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Universidade Federal de São Carlos

Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia


Departamento de Matemática

Transformações de Möbius e aplicações

Aluna: Elionai dos Santos Gouveia

Orientadora: Alessandra Aparecida Verri

Disciplina: Trabalho de Conclusão do Curso A

Curso: Bacharelado em Matemática

Professores Responsáveis: Selma Helena de Jesus Nicola


Alessandra Aparecida Verri
João Carlos Vieira Sampaio

São Carlos, 2 de dezembro de 2019.


Transformações de Möbius e aplicações

Aluna: Elionai dos Santos Gouveia

Orientadora: Alessandra Aparecida Verri

Disciplina: Trabalho de Conclusão do Curso A

Curso: Bacharelado em Matemática

Professores Responsáveis: Selma Helena de Jesus Nicola


Alessandra Aparecida Verri
João Carlos Vieira Sampaio

Instituição: Universidade Federal de São Carlos


Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia
Departamento de Matemática

São Carlos, 2 de dezembro de 2019.


Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.

Cora Coralina
Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus por ter concedido vida e saúde para concluir este trabalho
e aos meus pais, Edna e Plínio, pelo amor, carinho e suporte, desde os primeiros suspiros da
minha vida.
Agradeço aos meus amigos de graduação, Kairo, Laura, Lia e Mirian, pelos momentos
de alegria e por estarem presentes e oferecerem apoio nas etapas mais difíceis desta.
Agradeço a Profª. Drª. Alessandra pela disponibilidade e paciência durante todo este
projeto.
Resumo

Este trabalho de conclusão de curso abarca o estudo dos números complexos e algumas
de suas principais propriedades. Num primeiro momento definimos a Esfera de Riemann
e a projeção estereográfica. Em seguida estudamos as transformações lineares fracionárias
que são importantes para a anatomia do tema central deste trabalho, as transformações de
Möbius. Por fim apresentamos a caracterização de funções holomorfas definidas no disco
unitário.

Palavras-chave: Números Complexos, Esfera de Riemann, Projeção Estereográfica,


Transformações de Möbius.
ix

Introdução

Neste trabalho veremos que é possível “embrulhar” a esfera unitária, centrada na origem,
com o plano complexo. Além disso, trabalharemos com as transformações de Möbius, que
possuem propriedades muito interessantes. Uma, em especial, é que são unicamente deter-
minadas por três pontos distintos. Enfim, caracterizaremos todas as aplicações do disco
no disco. Tais temas são abordados em seis capítulos. Ao longo do texto usaremos como
referência [ 1 ], [ 2 ] e [ 3 ].
No Capítulo 1, abarcaremos a definição de números complexos, incluindo suas repre-
sentações, sendo estas, par ordenado, algébrica e polar, juntamente com suas propriedades.
Também mostraremos a estruturação algébrica do corpo dos números complexos.
No Capítulo 2, apresentaremos algumas noções topológicas no conjunto dos números
complexos e algumas propriedades com relação a funções complexas, discutiremos um pouco
sobre funções contínuas, funções holomorfas e singularidades de funções. Apresentaremos
também alguns teoremas importantes que serão importantes para o capítulo final, sendo eles,
Teorema de Rouché, Teorema do mapeamento aberto e Princípio do Módulo Máximo.
No Capítulo 3, definiremos a Esfera de Riemann (ou plano complexo estendido) e, então,
construiremos uma função bijetora entre a esfera unitária centrada na origem e a Esfera de
Riemann. A inversa desta aplicação é a chamada projeção estereográfica.
No Capítulo 4, incluiremos as transformações elementares (translação, rotação, homotetia
e inversão), que são essenciais para a composição das transformações de Möbius. Daremos
um enfoque para a inversão, dado que possui características interessantes.
No Capítulo 5, introduziremos as transformações de Möbius, com suas principais propri-
edades, e, além disso, finalizaremos este capítulo com algumas aplicações.
No Capítulo 6, contém o Lema de Schwarz e outros resultados fundamentais para poder-
mos caracterizar as funções holomorfas bijetoras do disco unitário no disco unitário.
x
xi

Sumário

1 Os Números Complexos 1
1.1 Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 O corpo dos números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.3 Interpretação geométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.3.1 Representação polar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.4 A exponencial complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

2 Definições e resultados úteis de análise complexa 9


2.1 Topologia do conjunto dos números complexo . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.2 Funções contínuas e holomorfas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
2.3 Singularidades isoladas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.4 Teoremas úteis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

3 Projeção estereográfica 17
3.1 Construção da projeção estereográfica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

4 Transformações no plano complexo 21


4.1 Transformações elementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

5 Transformações de Möbius 29
5.1 Transformação linear fracionária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
5.2 Transformação de Möbius . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
5.3 Transformações de Möbius entre domínios de C . . . . . . . . . . . . . . . . 32

6 Aplicações do disco no disco 35


6.1 Lema de Schwarz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
6.2 Transformações de Möbius que preservam o disco D(0,1) . . . . . . . . . . . 36
6.3 Funções holomorfas que preservam o disco D(0,1) . . . . . . . . . . . . . . . 38
1

Capítulo 1

Os Números Complexos

Os números complexos surgiram para solucionar equações do tipo x2 + 1 = 0, já que não


era possível encontrar raízes reais que as solucionassem. Então, existiu a necessidade de criar

o número imaginário, denotado por i, satisfazendo −1 = i, que resolve-se tais equações.
Neste capítulo, estudaremos a estruturação algébrica do corpo dos números complexos e
também suas propriedades geométricas. Assumiremos que as propriedades dos números
reais são conhecidas.

1.1 Preliminares
Definição 1.1. Sejam A um conjunto não vazio e ∗ uma operação. Se a1 ∗a2 ∈ A, quaisquer
que sejam a1 , a2 ∈ A, dizemos que a aplicação f : A × A −→ A, definida por f (a1 , a2 ) =
a1 ∗ a2 , com a1 , a2 ∈ A, é uma operação binária em A.

Definição 1.2. Considere a terna (C, +, ×) formada por um conjunto não vazio C e
duas operações binárias definidas em C (+ e × são chamadas de operações de adição e
multiplicação, respectivamente). Dizemos que (C, +, ×) é um corpo se satisfizer as seguintes
propriedades aditivas e multiplicativas:

(a) Associatividade: se a, b, c ∈ C, então a + (b + c) = (a + b) + c e a × (b × c) = (a × b) × c;


(b) Comutatividade: se a, b ∈ C, então a + b = b + a e a × b = b × a;
(c) Existência do elemento neutro: existe um elemento OC ∈ C tal que, qualquer que seja
c ∈ C, c + OC = c = OC + c;
(d) Existência do elemento oposto: qualquer que seja c ∈ C, existe um elemento em C,
denotado por −c, tal que c + (−c) = OC = (−c) + c;
(e) Existência da unidade: existe um elemento 1C ∈ C tal que, qualquer que seja c ∈ C,
c × 1C = c = 1C × c;
(f ) Existência do elemento inverso: qualquer que seja c ∈ C − {OC }, existe um elemento
em C, denotado por c−1 , tal que c × c−1 = 1C = c−1 × c;
(g) Distributividade: se a, b, c ∈ C, então a × (b + c) = (a × b) + (a × c).
2 1. Os Números Complexos

1.2 O corpo dos números complexos

Definição 1.3. Um número complexo é um par ordenado z = (x, y), em que x e y são
números reais. O número real x é chamado de parte real de z e o número real y é chamado
de parte imaginária de z.

Denotamos a parte real e imaginária do número complexo z por Re(z) e Im(z), respec-
tivamente.

Definição 1.4. O conjunto formado por todos os números complexos é denotado por C e
chamado de conjunto dos números complexos.

Em C, definimos duas operações, a adição e a multiplicação. Mais precisamente, sejam


z1 = (x1 , y1 ), z2 = (x2 , y2 ) ∈ C. A operação de adição é definida por

z1 + z2 = (x1 , y1 ) + (x2 , y2 ) = (x1 + x2 , y1 + y2 ), (1.1)

e a operação de multiplicação é definida por

z1 z2 = (x1 , y1 )(x2 , y2 ) = (x1 x2 − y1 y2 , x1 y2 + y1 x2 ). (1.2)

Teorema 1.5. O conjunto C dos números complexos, dotado das operações de adição e
multiplicação ((1.1) e (1.2)) é um corpo.

Demonstração: Precisamos verificar que valem as propriedades (a)-(g) da Definição 1.2.


