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A Independencia Brasileira Novas Dimensoes
A Independencia Brasileira Novas Dimensoes
Novas dimensões
CDD —
981.0401
Sumário
Prefácio 7
Leslie Bethell
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8 A independência brasileira
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Prefácio 9
Leslie Bethell
Diretor
Centre for
Brazilian Studies
Universidade
de Oxford
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Apresentação
Ecos de Oxford
Jurandir
Malerba
assumida com relação à mudança e aos desafios políticos ao Antigo Regime não
mais
se sustentava. Em conseqüência, os dirigentes portugueses começaram a forjar
uma
compreensão da transformação política que defendesse a monarquia e o
império.
Ainda sobre o período da corte portuguesa no Brasil, analisei — no
paper On
men and titles: the logic of social interactions and the shaping of elites
in pre-independence
Brazil — as implicações da fuga da família real portuguesa de Lisboa para o
Rio de
Janeiro na definição das novas configurações sociais que se desenhariam
entre as
elites migrada e residente no tempo em que a corte permaneceu no Brasil.
Minha
linha de argumentação é que tal fuga significou, sim, uma etapa decisiva
para a
emancipação política brasileira. A interação da corte migrada e da classe
superior
residente, que financiou o assentamento dos adventícios, ocorreu sob a
estrita obser-
vância da etiqueta social, tal como prescrita pela lógica da sociedade da
corte portu-
guesa. O príncipe regente d. João desempenhou papel decisivo como o gerente
do
encontro entre a corte portuguesa e os capitalistas brasileiros. Ambos os
grupos fo-
ram detalhadamente analisados, e também procurei realçar a importância de
alguns
pilares ideológicos da monarquia portuguesa, como a propriedade ancestral da
libe-
ralidade do rei, expediente decisivo para a constituição dos grupos
principais no
começo da luta pela independência.
Lilia Moritz Schwarcz — Illuminating parallel scenarios: the symbolic
dimension
of independence festivities and the payment for the Royal Library —
apresentou interes-
sante reflexão sobre elementos simbólicos do processo de independência. Com
um
olhar antropológico, amparado em modelos interpretativos que enfatizam a
eficácia
política do poder simbólico (como Norbert Elias, Clifford Geertz, Claude
Lévi-Strauss
e Marc Bloch), Schwarcz resgatou o contexto da independência brasileira de
dois
ângulos diferentes: as festividades públicas e o alto preço que os
brasileiros pagaram
pela biblioteca nacional durante as negociações da independência entre
Brasil e Por-
tugal. Schwarcz explorou as dimensões simbólicas e culturais que, de acordo
com sua
abordagem, foram extremamente importantes nos primeiros momentos da Indepen-
dência brasileira, e seus desdobramentos imediatos.
Três ensaios constituíram o núcleo temático do seminário, ou a
“independência
propriamente dita”, algo que aconteceu entre 1821 e 1825.
Iara Lis Schiavinatto — Questions of governability in the foundation
of Brazil as
an autonomous political body (c.1780-1830) — tratou da fundação do Brasil
como
uma entidade política autônoma. Procurou analisar as (re)significações do
Antigo
Regime português pelo assim chamado liberalismo constitucional na transição
de
um império luso-brasileiro para um império do Brasil. Em vez de pensar a
história
brasileira numa linha progressiva, da colônia à nação, ou como resultado de
um
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Apresentação 15
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16 A independência brasileira
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Apresentação 17
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Introdução
social mais recente e longe está de ser resolvida. Como agiram ou reagiram
os grupos
sociais nas diferentes províncias?
Velhas questões que pareciam esgotadas e que insistem em reabrir, como
feridas
que não cicatrizam. Pois o tema da independência ainda divide opiniões
históricas e
nutre paixões políticas. A história é viva.
Vejamos a seguir que tratamento receberam da historiografia algumas
dessas
questões nas duas últimas décadas.1
No levantamento que fiz da historiografia da independência,2 dividi
essa pro-
dução em cinco períodos, assim didaticamente distribuídos:
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22 A independência brasileira
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Esboço crítico da recente historiografia sobre a
independência do Brasil 23
Nação
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24 A independência brasileira
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Esboço crítico da recente historiografia sobre a
independência do Brasil 25
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26 A independência brasileira
16 Ribeiro, 2002:19.
17 Graham, 2001. Originariamente publicado como Constructing a nation in
nineteenth-century Brazil:
old and new visions on class, culture, and the State. The Journal of the
Historical Society, v. 1, n. 2/3, p. 17-56,
2001. Utilizarei as citações da tradução brasileira.
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independência do Brasil 27
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28 A independência brasileira
Unidade
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independência do Brasil 29
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30 A independência brasileira
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Esboço crítico da recente historiografia sobre a
independência do Brasil 31
Periodização
25 Saul, 1989.
26 Rodrigues, 1975, v. 3, p. 255.
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32 A independência brasileira
“Caráter” da independência
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Esboço crítico da recente historiografia sobre a
independência do Brasil 33
27 Cf. tese de doutorado de Kirsten Schultz pela NYU em 1998, publicada como
Schultz, 2001; Souza,
1999; Schwarcz, 1998; Sleiman, 2000; Malerba, 2000; e Lopez, 2001.
28 Holanda, 1970:13, grifo meu.
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34 A independência brasileira
Mas há uma face oculta nesse ponto. Aceitando-se que d. João tenha
sido
desafiado quanto às dimensões de seu poder pelos vintistas, pode-se entender
a
independência do Brasil como um momento dessa queda-de-braço. Os liberais de
1820 deflagraram um verdadeiro golpe de Estado contra o rei, ao lhe imporem
a
aceitação de uma Constituição ainda por ser feita e seu retorno
incondicional ao
reino, assim como a retomada da pauta de discussões sobre as relações
bilaterais
entre Brasil e Portugal.29 Por seu turno, o contragolpe do rei foi desferido
contra as
cortes vintistas, um verdadeiro “contragolpe” de Estado, ao aceitar a
Constituição
e o retorno, mas mantendo o príncipe herdeiro no Brasil. Esse ato sinalizou
clara-
mente que o custo do acinte dos revolucionários vintistas seria a perda
definitiva
da colônia, um preço caríssimo para os portugueses. Por outro lado, d. Pedro
era
herdeiro de d. João e, morrendo o pai, ironicamente corria Portugal o risco
de ser
colonizado pelo filho.
Até então as discussões caminhavam bem, no sentido da construção de um
novo império liberal transoceânico. A pressão dos grupos brasileiros para a
perma-
nência do príncipe e a ferrenha oposição a esta por parte das cortes de
Lisboa podem
ser tomadas como o turning point da separação. A partir daí as
possibilidades de
entendimento tornaram-se cada vez mais distantes. A partir daí, também, a
capaci-
dade de arregimentação e liderança de Bonifácio foi decisiva para a
unificação dos
discursos dos diversos grupos de interesses localizados no Brasil e,
doravante, reves-
tiu-se o príncipe de papel político que até então lhe era totalmente
estranho. A
simbologia construída em torno do “Fico” serve-lhe de testemunho.
Um segundo momento, este sim derradeiro, deu-se nos embates dentro das
cortes em Lisboa. Em certo sentido, faz nexo a afirmação de Maxwell
(1986:387) de
que “o verdadeiro movimento pela independência da colônia verificou-se na
Europa,
e foi ele a revolução portuguesa de 1820”. Foi a ela que d. João respondeu
com um
golpe de Estado, franqueando a independência às elites brasileiras com o
preço de
manter-se a coroa em sua casa.
29
Embora não se tratasse mais de restaurar a antiga condição colonial,
completamente intangível naquele
momento, como provam as pesquisas mais recentes de Márcia Berbel.
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Esboço crítico da recente historiografia sobre a
independência do Brasil 35
Camadas populares
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36 A independência brasileira
que atribui peso à obra de d. João, nem quem relativiza o papel desempenhado
pelo
povo. Conservador foi o processo em si.30
Mas o assunto é polêmico e, nas duas últimas décadas, não se avançou
muito no
conhecimento do papel desempenhado pelas classes populares — escravos,
libertos,
homens livres pobres — no processo de independência. Por exemplo, os
esforços de
Gladys Sabina Ribeiro no sentido de enquadrar a participação popular no
movimen-
to de independência acabam pintando o cenário com tintas estranhas ao
quadro. Em
seu A liberdade em construção, a autora procura situar a participação do
“povo”, que
sempre surge em seu texto entre aspas e em caixa alta. Mas definir quem era
esse
“povo” torna-se tarefa malgrada. Vê-se nos documentos de época “o povo”
assinar
manifestos, posicionando-se contra ou a favor a independência, o povo contra
o
povo. Falta saber quem escrevia em nome do povo!
Gladys Ribeiro (2002:38 e segs.) acaba por concluir que o “Povo” era o
“partido
brasileiro”, que pugnava pela preservação da unidade pela via monárquica e
constitu-
cional.
Já os estudiosos da escravidão avançaram um passo largo na mesma
problemática.
Em ensaio muito citado, publicado em 1989, João José Reis analisa a
participação dos
negros nas lutas pela independência na Bahia. Para Reis, além dos
tradicionais parti-
dos políticos, outros agentes disputavam interesses nas lutas da
independência. É o
caso dos escravos, que a viam como uma possibilidade de alcançar sua
alforria. A
indeterminação posterior ao contexto turbulento da revolução do Porto, que
na Bahia
gerou forte reação militar ao 7 de setembro por parte das tropas
portuguesas, possi-
bilitou o surgimento de um cenário tal que permitiu aos escravos
participarem de
discussões sobre questões candentes como liberdade política. Sem dúvida, em
suas
pesquisas pioneiras sobre os caminhos da liberdade no Brasil escravista,
João José
30 Essas linhagens historiográficas, uma que entende a independência como
processo revolucionário e outra
que não, perduram. Na linha de Honório Rodrigues, ver Diégues (2004). Nessa
obra, a independência é
analisada pelo viés da estratégia e da guerra e, nela, se encontra a ação de
Bonifácio, rejeitando o “mito”de
uma independência incruenta.
