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OS POLONESES NO RIO GRANDE DO SUL: NOVAS FONTES

E TEMAS DE PESQUISA

Rhuan Targino Zaleski Trindade1


Regina Weber2

Resumo: A historiografia da imigração polonesa no Rio Grande do Sul tem


potencial para ser ampliada, refletindo o conjunto de imigrantes que ingressaram
no estado desde o século XIX, e o aumento do número de membros deste grupo
étnico nas gerações posteriores. Elementos como falta de bibliografia que aponte
rumos de investigação, e indubitavelmente, a dificuldade com o idioma, são
alguns dos motivos patentes para esta produção, principalmente acadêmica, ainda
em aberto. Nesse contexto, nosso projeto parte da utilização do material
disponível no Núcleo de Pesquisa em História da UFRGS, que conta com o acervo
do engenheiro Edmundo Gardolinski, filho de poloneses, reconhecido como um
dos primeiros estudiosos da temática da imigração polonesa no Rio Grande do
Sul. Este acervo possui um conjunto de fontes ainda pouco explorado, o qual está
em polonês e vem sendo traduzido e catalogado durante o desenvolvimento deste
projeto. Agregando a este acervo outros documentos, orais e escritos, buscamos
novas fontes e propomos novos temas para a escrita da história da imigração
polonesa no Rio Grande do Sul.
Palavras-chave: Imigração Polonesa, Colonização Polonesa, Rio Grande do Sul,
historiografia, acervo privado.

Introdução: o arquivo
O acervo Edmundo Gardolinski, que constitui um fundo de
pesquisa do Núcleo de Pesquisa em História da UFRGS, é um
arquivo que conta com grande parte da documentação pessoal e, se
assim podemos dizer, memorial do seu dono, que empresta seu
nome ao acervo. O engenheiro Edmundo Gardolinski nasceu no
Paraná, em 1914, filho de Mariano e Maria Gardolinski, ambos
imigrantes poloneses. Durante sua trajetória, foi um reconhecido

1
UFRGS.
2
Professora da UFRGS.
engenheiro civil, tendo participado da construção, por exemplo, da
vila operária do IAPI3 em Porto Alegre, bem como de outras obras
importantes nesta cidade. Além disso, foi um reconhecido
memorialista (WENCZENOVICZ, 2011), produzindo trabalhos de
contribuição histórica acerca da imigração polonesa, como, por
exemplo, o livro Escolas da Colonização Polonesa no Rio Grande
do Sul de 1977.
Gardolinski visitou diversas colônias polonesas no estado e
recolheu grande quantidade de material referente a esta etnia, de
modo que tudo isto serviu para compor o arquivo que se encontra no
NPH/UFRGS. Este, portanto, é constituído de documentos de vários
tipos: rascunhos anotados e corrigidos de artigos e discursos do
próprio Gardolinski e de outros autores, correspondência ativas e
passivas, fotos4, prospectos, recortes de jornais e revistas, etc.
Complementando o arquivo, existe parte da biblioteca do titular, que
contém periódicos, livros, e folhetos.
Em se tratando de um acervo privado, retoma-se aqui
algumas discussões sobre este gênero de fontes. O arquivo privado,
entendido amplamente como o conjunto de documentos, qualquer
que seja sua data, sua forma e seu suporte, produzido ou recebido
por pessoa física ou moral, pública ou privada, no curso e para o
exercício de suas atividade (HEYMANN, 2007: 2), é um
instrumento que vem ganhando visibilidade na produção
historiográfica. Segundo Gomes (1998: 122), só a partir da década
de 1970 é que o arquivo passa, na Europa, por uma
descoberta/encontro dos historiadores, de maneira que a autora
aponta uma rotinização do uso dos arquivos privados ou, numa
linguagem mais jornalística, o boom dos arquivos privados. Partindo
destes pressupostos, pensamos o uso destes arquivos como inseridos
na renovação das fontes e objetos da história, acompanhando o

3
A Vila do IAPI é uma área urbana planejada, predominantemente residencial,
que tomou seu nome do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários.
4
Parte delas foram pesquisadas pela historiadora Ivania Valim Susin na sua
dissertação de mestrado i Retratos de arquitetura moderna: acervo
Edmundo Gardolinski (1936-