Dados z1 = (x1 , y1 ), z2 = (x2 , y2 ), z3 = (x3 , y3 ) ∈ C, tem-se:
(a) Associatividade:

z1 + [z2 + z3 ] = (x1 , y1 ) + [(x2 , y2 ) + (x3 , y3 )]


= (x1 , y1 ) + (x2 + x3 , y2 + y3 )
= (x1 + [x2 + x3 ] , y1 + [y2 + y3 ])
= ([x1 + x2 ] + x3 , [y1 + y2 ] + y3 )
= (x1 + x2 , y1 + y2 ) + (x3 , y3 )
= [(x1 , y1 ) + (x2 , y2 )] + (x1 , y1 )
= (z1 + z2 ) + z3 .
1.2. O corpo dos números complexos 3

z1 (z2 z3 ) = (x1 , y1 ) [(x2 , y2 )(x3 , y3 )]


= (x1 , y1 )(x2 x3 − y2 y3 , x2 y3 + y2 x3 )
= (x1 [x2 x3 − y2 y3 ] − y1 [x2 y3 + y2 x3 ] , x1 [x2 y3 + y2 x3 ] y2 + y1 [x2 x3 − y2 y3 ])
= ([x1 x2 − y1 y2 ] x3 − [x1 y2 + y1 x2 ] y3 , [x1 x2 − y1 y2 ] y3 + [x1 y2 + y1 x2 ] x3 )
= (x1 x2 − y1 y2 , x1 y2 + y1 x2 )(x3 , y3 ) = [(x1 , y1 )(x2 , y2 )] (x3 , y3 )
= (z1 z2 )z3 ;

(b) Comutatividade:

z1 + z2 = (x1 , y1 ) + (x2 , y2 )
= (x1 + x2 , y1 + y2 )
= (x2 + x1 , y2 + y1 )
= (x2 , y2 ) + (x1 , y1 )
= z2 + z1 .

z1 z2 = (x1 , y1 )(x2 , y2 )
= (x1 x2 − y1 y2 , x1 y2 + y1 x2 )
= (x2 x1 − y2 y1 , x2 y1 + y2 x1 )
= z2 z1 ;

(c) Existência do elemento neutro: (0,0) é o elemento neutro. De fato, qualquer que seja
z1 = (x1 , y1 ) ∈ C, z1 + (0, 0) = (x1 + 0, y1 + 0) = (x1 , y1 ) = z1 ;
(d) Existência do elemento oposto: dado z1 = (x1 , y1 ) ∈ C, o seu elemento oposto é o número
−z1 = (−x1 , −y1 ). De fato, z1 + (−z1 ) = (x1 + (−x1 ), y1 + (−y1 )) = (0, 0);
(e) Existência da unidade: (1,0) é a unidade. De fato, qualquer que seja z1 = (x1 , y1 ) ∈ C,
temos z1 (1, 0) = (x1 , y1 ) = z1 ;
(f) Existência doelemento inverso:dado z1 = (x1 , y1 ) 6= (0, 0) ∈ C, o seu elemento inverso é
x1 −y1
o número z1−1 = , 2 . De fato,
x1 + y1 x1 + y12
2 2

 
x1 −y1 −y1 x1
z1 z1−1 = x1 2 2
− y1 2 2
, x1 2 2
+ y1 2 = (1, 0);
x1 + y 1 x1 + y 1 x1 + y 1 x1 + y12
4 1. Os Números Complexos

(g) Distributividade:

z1 [z2 + z3 ] = (x1 , y1 ) [(x2 , y2 ) + (x3 , y3 )]


= (x1 , y1 )(x2 + x3 , y2 + y3 )
= (x1 [x2 + x3 ] − y1 [y2 + y3 ] , x1 [y2 + y3 ] + y1 [x2 + x3 ])
= (x1 x2 − y1 y2 , x1 y2 + y1 x2 ) + (x1 x3 − y1 y3 , x1 y3 + y1 x3 )
= (z1 z2 ) + (z1 z3 ).

Observação 1.6. É notável que (x1 , 0) + (x2 , 0) = (x1 + x2 , 0) e (x1 , 0)(x2 , 0) = (x1 x2 , 0),
quaisquer que sejam x1 , x2 ∈ R. Assim, podemos identificar número complexo (x, 0) com o
numero real x.

Observação 1.7. O número complexo (0, 1) é chamado de unidade imaginária e represen-


tado pelo símbolo i. Este número possui a seguinte propriedade:

i2 = (0, 1)(0, 1) = (0.0 − 1.1, 0.1 + 1.0) = −1.

Observação 1.8. A forma algébrica de um número complexo z = (x, y) é dada por z = x+iy,
a qual é obtida a partir de

z = (x, y) = (x, 0) + (0, y) = (x, 0) + (0, 1)(y, 0) = x + iy.

Observação 1.9. Ao multiplicarmos os números complexos x1 + iy1 e x1 − iy1 , obtemos

(x1 + iy1 )(x1 − iy1 ) = x1 x1 − ix1 y1 + ix1 y1 + y1 y1 = x21 + y12 .

Usaremos de agora em diante ambas as notações para nos referirmos a um número com-
plexo.

Proposição 1.10. Se z1 , z2 ∈ C e z1 z2 = 0, então z1 = 0 ou z2 = 0.

Demonstração: Suponha z1 6= 0, ou seja, x1 6= 0 ou y1 6= 0. Escrevendo z1 = x1 + iy1 e


z2 = x2 + iy2 , temos
(x1 + iy1 )(x2 + iy2 ) = 0

⇒ (x1 − iy1 ) [(x1 + iy1 )(x2 + iy2 )] = 0

⇒ [(x1 − iy1 )(x1 + iy1 )] (x2 + iy2 ) = 0

⇒ (x21 + y12 )(x2 + iy2 ) = 0

⇒ (x21 + y12 )x2 + i(x21 + y12 )y2 = 0.

Da última equação, segue que (x21 + y12 )x2 = 0 e (x21 + y12 )y2 = 0. Como x21 + y12 6= 0, segue
que x2 = 0 e y2 = 0. Portanto, z2 = 0.

1.3. Interpretação geométrica 5

1.3 Interpretação geométrica


Dado um número complexo z = (x, y) = x + iy, como suas coordenadas x e y são reais,
podemos identificá-lo com um ponto no plano R2 . Assim, diremos que o plano é complexo
sempre que olharmos seus pontos como números complexos.

Definição 1.11. O módulo de um número complexo z = (x, y), denotado por |z|, é definido
por
p
|z| = x2 + y 2 .

Mais precisamente, é a distância da origem (0, 0) até o ponto z.

Definição 1.12. O conjugado de um número complexo z = x + iy, denotado por z, é o


número complexo z = x − iy.

A partir das definições acima, temos

zz = (x + iy)(x − iy) = x2 + y 2 = |z|2 .

1.3.1 Representação polar


Já sabemos que um número complexo pode ser identificado com um ponto no plano
cartesiano. Agora, faremos uma outra identificação, obtida através das coordenadas polares
(r, θ). Vejamos que, se (x, y) 6= (0, 0) é um ponto do plano, então a coordenada r desse ponto
é a sua distância até origem e a coordenada θ é o ângulo entre o semi-eixo positivo dos x e
o segmento de reta obtido através do ponto e da origem, medido no sentido anti-horário.
As coordenadas cartesianas e polares estão relacionadas por
(
x = r cos θ,
y = r sen θ.
6 1. Os Números Complexos

Assim, um número complexo não nulo z pode ser escrito na forma

z = x + iy = r cos θ + ir sen θ = r(cos θ + i sen θ), (1.3)

em que r = x2 + y 2 = |z| e θ ∈ [0, 2π). O ângulo θ também é chamado de argumento de


p

z e denotado por arg(z). A representação de z em (1.3) é chamada de forma polar.

1.4 A exponencial complexa


Relembremos que as funções ex , sen(x) e cos(x) tem como expansão em série de MacLau-
rin as seguintes formas:


X xn x2 x3
x
e = =1+x+ + + ··· (1.4)
n=0
n! 2! 3!


X (−1)n x2n x x 2 x3
cos x = =1+ + + + ···
n=0
(2n)! 2! 4! 6!


X (−1)n x2n+1 x x2 x3
sen x = =x+ + + + ···
n=0
(2n + 1)! 3! 5! 7!

Agora, queremos definir ez , em que z ∈ C. Suponhamos que o desenvolvimento dessa


função seja dado por (1.4). Para y ∈ R, somos motivados a definir


iy
X (iy)n (iy)2 (iy)3 (iy)4 (iy)5 (iy)6 (iy)7
e = = 1 + iy + + + + + + ···
n=0
n! 2! 3! 4! 5! 6! 7!

y2 y3 y4 y5 y6 y7
1 + iy − −i + +i − − i ···
2! 3! 4! 5! 6! 7!
1.4. A exponencial complexa 7

y2 y4 y6 y3 y5 y7
   
1− + − ··· + i y − i + i − i ··· = cos y + i sen y.
2! 4! 6! 3! 5! 7!

Para z = x + iy, x, y ∈ R, definimos

ez = ex+iy = ex + eiy = ex (cos y + i sen y).

Por fim, podemos escrever

z = r(cos θ + i sen θ) = reiθ .


8 1. Os Números Complexos
9

Capítulo 2

Definições e resultados úteis de análise


complexa

Este capítulo contém definições e resultados sobre o conjunto dos números complexos,
que serão úteis no desenvolvimento dos capítulos posteriores. Algumas demonstrações são
apresentadas e outras apresentadas apenas uma referência.

2.1 Topologia do conjunto dos números complexo


Definição 2.1. Dados z0 ∈ C e r > 0, definimos o disco aberto de centro z0 e raio r como
o conjunto D(z0 , r) dos pontos do plano complexo que possuem distância de z0 menor que r,
ou seja,

D(z0 , r) = {z ∈ C : |z − z0 | < r}.

Definição 2.2. Dados z0 ∈ C e r > 0, definimos o disco fechado de centro z0 e raio r


como o conjunto D(z0 , r) dos pontos do plano complexo que possuem distância de z0 menor
ou igual a r, ou seja,

D(z0 , r) = {z ∈ C : |z − z0 | ≤ r}.

Definição 2.3. Dados z0 ∈ C e r > 0, definimos o círculo de centro z0 e raio r como o


conjunto C(z0 , r) dos pontos do plano complexo que possuem distância de z0 igual a r, ou
seja,

C(z0 , r) = {z ∈ C : |z − z0 | = r}.

Definição 2.4. Seja X um subconjunto de C, dizemos que z0 ∈ C é ponto interior de X


se existir ε > 0 de forma que D(z0 , ε) ⊂ X.

Definição 2.5. Um conjunto X ⊂ C é dito aberto se todos os seus pontos são interiores.