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Esboço crítico da recente historiografia sobre a
independência do Brasil 37
(Kraay, 2002:112)
Esse é ponto central para mim. O ensaio de Kraay trata com propriedade
a
questão de como a independência, indiretamente, pela via do recrutamento (ou
por
outras vias mais sutis, como a boataria, o imaginário) mexeu com assuntos
delicados
como a condição dos cativos e os horizontes de liberdade que a guerra
suscitara. Mas
a via contrária não faz parte de seu objeto, nem de outros estudos que eu
conheça: em
que medida a escravidão, enquanto instituição, e os escravos, enquanto grupo
ou classe
social, contribuíram para o processo de independência do Brasil ante
Portugal? Isso é
muito diferente de se analisar os vários grupos sociais ou camadas populares
à época
da independência, ou como a independência incidiu em suas vidas. Sem dúvida,
os
trabalhos de autores como Reis, Kraay e Luiz Geraldo Santos da Silva33
contribuem
31 Cf. Reis, 1989:79-98. Para uma abordagem mais ampla do papel da Bahia no
processo da independência,
ver Wisiak, 2001.
32 Kraay, 2002.
33 Ver os capítulos 10, de Kraay, e 11, de Silva, neste livro.
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38 A independência brasileira
O “sentido” da independência
Nas próximas duas seções vou tentar sintetizar, numa abordagem ampla,
o que
me parece ser o mote que fez avançar as interpretações sobre a independência
e o
caminho a seguir para continuar esse avanço. Nesse sentido, talvez seja
necessário um
deslocamento do eixo da discussão do plano historiográfico para um plano um
pou-
co mais estritamente teórico.
Não parece exagero afirmar que o enquadramento teórico predominante e
mais
influente na historiografia da independência, pelo menos desde os anos 1960,
é aquele
derivado da abordagem de Caio Prado Jr. Partindo de um ponto de vista
marxista,
ele procurou entender o “sentido” da colonização, inserindo a história do
Brasil num
contexto senão planetário, pelo menos ocidental. A história do Brasil
explicar-se-ia,
nessa ótica, como um derivativo da história européia, no contexto da
expansão do
capitalismo comercial. Nessa tese jaz a base das teorias da dependência.
Quem melhor definiu a independência a partir dessa perspectiva foram
Fernando
Novais e Carlos Guilherme Mota, no já clássico 1822: dimensões, organizado
por
Mota (1972). Para os professores da USP, é a subordinação do Brasil a um
sistema
econômico mundial, unificado sob o capitalismo comercial, que dá sentido ao
curso
da independência.
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Esboço crítico da recente historiografia sobre a
independência do Brasil 39
tigo Regime são dois aspectos derradeiros, são o pano de fundo da cena
histórica.
Para usar a metáfora teatral, o pano de fundo enquadra, estabelece os
limites em que
agem os personagens, mas absolutamente não lhes determina as falas e ações.
É um
equívoco teórico procurar explicar um fenômeno eminentemente político com
ex-
plicações macroestruturais de longa duração. É usar a ferramenta errada,
como atirar
um míssil para derrubar uma ave. A política, como ensinou Gramsci (1975), é
o
lugar da luta dos grupos e indivíduos, onde projetos e desejos individuais e
coletivos
digladiam-se por estabelecer uma hegemonia. Se fôssemos buscar as razões (o
senti-
do, por que não?) da independência em movimentos estruturais de longa
duração,
poderíamos então atribuí-la à queda do Império romano, precursora da
formação da
sociedade feudal, da qual a crise do Antigo Regime marca o ocaso.
Trata-se de uma interpretação engessada em quadros interpretativos de
ferro,
que retiram do processo histórico toda a cor e todo o brilho das relações
sociais
vividas pelos agentes. Um processo eminentemente social e político torna-se
uma
derivação de um macroprocesso econômico. O conceito de “sistema”, com seus
me-
canismos, deságua numa estrutura rígida, como o autômato de Walter
Benjamin34
ou as maquinarias com que Thompson (1978) ironizou Althusser:
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40 A independência brasileira
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Esboço crítico da recente historiografia sobre a
independência do Brasil 41
38 Jancsó, 2002:6.
39 Silva, 1986, v. 8, p. 405. Também Lyra, 1994:193; e Silva, 2000:291 e
segs.
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42 A independência brasileira
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44 A independência brasileira
(Barata, 2000:260)
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Esboço crítico da recente historiografia sobre a
independência do Brasil 45
Por fim, duas palavras sobre o que este ensaio inclui e omite.
Conforme procu-
rei mostrar, na última década os estudos sobre a independência avançaram
significa-
tivamente no que respeita à discussão sobre nação, no conhecimento das
implicações
do período joanino sobre a independência, a composição social dos partidos e
facções
políticas, os debates nas cortes de Lisboa, o debate político na imprensa,
sobre as di-
mensões simbólicas do poder e, em alguma medida, no conhecimento da
participação
das camadas populares no processo, particularmente no que se refere aos
escravos.
As lacunas mais notáveis deste ensaio refletem as próprias opções e
exclusões da
historiografia que ele analisou. Nesse sentido, parece-me que, nos próximos
anos, os
historiadores da independência deverão se voltar para esses e outros temas
ultima-
mente neglicenciados. Assim, necessita-se de mais pesquisas sobre a
participação
popular na independência. O papel diferenciado das diversas províncias,
particular-
mente Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e Pará, merece maior atenção.
Talvez
em função do cultural turn nos estudos históricos nos últimos anos, muito
pouco se
avançou em campos mais “tradicionais”, mas igualmente importantes, como, por
exemplo, na história militar do período. Do mesmo modo, a história
diplomática,
particularmente no que se refere ao papel desempenhado pela Grã-Bretanha no
pro-
cesso de emancipação política brasileira, aguarda maiores avanços. Por fim,
o desco-
nhecimento mútuo das historiografias brasileira e hispano-americanas
persiste e muito
investimento em pesquisa e intercâmbio acadêmico ainda tem que ser feito
para se
construir um quadro amplo do processo de independência na América Latina.
Aná-
lises comparativas entre o mundo hispânico e a América portuguesa
praticamente
inexistem.42
Bibliografia
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46 A independência brasileira
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independência do Brasil 47
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Esboço crítico da recente historiografia sobre a
independência do Brasil 49
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50 A independência brasileira
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52 A independência brasileira
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PARTE I
Raízes históricas
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56 A independência brasileira
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Economia e política na explicação da
independência do Brasil 57
6 Carvalho, 1935:111.
7 Serrão, 1993:388.
8 Sá, 1937.
9 Como notou Evaldo Cabral de Melo no prefácio à 6a edição de Lima, 1997:16.
10 Prado Jr., 1942:1201-1221. Ver ainda Dias, 1972:161-162.
11 Prado Jr., 1942:341-345.
12 Ibid., p. 126-127.
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58 A independência brasileira
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Economia e política na explicação da
independência do Brasil 59
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60 A independência brasileira
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62 A independência brasileira
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independência do Brasil 63
16 Novais, 1986:13.
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64 A independência brasileira
Crise ou prosperidade?
21 Schwartz, 1998:95.
22 Ver, por exemplo, Fragoso, 1992, especialmente os capítulos II e III.
23 Sobre o conceito, ver Curtin, 1990.
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66 A independência brasileira
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68 A independência brasileira
26 Pedreira, 2000:846-847.
27 Prados de la Escosura, 1988:69-76.
28 Alexandre, 1993:62-65.
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Economia e política na explicação da
independência do Brasil 69
29 Pijning, 1997:32.
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70 A independência brasileira
30 Parry, 1971:185.
31 Sobre o contrabando, ver Pedreira, 2001.
32
Pedreira, 1994:241-242.
33
O mesmo já havia acontecido em Buenos Aires; ver Socolow, 1978:130;
Manchester, 1933:95-96; e
Chapman, 1984:10.
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72 A independência brasileira
34 Pedreira, 2000:862-863.
por tais idéias e que, por isso, sua oportunidade para realizar o projeto
quimérico de
fundar uma república em Minas só chegaria se mobilizassem um eventual
descon-
tentamento popular contra o lançamento de um imposto geralmente tido como
injusto (a chamada derrama). Do mesmo modo, nos pasquins que circulavam na
Bahia em 1798 ressumava a retórica da Revolução Francesa, que suscitou a
adesão
não só dos artífices pardos que teriam supostamente aderido à sedição, mas
também
de alguns (poucos) membros da elite local.35 Contudo, de forma alguma pode-
se
aceitar que se tratasse de um partido ou que houvesse um prenúncio de
emancipação
ou de uma situação pré-revolucionária. Trata-se, uma vez mais, de uma
interpretação
retrospectiva, teleológica, do processo histórico.
De fato, as idéias revolucionárias no Brasil de fins do Setecentos não
saíam de
pequeníssimos círculos clandestinos, de conventículos ou conciliábulos, como
mos-
trou a historiografia menos sensível ao canto das sereias do nacionalismo,
de Caio
Prado a João Pinto Furtado (2002). Na ausência de uma verdadeira esfera
pública —
não existindo universidades, academias, tampouco tipografias —, essas
idéias, que
ademais eram fortemente combatidas (não só na colônia, mas na metrópole),
dificil-
mente poderiam se difundir. Além disso, as aspirações a uma nova forma de
governo
não implicavam a defesa de uma ruptura com Portugal, como se tornaria mais
tarde
evidente, com a adesão das juntas brasileiras à Revolução liberal portuguesa
de 1820.
O sistema de governo colonial português, que permitia às autoridades
locais a
comunicação direta com as instituições centrais da monarquia, caracterizava-
se por
uma flexibilidade que lhe propiciava ir acomodando e arbitrando conflitos e
resis-
tências. A ação do marquês de Pombal, que sabia bem que, para a defesa do
Brasil,
tinha de contar, em primeiro lugar, com as populações da própria colônia,
conservou
o essencial desse equilíbrio. Embora determinasse a reorganização das
finanças, com
o objetivo de obter mais receitas para o Estado, procurou a colaboração de
agentes
locais, de forma a não hostilizar as populações. Mesmo considerando a
criação das
companhias monopolistas, e a implacável repressão à resistência que contra
elas se
levantou, mormente no Pará, assim como as medidas contra os jesuítas, as
reformas
pombalinas foram mais comedidas e muito menos violentas para as populações
lo-
cais, elites incluídas, do que as reformas borbônicas. Ao contrário do que
aconteceu
na América espanhola, não houve qualquer tentativa de reduzir
sistematicamente a
influência e as oportunidades de promoção dessas populações.