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florescimento da História Cultural e da micro-história (GOMES,
1998, HEYMANN, 2008), e no bojo da revalorização do indivíduo
(SCHMIDT, 2000, XAVIER, 2000), patente desses novos arranjos
do campo historiográfico.
Tendo em vistas essa perspectiva, devemos atentar para o
fato de que os arquivos privados, assim como qualquer fonte
histórica, devem ser criticados e problematizados pelo historiador,
uma vez que, como aponta Gomes (1998: 125)
Por guardar uma documentação pessoal, produzida com a marca da
personalidade e não destinada explicitamente ao espaço público, ele
revelaria seu produtor de forma verdadeira de
fato o que seria atestado pela espontaneidade e pela intimidade
que marcam boa parte dos registros. A documentação dos arquivos
privados permitiria, finalmente e de forma muito particular, dar vida
à história, enchendo-a de homens e não de nomes, como numa
histoire événementielle.

Este aspecto seria o elemento diferenciador e especifico do


arquivo privado com relação a qualquer outro tipo de fonte, no
entanto, o tratamento, como foi supracitado, é o mesmo.
Os arquivos privados, como o de Edmundo Gardolinski são
fruto de uma série de subjetividades, desde a intervenção do próprio
dono passando pela dos familiares e depois, do arquivista da
instituição que o obtém. Nesse sentido, há uma ressignificação do
acervo como fonte, expondo diferentes assuntos a partir da
organização com a qual ele fora pensado neste vaivém. Sob esta
ótica, o arquivista, por exemplo, se torna um produtor de fontes
(HEYMANN, 2008), na medida em que tem uma ação sobre o
acervo. Nesse ínterim, devemos pensar que poderiam existir outras
formas de organização e outros assuntos a serem colocados em
realce. As teorias da arquivística propõe, geralmente, manter a
organização constituída pelo próprio indivíduo produtor do
arquivo. Este compõe-se não apenas de documentação e livros,
produzidos e recebidos ao longo dos anos pelo titular, mas de
objetos memorialísticos, já que Guardar papéis, fotos, objetos,
enfim, lembranças pessoais ou de um grupo é algo que fazemos na
tentativa de preservar nossa memória e, por essa mesma via, nossa

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própria identidade. (HEYMANN, 2005: 3). Segundo Heymann
(2008:5),
Ao longo da segunda metade do século XX, a ampliação do
universo documental, fruto do processo de explosão das
informações e de seus suportes e, sobretudo, o desenvolvimento de
uma cultura memorialista, de proliferação e circulação de memórias
(...) Essa proliferação de memórias está relacionada a um processo
amplo e complexo, (...) no qual disputas memoriais estão na base de
lutas por afirmação identitária e por direitos, em um mundo
marcado pela diversidade dentro das fronteiras nacionais, mas
também pelas comunidades transnacionais, no qual têm lugar
demanda por revisões e novas interpretações do passado.

Nesse sentido, percebemos não apenas a necessidade de se


trabalhar com as questões da memória e história, mas também da
identidade, de maneira a pensar a diversidade de interpretações
sobre determinados tipos de arquivo.
Com base nestes pressupostos, traçamos um panorama de
como ocorreu a imigração dos poloneses no Rio Grande do Sul, para
entendermos a importância de se pesquisar este grupo étnico e por
quais motivos, Gardolinski investiu boa parte de sua vida a ela.

Os poloneses no Rio Grande do Sul: uma história a ser contada


A imigração polonesa está inserida no contexto das ondas
imigratórias provindas da Europa rumo a América, principalmente
do último quarto do século XIX até 1930, as quais estão no bojo da
oferta de trabalho e terras que os países americanos dispunham, do
aumento demográfico e de pressão social nos países do velho
mundo e do desenvolvimento dos meios de transporte e
comunicação ao longo do século XIX.
Como aponta Wachowicz (1974), na Polônia do século XIX,
a situação era extremamente particular, uma vez que, oficialmente, o
país não existia, estando seu antigo território dividido entre os
Impérios Prussiano, Austríaco e Russo, cada qual com diferentes
maneiras de administrar a situação dos poloneses. Somado a isto, o
fim da servidão e a instalação do modo de produção capitalista na
região criaram uma série de dificuldades para o camponês polonês, a