Definição 2.6. Dado um conjunto X ⊂ C, um ponto z ∈ C é dito ponto de fronteira de


X se, para todo ε > 0, tem-se D(z0 , ε) ∩ X 6= ∅ e D(z0 , ε) ∩ X c 6= ∅.
10 2. Definições e resultados úteis de análise complexa

Definição 2.7. A fronteira de um conjunto X, denotada por ∂X, é o conjunto de todos


os seus pontos de fronteira.

Observação 2.8. Vale ressaltar que se um conjunto X interseccionado com sua fronteira
∂X é diferente do vazio, então ele não é aberto. De fato, se x0 ∈ X ∩ ∂X, então para todo
ε > 0, D(x0 , ε) ∩ X 6= ∅ e D(x0 , ε) ∩ X c 6= ∅. Daí, não conseguimos obter um disco aberto
centrado em x0 contido em X.

Proposição 2.9. Sejam A ⊂ C e a ∈ A tal que, |a| ≥ |b|, para todo b ∈ A, então a ∈ ∂A.

Demonstração: Escrevemos a = (c, d). Para cada ε > 0, temos B(a, ε) ∩ A = 6 0. Por
outro lado, x0 = (c + ε/2, d) ∈ Ac , pois |x0 | > |a| e, além disso, |x0 − a| = ε/2. Portanto,
x0 ∈ B(a, ε) ∩ Ac . Assim, A não é aberto pela observação anterior. 

Definição 2.10. Um conjunto X ⊂ C é chamado de fechado se o seu complementar, X c ,


for aberto.

Definição 2.11. Dizemos que um conjunto X ⊂ C é conexo se não pudermos encontrar


A, B ⊂ X, ambos diferentes do conjunto vazio, tais que A ∩ B = ∅ e A ∪ B = X.

Definição 2.12. Um conjunto X ⊂ C que é aberto e conexo será chamado de domínio.

2.2 Funções contínuas e holomorfas


Definição 2.13. Seja f : A ⊂ C −→ C uma função. Dizemos que f é contínua no ponto
z0 ∈ A se, para todo ε > 0, existe δ > 0 tal que |z − z0 | < 0 e z ∈ A ⇒ |f (z) − f (z0 )| < ε.
A função f é chamada de contínua se for contínua em todo ponto de A.

Observação 2.14. Podemos dizer que f é contínua em z0 se, e somente, se lim f (z) =
z→z0
f (z0 ).

Observação 2.15. É válido ressaltar que lim f (z) = f (z0 ) se, e somente, se para toda
z→z0
sequência (zn )n∈N ⊂ A tivermos que lim zn = z0 implica lim f (zn ) = f (z0 ).
n→∞ n→∞

Apresentamos agora algumas propriedades.

Proposição 2.16. Sejam f, g : A ⊂ C −→ C duas funções que são contínuas num ponto
z0 , então:

(a) lim [f (z) + g(z)] = f (z0 ) + g(z0 ) = lim f (z) + lim g(z).
z→z0 z→z0 z→z0

(b) lim [f (z)g(z)] = f (z0 ) · g(z0 ) = lim f (z) · lim g(z).


z→z0 z→z0 z→z0

Demonstração: (a) Como f e g são contínuas em z0 , dado  > 0, existem δ1 , δ2 > 0, tais
que,
2.2. Funções contínuas e holomorfas 11

0 < |z − z0 | < δ1 e z ∈ A=⇒ |f (z) − f (z0 )| < /2

0 < |z − z0 | < δ2 e z ∈ A=⇒ |g(z) − g(z0 )| < /2.

Tomando δ = min{δ1 , δ2 } e z ∈ A, temos que se 0 < |z − z0 | < δ, então

|(f + g)(z) − (f + g)(z0 )| = |f (z) − f (z0 ) + g(z) − g(z0 )|

≤ |f (z) − f (z0 )| + |g(z) − g(z0 )| < ε/2 + ε/2 = ε.

(b) Suponhamos f (z0 ) 6= 0. Como f e g são contínuas em z0 , dado  > 0, existem δ1 , δ2 > 0,
tais que

0 < |z − z0 | < δ1 e z ∈ A=⇒ |f (z) − f (z0 )| < /(1 + |g(z0 )|)

0 < |z − z0 | < δ2 e z ∈ A=⇒ |g(z) − g(z0 )| < /|f (z0 )|.

Além disso, é fácil verificar que g é limitada numa vizinhança de z0 . De fato, para  = 1,
existe δ 0 > 0, tal que 0 < |z − z0 | < δ 0 e z ∈ A=⇒ |g(z) − g(z0 )| < 1 =⇒ |g(z)| − |g(z0 )| <
1 =⇒ |g(z)| < 1 + |g(z0 )|.
Tomando δ = min{δ1 , δ2 , δ 0 }, se 0 < |z − z0 | < δ e z ∈ A, então

|(f g)(z) − (f g)(z0 )| = |f (z)g(z) − f (z0 )g(z) + f (z0 )g(z) − f (z0 )g(z0 )| =

|g(z)(f (z) − f (z0 )) + f (z0 )(g(z) − g(z0 ))| ≤ |g(z)||f (z) − f (z0 )| + |f (z0 )||g(z) − g(z0 )| <
   
ε ε
(1 + |g(z0 )|) + |f (z0 )| = 2ε.
1 + |g(z0 )| |f (z0 )|
Suponhamos f (z0 ) = g(z0 ) = 0. Temos que lim f (z) · lim g(z) = 0. Provemos que
z→z0 z→z0
lim f (z)g(z). Como f e g são contínuas em z0 , dado  > 0, existem δ1 , δ2 > 0, tais que
z→z0


0 < |z − z0 | < δ1 e z ∈ A=⇒ |f (z)| < 

e

0 < |z − z0 | < δ2 e z ∈ A=⇒ |g(z)| < .

Tomando δ = min{δ1 , δ2 }, se 0 < |z − z0 | < δ e z ∈ A, então

√√
|(f g)(z)| = |f (z)||g(z)| ≤   = .


12 2. Definições e resultados úteis de análise complexa

Definição 2.17. Dada uma função f : A ⊂ C −→ C, em que A é aberto, dizemos que f


tem derivada no ponto z0 se existir o limite

f (z) − f (z0 )
lim . (2.1)
z→z0 z − z0

Observação 2.18. No caso em que o limite acima existe, usamos a notação

f (z) − f (z0 )
f 0 (z0 ) = lim ,
z→z0 z − z0

e dizemos que f é derivável em z0 .

Observação 2.19. Para a verificar se uma função tem derivada em um ponto z0 podemos
calcular o limite (2.1) ou o seguinte limite:

f (z0 + h) − f (z0 )
lim .
h→0 h

Proposição 2.20. Sejam f, g : A ⊂ C −→ C funções, definidas num aberto A, que possuem


derivadas no ponto z0 . Então,

(a) f + g é derivável em z0 e (f + g)0 (z0 ) = f 0 (z0 ) + g 0 (z0 ).

(b) f g é derivável em z0 e (f g)0 (z0 ) = f 0 (z0 )g(z0 ) + f (z0 )g 0 (z0 ).


 0
f f f 0 (z0 )g(z0 ) − f (z0 )g 0 (z0 )
(c) Se g(z0 ) 6= 0, então é derivável em z0 e (z0 ) = .
g g [g(z0 )]2

Demonstração: (a) Observemos que

(f + g)(z) − (f + g)(z0 ) f (z) + g(z) − f (z0 ) − g(z0 )


lim = lim =
z→z0 z − z0 z→z 0 z − z0

f (z) − f (z0 ) g(z) − g(z0 )


lim + lim = f 0 (z0 ) + g 0 (z0 ).
z→z0 z − z0 z→z0 z − z0
Portanto, f + g é derivável em z0 e (f + g)0 (z0 ) = f 0 (z0 ) + g 0 (z0 ).

(b) Notemos que

f (z)g(z) − (f g)(z0 ) (f g)(z) − f (z)g(z0 ) + f (z)g(z0 ) − (f g)(z0 )


lim = lim =
z→z0 z − z0 z→z0 z − z0
     
g(z) − g(z0 ) f (z) − f (z0 )
lim f (z) + g(z) = f 0 (z0 )g(z0 ) + f (z0 )g 0 (z0 ).
z→z0 z − z0 z − z0
Portanto, f g é derivável em z0 e (f g)0 (z0 ) = f 0 (z0 )g(z0 ) + f (z0 )g 0 (z0 ).
2.2. Funções contínuas e holomorfas 13

(c) Vejamos que

f (z) f (z0 )

g(z) g(z0 ) f (z)g(z0 ) − f (z0 )g(z) 1
lim = lim · =
z→z0 z − z0 z→z0 z − z0 g(z)g(z0 )

f 0 (z0 )g(z0 ) − f (z0 )g 0 (z0 )


.
[g(z0 )]2
 0
f f f 0 (z0 )g(z0 ) − f (z0 )g 0 (z0 )
Portanto, é derivável em z0 e (z0 ) = . 
g g [g(z0 )]2

Proposição 2.21. Sejam f : A −→ C e g : B −→ C, tais que, g(B) ⊂ A. Se g tem derivada


em z0 ∈ B e f tem derivada em g(z0 ), então f ◦ g tem derivada em z0 e

(f ◦ g)0 (z0 ) = f 0 (g(z0 ))g 0 (z0 ) (2.2)

Demonstração: Fixemos z0 ∈ B e tomemos  > 0 tal que D(z0 , ) ⊂ B. Mostremos que


para toda sequência (hn ) ⊂ D(0, ) − {0}, com lim hn = 0, têm-se que o limite
n→∞

f (g(z0 + hn )) − f (g(z0 ))
lim
n→∞ zn

existe e igual f 0 (g(z0 ))g 0 (z0 ).