35 Jancsó, 2001.
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74 A independência brasileira
36 Cardoso, 2001.
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76 A independência brasileira
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Economia e política na explicação da
independência do Brasil 77
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78 A independência brasileira
42 Pedreira, 2000:850-851.
43 Id., 1994:341.
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Economia e política na explicação da
independência do Brasil 79
44 Pedreira, 2000:851.
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80 A independência brasileira
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Economia e política na explicação da
independência do Brasil 81
Untitled-1 81 08/08/2014,
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82 A independência brasileira
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08/08/2014, 15:03
84 A independência brasileira
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Economia e política na explicação da
independência do Brasil 85
A caminho da independência
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15:03
86 A independência brasileira
recebeu centenas de petições e memorandos que lhe foram dirigidos tanto por
cida-
dãos individuais quanto por grupos mais ou menos organizados. Os direitos da
cida-
dania, de que a população letrada agora gozava e que exercia plenamente, e a
nova
percepção da comunidade nacional, propiciavam a livre expressão dos
interesses,
mas também a demonstração de um entusiasmo patriótico.
Às contribuições espontâneas do público somavam-se os pareceres que o
pró-
prio Congresso solicitava aos representantes de algumas entidades sociais e
os docu-
mentos elaborados por suas comissões especializadas. A natureza e a
relevância das
questões tratadas eram muito variadas. Os problemas econômicos, que
figuravam já
destacadamente no manifesto aos portugueses do pronunciamento de 24 de
agosto
de 1820, proporcionavam um dos tópicos mais freqüentes de reflexão. A
agricultura
e a questão agrária, que diziam respeito à maioria da população e reclamavam
pro-
fundas mudanças do quadro institucional, ocuparam largamente os deputados do
vintismo. Porém, outros assuntos não mereceram menos os seus cuidados,
notada-
mente aqueles que, aos seus olhos, faziam das dificuldades econômicas um dos
fun-
damentos da própria decadência da nação, que feriam a sua própria dignidade.
Estão
nesse caso a proteção ao comércio e às manufaturas nacionais, duramente
atingidos
pela situação posterior às invasões francesas e em particular pelo tratado
de 1810, e o
estabelecimento de um novo regime para as trocas com o Brasil, que fizesse
cessar a
alegada preferência que o governo do Rio de Janeiro concedia aos interesses
brasilei-
ros.49
Estavam assim criadas as condições para que se formasse um amplo
espaço de
convergência entre os interesses dos corpos mercantis das cidades de Lisboa
e do
Porto e as perspectivas políticas de uma facção importante e particularmente
dinâ-
mica das cortes.50 Do ponto de vista dos negociantes, o que estava em pauta
era a
obtenção do novo poder, não só a derrubada dos obstáculos (administrativos,
fiscais)
existentes aos seus empreendimentos e à circulação interna de mercadorias e
capitais,
mas principalmente a aprovação de regimes comerciais que, por um lado,
viessem a
resguardá-los da concorrência britânica e, por outro, lhes restituíssem uma
posição
privilegiada no comércio do Brasil.
Essas posições dos corpos mercantis encontraram audiência junto aos
parla-
mentares, particularmente no caso da regulação das relações comerciais luso-
brasilei-
ras. Efetivamente, depois de uma primeira tentativa, prematura, de
apreciação do
49 Pedreira, 1994:491-492.
50 Alexandre, 1993:624.
51 Castro, 2002:116-117.
52 Alexandre, 1993:599.
53 Ibid., p. 607.
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88 A independência brasileira
54 Pedreira, 1994:493.
55 Ibid., p. 267.
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15:03
Economia e política na explicação da
independência do Brasil 89
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90 A independência brasileira
59 Alexandre, 1993:615.
60 Ibid., p. 619.
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92 A independência brasileira
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Economia e política na explicação da
independência do Brasil 93
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94 A independência brasileira
Bibliografia
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15:03
Economia e política na explicação da
independência do Brasil 95
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Economia e política na explicação da
independência do Brasil 97
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Capítulo 2
1 Villalta, 2000.
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Das múltiplas utilidades
das revoltas 103
5 Furtado, 2002.
6 Jardim, 1989.
7 Guimarães, 1988.
8 Jardim, 1989.
9 Ibid.
10 Jardim, 1989.
11 A narrativa da epopéia é tomada de empréstimo a Souza Silva. O “homem que
se ausentara de Minas”
seria provavelmente o padre Rolim. Ver Silva, 1948, t. 1, p. 89-92 e 167-
168.
12 Palavras proferidas em resposta à inquirição. Ver Autos de devassa...,
1978, v. 5, p. 555-573.
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108 A independência brasileira
15 Maxwell, 1985.
16 Jardim, 1989.
uma época. Pois bem, esta justiça inviolável vos absolveu. Ela
não vos absolveu
somente, mas vos engrandeceu e glorificou para todo o sempre!
Hoje, quando
volvemos os olhos ao passado, é a vossa figura que se ergue
diante de nós. Ela cresceu
tanto que enche todo esse horizonte longínquo e ensangüentado,
onde luziram os
primeiros albores da aurora da liberdade. E, quando queremos
acariciar a doce
figura da Pátria, é vosso nome que pronunciamos, a chamar sobre
ele todas as bên-
çãos e todas as glorias.18
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Das múltiplas
utilidades das revoltas 113
19 Jardim, 1989:243-244.
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114 A independência brasileira
21 Gonzaga, 1995:73-74.
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118 A independência brasileira
O que tudo isso parece indicar é que alguns aspectos das falas de
1788/89,
notadamente no que concerne à defesa de uma monarquia não-despótica, seriam
notavelmente retomados pelos mesmos protagonistas em 1820-22, num movimento
de força abrasadora ao qual o próprio príncipe herdeiro tentaria
forçosamente se
adaptar. No que se refere aos nossos três personagens destacados, traduzindo
por
26 Adim, v. 1, p. 258.
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1808-20/21
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08/08/2014, 15:03
128 A independência brasileira
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A era das revoluções e a transferência da corte portuguesa
para o Rio de Janeiro 129
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130 A independência brasileira
perder por algum tempo a posse das suas colônias”, explicava o conde, “ou o
Príncipe
Nosso Senhor (…) irá estabelecer no Novo Mundo uma Nova Monarquia (…)”.
Neste caso, o príncipe regente não apenas evitaria uma desastrosa servidão
aos fran-
ceses, mas poderia comandar “um Império de maior consideração”. Tal mudança,
inferia Ega, constituiria “a maior de todas as revoluções no sistema geral
político”.12
Quando a invasão de Portugal em 1807 precipitou, então, o tipo de
resposta
que pregavam Ega e outros — aí incluído o ministro dos Negócios Estrangeiros
d. Rodrigo de Souza Coutinho, conde de Linhares —, os funcionários reais
percebe-
ram o fato como um momento revolucionário ao mesmo tempo de incerteza e
opor-
tunidade, momento que definiria o futuro da monarquia e do império.
Comentários
oficiais sobre a transferência da corte caracterizaram o movimento, conforme
Ega o
apresentou, como aquele que assegurou a salvação da monarquia. O almanaque
da
cidade do Rio de Janeiro, uma década mais tarde, relatava que “Sua Majestade
e toda
a sua Real Família (…) escolherão este famoso paiz para seu descanço no meio
das
agitações, que abalavão a Europa”.13 Além do mais, reconhecia-se em outro
comen-
tário, o Brasil não era simplesmente um paraíso. Já antes da transferência
da corte,
postulava Souza Coutinho, seu tamanho e recursos naturais faziam dele a
parte “mais
essencial” da monarquia. Após a transferência da corte, pois, esse “vasto
mas ainda
inculto Continente” seria transformado numa poderosa fortaleza contra
ameaças à
independência da coroa portuguesa, um lugar onde o absolutismo poderia
triunfar
de um modo que parecia não ser mais possível na Europa.14 Como admitiam os
homens de Estado, as conseqüências dessa transformação incluíam uma
reconfiguração
dos domínios da monarquia portuguesa e, mais especificamente, o fim da
posição
subordinada do Brasil no império. Conforme escreveu um português expatriado
ao
ministro Tomás Antônio Vilanova Portugal, com a transferência da corte “se
mudou
a política da Europa e talvez do universo”, porque o príncipe regente havia
assim
dado um certo “tom ao Novo Mundo e fez desaparecer o nome Colônia”.15 Tal
transformação foi então formalmente reconhecida em 1815, com a outorga ao
Brasil
do título de “reino”.16
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A era das revoluções e a transferência da corte portuguesa
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132 A independência brasileira
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134 A independência brasileira
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A era das revoluções e a transferência da corte portuguesa
para o Rio de Janeiro 135
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136 A independência brasileira
isto mesmo lhes serve de freio, e ainda que se pudesse reprimir a publicação
das
opiniões, pela imprensa, nunca se poderiam sufocar as vozes”. O processo
pelo qual
a opinião pública tomou forma foi, assim, libertador e fortalecedor. “Um
povo que
se conduz como rebanho de carneiros”, continuava Hipólito da Costa, “é
sempre
incapaz de cousas grandes”. Porém, quando “os homens raciocinam por si,
quando
têm a faculdade e a oportunidade de julgar os negócios públicos, adquirem a
energia
de espírito que os faz aspirar à fama e a fazerem, para a obter, serviços
assinalados”.
E, acrescentava, não havia “nada que a isso mais conduza do que a leitura
dos
sucessos que vão tendo lugar no mundo para o que são essenciais as obras
periódi-
cas políticas”.35
O intendente e outros funcionários do Rio de Janeiro confrontaram,
assim,
entendimentos emergentes de “opinião pública” como “um princípio de
legitimida-
de” e “uma categoria abstrata de autoridade”. Conforme Keith Michael Baker
(1987:212-213) explicou no caso da França, incapaz de sufocar “os processos
de
contestação política”, a monarquia “encontrou-se sobre crescente pressão
para tomar
parte nelas”. Conseqüentemente, junto com seus críticos, a monarquia invocou
a
opinião pública “para assegurar a legitimidade das reivindicações que não
podiam
mais fazer-se nos termos (e no circuito institucional tradicional) de uma
ordem po-
lítica absolutista”.
