Significa, por conseguinte, não mesclar documentos de fundos diferentes; e o “princípio da ‘santidade’” que é o
“respeito à organicidade, isto é, a observância do fluxo natural e orgânico com que foram produzidos [os
documentos].”
REFERÊNCIAS:
BELLOTO, Heloísa Liberalli. Arquivos permanentes: tratamento documental. 2. Rio de
Janeiro: Editora. FGV, 2006.
COSTA, Célia Leite. Intimidade versus interesse público: A problemática dos arquivos. Revista
Estudos Históricos. nº 21, 1998, p. 189-199.
GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, Escrita da História. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
GONTIJO, Rebeca. “Paulo Amigo”: amizade, mecenato e ofício do historiador nas cartas de
Capistrano de Abreu. In: GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, Escrita da História. Rio de
Janeiro: FGV, 2004.
HEYMANN, Luciana. Velhos problemas, novos atores: desafios à preservação dos arquivos
privados. Rio de Janeiro: CPDOC, 2005.
HOLLÓS, Adriana Cox. Fundamentos da Preservação Documental no Brasil. Revista Acervo.
Rio de Janeiro. v. 23, nº 2, p. 13-30, jul/dez. 2010.
OLIVEIRA, Lucia Maria Velloso de. Descrição e pesquisa: reflexões em torno dos arquivos
pessoais. Rio de Janeiro: Móbile, 2012.
RODRIGUES, Georgete M.; LOPES, Ilza L. (Org.). Organização e representação do
conhecimento na perspectiva da Ciência da Informação. Brasília: Thesaurus, 2003.
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deuma disciplina. Rio de Janeiro: Teatral / FAPERJ, 2010.
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Eletrônica Documento Monumento, v. 5, n. 1, p. 146-166, dez. 2011.
TERUYA, Marisa Tayra. A família na historiografia brasileira, bases e perspectivas de análise.
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