Caso 1: Suponha que g(z0 ) 6= g(z0 − hn ), para todo n ∈ N. Nesse caso,

f (g(z0 + hn )) − f (g(z0 )) f (g(z0 + hn )) − f (g(z0 )) g(z0 + hn ) − g(z0 )


lim = lim ·
n→∞ hn n→∞ hn g(z0 + hn ) − g(z0 )
 
f (g(z0 + hn )) − f (g(z0 )) g(z0 + hn ) − g(z0 )
= lim ·
n→∞ g(z0 + hn ) − g(z0 ) hn
f (g(z0 + hn )) − f (g(z0 )) g(z0 + hn ) − g(z0 )
= lim · lim
n→∞ g(z0 + hn ) − g(z0 ) n→∞ hn
0 0
= f (g(z0 ))g (z0 ).

Assim, f ◦ g é derivável e sua derivada em z0 é igual f 0 (g(z0 ))g 0 (z0 ).

Caso 2: Suponha que g(z0 ) = g(z0 − hn ) para infinitos valores de n. Escrevemos (hn ) como
a união de duas sequências (un ) e (vn ), em que onde g(z0 + un ) 6= g(z0 ) e g(z0 + vn ) = g(z0 ),
para todo n. Como f e g são deriváveis,

g(z0 + vn ) − g(z0 )
lim =0
h→∞ vn
14 2. Definições e resultados úteis de análise complexa

e
f (g(z0 + vn )) − f (g(z0 ))
lim = 0.
h→∞ vn
Além disso, pelo primeiro caso

(f ◦ g)(z0 + un ) − (f ◦ g)(z0 )
lim = f 0 (g(z0 ))g 0 (z0 ) = 0.
h→∞ un

Portanto,
(f ◦ g)(z0 + hn ) − (f ◦ g)(z0 )
lim = 0 = f 0 (g(z0 ))g 0 (z0 ).
h→∞ hn


Definição 2.22. Seja f : A ⊂ C −→ C uma função definida num aberto A. Dizemos que f
é analítica ou holomorfa em A se possuir derivada em todo ponto de A.

Exemplo 2.23. Consideremos a função P : C −→ C definida por P (z) = z n . Observemos


que

P (z) − P (z0 ) z n − z0n (z − z0 )(z n−1 + z n−2 z0 + · · · + zz0n−2 + z0n−1 )


lim = lim = lim
z→z0 z − z0 z→z0 z − z0 z→z0 z − z0

= lim z n−1 + z n−2 z0 + · · · + zz0n−2 + z0n−1 = nz0n−1 ,


z→z0

ou seja, P 0 (z0 ) = nz0n−1 .

2.3 Singularidades isoladas


Definição 2.24. Dizemos que z0 ∈ C é singularidade isolada de uma função f , se existir
r > 0, de forma que f é holomorfa em D(z0 , r) − {z0 }, mas não em D(z0 , r).

Definiremos abaixo alguns tipos de singularidade isolada.

Definição 2.25. Seja f uma função que tem singularidade em z0 . Dizemos que f tem polo
em z0 se
lim f (z) = ∞.
z→z0

Definição 2.26. Seja f uma função que tem singularidade em z0 . Dizemos que f tem
singularidade removível em z0 , se existe uma função analítica g : D(z0 , r) −→ C, tal que,
g(z) = f (z), ∀z ∈ D(z0 , r) − {z0 }.

Proposição 2.27. Se f uma função definida em um conjunto aberto A e tem uma sin-
gularidade isolada em um ponto z0 ∈ A, então z0 é singularidade removível se, e somente
se,
lim (z − z0 )f (z) = 0.
z→z0

A demonstração da Proposição 2.26 pode ser encontrada em [ 1 ].


2.4. Teoremas úteis 15

Exemplo 2.28. Consideremos a função g : C −→ C, dada por


 2
 z − z , se z 6= 0
g(z) = z
0, se z = 0.

Notemos que
z2 − z
 
lim (z − 0) = lim(z 2 − z) = 0.
z→0 z z→0

Pela proposição acima , temos que z = 0 é singularidade removível de g.

Exemplo 2.29. Consideremos a função f : C −→ C, dada por


 3
 3z + 2z − 1 , se z 6= 0
f (z) = z
1, se z = 0.

Vejamos que

3z 3 + 2z − 1
 
lim (z − 0) = lim(3z 3 + 2z − 1) = 3 + 2 − 1 = 4.
z→1 z z→1

Pela proposição acima, temos que z = 1 não é singularidade removível de f .

2.4 Teoremas úteis


Apresentamos nesta seção resultados úteis que serão utilizados ao longo do texto.

Teorema 2.30. (Teorema de Rouché) Suponha que f e g são funções holomorfas em um


conjunto aberto que contém um círculo C em seu interior. Se

|f (z)| > |g(z)|, para todo z ∈ C,

então f e f + g tem o mesmo número de zeros no interior de C.

A demonstração do Teorema 2.30 pode ser encontrada em [ 1 ].

Definição 2.31. Dizemos que f : A ⊂ C −→ C, definida no conjunto aberto A, é uma


função aberta, se a imagem da função for um conjunto aberto.

Teorema 2.32. Seja f : A ⊂ C −→ C uma função holomorfa definida num domínio A.


Então, as seguintes afirmações são equivalentes:
(a) O conjunto dos pontos {z ∈ A : f (z) =} tem um ponto de acumulação;
(b) f ≡ 0.

A demonstração do Teorema 2.29 pode ser encontrada em [ 1 ].


16 2. Definições e resultados úteis de análise complexa

Teorema 2.33. (Teorema do mapeamento aberto) Seja f uma função holomorfa e não
constante em um domínio A ⊂ C. Então, f é uma função aberta.

Demonstração: Seja w0 ∈ f (A) e z0 ∈ A tal que f (z0 ) = w0 . Precisamos mostrar que


existe ε > 0 tal que D(w0 , ε) ⊂ f (A). A princípio tomemos w próximo de w0 e definimos a
função
g(z) = f (z) − w = (f (z) − w0 ) + (w0 − w) = F (z) + G(z),

em que F (z) = f (z) − w0 e G(z) = w0 − w. Como A é domínio e f é não constante, pelo


Teorema 2.32, existe δ > 0 de forma que D(z0 , δ) ⊂ A e f (z) 6= w0 , para todo z ∈ C(z0 , δ).
Tomemos ε > 0, tal que |f (z) − w0 | ≥ ε, z ∈ C(z0 , δ). Agora, se |w − w0 | < ε, temos
|F (z)| > |G(z)|, para todo z ∈ C(z0 , δ). Pelo Teorema de Rouché, a função g = F + G tem
um zero dentro do círculo, desde que F tenha. 

Teorema 2.34. (Princípio do Módulo Máximo) Seja A ⊂ C um domínio e f : A −→ C


uma função holomorfa. Suponha que existe um ponto a ∈ A tal que

|f (a)| ≥ |f (z)|, ∀z ∈ A.

Então, f é uma função constante.

Demonstração: Seja B = f (A) e b ∈ B tal que f (a) = b. Por hipótese, temos que

|b| ≥ |β|, ∀β ∈ B. (2.3)

Vejamos que, pela Proposição 2.9, b ∈ ∂B. Logo, B não é aberto, pois se fosse, existiria
um disco aberto D(b, ε) ⊂ B, e isto não acontece. Desse modo, f não é uma função aberta.
Portanto, pelo Teorema 2.33, f é constante. 
17

Capítulo 3

Projeção estereográfica

Neste capítulo faremos a construção da projeção estereográfica a partir da esfera unitária


e da esfera de Riemann, que é fundamental para definirmos a transformação de Möbius.

3.1 Construção da projeção estereográfica


Vamos considerar a superfície esférica unitária:

S 2 = {(x1 , x2 , x3 ) : x21 + x22 + x23 = 1} ⊂ R3 .

Identifiquemos o conjunto dos números complexos C com o plano {(x1 , x2 , 0) : x1 , x2 ∈


R} ⊂ R3 o qual intercepta o equador (x21 + x22 = 1) de S 2 . Dessa maneira, cada número
complexo z = x1 +ix2 fica identificado com o ponto (x1 , x2 , 0). O ponto N =(0,0,1) é chamado
de polo norte de S 2 .

Agora, para cada z ∈ C, considere a reta r passando por z e N . Essa reta intercepta a
esfera S 2 em exatamente um ponto P 6= N . Notemos ainda que:
18 3. Projeção estereográfica

• se |z| < 1, a reta intercepta o hemisfério sul de S 2 ;

• se |z| > 1, a reta intercepta o hemisfério norte de S 2 ;

• se |z| = 1, a reta intercepta o equador de S 2 .

Observemos que quando z se aproxima do infinito, ou seja, |z| → ∞, a reta r tende a ser
paralela ao plano C e o ponto P se aproxima de N . Em outras palavras, se fizermos |z| → ∞,
temos P → N . Sendo assim, podemos identificar N com o infinito (∞) e, consequentemente,
S 2 com C∪{∞}. O conjunto C∪{∞} é chamado de Esf era de Riemann ou P lano Complexo
Estendido.
Nosso objetivo agora é encontrar uma aplicação Φ que relacione cada coordenada de z =
x + iy = (x, y, 0) ∈ C com as coordenadas de seu ponto correspondente P = (x1 , y1 , z1 ) ∈ S 2 .
Inicialmente precisamos determinar a equação da reta r passando por z e N . Para tal,
consideremos o vetor diretor

−→
zN = (−x, −y, 1).