Para a coroa portuguesa, sua própria sujeição ao “tribunal da opinião
pública”
era flagrantemente evidente durante a guerra peninsular. Como estavam
totalmente
cientes os funcionários reais, a transferência da corte era uma mudança
polêmica,
cuja legitimidade exigia explicações aos constituintes para além do círculo
dos corte-
sãos, tanto dentro quanto fora do império. No Rio de Janeiro, exilados
vindos de
Portugal e residentes compartilhavam um ávido interesse pela guerra e pelo
estado
dos negócios da nova corte real e de Portugal, reunindo-se para trocar
informações e
debater. Para a monarquia portuguesa, o perigo desses debates era que os
envolvidos
considerassem, e então postulassem, reivindicações tais como as francesas de
que a
mudança para o Brasil era um ato de covardia e, ainda pior, que ao partir de
Portugal
o príncipe regente “renunciara a todos os seus Direitos à Soberania deste
Reino”.
Como se lia num dos proclamas de Junot, a Casa de Bragança “acabou de reinar
em
Portugal”.36 Através da crítica do editor, os leitores do Correio
Braziliense muniam-se
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A era das revoluções e a transferência da corte portuguesa
para o Rio de Janeiro 137
37 Ver Viana para o conde de Aguiar, 27 nov. 1809, ANRJ, MNB, caixa 6J 78.
Um artigo na Gazeta do Rio
de Janeiro de 29 de abril de 1809 tornava pública a necessidade de “os
escritores desmascararem os crimes e
intrigas do inimigo comum”. Apud Sá, 1816.
38 O mais completo resgate das publicações da Impressão Régia encontra-se
nos dois volumes organizados
por Camargo e Moraes (1993). Uma análise revela que, nos dois primeiros anos
de funcionamento da
Impressão Régia, mais da metade de suas publicações anuais referiam-se à
invasão francesa e à guerra penin-
sular. Depois houve um declínio gradual das publicações sobre o assunto. De
1810 a 1812 a média anual era
de 20%, enquanto de 1813 a 1815 passou a ser de 9%.
39 Tanto o Manifesto, ou exposição fundada, quanto a Justificativa do
procedimento da Corte de Portugal a
respeito da França... Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1808, encontram-se em
Coutinho, 1993, t. 2, p. 335-
343.
40 Receita especial para fabricar Napoleões... Rio de Janeiro: Régia
Officina Typografica, 1809 (reedição).
Sobre o gênero de panfletos antinapoleônicos, ver D’Alcochete, 1977.
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138 A independência brasileira
Esse esforço para moldar uma opinião pública favorável à coroa por
meio da
imprensa foi além da Impressão Régia, chegando até Londres, onde eram
publicados
muitos dos trabalhos críticos encaminhados ao Rio de Janeiro. Como observou
Barman, juntamente com as publicações tidas como ofensivas ou sediciosas, a
coroa
encorajava a publicação de panfletos refutando argumentos feitos na imprensa
expatriada e subsidiava o periódico O Investigador Portuguêz, fundado em
Londres
em 1811. Um ano depois, funcionários reais ainda buscavam um acordo com
Hipólito
da Costa, editor do Correio, que incluía subsídios, aquisição compulsória e
distribui-
ção, em troca de menos comentários direcionados aos oficiais da coroa e a
seus negó-
cios, do fim das “dissertações de Cortes” e das comparações a que Hipólito
repetida-
mente se referia como a “antiga Constituição portugueza” com a “actual
Constituição
ingleza” e, como sugere uma correspondência sua, da publicação de artigos ou
maté-
rias recomendadas pelo intendente.41
A decisão da coroa de se opor à crítica impressa instituindo um prêmio
impres-
so e, mais concretamente, oferecendo apoio financeiro a seu empreendimento
pode
ter levado, segundo Barman, à conseqüência não-intencional de acelerar o
surgimen-
to de uma imprensa periódica em língua portuguesa; na década de 1810, havia
oito
periódicos publicados em Londres, Lisboa e Rio de Janeiro. Esses números
também
atestam o reconhecimento, por parte dos funcionários reais, tanto da
inevitabilidade
da contestação, quanto da função política da opinião pública. Por
conseguinte, eles
sustentavam o que Arlette Farge (1995:198) descreveu como um “senso
crescente do
direito de saber e julgar”. No Rio de Janeiro, tais julgamentos
concentravam-se no
sentido da guerra e na retirada da família real para Lisboa. Eles
sinalizavam que,
enquanto Viana se dedicava à “alta polícia”, encenando celebrações de
louvor, prote-
gendo a coroa de conspirações e investigando dissidências, a transformação
do Rio
de Janeiro em corte real não era, nem poderia ser, baseada num consentimento
pas-
sivo. Como reconheciam os próprios funcionários reais, salvaguardar a
instituição da
monarquia numa cidade aberta a estrangeiros e crescentemente informada da
políti-
ca da guerra e da revolução em ambos os lados do Atlântico requeria
compromisso
com opiniões que, naquele momento mais do que em qualquer outro da história
da
cidade, eram propositadamente formadas em público.
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A era das revoluções e a transferência da corte portuguesa
para o Rio de Janeiro 139
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140 A independência brasileira
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142 A independência brasileira
48 Parallelo... 1821.
49 Sobre a mudança de sentido de “liberal” para “liberalidade”, ver
Verdelho, 1981:69.
50 Lima, 1821a; Lima, 1821b:7. Lima refere-se a Rafael Bluteau (1638-1734),
autor do Vocabulário portuguêz
e latino... (ver Bluteau, 1712-28).
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A era das revoluções e a transferência da corte portuguesa
para o Rio de Janeiro 143
“a maior sensação possivel nos animos bem intencionados dos habitantes desta
Capi-
tal”. Para restaurar a integridade da ordem constitucional corrompida por
uma
investida lexical, o oficial militar de cujo balcão a saudação havia sido
feita foi com-
pelido a dar uma explicação pública de sua conduta, publicada tanto como um
pan-
fleto avulso quanto como um artigo na Gazeta da cidade.51
O interesse em disseminar uma língua constitucional transparente, e em
refor-
çar seu uso, foi relacionado ao entendimento constitucionalista da nova
natureza da
política e da vida pública. Como explicava o visconde do Rio Seco:
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144 A independência brasileira
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A era das revoluções e a transferência da corte portuguesa
para o Rio de Janeiro 145
Rousseau quanto Thomas Paine, Fragoso argumentava que essa educação devia
ser
“pública, uniforme e universal”. Somente desse modo o governo constitucional
seria consolidado, uma vez que, explicava ainda Fragoso, a educação protegia
con-
tra a desordem e a injustiça. “[O] povo quando geme na ignorancia e
desconhece
sua grandeza”, escrevia, “sendo guiado como rebanho, entrega-se
voluntariamente
ao primeiro usurpador em quem veja reluzir algum brilho, e lhe peça
obedencia”.
Essa ignorância, sustentavam os constitucionalistas, havia de fato permitido
ao
absolutismo corromper a monarquia portuguesa. Se a nação portuguesa tivesse
sido instruída “como hoje pode ser, nos princípios do S. XVIII”, alertava um
panfletário, “nunca ella teria consentido em que pacificamente se lhe
tivessem usur-
pado seus direitos”.55
Ao mesmo tempo em que os panfletários contrapunham um
constitucionalis-
mo instruído a um absolutismo bárbaro e ignorante, eles também reivindicavam
que
a educação distinguisse sua “regeneração”, a opinião pública portuguesa e
seu proces-
so deliberativo dos da Revolução Francesa. “[O]s que puzerão em execução o
plano
da revolução não forão os benemeritos filantropos que a tinhão traçado”,
escreveu
José António de Miranda logo após chegar ao Brasil. Em conseqüência,
explicava
outro panfletário, a Revolução Francesa havia se tornado um momento de
anarquia,
quando “o Povo, que não sabia o que era igualdade, nem liberdade, desatou-se
todo
e fez apparecer as scenas pavorosas que ainda hoje o lê-las horroriza”. Em
contraste,
“o Triumpho Maior da Luzitania” foi, conforme sugeria uma gravura alegórica,
“ju-
rar a Constituição/Sem sangue se derramar”. Assim, a educação prometia pôr
fim,
no futuro, à desordem desenfreada no mundo português, enquanto a história da
Revolução Francesa oferecia outras lições sobre como se evitar seus
desonrosos e
prejudiciais “excessos e extravios”. Em verdade, argumentava um jornal
constitucio-
nalista, o que aquela “escola das revoluções” ensinou foi que a soberania
popular
expressava-se melhor por meio de instituições representativas do que das
usurpações
jacobinas do poder pelo povo. Enquanto a soberania residia na nação,
contestavam
os constitucionalistas portugueses, a nação podia apenas exercitar sua
soberania por
meio da representação legal. “Toda Nação elege”, explicava um panfletário,
“por
hum methodo uniforme, certo numero de pessoas de sua livre escolha, para
estes
nomearem fóra do tumulto os Homens que julgarem capazes para formar o Con-
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146 A independência brasileira
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A era das revoluções e a transferência da corte portuguesa para
o Rio de Janeiro 147
Bibliografia
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148 A independência brasileira
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QUAES SÃO os bens e os males que podem resultar da liberdade da imprensa; e
qual he a influ-
encia que elles podem ter no momento em que os Representantes da Nação
Portugueza vão se
congregar. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1821 (reedição).
QUALIDADES que se devem acompanhar os compromissarios e elleitores.
Extrahido do Genio
Constitucional N. 39. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1821 (reedição).
REFLEXÕES FILOSOFICAS sobre a liberdade, e igualdade. Rio de Janeiro:
Impressão Régia, 1821.
RELLAÇÃO dos livros aprehendidos ao bacharel Mariano José Pereira da
Fonseca. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RIHGB), v. 63, 1901.
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Capítulo 4
Jurandir Malerba
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De homens e títulos 155
2 Lilia Schwarcz, em ensaio sobre a biblioteca real contido nesta obra (ver
capítulo 9), também oferece
parâmetros comparativos relativos a valores da época. Remeto também a
Malerba, 2000, para um minucioso
levantamento do tipo e do valor das mais variadas despesas reais. É preciso
dizer que o presente ensaio não é
senão uma bricolagem de partes daquela obra, ligeiramente modificadas.