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principal delas, a questão da falta de terra e da proletarização da mão
de obra rural. As propriedades dos camponeses tornavam-se cada
vez menores e/ou acabavam nas mãos dos grandes latifundiários que
as compravam e, por conseguinte, contratavam a mão de obra do
campesinato. A partir desta situação, uma das alternativas foi a
emigração. Esta ocorreu em duas vias principais: os Estados Unidos,
que recebiam indivíduos, os quais na maioria das vezes emigravam
sozinhos em busca de serviços urbanos. E outra foi o Brasil, que
ofereceu lotes coloniais nos estados sulinos para famílias de
camponeses ansiosos por melhorar sua condição de vida, ainda que
permanecendo no campo.
Neste contexto, o Rio Grande do Sul foi um dos estados que
recebeu estes imigrantes, que ocuparam os últimos lotes de
colonização disponíveis na região5. Apesar de o marco da imigração
ser 1875, com a chegada de alguns poloneses na Serra Gaúcha, são
os anos de 1890 a 1894 os definitivos para a emigração polonesa,
etapa conhecida como a goraczka brazijliska ou febre
brasileira quando milhares de poloneses, na sua grande maioria
camponeses, espalharam-se pelo território gaúcho, alguns poucos,
nas cidades de Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre e outra parte no
interior do estado, ganhando lotes que variavam de 12,5 ha até 25 ha
(Gardolinski, 1958; Stawinski, 1975).
Conforme apontam vários autores, ainda que seja muito
difícil precisar o número de poloneses que ingressaram no Rio
Grande do Sul, principalmente em função da usurpação do território
da Polônia por seus vizinhos mais poderosos, pode-se tomar como
parâmetro dados dos censos demográficos das primeiras décadas do
século XX, que contabilizam estrangeiros e, segundo os quais, os

de maneira efetiva no final do século XIX, portanto depois das ondas imigratórias
alemã e italiana, os poloneses foram deslocados para as últimas fronteiras de mata
do Estado, os vales de alguns rios da Serra, os quais foram abandonados
paulatinamente, mas não totalmente, ao longo da primeira metade do século XX.
Outros foram deslocados para colônias no Noroeste gaúcho e algumas colônias
foram criadas em outros territórios, como na região das atuais cidades de Mariana
Pimentel e Dom Feliciano.

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procedentes da Polônia ocupavam a quarta posição, vindo atrás de
alemães, italianos e uruguaios (WEBER, WENCZENOVICZ, 2012:
160). A média de 10 mil estrangeiros poloneses, que tanto pode
ser constituída de velhos imigrantes do século XIX quanto de
imigrantes recém-chegados, não contabiliza descendentes de
poloneses nascidos no Brasil, os quais, entretanto, compõem o que
se chama grupo étnico Tentando registrar e dar visibilidade a
estes poloneses no sul do Brasil, é que Edmundo Gardolinski viajou
pelo estado, colecionou fotografias antigas e novas, reuniu
publicações e manteve contato através de correspondências com
outras lideranças poloneses. É com base nesse conjunto documental
recolhido pelo engenheiro, que fazemos as considerações a seguir.

Possibilidades de pesquisa:
Os documentos que inicialmente gostaríamos de destacar do
acervo são as cartas, não apenas por estarem preservadas em grande
quantidade, mas pelo caráter pessoal que carregam com relação ao
correspondente. As missivas encontradas no arquivo são, na sua
maioria, as recebidas por Edmundo Gardolinski, entretanto, existem
diversas cópias de correspondências remetidas por este aos mais
diversos destinatários, dentre eles o senhor Jan Krawczyk 6, Ceslau
Biezanko7, Alberto Stawinski8 e Józef Zajac9 alguns expoentes do
grupo polonês do Rio Grande do Sul. Nesse sentido, pensando de
acordo com Gontijo (2004), as correspondências de intelectuais são
ao mesmo tempo fontes e objetos de estudo, sendo instrumentos

6
Escritor e jornalista polonês, que emigrou ainda criança para o Rio Grande do
Sul (WACHOWICZ, SCHR, 2000: 204).
7
Entomólogo polonês, que veio para o Brasil no início dos anos 1930, sendo
considerado o introdutor da soja no estado, na cidade de Guarani das Missões no
Rio Grande do Sul (WACHOWICZ, SCHR, 2000: 33).
8
Foi um frei de origem polonesa e também escritor, historiador e jornalista, sendo
responsáveis por escrever uma das obras clássicas para a imigração polonesa:
Primórdios da imigração polonesa no Rio Grande do Sul (1875-1975)
WACHOWICZ, SCHR, 2000: 362).
9
Padre de Curitib. (WACHOWICZ,
SCHR, 2000: 435).