Assim, a equação da reta r é dada por:

−→
r : {z + t · zN : t ∈ R},

r : {(x, y, 0) + t(−x, −y, 1) : t ∈ R},

r : {((1 − t)x, (1 − t)y, t) : t ∈ R}.

Para encontrarmos as coordenadas de P, de forma que P ∈ r ∩ S 2 , devemos determinar


o valor de t para que isso ocorra. Observemos que

r ∩ S 2 = {((1 − t)x, (1 − t)y, t) : (1 − t)2 x2 + (1 − t)2 y 2 + t2 = 1, t ∈ R},

e
(1 − t)2 x2 + (1 − t)2 y 2 + t2 = 1

⇔ (1 − t)2 x2 + (1 − t)2 y 2 = 1 − t2

⇔ (1 − t)2 (x2 + y 2 ) = 1 − t2

⇔ (1 − t)2 |z|2 = 1 − t2

⇔ (1 − t)2 |z|2 = (1 − t)(1 + t).

Como P 6= N , temos t 6= 1. De fato, t = 1 implicaria em P = (0, 0, 1). Logo, a última


igualdade acima é equivalente a

(1 − t)|z|2 = 1 + t
3.1. Construção da projeção estereográfica 19

⇔ |z|2 − t|z|2 = 1 + t

⇔ t + t|z|2 = |z|2 − 1

⇔ t(|z|2 + 1) = |z|2 − 1
|z|2 − 1
⇔t= .
|z|2 + 1
Substituindo esse valor de t na equação da reta r obtemos o ponto

|z|2 − 1
 
2x 2y
P = , , .
|z|2 + 1 |z|2 + 1 |z|2 + 1
Observemos que, se |z| → ∞, então P → N . Sendo assim, podemos definir a aplicação

Φ : C ∪ {∞} −→ S 2 ,
|z|2 − 1
 
2x 2y
Φ(z) = , , , se z = x + iy ∈ C;
|z|2 + 1 |z|2 + 1 |z|2 + 1
Φ(∞) = (0, 0, 1) .

Proposição 3.1. A aplicação Φ é bijetora.

Demonstração: Provemos primeiramente que Φ é injetora. Sejam z1 = x1 + iy1 , z2 =


x1 + iy2 ∈ C, tais que Φ(z1 ) = Φ(z2 ). Assim,

|z1 |2 − 1 |z2 |2 − 1
   
2x1 2y1 2x2 2y2
Φ(z1 ) = , , = , , = Φ(z2 ).
|z1 |2 + 1 |z1 |2 + 1 |z1 |2 + 1 |z2 |2 + 1 |z2 |2 + 1 |z2 |2 + 1

Analisando a igualdade das duas terceiras coordenadas, temos |z1 | = |z2 |. De fato,

|z1 |2 − 1 |z2 |2 − 1
=
|z1 |2 + 1 |z2 |2 + 1

⇔ (|z1 |2 − 1)(|z2 |2 + 1) = (|z2 |2 − 1)(|z1 |2 + 1)

⇔ |z1 |2 |z2 |2 + |z1 |2 − |z2 |2 − 1 = |z1 |2 |z2 |2 + |z2 |2 − |z1 |2 − 1

⇔ |z1 |2 − |z2 |2 = |z2 |2 − |z1 |2

⇔ 2|z1 |2 = 2|z2 |2

⇔ |z1 |2 = |z2 |2 .

Consequentemente, pela igualdade das outras coordenadas, temos

2x1 2x2 2y1 2y2


2
= e =
|z1 | + 1 |z2 |2 + 1 2
|z1 | + 1 |z2 |2 + 1

⇔ 2x1 = 2x2 e 2y1 = 2y2


20 3. Projeção estereográfica

⇔ x1 = x2 e y1 = y2 .

Logo, z1 = z2 . Observemos que, por definição, φ(z) = (0, 0, 1) se, e somente, se z = ∞.


Portanto, Φ é injetiva.
Provemos que Φ é sobrejetora. Para o ponto (0, 0, 1) ∈ S 2 , temos Φ(∞) = (0, 0, 1). Agora,
para cada ponto P = (x1 , x2 , x3 ) ∈ S 2 − {(0, 0, 1)} existe um correspondente z = x + iy em
C, tal que Φ(z) = P . Como P também pertence à reta r,

(x1 , x2 , x3 ) = ((1 − t)x, (1 − t)y, t),

para algum t ∈ R. Neste caso, já podemos notar que t = x3 e, consequentemente,

x1 x2
x= e y= .
1 − x3 1 − x3
x1 + ix2
Agora, tomando z = , temos
1 − x3
|z|2
 
2x1 2x2
  − 1
x1 + ix2  1 − x3 1 − x3 (1 − x23 )
Φ(z) = Φ =  , , 
1 − x3 |z|2 |z|2 |z|2 
+ 1 + 1 + 1
(1 − x23 ) (1 − x23 ) (1 − x23 )

(1 − z) (|z|2 − (1 − x3 )2 )
 
2x1 (1 − x3 ) 2x2 (1 − x3 )
= , ,
(1 − z) (|z|2 + (1 − x3 )2 ) (1 − z) (|z|2 + (1 − x3 )2 ) (1 − z) (|z|2 + (1 − x3 )2 )

x21 + x22 − x23 + 2x3 − 1


 
2x1 (1 − x3 ) 2x2 (1 − x3 )
= , ,
x21 + x22 + x23 − 2x3 + 1 x21 + x22 + x23 − 2x3 + 1 x21 + x22 + x23 − 2x3 + 1

 
2x1 (1 − x3 ) 2x2 (1 − x3 ) 2x3 (1 − x3 )
= , , = (x1 , x2 , x3 ).
2(1 − x3 ) 2(1 − x3 ) 2(1 − x3 )

Na penúltima igualdade usamos o fato que P ∈ S 2 . Portanto, Φ é sobrejetora. Dessa


forma, concluímos que Φ é bijetora.

A Proposição 3.1 garante que Φ tem inversa Φ −1
: S −→ C ∪ {∞}, a qual é definida por
2

x1 + ix2
Φ−1 (x1 , x2 , x3 ) = , se (x1 , x2 , x3 ) ∈ S 2 − {(0, 0, 1)};
1 − x3

Φ−1 (0, 0, 1) = ∞.

A aplicação Φ−1 é chamada de projeção estereográfica.


Note que, como conseguimos obter uma bijeção entre o plano complexo estendido e a
esfera S 2 , intuitivamente podemos dizer que este plano “embrulha” a esfera.
21

Capítulo 4

Transformações no plano complexo

Neste capítulo apresentamos algumas transformações elementares que serão essenciais


para o estudo das transformações de Möbius.

4.1 Transformações elementares

Relembremos da representação polar e exponencial de um número complexo. Dado z =


x + iy ∈ C, escrevemos
z = r(cos θ + i sen θ) = reiθ ,

em que r = |z| e θ ∈ [0, 2π).

Definição 4.1. Seja a ∈ C, a transformação

T (z) = a + z

é chamada de translação no plano complexo de z por meio do vetor a. Mais precisamente,


se a = a1 + ia2 e z = x + iy,

T (z) = (x + iy) + (a1 + ia2 ) = (x + a1 ) + i(y + a2 ).

Exemplo 4.2. A transformação

T (z) = z + (1 + i)

mapeia o quadrado Q1 no quadrado Q2 . Veja Figura 3.1 abaixo.


22 4. Transformações no plano complexo

Figura 4.1: T (z) = z + (1 + i).

Definição 4.3. Considere beiφ ∈ C, φ ∈ [0, 2π), de forma que |b| = 1. A transformação

T (z) = bz

é chamada de rotação no plano complexo de z por meio do vetor unitário b. Mais precisa-
mente, se z = reiθ ,
T (z) = reiθ eiφ = rei(θ+φ) .

Exemplo 4.4. Considere a faixa infinita A = {z ∈ C : 0 < Re(z) < 1} e a transformação

T (z) = iz.

Notemos que,

i = cos(π/2) + isen(π/2) = eiπ/2 .

Logo, se z = reiθ ,
T (z) = rei(θ+π/2) .

A aplicação T envia o conjunto A na faixa infinita {z : 0 < Im(z) < 1}. Veja Figura
3.2.

Figura 4.2: T (z) = iz.


4.1. Transformações elementares 23

Definição 4.5. Dado ρ ∈ R, a transformação

T (z) = ρz

é denominada homotetia no plano complexo de z por meio do escalar ρ. Escrevendo z = reiθ ,

T (z) = (ρr)eiθ .

Notemos que se ρ > 0, a transformação dilata o vetor z; se ρ < 0, então o vetor z é


contraído.

Exemplo 4.6. A transformação


T (z) = 2z

transforma a região retangular de área ab no retângulo de área 4ab. Veja Figura 3.3 abaixo.

Figura 4.3: T (z) = 2z.

Observemos que a transformação T (z) = xz + y, em que x, y ∈ C e x 6= 0, é a composição


das transformações: translação, rotação e homotetia. De fato, considere T1 (z) = a1 z, a1 ∈ C,
|a1 | = 1; T2 (z) = ρ1 z, ρ1 ∈ R; e T3 (z) = z + y, y ∈ C, com a1 ρ1 = x. Temos

T (z) = T3 (T2 (T1 (z))) = xz + y.

Se o vetor z é não nulo, então ele é contraído (ou dilatado), rotacionado e, por fim,
transladado através da ação de T .