3 Cf. Fragoso e Florentino, 1993:71 e segs. Também Fragoso, 1992:251-304.
4 Gazeta, 14 out. 1808.
5 A listagem se encontra no apêndice 26 de Florentino, 1995. Não compreende
comerciantes de grosso que
não atuavam no comércio de almas. Na carta de profissão do hábito da Ordem
de Cristo do sargento-mor
Tomás Gonçalves, por exemplo, relata-se que ele fez serviço efetivo na
Guerra do Rio Grande e Santa Catarina,
e que “(...) como hum dos principaes negociantes da praça do Rio de Janeiro
tinha feito entrar avultadas
somas no Real Erario por Direitos e por ley dos emprestimos (...)”. Motivos
suficientes para receber o hábito
com tença efetiva de 12$000 réis. Cf. ANTT — RGM, d. Maria I, livro 30, fl.
158v.
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156 A independência brasileira
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08/08/2014, 15:03
De homens e títulos 157
7 Cf. ANRJ — Inventário de Manuel Caetano Pinto; ANTT — HOC, letra M, maço
28, n. 19; ANRJ —
Ordens honoríficas. Tanto os inventários quanto os registros de mercês do
ANRJ são organizados em ordem
alfabética e não paginados.
8 “Bons costumes, e muito dinheiro/ Fazem qualquer de Vilão Cavalleiro”. Com
esse adágio, Luís da Silva
Pereira Oliveira, em seus Privilégios da nobreza (1806), explicava o costume
recente, que ele aplaude, da
nobilitação como conseqüência da fortuna. Justifica-se por meio de exemplos:
Adágio verificado à letra a favor de oitenta pessoas da ilha de Candia,
a quem a República de Veneza
concedeu Nobreza em paga das grandes somas pecuniárias que elas
forneceram para as despesas da
Guerra de Chypre com o Turco. O que em certo modo tambem sucedeu em
Portugal, no ano de 1800,
conferindo-se o Foro de Fidalgo a quem concorresse com vinte e cinco
mil cruzados para as urgências do
Estado; e o Hábito de Cristo a quem entrasse com cinco mil cruzados no
Real Erário, para com este
subsídio acudir às despesas da Guerra em que estávamos com a Républica
Francesa. Todavia, para que a
riqueza nobilite, deve ser considerável, e antiga...
Quanto significava esse “considerável” não se encontrava prescrito nas
pandectas. A antigüidade, todavia,
haveria de ser confirmada. Cf. Oliveira, 1806, particularmente capítulo XII:
Da nobreza civil proveniente da
riqueza, p. 113-119.
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158 A independência brasileira
Vassalos leais
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De homens e
títulos 159
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De homens e títulos 161
dos portos.13 Levantou uma portentosa iluminação em forma de arco romano com
a
expressão: “Ao libertador do Comércio”. Todos os que ofertaram
individualmente
uma homenagem ao rei receberam algum tipo de mercê da coroa. Não é
necessária
qualquer sondagem mais aprofundada para se perceber que se tratava de homens
de
posses, mas, como se localizaram os inventários de um número reduzido deles,
tor-
na-se difícil definir com total segurança informações importantes, como a
atividade
profissional de cada um. Entre os que homenagearam d. João estão a baronesa
de São
Salvador de Campos dos Goitacases, Ana Francisca Rosa Maciel da Costa, viúva
do
negociante Brás Carneiro Leão e mãe de Fernando Carneiro Leão, homem de
grande
ascendência sobre os negócios e a sociedade fluminense do primeiro reinado.
Brás Car-
neiro Leão constitui um caso típico de migrante português pobre que fez
fortuna no
Brasil. Mas já antes da chegada da família real, no mesmo ano de sua morte,
o patriarca
dos Carneiro Leão somava alguns distintivos, sobretudo patentes militares.14
As ramificações dessa família confundem-se com as das mais poderosas
de todo
o império. Fernando Carneiro Leão, que recebeu hábito da Ordem de Cristo e
foro
de fidalgo cavaleiro em 1810 e comenda da mesma ordem em 1818, título de
barão
de Vila Nova de São José em 1825, teve uma de suas filhas casadas com um dos
filhos
de d. Rodrigo de Souza Coutinho, primeiro conde de Linhares. Uma das cinco
filhas
de Brás Leão desposou o influente intendente-geral da polícia Paulo
Fernandes Viana,
de cuja prole descende o conde de Baependi. Registre-se que a baronesa de
São Sal-
vador, dignificada com honras de grandeza em 1823, foi a primeira brasileira
a rece-
ber mercê do título, dando praticamente origem à nobreza nativa
brasileira.15
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162 A independência brasileira
O círculo da corte
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De
homens e títulos 163
Teses
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164 A independência brasileira
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De homens e títulos 165
Da liberalidade
O poder de que eram investidos os reis, de fazer mercê aos súditos que
a eles
recorriam para solicitações as mais diversas, era um dos pilares em que se
sustenta-
vam as monarquias no Antigo Regime. A capacidade do rei de “dar” é condição
de
sua majestade, nunca podendo desviar-se perigosamente para nenhum dos
extremos,
a prodigalidade ou a avareza.22
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166 A independência brasileira
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De homens e títulos 167
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168 A independência brasileira
26 Costa, 1823.
27 Cf. Os números da Gazeta posteriores aos dias dos natalícios e dos nomes
das pessoas reais, como 4 de
novembro (dia do nome de d. Carlota), 25 de janeiro (aniversário da rainha),
24 de junho (dia do nome de
d. João), 13 de maio (natalício do rei), 4 de julho (natalício da princesa
d. Isabel Maria), 29 de setembro (dia
do nome de d. Miguel), 26 de outubro (aniversário desse príncipe) etc. Ver
também as listas de despachos
publicadas pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, como: Relação
das pessoas..., s.d.; Relação dos
despachos..., 1809. E também Almanaque da cidade do Rio de Janeiro..., 1969,
1965 e 1966, estes últimos
publicados na RIHGB.
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De homens e títulos 169
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170 A independência brasileira
Que muito pois que hum Soberano, que como o Senhor dom João VI se vê
assim
servido e defendido pelos benemeritos filhos de sua nação, seja
facil, franco e
generoso em premia-los? Que restaure huma antiga Ordem Militar, qual
a da
Torre-Espada, invente outra como a da Conceição, com cujas insignias
os conde-
core? Que distribua com profusão Titulos de nobreza e Mercês
pecuniarias? Que
dirija Cartas Regias de agradecimentos e louvores aos Juizes do Povo
das Cidades
do Porto e de Lisboa, ao Reitor da Universidade de Coimbra, aos
Governadores
do Reino, e à Nação toda; e que ufano repita como o Homero
portuguez, e mande
inscrever nas Bandeiras dos Regimentos, que mais se distinguirão na
memoranda
Batalha da Victoria, aquelle honroso conceito:
Julgareis qual he mais excellente
Se ser do mundo Rei, se de tal Gente.31
Considerações finais
Toda essa profusão das mais variadas graças — títulos, comendas, postos
na
administração —, além de conspurcar o próprio valor intrínseco das
distinções, faria
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De homens e títulos 171
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172 A independência brasileira
D. João não foi apenas a única cabeça coroada que se manteve ante o
avanço
napoleônico. Mesmo com toda a sua “brandura”, seu regime de governo pode ser
caracterizado nos moldes das monarquias despóticas, das quais Portugal foi
das últi-
mas a sucumbir na Europa. Se a Revolução liberal de 1820 encaminhou o
sistema
português rumo ao constitucionalismo, o Brasil experimentou ainda muitos
anos de
monarquia absoluta. Mesmo a nossa revolução, a da independência, não
aconteceu,
ou antes, como diz Sérgio Buarque de Holanda (1984:126 e segs.), foi algo
compa-
rável às antigas “revoluções palacianas”, tão familiares aos conhecedores da
história
européia. Para se avançar na compreensão do processo da independência e da
funda-
ção do Estado brasileiro que lhe seguiu, é fundamental levar-se em conta a
constitui-
ção dos quadros sociais da corte do Rio de Janeiro, complexa rede de
interdependên-
cias em que se moviam as diversas classes privilegiadas em jogos de
solidariedade e
adesão ou de hostilidade mortal, além da lógica que governava a
sociabilidade dessas
elites.
Ao final, diria apenas que, considerando-se a situação de Portugal e
do Brasil
nos anos que antecederam a independência e que correspondem à estância da
corte
portuguesa no Rio de Janeiro, não há ainda pesquisa e argumento suficientes
que
autorizem uma afirmação peremptória sobre a existência de qualquer tendência
emancipacionista importante acontecendo antes da chegada da corte em 1808.
As-
sim, a hipótese de que 1808 postergara a independência não soa convincente.
Ao
contrário, parece que a chegada do rei e sua corte ao Brasil deflagrou um
processo
irreversível de mudança, embora durante aqueles anos nenhum ator daquela
cena
histórica soubesse para onde conduzia aquele processo decidido,
efetivamente, nos
anos derradeiros de 1821 e 1822.
Bibliografia
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De
homens e títulos 175
OLIVAL, Maria Fernanda de. Para uma análise sociológica das ordens militares
no Portugal do
Antigo Regime (1581-1621). 1988. Dissertação (Mestrado) — Faculdade de
Letras de Lisboa,
Lisboa, 1988.
OLIVEIRA, Luís da Silva Pereira. Privilégios da nobreza e fidalguia de
Portugal, offerecidos ao
Excellentissimo Senhor Marquez de Abrantes, d. Pedro de Lancastre Silveira
Castelo-Branco
Vasconcellos Valente Barreto de Menezes Sá e Almeida, pelo seu athor...
Lisboa: João Rodrigues
Neves, 1806.
OROZCO DÍAS, Emílio. El teatro y la teatralidade del barroco; ensayo de
introducción al tema.
Barcelona: Planeta, 1969. 425p.
ORTEGA Y GASSET, José. Idea del teatro. Madrid: Ocidente, 1958. 102p.
PEDREIRA, Jorge Miguel. Os negociantes de Lisboa na segunda metade do século
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padrões de recrutamento e percursos sociais. Análise Social, Lisboa, v. 27,
n. 116/117, p. 407-
440, 1992.
PRADO JR., Caio. Evolução política do Brasil colônia e império. 15. ed. São
Paulo: Brasiliense,
1986. 102p.
RELAÇÃO das pessoas que o Principe Regente N. S. houve por bem despachar no
faustissimo dia de
seu anniversario, para os lugares de letras. Lisboa: Officina de Antonio
Rodrigues Galhardo, s.d.