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capazes de verificar a questão da sociabilidade e a interpenetração
do privado e do público. A autora, ao citar Trebitsch, destaca que
por ser um ato de sociabilidade, a correspondência pode fazer parte
de uma prática social mais vasta, não restrita à ordem do privado.
Ao invés disso, ela tenderia a favorecer a interpenetração entre o
público e o privado. Ao mesmo tempo, a correspondência
intelectual pertence a uma prática textual global, com um nível de
linguagem e uma retórica específica. Ela seria uma espécie de
(GONTIJO, 2002: 1)

Assim, podemos observar uma série de elementos de


contribuição das missivas de intelectuais, tais como nos revelar a
afirmação de uma imagem pública do intelectual, mencionadas pelos
missivistas sobre si mesmos ou sobre outros (GONTIJO, 2004:
166). Para analisar as correspondências devemos observar uma série
de questões tais como: a) construir uma tipologia dos documentos;
b) identificar tipos de missivistas, observando para quem e como
eles formulavam demandas; c) mapear redes de trocas de favores,
observando a posição social do destinatário; d) analisar a dimensão
subjetiva dos diálogos estabelecidos, com destaque para as
mediações e argumentos utilizados (GONTIJO, 2002: 6).
Diante destes aspectos, podemos verificar que essas fontes
históricas são de grande valia para delimitarmos a rede de
sociabilidade da qual fazia parte Edmundo Gardolinski, bem como
por quem era formada a elite intelectual do elemento polono-
brasileiro, quais questões eram debatidas, quais os papéis
desempenhados pelos respectivos correspondentes e que tipo de
informações circulavam no seio deste grupo. Além destes elementos,
como aponta Angela de Castro Gomes (2004) a correspondência
também é uma escrita de si (2004: 7), portanto, este objeto
cultural serve e é importantíssimo para o desenvolvimento de
estudos históricos do gênero biográfico
Se entendermos as missivas privadas como geradoras de
redes de sociabilidade entre intelectuais, faz-se necessário uma
melhor explicação acerca da apropriação feita do conceito de
intelectual Duas definições foram geradas pelos trabalhos com a
temática, uma mais restrita, baseada na noção de engajamento e

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pela notoriedade eventual ou especialização, reconhecida pela
sociedade em que [o intelectual] vive e outra mais ampla e
abrangente, englobando tanto o jornalista como o escritor, o
professor secundário como o erudito (SIRINELLI, 2003: 242). Para
o caso dos intelectuais identificados por esta pesquisa, esta
classificação mais extensiva produz um melhor direcionamento, uma
vez que a intelectualidade com a qual o senhor Edmundo
Gardolinski estabeleceu contato variava de lideranças religiosas a
comunitárias, até membros da comunidade científica e acadêmica.
Operando com esta noção de intelectual outro aspecto a ser
discutido é o fato de que, na medida em que eram membros da
elite do grupo polonês, estes poderiam se tornar lideranças
destacadas daquele. Neste caso, se tornavam responsáveis, portanto,
pela representação do grupo identificado como poloneses fosse
em festas, encontros, eventos, etc. Estes dois papéis, de intelectual e
liderança, são possibilidades com grande potencial de análise e
estudo, ao mesmo tempo que ainda pouco exploradas na
historiografia acadêmica acerca da imigração polonesa. Nesse
sentido, como acima referido, o gênero biográfico, a partir da
revalorização do indivíduo na história, surge como proposta
plausível, podendo servirmos, por exemplo, dos estudos sobre os
imigrantes e descendentes de alemães. Um deles é o trabalho sobre
de J. Aloys Friedrich, trabalhado por Haike da Silva (2008),
utilizando em parte o arquivo pessoal do líder teuto-brasileiro para
construir sua trajetória de vida.
Outra fonte que existe em grande quantidade no acervo, que
até o momento não foi utilizada, são os periódicos, sejam eles
jornais ou revistas recolhidos e guardados por Edmundo
Gardolinski. A utilização dos jornais e periódicos é de grande valia
por conter uma série de notícias entrevistas, textos produzidos por
intelectuais entre outras informações sobre o grupo polonês. Como
Elmir (2007: 14) nos elucida, o jornal
(...) pode ser apropriado de formas mais diversas. Quero propor uma
breve digressão acerca de duas maneiras de ler o jornal para fins de
pesquisa. Uma delas, aparentemente mais simples, consiste em
tomá-lo (1) como fonte de informação. A segunda delas,
aparentemente mais complexa, faz dele (2) objeto intelectual da

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pesquisa. Evidentemente, nenhuma das duas exime o pesquisador de
realizar a indispensável crítica do documento.