Exemplo 4.7. Considere o quadrado da figura 4.4


e a transformação
T (z) = (1 + i)z + 2

Vejamos que,
√ √
1+i= 2(cos(π/2) + i sen(π/2) = 2eiπ/2

Logo, se z = reiθ

T (z) = ( 2r)ei(θ+π/2) + 2
24 4. Transformações no plano complexo

Figura 4.4: T (z) = (1 + i)z + 2.

Assim o quadrado da figura acima é transformado no losango da figura abaixo:

Figura 4.5: T (z) = (1 + i)z + 2.

Definição 4.8. A transformação

T (z) = z

é chamada de simetria no plano complexo, ou seja, se z = x + iy,

T (z) = x + iy = x − iy.

Exemplo 4.9. O triângulo da Figura 3.4 é levado pela transformação de simetria em um


triângulo congruente e simétrico em relação ao eixo x.

Definição 4.10. A transformação inversa no plano complexo é definida por

1
T (z) = , z 6= 0.
z
4.1. Transformações elementares 25

Figura 4.6: T (z) = z.

Essa transformação é uma inversão ao círculo unitário |z| = 1, ou seja, os pontos do


interior do círculo |z| = 1 são levados através de T nos pontos exteriores a ele e vice-versa.
Já os pontos do circulo |z| = 1 são levados em pontos do próprio círculo. Veja Figura 3.5
abaixo.

Figura 4.7: T (z) = z + (1 + i).

Neste momento vamos dar uma atenção especial à transformação de inversão. Iremos
definí-la na origem e no ponto infinito ∞. Para isso, definimos intuitivamente os seguintes
limites
1 1
lim T (z) = lim = 0 e lim T (z) = lim = ∞. (4.1)
z→∞ z→∞ z z→0 z→0 z

Assim, definimos a inversão no plano complexo estendido da seguinte forma:

T : C ∪ {∞} −→ C ∪ {∞}

1
T (0) = ∞, T (∞) = 0 e T (z) = .
z
26 4. Transformações no plano complexo

Assim definida, podemos dizer que T é contínua em C ∪ {∞} pois, para qualquer z0 ∈
C ∪ {∞},

lim T (z) = T (z0 ). (4.2)


z→z0

1
Se z = a+ib 6= 0, a transformação de inversão associa z ao ponto w = o qual denotamos
z
por x + iy. Sendo assim,

1 z z a − ib a b
w= = = 2 = 2 = − i ,
z zz |z| a + b2 a2 + b 2 a2 + b 2

ou seja,
a b
x= , y=− . (4.3)
a2 + b2 a2 + b2
Além disso, como

1 w w x − iy x y
z= = = = = − i ,
w ww |w|2 x2 + y 2 x2 + y 2 x2 + y 2

segue que
x y
a= , b=− . (4.4)
x2 + y2 x2 + y2
Essas observações serão úteis na demonstração do seguinte resultado.

Teorema 4.11. A transformação de inversão transforma círculos e retas em círculos e retas.

Demonstração: Considerem A, B, C, D ∈ R, de modo que satisfaçam condição B 2 + C 2 >


4AD. A equação
A(a2 + b2 ) + Ba + Cb + D = 0 (4.5)

representa um círculo (A 6= 0) ou uma reta arbitrária (A = 0).


Se A 6= 0, pelo método de completamento de quadrados, reescrevemos a equação (3.5)
na forma  2  2  √ 2 2
B C B + C 2 − 4AD
a+ + b+ = .
2A 2A 2A
Assim, fica evidente a necessidade da condição B 2 + C 2 > 4AD.
Quando A = 0, a condição exigida torna-se B 2 + C 2 > 0. Consequentemente, B e C são
ambos não nulos.
Se a e b satisfazem as equações (3.5), substituindo essas variáveis pelas relações em (3.4),
obtemos

x2 y2
     
x −y
A + +B +C +D =0
(x2 + y 2 )2 (x2 + y 2 )2 x2 + y 2 x2 + y 2
 2
x + y2
    
x −y
⇒A +B +C +D =0
(x2 + y 2 )2 x2 + y 2 x2 + y 2
4.1. Transformações elementares 27

     
1 x −y
⇒A +B +C +D =0
x2 + y 2 x2 + y 2 x2 + y 2

⇒ A + Bx − Cy + D(x2 + y 2 ) = 0. (4.6)

A última equação representa a equação de um círculo ou de uma reta.



Observemos que se x e y satisfazem (3.6), segue das relações em (3.3) que a e b satisfazem
(3.5). De fato,

a2 b2
     
a −b
A+B −C +D + =0
a2 + b 2 a2 + b 2 (a2 + b2 )2 (a2 + b2 )2
 2
a + b2

   
a −b
⇒A+B −C +D =0
a2 + b 2 a2 + b 2 (a2 + b2 )2
     
a −b 1
⇒A+B −C +D =0
a2 + b 2 a2 + b 2 a2 + b 2
⇒ A(a2 + b2 ) + Ba + Cb + D = 0.

Assim, das equações (3.5) e (3.6), obtemos a seguinte proposição.

Proposição 4.12. Seja T uma transformação de inversão, então:

i) um círculo que não passa pela origem (A 6= 0 e D 6= 0) é transformado pela in-


versão em um círculo que não passa pela origem;

ii) um círculo que passa pela origem (A 6= 0 e D = 0) é transformado pela inversão


em uma reta que não passa pela origem;

iii) uma reta que não passa pela origem (A = 0 e D 6= 0) é transformada pela in-
versão em um círculo que passa pela origem;

iv) uma reta que passa pela origem (A = 0 e D = 0) é transformada pela inversão
em uma reta que passa pela origem.

Uma reta no plano complexo estendido pode ser considerada como um círculo que passa
por ∞. Assim, podemos dizer que a inversão transforma círculos em círculos.
28 4. Transformações no plano complexo
29

Capítulo 5

Transformações de Möbius

Como tema central deste trabalho, finalmente iremos introduzir as Transformações de


Möbius e apresentaremos alguns resultados referentes a esse assunto. Em continuidade,
exemplificaremos algumas dessas transformações, mediante os resultados obtidos.

5.1 Transformação linear fracionária

Definição 5.1. Sejam a, b, c, d ∈ C. Uma transformação linear fracionária é uma aplicação


az + b
da forma T (z) = .
cz + d

Proposição 5.2. Sejam T1 e T2 duas transformações lineares fracionárias. Então, a apli-


cação T1 ◦ T2 também a é.

a1 z + b 1 a2 z + b 2
Demonstração: Por hipótese, T1 (z) = e T2 (z) = são transformações
c1 z + d 1 c2 z + d 2
lineares fracionárias. Então,
 
a2 z + b 2
  a1 + b1
a2 z + b 2 c2 z + d2
(T1 ◦ T2 )(z) = T1 (T2 (z)) = T1 =   =
c2 z + d 2 a2 z + b 2
c1 + d1
c2 z + d 2
   
a2 z + b 2 c2 z + d 2
a1 + b1
c2 z + d 2 c z + d2 a (a z + b2 ) + b1 (c2 z + d2 )
=    2 = 1 2 =
a2 z + b 2 c2 z + d2 c1 (a2 z + b2 ) + d1 (c2 z + d2 )
c1 + d1
c2 z + d 2 c2 z + d2
(a1 a2 + b1 c2 )z + (a1 b2 + b1 d2 )
= ,
(c1 a2 + d1 c2 )z + (c1 b2 + d1 d2 )
ou seja, T1 ◦ T2 é uma transformação linear fracionária. 
30 5. Transformações de Möbius

5.2 Transformação de Möbius


Definição 5.3. Uma transformação linear fracionária T é dita transformação de Möbius se
ad − bc 6= 0.
az + b
Proposição 5.4. Sejam a,b,c,d ∈ C, se T (z) = é uma transformação de Möbius,
cz + d
então T é uma composição de translações, rotações, homotetias e inversões.
a
Demonstração: Tomemos as translações T1 (z) = z + d e T2 (z) = z + , a inversão
c
1 z
I(z) = e a transformações H1 (z) = e H2 = cz, que podem ser homotetia ou
cz bc − ad
rotação.
Afirmamos que T (z) = (T2 ◦ I ◦ H1 ◦ T1 ◦ H2 )(z). De fato,

T2 (I(H1 (T1 (H2 (z))))) = T2 (I(H1 (T1 (cz)))) = T2 (I(H1 (cz + d)))
    
cz + d bc − ad bc − ad a bc − ad + cza + ad az + b
= T2 I = T2 = + = = .
bc − ad c(cz + d) c(cz + d) c c(cz + d) cz + d

É evidente que uma transformação de Möbius é um caso especial de transformação linear
fracionária, que também é uma composição de translações, rotações, homotetias e inversões.
Assim, possui a propriedade de enviar círculos em círculos.

Proposição 5.5. Se T é uma transformação de Möbius, então T é inversível.


az + b
Demonstração: Seja T (z) = uma transformação de Möbius. Consideremos a
cz + d
dz − b
transformação S(z) = , que também é de Möbius, dado que, pela transformação T,
a − cz
ad − bc 6= 0. Observemos que:
 
dz − b
  a +b
dz − b a − cz
(S ◦ T )(z) = S(T (z)) = S =   = z,
a − cz dz − b
c +d
a − cz

e  
az + b
  d −b
az + b cz + d
(T ◦ S)(z) = S(T (z)) = T =   = z.
cz + d az + b
−c +a
cz + d
Logo, S é a aplicação inversa de T , ou seja, S = T −1 . 
Relembremos agora a definição de ponto fixo de uma função.