RELAÇÃO dos despachos publicados na corte no faustissimo dia dos annos do
principe regente N.
S. em 13 de maio de 1809 pela secretaria d’Estado dos Negocios do Brasil.
Rio de Janeiro: Im-
prensa Régia, 1809. 9p.
RELAÇÃO das festas que se fizerão no Rio de Janeiro, quando o principe
Regente N. S. e toda sua
família chegarão pela primeira vez áquella capital. Ajuntando-se algumas
particularidades igual-
mente curiosas, e que dizem respeito ao mesmo objeto. Lisboa: Impressão
Régia, 1810. 15 p.
(BNRJ, Obras raras).
RELAÇÃO dos magníficos carros que se fizeram, de arquitetura, pespectivas e
fogos, por ordem do
Ilustríssmo e Excelentíssimo Senhor D. Luíz de Vasconcellos e Souza, Capitão
General de Mar e
Terra, e Vice-Rei dos Estados do Brazil. Nas festividades dos desposórios
dos infantes de Portugal.
Nesta capital do Rio de Janeiro, em 2 de fevereiro de 1786... Rio de
Janeiro, 2 fev. 1786.
RIBEIRO, Renato Janine. A última razão dos reis; ensaios sobre filosofia e
política. São Paulo:
Companhia das Letras, 1993. 183p.
RODRIGUES, Antonio. Tratado geral de nobreza. Porto: Biblioteca Pública
Municipal, 1931.
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal. Lisboa: Verbo, 1980. v. 5.
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De
homens e títulos 177
1820/21-1822/23
1 Alexandre, 1993; Lyra, 1994; Neves, 2003; Oliveira, 1999; Souza, 1999;
Vargues, 1997; e Verdelho,
1981.
2 Artola et al., 1991; Caballero Mesa et al., 1991; Castillo Meléndez, 1994;
Chust, 1999; Garcia Godoy,
1998; Garcia Laguardia, 1994; Martinez de Montaos, 1999; Moran Orti, 1994;
Pascual Martinez, 2001;
Rieu-Millan, 1990; e Salilas, 2002.
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182 A independência brasileira
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184 A independência brasileira
6 Alexandre, 1993.
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190 A independência brasileira
8 Bernardes, 2002.
9 Wisiak, 2001.
nha frontalmente à “nação integrada” de Fernandes Tomás, mas que podia ser
conci-
liada com a integração econômica de Borges Carneiro, pois esse projeto
admitia
alguma autonomia para as províncias.
Porém, antes que esse acordo se realizasse, a chegada dos paulistas em
11 de
fevereiro de 1822, munidos do programa elaborado por José Bonifácio de
Andrada e
Silva, alterou mais uma vez o quadro do Congresso de Lisboa. O programa de
São
Paulo enunciaria, então, uma nova forma de unidade para a nação portuguesa,
que
incluiria as demandas pela autonomia provincial.
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194 A independência brasileira
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196 A independência brasileira
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198 A independência brasileira
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Os apelos nacionais nas cortes
constituintes de Lisboa 199
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202 A independência brasileira
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constituintes de Lisboa 203
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204 A independência brasileira
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Os apelos nacionais nas cortes
constituintes de Lisboa 205
23 Silva, 1961.
Bibliografia
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208 A independência brasileira
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Capítulo 6
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Questões de poder
na fundação do Brasil 211
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212 A independência brasileira
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Questões de poder
na fundação do Brasil 213
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214 A independência brasileira
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Questões de poder
na fundação do Brasil 215
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216 A independência brasileira
20
Ver Ricci, 1993.
21
Lyra, 1994.
22
De que serve uma Constituição em papel? A constituição deve estar
arraigada em nossas leis, estabeleci-
mentos e costumes (Silva, 1998:235).
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Questões de poder na
fundação do Brasil 217
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218 A independência brasileira
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Questões de poder na
fundação do Brasil 219
de Meneses Vasconcelos Drummond, Pedro Dias Paes Leme, José Bonifácio e seus
irmãos, Gonçalves Ledo, Januário da Cunha Barbosa, Clemente Pereira, José
Do-
mingos de Ataíde Moncorvo, Domingos Alves Branco Muniz Barreto, Luís Pereira
da Nóbrega de Sousa Coutinho, assim como muitos homens do clero — frei
Sampaio,
por exemplo —, o próprio d. Pedro I. Participaram dessa cultura política
letrada, de
sociedades secretas com seus princípios, suas insígnias e significados
específicos, e
atuaram intensamente no processo de autonomização do Brasil.28
François Xavier Guerra29 observou que, em meio a uma crise monárquica
ins-
talada no Império ibero-americano, as novas formas de sociabilidade dessa
época —
clubes, círculos de leitores, tipografias, sociedades secretas, partidos —
foram estabelecidas
com base numa espécie de “processo de individuação”, correspondente à
constitui-
ção liberal. Seria possível transpor essa consideração de François Xavier
Guerra para
o horizonte da formação e atuação dos letrados no Brasil, entre 1810 e 1830?
É
prudente, desde já, acrescentar a necessidade de circunscrever a emergência
dessas
novas formas de sociabilidade, definindo quem podia dela usufruir e
delimitando,
de imediato, a noção de liberdade de cada um — assunto nevrálgico numa
sociedade
escravista e senhorial. Nessa medida, talvez compense avaliar o que
significava ser
maçom30 — um modo de individuação que marca as lideranças políticas e
letradas
desse mundo luso-brasileiro.
Os gestos de entrada e adesão à maçonaria guardavam um forte senso de
ceri-
mônia, no qual a individualidade ficava marcada por atos definidos no grupo
e ca-
racterizava esse pertencimento social. Essa cerimônia explicitava a
hierarquia existen-
te entre os membros, quem guiava quem, quem usava o avental mais enfeitado
de
símbolos, portanto com maior dignidade. Tais símbolos e ritos funcionavam
tam-
bém como uma espécie de livro moral do maçom, pois cada um, ao portá-los e
vivê-
los, sabia — constantemente relembrava — a qual compromisso estava atado por
juramento de sujeição e fidelidade. Esse gênero de sociedade presume
hierarquia,
porém propõe fraternidade, na medida em que nasce de um ato voluntário de
cada
um. O rito incutia uma moralidade que exige autocontrole e empenho para
obter a
virtude. Baseia-se na noção de que o sujeito exerce seu direito de se
associar a seus
irmãos, criando, pelo menos em tese, um elo de fraternidade com os outros.
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220 A independência brasileira
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Questões de poder na
fundação do Brasil 221
33 Mendonça, 1821:90-91.
34 Lyra, 1998.
II
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224 A independência brasileira
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Questões de poder na
fundação do Brasil 225
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226 A independência brasileira
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Questões de poder na
fundação do Brasil 227
Nós vemos hoje no mundo huma fisionomia bem diversa daquella, que se
desco-
bria em outros séculos: todas as Nações mostram, ou mais ou menos,
que partici-
param desse espírito regenerador, cuja influência tem produzido huma
espantosa
revolução nos costumes, nas artes, nas sciencias e nas idéias do
povo; por todas as
partes nós encontramos vestígios dessa mudança.47
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228 A independência brasileira
49 Maser, 1972.
50 As câmaras municipais..., 1972, v. 2, p. 63.
51 Chaves, 1997.
52 Malard, 1996. A autora comenta que a figura do índio arrebentando
correntes estaria prevista na bandeira
inconfidente.
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Questões de poder
na fundação do Brasil 229
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230 A independência brasileira
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232 A independência brasileira
59 Burke, 1812:79.
60 Estuda as virtudes de cada um, da família e sociais, diferenciando-as,
hierarquizando-as, definindo o
comportamento de cada um, sempre almejando a temperança e a moderação e
privilegiando a utilidade. Ele
insiste em que o pai deve avivar mais a utilidade nos filhos e menos a
obediência e a submissão. Bem como
os criados e amos devem cultivar a “recíproca utilidade”. Aí, a probidade
seria “o respeito dos nossos direitos
no dos outros: este respeito se funda sobre um cálculo prudente e bem
combinado dos nossos interesses, compa-
rados aos dos outros” (p. 110). Explorando as relações entre os homens — e
isso envolve uma certa economia
dos afetos, das paixões — o autor definia pátria: “Comunidade dos Cidadãos,
que, reunidos por sentimentos
fraternais, e necessidades recíprocas, fazem de suas forças respectivas uma
força comum, cuja reação sobre
cada um deles toma o caráter conservador e benfazejo de cidadãos, que formam
um Banco de Interesse: na
pátria formam uma família de doces afeições; o patriotismo vem a ser a
caridade ou amor do próximo, com
a extensão à toda Nação” (Lisboa, 1975:115, grifos do autor).
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Questões de poder na
fundação do Brasil 233
III
61 Koselleck, 1990.
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Questões de poder na
fundação do Brasil 235
Bibliografia
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Questões de poder na
fundação do Brasil 237
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240 A independência brasileira
Isabel Lustosa
Nasce a imprensa
1 Foi, como diz José Murilo de Carvalho (1981:55), uma política sistemática
do governo português nunca
permitir a instalação de estabelecimentos de ensino superior nas colônias,
com o intuito de impedir o relaxa-
mento da dependência. Em contraste, diz o autor, a Espanha teria permitido
desde o início a criação de
universidades em suas colônias.
2 No governo de Francisco de Castro Morais, um obscuro negociante tentou a
empreitada, fazendo impri-
mir letras de câmbio e orações devotas. Mas a Carta Régia de 8 de junho de
1706 mandou seqüestrar as letras
impressas e notificar os donos da gráfica de que não imprimissem nem
mandassem imprimir livros e papéis
avulsos. Em 1746, durante o governo de Gomes Freire, um antigo impressor de
Lisboa chamado Antônio
Isidoro da Fonseca tentou se estabelecer no Rio de Janeiro com uma gráfica.
Poucos meses depois, uma
Ordem Régia datada de 10 de maio de 1747 mandava que se seqüestrassem e
remetessem para Lisboa as
letras de imprensa idas para o Brasil. Pouco antes da chegada do rei, em
1807, o padre José Joaquim Viegas
de Menezes imprimiu em Vila Rica um opúsculo de 18 páginas. Não usou tipos,
abriu-o em chapas de cobre,
inserindo na capa gravura representando o governador e sua mulher, em
singelo e ingênuo traço. Mais tarde,
em fins de 1820, patrocinado por Manuel Joaquim Barbosa Pimenta e Sal,
chapeleiro e sirgueiro, o padre
Viegas improvisou uma tipografia inteira, moldando e fundindo letras. Ao
solicitar sua licença para funcio-
nar, Pimenta e Sal lembrou que sua gráfica bem merecia o epíteto de
patrícia, pois fora toda feita no Brasil
(Rizzini, 1946:310-315).