Guardadas as ressalvas feitas por Elmir, assim como por De


Luca (2008), a possibilidade de utilizar os periódicos surge como
uma boa expectativa de pesquisa. Talvez, o principal periódico do
acervo seja o LUD de Curitiba que, no entanto, tem muitos textos
sobre o Rio Grande do Sul e escrito por autores gaúchos ou
radicados neste estado, como o caso do próprio Edmundo
Gardolinski. Também existe uma revista de Curitiba chamada
Kalendarz Lud com datas que variam da década de 1920 até
1970, num formato diferente do anterior, mas funcionando da
mesma maneira, com escritos de diversos intelectuais do Rio Grande
do Sul e textos sobre o estado. O problema maior em trabalhar estas
fontes é a questão do idioma, pois estão todos escritos em polonês o
que dificulta a sua análise. Existe um estudo sobre a Gazeta Polaca
no Brasil revista bilíngue do início do século XX que circulou no
sul do Brasil e na região platina, no qual a abordagem central é nas
imagens fornecidas pelo periódico buscando compreender como o
grupo polonês através das páginas da Gazeta Polaca expressou
imagens identitárias particularizadas sobre seus hábitos e tradições
sócio-culturais, sendo, pois, as imagens lidas enquanto indícios
interpretativos do real, isto é, são reflexos da forma com que o grupo
deseja se mostrar à sociedade e ao contexto em que estavam
inseridos (MOLAR, LAMB, 2011: 2). Este é um exemplo de como
podemos tomar os periódicos e procurar problematizá-los com a
temática da imigração polonesa sem necessariamente dominar o
idioma polonês.
Ao tratar da questão das imagens, não podemos deixar de por
em relevo uma parte constituinte do acervo de Edmundo
Gardolinski, a qual tem sido muito profícua para quem tem se
dedicado a ele: as fotografias. Em primeiro lugar, muitas das fotos
foram tiradas pelo próprio Edmundo Gardolinski, estudadas em
parte por Ivania Susin (2010). São fotografias de visitas e
solenidades, personagens políticos (como Getúlio Vargas e Eurico
Gaspar Dutra); da construção da Vila IAPI (nota); viagens de

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família; das colônias polonesas, entre outras10. Há também uma
coleção de fotos que não foram feitas por Gardolinski, mas foram
arquivadas por este no seu acervo. Entendemos a fotografia como
documento que compreende diferentes substratos de temporalidade
que conduzem a pesquisa em múltiplas direções (SUSIN, 2010: 6).
E, como aponta Rouillé (2009: 18)

mascara o que a fotografia, com seus próprios meios, faz ser:


construída do início ao fim, ela fabrica e produz os mundos.
Enquanto o rastro vai da coisa (preexistente) à imagem, o
importante é explorar como a imagem produz o real. O que equivale
a defender a relativa autonomia das imagens e de suas formas
perante os referentes, e reavaliar o papel da escrita em face do
registro.

Com essa advertência devemos pensar as fotografias como


fonte, capazes de trazer à tona uma visão do real e de proporcionar
uma memória, de alguma forma. Com relação ao acervo de
Gardolinski, as fotografias se justapõem a uma série de outras
fontes, bastante diversas, todas tendo em comum a vocação
memorialística ou intelectual do seu colecionador/produtor, às quais
cada historiador que delas fizer uso poderá dar outro sentido.

Considerações finais
O NPH da UFRGS permite a consulta do material disponível
no Acervo Edmundo Gardolinski contribuindo para a pesquisa na
área da imigração polonesa. Como pretendemos demonstrar ao
longo deste artigo, apesar das dificuldades do idioma, da pouca
visibilidade dos poloneses, além de outras limitações, existe um
grande potencial de fontes e temas de pesquisa capazes de, não

10
Quanto às fotografias, Gardolinski mantinha
sistemas diversos de organização. Para um dos montantes, separou as fotografias
em pastas de papel, com o título daquele conjunto, coladas em folhas de ofício
tamanho A4. Abaixo de cada foto, escrevia uma pequena nota, identificando o
evento representado. Infelizmente, nem todas as fotografias foram incluídas neste
sistema, o que fez com que muitas delas não fossem identificadas.

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apenas contribuir para o aumento da produção acadêmica sobre os
poloneses, mas também, para a produção sobre a Imigração, como
fenômeno social amplo e dinâmico, o qual vem ocorrendo, sob
diferentes aspectos e contextos, ao longo da História, sendo o Brasil,
um dos principais receptores dos imigrantes.

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