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A chave e a porta

Metais alcalinos
Verbo transitivo direto
Fuga
Inventário do ir-remediável

Poesias
Oriente
Press to open
Alento

Contos
Antípodas
Anotações sobre um amor urbano
Por uma tarde de junho
De várias cores, retalhos
Venha comigo para o reino das ondinas
Creme de alface
Loucura, chiclete & som
Uma história confusa
Lixo e purpurina
Triângulo em cravo e flauta doce
Mas apenas e antigamente guirlandas sobre o poço
A visita
Aniversário
London, London ou ajax, brush and rubbish
A modificação
Carta para além do muro
Red roses for a blue lady
O príncipe sapo
A maldição dos Saint-Marie

Correspondência (1970 - 1979)


A Hilda Hilst
A Vera e Henrique Antoun
A Nair e Zaél Abreu
A Vera Antoun
A Nair Abreu
AVeraAntoun
A Luiz Fernando Emediato
A Nair Abreu
A Suzana Saldanha
A Nair Abreu
A José Márcio Penido

Depoimentos
“Eu me sinto superfeliz quando encontro uma pessoa tão
confusa quanto eu”
Caio quer ser um mago (por enquanto é um contista
premiado)

Cronologia (1948-1996)

As fontes de Caio 3D: O essencial da


década de 1970
A PAIXÃO SEGUNDO CAIO F.