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Insultos impressos: o nascimento da
imprensa no Brasil 243
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244 A independência brasileira
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Insultos impressos: o nascimento da
imprensa no Brasil 245
Os primeiros jornais
Diz Hélio Viana que foi José da Silva Lisboa, o futuro visconde de
Cairu, o
primeiro brasileiro a redigir e publicar um jornal de sua propriedade. O
Conciliador
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246 A independência brasileira
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Insultos impressos: o nascimento da
imprensa no Brasil 247
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248 A independência brasileira
1821, nas antevésperas do Fico, o interesse central de todos era dar combate
às idéias
que estavam se convertendo em lei nas cortes de Lisboa.16
Cairu publicaria outro panfleto em janeiro de 1822: a Heroicidade
Brasileira,
que foi mandado recolher. Na Heroicidade, louvava d. Pedro e sua atitude
diante da
Divisão Auxiliadora, as tropas portuguesas que o príncipe enfrentara e
expulsara do
Brasil. Ainda no mesmo mês iniciou a publicação da Reclamação do Brasil, que
teve
14 partes. Nas duas últimas, atacava violentamente o projeto dos liberais de
uma
Constituinte brasileira, dando início à violenta polêmica que se estenderia
por todo
o período e que demarcaria os campos políticos.
A imprensa liberal
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250 A independência brasileira
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252 A independência brasileira
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Insultos impressos: o
nascimento da imprensa no Brasil 253
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254 A independência brasileira
A Bonifácia
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256 A independência brasileira
ram-no a assinar um termo pelo qual ficava proibido de escrever e era também
inti-
mado a deixar o país “nas primeiras embarcações que deste porto se fizerem à
vela”.
Teria que cumprir essas determinações dentro do exíguo prazo de oito dias.
O artigo de Soares Lisboa chamando d. Pedro de democrata também
estimulou
José Bonifácio a tomar outras providências contra o grupo dos que assinaram
a re-
presentação de 20 de maio pedindo Cortes para o Brasil. Foi aberta uma
devassa
baseada no boato de que Ledo e os demais signatários da representação
tramavam
um golpe para derrubar o ministério. No dia 23 de outubro já não saiu o
Correio e
nova portaria ordenava ao intendente João Inácio da Cunha que tratasse
pessoalmente
de descobrir e processar, com todo o rigor das leis, os “perversos [que
urdiam] tramas
infernais, não só contra os honrados amigos do imperador, como até contra a
precio-
sa vida do mesmo senhor”.
Em 2 de novembro, após um processo relâmpago de renúncia e volta dos
Andrada
ao ministério, foi aberta a devassa que passou à história com o nome de
Bonifácia.
Acusava de crime de “inconfidência ou conjuração ou demagogia”, entre
outros,
Ledo, Januário e João Soares Lisboa, este como responsável pelo jornal da
conspira-
ção. No dia 4 de novembro, o intendente de polícia publicou editais a esse
respeito,
“convocando todos os cidadãos honrados e zelosos da tranqüilidade pública a
virem
à sua casa delatar quanto soubessem”. Ledo e Soares Lisboa fugiram para
Buenos
Aires, a fim de escapar da prisão. O clima de perseguição aos adversários
prosseguiu
na imprensa através das páginas de O Espelho e, a partir de janeiro de 1823,
do Diário
do Governo, que apareceu para substituir a Gazeta do Rio de Janeiro.
No começo de 1823, o jornal O Espelho publicou violento artigo contra
Luís
Augusto May, um dos que primeiro apoiara o projeto de uma Constituinte
brasilei-
ra. Mas José Bonifácio, informado de que o jornalista era sensível a ofertas
de vanta-
gens pessoais, resolveu acenar-lhe com um lugar importante em Washington.
Uma
divergência em torno do valor do salário de May prolongou as negociações e
fez
gorar o negócio. May viu chegar o final do ano de 1822 sem o cargo e sem o
prestígio
que lhe dava o jornal, que deixara de publicar em junho.
Diante da frustração, May sentiu-se novamente tomado de brios liberais
e man-
dou recado ao ministério dizendo que tencionava retomar a publicação de A
Malagueta
para denunciar a perseguição do ministério aos seus antigos aliados. Antes
que levas-
se a cabo a ameaça, May foi tema de um interessantíssimo artigo publicado em
O Espelho de 9 de janeiro de 1823 sob o título “Calmante no ou da
Malagueta”.
Insinuava-se ali, entre outras coisas, que May devia sua trajetória à
relação que man-
tivera com o conde das Galveias, cujo nome era citado inúmeras vezes: “as
coxas por
fora não parecem más, se são macias haja vista ao Conde das Galveias;(...) o
nariz
mostra bem a razão do amor que lhe teve o conde das Galveias”. De forma
chula e
ignóbil, o artigo fazia, a seguir, referência ainda mais explícita ao
conhecido homos-
sexualismo do conde.
Quem lê hoje esse artigo tem certeza de que seu autor não se deteria
diante de
qualquer impedimento moral ou legal para escrever ofensas. Ele escreve
ciente da
impunidade, em texto coloquial, que tem momentos francamente humorísticos.
Há
muitas semelhanças com o estilo dos artigos igualmente ofensivos que tiveram
como
alvo João Soares Lisboa, e que os historiadores confirmaram terem saído da
pena de
d. Pedro I.
No começo do ano de 1823, a imprensa que ficara ativa no Rio era
francamente
favorável ao gabinete Andrada. Mas o início dos trabalhos da Constituinte,
em 3 de
maio, inverteria esse quadro. Da tribuna da Câmara seus adversários puderam
pro-
testar livremente. João Soares Lisboa logo estaria de volta. Não suportara o
exílio.
Tomou um barco americano e voltou, acreditando que se acharia já funcionando
a
Assembléia e que seria por ela protegido. Chegou no Rio a 17 de fevereiro de
1823.
Foi imediatamente preso. Sinal dos tempos singulares em que se vivia, foi a
retomada
pelo jornalista, naquelas circunstâncias, da publicação de seu jornal.
24 Mello, 1917:122.
25 Sousa, 1945:143.
mo projeto que os Andrada para o Brasil. Mas naquele momento era conveniente
para ele aliar-se aos paulistas no combate aos portugueses para ver se,
expulsos estes,
sairia com eles do Brasil o imperador e, quem sabe, se instauraria no Rio de
Janeiro
uma república. Foi certamente movido por esse desejo que fez publicar em seu
jor-
nal, em outubro de 1823, uma série de artigos assinados por um personagem
que se
auto-intitulava o Brasileiro Resoluto. Neles, os portugueses eram atacados
num tom
ainda mais forte do que vinham sendo em O Tamoio.
Sentindo-se ofendidos pelos artigos do Brasileiro Resoluto, dois
oficiais portu-
gueses foram até a botica de David Pamplona, no largo da Carioca, e,
pensando ser
ele o autor dos artigos, deram-lhe umas bengaladas. Desde sua instalação, a
Assem-
bléia Constituinte vinha se constituindo no desaguadouro de todas as queixas
popu-
lares e Pamplona resolveu ir lá para também fazer a sua. Pamplona era tudo
que
Martim Francisco e Antônio Carlos podiam desejar naquele momento. Só tinha
um
defeito o boticário: era português de nascimento. Essa informação, no
entanto, não
apareceria nos discursos apaixonados de Martim Francisco e Antônio Carlos,
que o
converteram em brasileiro nato e usaram seu espancamento para incitar a
Assembléia
contra os portugueses. O discurso de Martim Francisco pronunciado em 10 de
no-
vembro de 1823 e as manifestações públicas que se lhe seguiram determinaram
d. Pedro I a dissolver a primeira Assembléia Geral Constituinte e
Legislativa do
Brasil. Os Andrada e alguns membros de seu grupo foram banidos para a
França.
João Soares Lisboa protestaria veementemente contra o fechamento da
Assem-
bléia. Segundo ele, os inimigos do império haveriam de interpretar o
acontecimento
a seu gosto e diriam que o governo aproveitara a ocasião para dissolver a
Assembléia.
Ele achava que, para castigar os Andrada, não era “necessário derribar o
grande edi-
fício social brasílico, aniquilando a Assembléia”. Este foi o último número
do Correio
do Rio de Janeiro. Encerrou-se com um melancólico e lacônico aviso do
redator:
“Com este número damos fim à 2a parte de nosso Periódico; os Srs.
Subscritores
queiram ter a bondade de mandar à Cadeia receber o que lhes resta”.
Antes desse aviso, no entanto, Soares Lisboa reproduzira texto de
edital do
intendente de polícia Estevão Ribeiro de Rezende, datado do último dia 20.
Aquela
autoridade declarava que qualquer pessoa que lhe viesse denunciar quem eram
os
autores das proclamações que circulavam na cidade contra o fechamento da
Assem-
bléia e quem as estava distribuindo receberia imediatamente 400 mil-réis.
Soares
Lisboa encerrou aquele número com um amargo comentário acerca desse aviso.
26 Rizzini, 1946:401.
27 Sodré, 1966:84.
28 O Diário do Rio de Janeiro
surgiu em 1o de junho de 1821 e durou até 31 de
outubro de 1878. Foi criado
pelo português Zeferino Vito de Meireles, que de operário chegou a vice-
administrador da Impressão Régia.
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262 A independência brasileira
vam inicialmente uma intenção pedagógica, com vistas a preparar seu público
para a
nova realidade política que se apresentava. Essa intenção era desvirtuada
por conta
das divergências inerentes aos projetos políticos dos redatores ou das
correntes a que
se vinculavam. Logo se instaurava o debate, com a conseqüente competição
pela
conquista do público.