Definição 5.6. Seja X ⊂ C ∪ {∞} e f : X −→ X uma função. Dizemos que p ∈ X é um


ponto fixo de f se f (p) = p.

Proposição 5.7. Se uma transformação de Möbius for diferente da identidade, então ela
tem no um ou dois pontos fixos.
5.2. Transformação de Möbius 31

az + b
Demonstração: Seja T (z) = uma transformação de Möbius diferente da identi-
cz + d
dade. Para encontrarmos seus pontos fixos vamos analisar a equação T (z) = z. Observemos
que

az + b
= z ⇔ cz 2 + (d − a)z − b = 0.
cz + d
Como a equação acima tem uma ou duas raízes, então T tem um ou dois pontos fixos.
Observe que se T fosse a identidade, a equação teria infinitas soluções. 
Por simplicidade, introduzimos a notação C∞ = C ∪ ∞

Proposição 5.8. Dados três pontos distintos em z1 ,z2 ,z3 ∈ C∞ e outros três pontos distintos
w1 ,w2 ,w3 ∈ C∞ , existe uma única transformação de Möbius T : C∞ −→ C∞ , de forma que,
T (z1 ) = w1 , T (z2 ) = w2 e T (z3 ) = w3 .

Demonstração: Unicidade: Sejam z1 , z2 e z3 três pontos distintos de C∞ e outros três


pontos distintos w1 , w2 e w3 de C∞ . Suponhamos que existam duas transformações de
Möbius, T e S, de forma que, S(zj ) = wj e T (zj ) = wj , j = 1, 2, 3. Como T é de Möbius, T
é inversível, e assim,

(T −1 ◦ S)(zj ) = T −1 (S(zj )) = T −1 (wj ) = sj , j = 1, 2, 3.

Logo, pela Proposição 4.7, T −1 ◦ S é a aplicação identidade, ou seja, T = S.


Existência: Sejam z1 , z2 e z3 três pontos distintos de C∞ . Defina S : C∞ −→ C∞ por

(z2 − z3 )(z − z1 )
S(z) = , se z1 , z2 , z3 ∈ C;
(z2 − z1 )(z − z3 )

(z2 − z3 )
S(z) = , se z1 = ∞;
(z − z3 )

(z − z1 )
S(z) = , se z2 = ∞;
(z − z3 )

(z − z1 )
S(z) = , se z3 = ∞.
(z2 − z1 )

Essa aplicação S é uma transformação de Möbius e satisfaz S(z1 ) = 0, S(z2 ) = 1 e


S(z3 ) = ∞. Por outro lado, se w1 , w2 e w3 são três pontos distintos de C∞ , então, utilizando
a mesma lei de formação de S, existe uma transformação de Möbius R tal que R(w1 ) = 0,
R(w2 ) = 1 e R(w3 ) = ∞. Logo, a transformação procurada é T = R−1 ◦ S. De fato,

T (zj ) = (R−1 ◦ S)(zj ) = R−1 (S(zj )) = wj , j = 1, 2, 3.


32 5. Transformações de Möbius

5.3 Transformações de Möbius entre domínios de C


Nesta seção construiremos algumas aplicações entre regiões do plano complexo usando
os resultados obtidos até agora. Será necessário algumas ferramentas topológicas que admi-
tiremos sem prova. A saber:
Um círculo C na esfera de Riemann divide-a em duas regiões U e V , das quais C é
a fronteira de ambas. Seja T uma transformação de Möbius, então T (C) também é um
círculo, o qual divide a esfera em duas regiões, digamos U 0 e V 0 , sendo T (C) a fronteira
comum. Nesse caso, se T (U ) = U 0 , então T (V ) = V 0 . Se T (U ) = V 0 então T (V ) = U 0 . Este
fato é relevante para sabermos onde T envia U . Para isso, é necessário verificar se T (u) ∈ U 0
ou se T (u) ∈ V 0 , em que u ∈ U é arbitrário.

Exemplo 5.9. Consideremos o semiplano U = {z ∈ C : Re(z) > 0} e o disco V = {z ∈ C :


|z| < 1}. Vamos construir uma transformação de Möbius que envia U em V . Busquemos
inicialmente uma transformação que leve o eixo imaginário x = 0 no círculo x2 + y 2 = 1.
Tomemos três pontos sobre o eixo imaginário, no sentido crescente, −i, 0 e i, e três pontos
sobre o círculo, no sentido horário, −1, i e 1. Queremos encontrar uma transformação de
Möbius tal que
T1 (−i) = −1, T1 (0) = i, T1 (i) = 1. (5.1)
az + b
Escrevendo T1 (z) = e impondo as condições em (4.1), obtemos
cz + d

−iz + i
T1 (z) = .
z+1

Pela Proposição 4.8, essa transformação é a única satisfazendo (4.1). Observemos que
ad − bc = −2i 6= 0 e T1 (1) = 0 ∈ V . Recorrendo as considerações do início da seção, fica
evidente que T1 envia U em V . Logo é a transformação procurada.

Exemplo 5.10. Consideremos o semiplano U = {z ∈ C : Re(z) > 0} e o exterior V = {z ∈


C : |z| > 1} do disco unitário. Queremos construir uma aplicação de Möbius que envia U
em V . Repetindo os passos do exemplo anterior, modificando somente o sentido do percurso
do círculo para anti-horário, procuraremos uma transformação T2 de Möbius satisfazendo

T2 (−i) = 1, T2 (0) = i, T2 (i) = −1. (5.2)

Neste caso obtemos,


iz + i
T2 (z) = .
−z + 1
Observemos que ad − bc = 2i 6= 0, T2 (1) = ∞ ∈ V e, então, T2 (U ) = V . Portanto, T2 é a
aplicação procurada.

Nos primeiros exemplos construímos transformações de Möbius, nos próximos construi-


remos aplicações bijetoras, não necessariamente de Möbius.
5.3. Transformações de Möbius entre domínios de C 33

Exemplo 5.11. Consideremos o primeiro quadrante U = {z ∈ C : Re(z) > 0, Im(z) > 0}


do plano e o disco V = {z ∈ C : |z| < 1}. Nosso objetivo é encontrar uma aplicação bijetora
entre eles. Para isto, vamos primeiramente enviar U para o semiplano U1 = {z ∈ C :
Im(z) > 0}. Faremos isso com a ajuda da função f (z) = z 2 . De fato, se z = reiθ , 0 < θ <
π/2, então z 2 = r2 e2iθ , 0 < 2θ < π. Agora, enviaremos U1 em V1 = {z ∈ C : Re(z) > 0}
através da rotação R(z) = ei3π/2 z. A aplicação desejada F é obtida quando enviamos V1
para V por meio da transformação do Exemplo 4.9. Mais precisamente, a aplicação que
construímos é a composição das funções T1 , R e f respectivamente, ou seja,

(−iei3π/2 )z 2 + i
F (z) = (T1 ◦ R ◦ f )(z) = .
(ei3π/2 )z 2 + 1

Exemplo 5.12. Consideremos a faixa infinita U = {z ∈ C : 0 < Im(z) < π/2} e o disco
V = {z ∈ C : |z| < 1}. Queremos construir uma aplicação bijetora que leve U em V .
Primeiramente, enviaremos U em W = {z ∈ C : Re(z) > 0, Im(z) > 0}. Faremos isto
levando cada reta horizontal L(t) = t + iα, 0 < α < π/2, t ∈ R, na semi-reta aberta saindo
de 0, l(t) = et eiα , t ∈ R, através da função exponencial. Então, a aplicação procurada G é
a composição da função F do exemplo anterior com a função l, ou seja,

(−iei3π/2 )e2z + i
G(z) = (F ◦ l)(z) = .
(ei3π/2 )e2z + 1
34 5. Transformações de Möbius
35

Capítulo 6

Aplicações do disco no disco

Neste capítulo traremos resultados, com o auxílio de algumas definições e teoremas dos
capítulos anteriores, que caracterizaram todas funções bijetoras holomorfas do disco unitário
no disco unitário.

6.1 Lema de Schwarz


Lema 6.1. Considere uma função holomorfa f : D(0, 1) −→ C e suponha que f (0) = 0.
Então, |f (z)| ≤ |z| e |f 0 (0)| ≤ 1, ∀z ∈ D(0, 1). Além disso, se |f 0 (0)| = 1 ou |f 0 (z0 )| = |z0 |
para algum z0 ∈ D(0, 1)−{0}, então existe λ, |λ| < 1, de forma que f (z) = λz, ∀z ∈ D(0, 1).

Demonstração: Desde que f (0) = 0, o ponto 0 é singularidade removível de f (z)/z, pela


Proposição 2.27. Por outro lado,

f (z) f (z) − f (0)


lim = lim = f 0 (0).
z→0 z z→0 z−0

Assim, a função g : D(0, 1) −→ C, definida por

 f (z) ,

se z 6= 0
g(z) = z
 0
f (0), se z = 0,

é a extensão holomorfa de f (z)/z. Ainda mais, podemos escrever f (z) = zg(z), ∀z ∈ D(0, 1).
Por hipótese, |f (z)| ≤ 1, ∀z ∈ D(0, 1), e então

1
|zg(z)| ≤ 1 ⇒ |g(z)| ≤ , ∀z ∈ D(0, 1) − {0}.
|z|

Logo, para z ∈ C com |z| = r, 0 < r < 1, vale

1 1
|g(z)| ≤ = . (6.1)
|z| r
36 6. Aplicações do disco no disco

O Princípio do Módulo Máximo garante que a desigualdade (6.1) é válida para todo z ∈ C
tal que 0 < |z| ≤ r.

