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Oh sergun roberto, ta de marola ne pae

Conheciam-se numa banca de jornal qualquer. Ela, com um Nietzsche nas mãos; ele pensando
Ela gosta de Nietzsche... E ela, Quanta consoante... O dono da banca olhava a cena,
lamentando menos uma venda Ninguém compra essa merda... Lá fora, o barulho do avião.
Propaganda de um filme. Quer assistir? Por que não?, enquanto esconde o alemão no fundo
da pilha. Não falei?... Na fila do cinema, a mulher de meia-idade, cachoeira de recordações e
ressentimentos febris, sugere a si mesma Mais um coração partido, coitada... No filme, certa
cena, o ritmo da música a diminuir e ele sentiu que era o momento. Depois do beijo, o abraço
e mais outro, filme desfeito pela metade. T

udo escuro trechos acordes sonatas ausência Chega! Ofegar das narinas a salvarem os corpos
da omissão das bocas Cuidado! E os cabelos, tão lisos... Ao passar pela banca, na saída do
filme, a mulher de meiaidade compra um Nietzsche. Não dá pra ver daqui, mas parece A
origem da tragédia. O homem da banca, com o olhar perdido no meio das nádegas da mulher,
não percebeu a merda que vendeu. Pensou na ex-mulher, que morrera, ao menos para ele, no
meio de um filme, já nem se lembra qual. Confessou-lhe o adultério. Trailer da solidão futura.
Os outros dois, depois do filme, tiveram uma filha. Casaram, sem a comédia dos papeis. E
depois de algum tempo, foram engolidos pelo apetite da monotonia. Enquanto isso, a mulher
de meia-idade divagava com os braços do hom

em da banca, que saíam de dentro de um livro que ela carregava não se lembra qual para
tentar atenuar a tristeza momentânea. Sem lamentar, entendeu que fora sonho. 26 II Prêmio
Ufes de Literatura O livro jamais seria removido da estante. Apenas uma capa atraente, numa
tarde vazia. Sentados na mesma noite deserta, o casal colhia as poucas vogais que caíam do
passado. Final da vela, os créditos a subirem enquanto a música anunciava a última curva.
Novo trailer, novo filme, origem de mais um drama sem culpa. No dia seguinte, pela manhã, o
dono da banca recebe mais um Nietzsche da editora.

Mais um traste pra ocupar espaço, ruminava enquanto acompanhava o rebolar da filha do
casal, relativamente crescida, mocinha, Que ninguém me veja... A menina não viu o livro. Não
sabia quem era Nietzsche. E sonhava sem culpa com a próxima sessão.

Conheciam-se numa banca de jornal qualquer. Ela, com um Nietzsche nas mãos; ele pensando
Ela gosta de Nietzsche... E ela, Quanta consoante... O dono da banca olhava a cena,
lamentando menos uma venda Ninguém compra essa merda... Lá fora, o barulho do avião.
Propaganda de um filme. Quer assistir? Por que não?, enquanto esconde o alemão no fundo
da pilha. Não falei?... Na fila do cinema, a mulher de me

ia-idade, cachoeira de recordações e ressentimentos febris, sugere a si mesma Mais um


coração partido, coitada... No filme, certa cena, o ritmo da música a diminuir e ele sentiu que
era o momento. Depois do beijo, o abraço e mais outro, filme desfeito pela metade. Tudo
escuro trechos acordes sonatas ausência Chega! Ofegar das narinas a salvarem os corpos da
omissão das bocas Cuidado! E os cabelos, tão lisos... A

o passar pela banca, na saída do filme, a mulher de meiaidade compra um Nietzsche. Não dá
pra ver daqui, mas parece A origem da tragédia. O homem da banca, com o olhar perdido no
meio das nádegas da mulher, não percebeu a merda que vendeu. Pensou na ex-mulher, que
morrera, ao menos para ele, no meio de um filme, já nem se lembra qual. Confessou-lhe o
adultério. Trailer da solidão futura. Os outros dois, depois

do filme, tiveram uma filha. Casaram, sem a comédia dos papeis. E depois de algum tempo,
foram engolidos pelo apetite da monotonia. Enquanto isso, a mulher de meia-idade divagava
com os braços do homem da banca, que saíam de dentro de um livro que ela carregava não se
lembra qual para tentar atenuar a tristeza momentânea. Sem lamentar, entendeu que fora
sonho. 26 II Prêmio Ufes de Literatura O livro jamais seria re

movido da estante. Apenas uma capa atraente, numa tarde vazia. Sentados na mesma noite
deserta, o casal colhia as poucas vogais que caíam do passado. Final da vela, os créditos a
subirem enquanto a música anunciava a última curva. No

vo trailer, novo filme, origem de mais um drama sem culpa. No dia seguinte, pela manhã, o
dono da banca recebe mais um Nietzsche da editora. Mais um traste pra ocupar espaço,
ruminava enquanto acompanhava o rebolar da filha do casal, relativamente crescida, mocinha,
Que ninguém me veja... A menina não viu o livro. Não sabia quem era Nietzsche. E sonhava
sem culpa com a próxima sessão.

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