Quando conheci Caio Fernando Abreu, em 1979, ele


flertava com a idéia da morte. Trabalhávamos na Abril, ele
na revista Pop, eu na Divisão Cultural, e entre um café e
outro discorríamos sobre a fatuidade e o absurdo da
existência, sobre o ser e o nada, temas enfim caros à
geração que se formou à sombra do Existencialismo e de
seus ideólogos. ParaAlbert Camus, que nos era particular-
mente caro, as questões fundamentais eram a liberdade e o
suicídio, e estávamos perfeitamente de acordo. Nós nos
batemos pela causa da liberdade e em alguns momentos
até chegamos a vislumbrar a idéia de suicídio. Tudo isso
naturalmente acompanhado do inevitável sentido do
efêmero: a vida é sopro, oblívio, nada antes e nada depois.
É claro que nem sempre era fácil viver o que a gente
pensava mas Caio E conseguia fazer isso muito melhor do
que eu. Descansa: pouco te chorarão — o verso inicial da
epígrafe do capítulo Da Morte, em Inventário do ir-
remediável, traduzia bem o que ele supunha ser a sua
fugaz passagem. Felizmente, no entanto, o poema de
Fernando Pessoal Álvaro de Campos não refletiria o que de
fato aconteceu em relação à sua memória e à sua obra.
Caio F. continua sendo pranteado, não apenas por nós que
o conhecíamos e o amávamos, mas também por aqueles
que só o descobriram depois dele morrer.
Nos últimos anos, contos, romances, crônicas, teatro,
e até a sua caudalosa correspondência têm sido
publicados, reeditados, revisitados e encenados profusa e
abundantemente. Nunca durante sua existência Caio F. foi
tão lido, tão visto, tão comentado, tão reverenciado. Se por
um lado isso pode soar tristemente irônico por outro é
motivo de celebração. Sua obra afinal permanece e
sobrevive a ele atemporal e universal. Mesmo “Lixo e
purpurina”, misto de diário e ficção, na verdade um
necrológio muito particular da era flower-power e com
todas as condições para ser um depoimento datado, escapa
desse risco devido à qualidade do texto. “Chorar por tudo
que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou
a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje
sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e
não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram
comigo”, ele escreve a 2 de março de 1974. E completa
lucidamente: “a única magia que existe é estarmos vivos e
não entendermos nada disso. A única magia que existe é a
nossa incompreensão”.
Nesse Caio 3 D: O essencial da década de 1970 que
reúne contos, poesia, correspondência e até uma precoce
peça de teatro no mais autêntico estilo gótico, é uma
aventura percorrer os primeiros escritos de Caio E e
mapear os temas que se tornariam recorrentes ao longo da
sua obra: a espera angustiada e silenciosa por alguém que
não vem desde “Fotografia”: “o cinzeiro cheio de pontas,
essa música indefinida machucando por dentro, como se
estivesse sempre aqui”. Uma bola cresce “esmagando as
folhas de um outro outono, de um outro tempo, ainda este,
o tempo, o outono, a tarde, o mundo, a esfera, a espera em
que estou para sempre presa”. No conto que dáo nome ao
livro Inventário do ir-remediável, ele diz “quis tanto que
você fosse ao meu encontro”, e havia tomado todas as
precauções, “deixara o telefone do bar, o endereço, a hora
que estaria ali. Um detalhado roteiro, feito dissesse
dissimulado estou esperando, você pode me encontrar. Ah,
como doía manter-se assim disponível”. E completa
tragicamente que ficou à espera, e “ficaria até ofim, até o
fundo. Que aceitei a queda, que aceitei a morte. Que nessa
aceitação, caí. Que nessa queda, morri. Tenho me
carregado tão perdido e pesado pelos dias afora. E
ninguém vê que estou morto”.
Também os gestos que não são feitos, ou são por
vezes esboçados mas imediatamente detidos, o que não é
dito, aquilo que é sonegado, falseado, escamoteado, as
expectativas continuamente frustradas, a fome de paixão
jamais saciada, a consciência dolorosa de que a paixão é
mais importante que o objeto. “Encarou-o tenso, colocando
no olhar o desafio: eu te vejo mais fundo do que me vê,
porque eu te invento nesse olhar, porque você se torna
meu invento, porque depois de olhar muito dentro eu
prescindo da imagem e o meu olhar repleto basta, como se
eu fosse cego, mas tivesse guardado todas as imagens: um
cego vê mais que um homem comum porque não precisa
olhar para fora de si, porque o que ele deseja ver está
completamente dentro e é inteiramente seu”, escreve em
“A chave e a porta”.
A solidão e o desejo de proximidade, a escolha do
parceiro da noite, qualquer parceiro sexual ou não. Como
no final de “Madrugada”, um conto eivado de solidão e um
tipo de camaradagem tão masculina: “Eles não sabiam o
que fazer com as mãos cheias de amizade e lembranças
das mulheres ausentes. Bêbados como estavam, a única
solução seria abraçarem-se e cantarem. Foio que fizeram.
Não satisfeitos com o gesto e as palavras, desabotoaram as
braguilhas e mijaram em comum numa festa de espuma.
Como no poema de Vinícius que não tinham lido nem
leriam jamais. Depois calaram e olharam para longe, para
além dos sexos nas mãos. Nas bandas do rio, amanhecia”.
Em “Um amor urbano”, a vertiginosa expressão de
sua avidez. “O cheiro do teu corpo persiste no meu durante
dias. Não tomo banho. Guardo, preservo, cheiro o cheiro
do teu cheiro grudado no meu. [...] Fico farpa, sede, garra,
prego. Fico tosco e você se assusta com minha boca
faminta voraz desdentada de moleque mendigo pedindo
esmola neste cruzamento onde viemos dar”. A angustiada
constatação da peste. “Pois a cidade está louca, você sabe.
Sim, a cidade está doente, você sabe. Eo vírus caminha em
nossas veias, companheiro”. Desesperado ele apalpa “as
virilhas, o pescoço, sem entender, sem conseguir chorar,
abandonado, apavorado, mastigando maldições, dúbios
indícios, sinistros augúrios [...]“ Quase numa epifania, ele
antecipa o que seriam seus últimos anos: “Viver agora é
tarefa dura. De cada dia arrancar das coisas, com as
unhas, uma modesta alegria; em cada noite descobrir um
motivo razoável para acordar amanhã.”
Numerosas e diferentes análises podem ser feitas
sobre a literatura por assim dizer inicial de Caio E, desde a
influência de Clarice Lispector em “O coração de Alzira” ou
do realismo fantástico em “O ovo”. Porém o que mais me
impressionou na (re)leitura do material contido neste
volume foi uma sensação premonitória. A todo momento

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