Fazendo r → 1, obtemos |g(z)| ≤ 1, ∀z ∈ D(0, 1). Dessa forma,

|f (z)| = |zg(z)| = |z||g(z)| ≤ |z|, ∀ ∈ D(0, 1),

e
|f 0 (0)| = |g(0)| ≤ 1.

Agora, vamos supor que |f 0 (0)| = 1 ou que |f (z0 )| = |z0 |, para algum z0 ∈ D(0, 1) − {0}.
Temos então,
f (z0 )
0
|g(0)| = |f (0)| = 1 ou |g(z0 )| = = 1. (6.2)
z0
Nestas condições |g| assume seu valor máximo num ponto do conjunto aberto D(0, 1). Pelo
Princípio do Módulo Máximo, concluímos que g é constante, ou seja, existe λ ∈ C tal que
g(z) = λ, ∀z ∈ D(0, 1). De (6.2),

|g(z0 )| = |λ| = 1.

Enfim, f (z) = λz, ∀z ∈ D(0, 1), e fica demonstrado o lema.

6.2 Transformações de Möbius que preservam o disco


D(0,1)

z−a
Dado a ∈ D(0, 1), consideremos a função φa (z) = . Desde que (−a) · (−a) = aa =
1 − az
|a| < 1, ou seja, |a| =
2 2
6 1, assim φa é uma transformação de Möbius.

O único pólo de φa (z) ocorre no ponto 1/a. Assim, poderíamos considerar φa em todo o
disco D(0, 1/|a|). No entanto, vamos considerar φa apenas em D(0, 1); observe que D(0, 1) ⊂
z+a
D(0, 1/|a|). A inversa de φa é dada pela transformação de Möbius φ−a (z) = . De
1 + az
fato, para z ∈ D(0, 1),

 
z + a − a(1 + az)
 
z+a 1 + az z(1 − aa)
(φa ◦ φ−a )(z) = φa (φ−a ((z)) = φa = = =z
1 + az 1 + az − a(z + a) 1 − aa
1 + az
6.2. Transformações de Möbius que preservam o disco D(0,1) 37

e
 
z − a + a(1 − az)
 
z−a 1 − az z(1 − aa)
(φ−a ◦ φa )(z) = φ−a (φa (z)) = φ−a = = = z.
1 − az 1 − az + a(z − a) 1 − aa
1 − az

Proposição 6.2. A função φa é holomorfa no disco D(0, 1) e φ0a (a) = 1/(1 − |a|2 ) e φ0a (0) =
1 − |a|2 .

Demonstração: Dado z ∈ D(0, 1), temos

 
z+h−a z−a

φa (z + h) − φa (z) 1 − a(z + h) 1 − az
lim = lim
h→0 h h→0
 h 
(z + h − a)(1 − az) − (z − a)(1 − a(z + h))
(1 − a(z + h))(1 − az)
= lim
h→0
 h
h + aah
(1 − a(z + h))(1 − az)
= lim
h→0 h
h(1 − aa)
= lim
h→0 h(1 − a(z + h))(1 − az)
1 − aa
= lim
h→0 (1 − a(z + h))(1 − az)
1 − aa
=
(1 − az)(1 − az)
1 − aa
= .
(1 − az)2

1 − aa
Assim, φ0a (z) = . Em particular,
(1 − az)2

1 − aa 1 1
φ0a (a) = 2
= =
(1 − aa) 1 − aa 1 − |a|2
e
1 − aa
φ0a (0) = = 1 − |a|2 .
1


z−a
Proposição 6.3. Seja φa (z) = , em que a ∈ D(0, 1). Então, φa é uma transformação
1 − az
de Möbius que leva o disco D(0, 1) nele mesmo e também envia a fronteira ∂D(0, 1) nela
mesma.
38 6. Aplicações do disco no disco

Demonstração: Dado z ∈ ∂D(0, 1), escrevemos z = eiθ , com θ ∈ [0, 2π). Assim,

e − a eiθ − a 1 eiθ − a z − a


|φa (z)| = |φa (e )| =
= = = = 1,
1 − aeiθ eiθ (e−iθ − a) |eiθ | e−iθ − a z − a

ou seja, φa (z) ∈ ∂D(0, 1). Como a é arbitrário e |a| = |−a|, φ−a também envia a fronteira do
disco unitário em si mesma. Para concluir esta demonstração, basta verificarmos que o disco
D(0, 1) é levado em si mesmo. Suponha que isto não ocorra, ou seja, que exista z0 ∈ D(0, 1)
e |φa (z0 )| ≥ 1. Pelo Princípio do Módulo Máximo, teríamos que |φa | é constante, que é
uma contradição. Dessa forma, φa (D(0, 1)) ⊂ D(0, 1). Novamente, como a é arbitrário e
|a| = |−a|, φ−a (D(0, 1)) ⊂ D(0, 1). Desde que φ−a é a inversa de φa , temos que φa (D(0, 1)) =
D(0, 1). 

6.3 Funções holomorfas que preservam o disco D(0,1)


Nesta seção usaremos o Lema de Schwarz juntamente com a aplicação φa , para obtermos
resultados que caracterizam todas funções bijetivas do disco D(0,1) nele mesmo.

Proposição 6.4. Seja f : D(0, 1) −→ C uma função holomorfa não constante. Se fixarmos
1 − |b|2
a ∈ D(0, 1) e tomarmos b = f (a), então |f 0 (a)| ≤ .
1 − |a|2

Demonstração: Consideremos inicialmente a função g : D(0, 1) −→ C, definida por


g(z) = (φb ◦ f ◦ φ−a )(z). Observemos que

|φ−a (z)| ≤ 1 ⇒ |f (φ−a (z))| ≤ 1 ⇒ |φb (f (φ−a (z))| ≤ 1 ⇒ |g(z)| ≤ 1, ∀z ∈ D(0, 1). (6.3)

Ainda mais,

φ−a (0) = a ⇒ f (φ−a (0)) = f (a) = b ⇒ φb (f (φ−a (0)) = φb (b) = 0 ⇒ g(0) = 0. (6.4)

Portanto, g satisfaz as hipóteses do Lema de Schwarz. Dessa forma, |g 0 (0)| ≤ 1. Por


outro lado, usando a regra da cadeia,

1 − |a|2
 
0
g (0) = φ0b (f (φ−a (0)) 0
· f (φ−a (0)) · φ0−a (0) = φ0b (b) 0
· f (a) · φ0−a (0) = f 0 (a).
1 − |b|2

Logo,

2 2
 
1 − |a| ≤ 1 ⇒ |f 0 (a)| ≤ 1 − |b| .
|g 0 (0)| ≤ 1 ⇒ 0

f (a)
1 − |b|2 1 − |a|2


Observação 6.5. Se |g 0 (0)| = 1 na demonstração acima, o Lema de Schwarz também ga-


6.3. Funções holomorfas que preservam o disco D(0,1) 39

rante que |g(z)| = λz. Daí, existe λ ∈ C, |λ| = 1, tal que

λz = φb (f (φ−a (z))), ∀z ∈ D(0, 1).

Consequentemente,
f (z) = φ−b (λφa (z)), ∀z ∈ D(0, 1) (6.5)

Teorema 6.6. Sejam f : D(0, 1) −→ D(0, 1) uma bijeção holomorfa e com um único
a ∈ D(0, 1) satisfazendo f (a) = 0. Então, existe λ ∈ C, |λ| = 1, de modo que
f (z) = λφa (z), ∀z ∈ D(0, 1).

Demonstração: Desde que f é bijeção, existe uma função h : D(0, 1) −→ D(0, 1), que é
sua inversa, satisfazendo h(f (z)) = z, ∀z ∈ D(0, 1). Aplicando a Proposição 5.5 em f e h,
temos

1
|f 0 (a)| ≤ e |h0 (0)| ≤ 1 − |a|2 .
1 − |a|2
Como h(f (z)) = z, ∀z ∈ D(0, 1), pela regra da cadeia, obtemos

h0 (f (z))f 0 (z) = 1 ⇒ h0 (f (a))f 0 (a) = h0 (0)f 0 (a) = 1.


1 1
Afirmamos agora que f 0 (a) = 2
. De fato, f 0 (a) < implica
1 − |a| 1 − |a|2

1
1 = |h0 (0)f 0 (a)| = |h0 (0)||f 0 (a)| < (1 − |a|2 ) · = 1,
1 − |a|2

que é uma contradição.


Usando (6.5), concluímos que f (z) = φ0 (λφa (z)) = λφa (z), ∀z ∈ D(0, 1).
Agora, definimos a função g(z) = (φ ◦ f ◦ φ−a )(z). Observemos que

0 0
1
φ0a (0)| 2

|g (0)| = |f (a) · = · (1 − |a |) = 1.
1 − |a2 |

Assim, estamos nas condições da Observação (6.5). Podemos concluir que existe λ ∈ C,
|λ| < 1, tal que f (z) = φ0 (λφa )(z) = λφa (z), ∀z ∈ D(0, 1). 

Vejamos que, o que torna o Teorema 6.6 fascinante, é que basta uma função holomorfa ser
bijetiva e definida do disco D(0, 1) no disco D(0, 1), para que ela seja uma transformação de
Möbius.
41

Referências Bibliográficas

1 John B. Conway: Functions of one Complex Variable I. Graduate Texts in Mathematics,


Second Edition, Springer, 1978.

2 Márcio G. Soares: Cálculo em uma Variável Complexa. Coleção Matemática Universitária,


IMPA, 2012.

3 Ruel V. Churchill: Variáveis Complexas e suas Aplicações. Editora Universidade de São


Paulo; Editora McGraw-Hill do Brasil, 1975.

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