Para os que escreviam nos jornais, o papel do jornalista se confundia
com o do
escritor. Sua missão era educar. Os jornais surgidos no Brasil entre 1821 e
1823,
período de intenso debate político, de violenta transformação das
instituições, com
mais razão ainda nasciam impulsionados por esse espírito. Seu propósito,
segundo
declaravam quase sempre no editorial de estréia, seria o de preparar o povo
para o
regime liberal que se inaugurava. Os homens que os faziam acreditavam nas
virtudes
mágicas do saber e confiavam na educação como alavanca principal da
transforma-
ção da sociedade. Para Hipólito da Costa, a instrução seria a chave de uma
conduta
racional e asseguraria o bom funcionamento dos governos. Difundir as Luzes
era
criar condições para uma política justa e eficiente.29
Nesse contexto, cabia ao jornalista o importante papel de suprir as
deficiências
que a carência de livros e de informações especializadas acarretava. Quase
todo jornal
começava com uma carta de intenções. Seus redatores estavam conscientes da
impor-
tância de seu papel naquele momento. Um dos três primeiros jornais
publicados no
Brasil, em 1821, O Bem da Ordem,30 iniciou suas atividades com esta
advertência:
29 Candido, 1962:258.
30 O Bem da Ordem foi editado pelo cônego Francisco Vieira Goulart. Um dos
três jornais a circular no Rio
no primeiro semestre de 1821, dele foram publicados 10 números, entre os
meses de março e dezembro.
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Insultos impressos: o nascimento da
imprensa no Brasil 263
É que, apesar das boas intenções dos redatores, aos poucos, em virtude
da diver-
sidade das idéias e dos interesses em disputa, emergiam as diferenças de
opinião. O
clima tenso e apaixonado que caracterizava a vida política se transferia
rapidamente
para os textos. Entre as melhores intenções declaradas logo no primeiro
número,
estava a promessa de que não seriam acolhidos nas folhas os chamados libelos
difamatórios. Um leitor de O Volantim recomendava ao seu redator que
procurasse
evitá-los.
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264 A independência brasileira
Conclusão
35 Candido, 1962:263.
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266 A independência brasileira
Bibliografia
Introdução
* Este ensaio faz parte de um projeto mais amplo que resultou, entre outros,
no livro A longa viagem da
biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à independência do Brasil (São
Paulo: Cia. das Letras, 2002).
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270 A independência brasileira
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Pagando caro e
correndo atrás do prejuízo 271
2 Debret, 1835.
3 Em As barbas do imperador (1999) desenvolvi, com Valéria Macedo, essa
mesma questão com mais vagar.
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272 A independência brasileira
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274 A independência brasileira
5 Lima, 1997:241.
6 Descrição baseada na carta enviada por Marrocos ao pai em 30 de março
de 1816.
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Pagando caro e
correndo atrás do prejuízo 275
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276 A independência brasileira
9 Neves, 2000:100-101.
10 Jurandir Malerba explora o uso desses “trastes”, a partir da análise de
inventários post mortem, em Malerba,
2000, cap. 3. Na mesma obra, o capítulo “O teatro da festa” tem como objeto
o caráter lúdico da sociedade
fluminense a que aludi.
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correndo atrás do prejuízo 277
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278 A independência brasileira
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Pagando caro e
correndo atrás do prejuízo 279
todas, como se o ritual, com sua plena realização, afastasse para sempre o
vento
impetuoso da rebeldia e assegurasse o prestígio da monarquia, tudo de uma
vez só.
O Paço Real foi incorporado ao grandioso cenário montado para a
aclamação,
em 6 de fevereiro de 1818. Era a primeira vez que esse tipo de celebração se
fazia no
Novo Mundo e o largo do Paço foi cuidadosamente preparado para a ocasião, ao
mesmo tempo em que se ornamentavam os cortinados com damasco de carmesim.
Para completar, todos os edifícios da rua Direita e da praça foram
enfeitados. No
meio da praça, erguia-se o obelisco de falso granito; na frente do chafariz,
pelo lado
do mar, o arco triunfal à romana e, quase a diante do palácio, o templo
grego. Mas o
ponto alto era mesmo a varanda, que ocupava toda a frente do Convento do
Carmo,
desde o passadiço sobre a rua Direita — que unia o convento onde vivera d.
Maria
— até a Capela Real. Não faltaram detalhes nesse cenário efêmero, que
deixava o rei
visível de onde quer que se quisesse observar.16
Afinal, era a primeira vez que d. João VI se apresentava a seu público
americano
com toda a realeza. E lá veio ele portando nos ombros o pesado manto real de
veludo
carmesim, todo coberto de ouro e ostentando as insígnias de todas as suas
ordens.
Surgiu acompanhado de perto pelo príncipe herdeiro, d. Pedro, e pelo infante
d. Miguel. Logo em seguida, vinham todas as representações oficiais, que não
perde-
riam por nada a oportunidade de ver o rei ser aclamado e depois realizar seu
jura-
mento. E assim foi feito, até que toda a longa cerimônia religiosa se
completou com
o Te Deum na Capela Real.17
Também no campo de Santana foram construídas quatro torres com 24
peças
todas iluminadas. Em cada torre, um coro de música instrumental tocava
sinfonias
selecionadas, para fazer da população bons atores coadjuvantes. No centro
desse pas-
seio formou-se uma praça com 16 estátuas e uma cascata artificial, que
lançava água
ao longe, por conta de um repuxo continuado. Essa cachoeira deitava suas
águas
num grande tanque repleto de conchas exóticas, que formavam um cenário à
parte.
Luzes também não faltaram: ao todo, 60 mil bicos — eram 102 agulhetas, 64
lustres,
um pavilhão chinês, pirâmides de 400 fogos e mais um teatro de 400
lâmpadas.18
Por fim, para reter a multidão que ali se acumulava, distribuíram-se
refrescos e
doces. Para alguns poucos privilegiados, numa grande sala forrada de
damasco, se
16 Santos, 2000:14-15.
17 Para uma descrição ainda mais detalhada da coroação, ver o documento
“Sobre a aclamação do sr. d. João
Sexto no Rio de Janeiro”. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1818, códice
569, papéis relativos à aclamação,
à sagração e à coroação de d. Maria I, d. João VI, d. Pedro I e d. Pedro II
(1777-1841).
18 A descrição das comemorações no campo de Santana foi elaborada a partir
do relato de Barreto,
[1939-]:212.
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280 A independência brasileira
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Pagando caro e correndo atrás
do prejuízo 281
festa dada nos jardins imperiais de Augarten, onde o marquês mandou edificar
um
salão e ofereceu uma ceia para mais de 400 convidados. Lá estavam os
diamantes do
Brasil, que, segundo o relato orgulhoso de Marialva, fizeram pasmar a corte
de Vie-
na. Isso sem esquecer da arquiduquesa, que recebeu nessa ocasião o retrato
de seu
esposo, também devidamente emoldurado por pedras do Brasil. Tudo muito bem
encenado...
O ato de casamento foi celebrado no dia do aniversário de d. João, 13
de maio,
como se o mundo fosse feito só de coincidências rituais. Representou o noivo
o
arqueduque Carlos, irmão do imperador, a quem o embaixador entregara dois
dias
antes a procuração do príncipe d. Pedro. E, após tanta solenidade, chegou a
hora de
a nababesca comitiva se despedir, levando consigo a noiva comprometida. Em 2
de
julho o grupo partiu para Florença, onde aportou no dia 14, só para aguardar
a
chegada da esquadra portuguesa que levaria ao Brasil sua nova princesa. A
espera foi,
porém, maior, motivada não só pela revolução de 1817, como pela pressão
inglesa
junto a Viena, para que a corte portuguesa retornasse a Lisboa. A idéia era
impedir a
partida de Leopoldina, ou enviá-la diretamente a Lisboa, onde se reuniria à
família
real em cujo seio entrava. Mas, se o coração do pai, o imperador Francisco,
oscilava
diante do inseguro destino da filha, já o ministro Metternich empenhou-se em
não
ceder aos apelos ingleses, garantindo que a arquiduquesa cumprisse o acordo.
E assim formou-se a comitiva. A parte masculina era portuguesa e a
feminina,
austríaca, composta pelas condessas de Kundurg, Sarentheim e Lodron: a
primeira
como camareira e as outras duas como damas. Além das damas de honor, outras
de
serviço particular, retretas, açafatas, criadas, um capelão, um
bibliotecário, vários
serviçais de libré aboletaram-se nas naus, sendo todos de nacionalidade
austríaca. O
médico era português, e o cozinheiro, austríaco; isso para não passar
vergonha diante
da princesa, acostumada aos banquetes vienenses. Na outra nau, provida de
menos
acomodações, seguia o embaixador especial com sua comitiva.
Enquanto isso, no Brasil, começavam os preparativos. Se até mesmo a
notícia
dos desponsórios foi celebrada com missas, Te Deum Laudamus, repiques de
sinos,
salvas de artilharia e ações de graça, o que dizer da recepção. E assim,
entre fins de
outubro e início de novembro a tarefa foi confiada ao secretário do Estado
dos Negó-
cios do Reino, Tomás Antonio Vilanova Portugal, que lidou com a questão como
se
fosse — e era — estratégica para o governo. E como bom político, Vilanova
Portugal
tratou de dividir as muitas tarefas: o iate que receberia a princesa, as
bênções nupciais,
as embarcações de boas-vindas, a recepção, a limpeza... Por sua vez, o
Senado publi-
cou decreto pedindo não só que se ornassem casas e janelas, mas que as ruas
por onde
o cortejo passaria tivessem “a conveniente limpeza. Ordena outrossim o mesmo
Se-
nhor que o Senado mande fazer os reparos que forem precisos na calçada dela,
e dê as
providências para que se ache limpa, areada e livre de todo o pejamento no
dia
daquela função...”.22 Era preciso, portanto, maquiar a cidade, a fim de que
a prince-
sa tivesse uma primeira boa impressão. Também foram devidamente avisados
todos
aqueles que participariam do evento: os funcionários do paço, a fidalguia da
corte e,
é claro, a família real. Cada um no seu lugar, no seu horário e
indumentária, como
bem manda a etiqueta numa sociedade majoritariamente analfabeta, onde as
clivagens
de classe ficavam inscritas nos corpos.
Montigny foi novamente chamado a participar, com seus grandes cenários
fugidios. Dessa vez, ergueu em frente à Igreja de Santa Cruz dos Militares
um arco
do triunfo — um conjunto de mastros, sustentando guirlandas de flores e
medalhões
com os atributos da princesa, entrelaçados de folhagens. Seu colega Debret
tratou de
descrever a cena, não sem antes emitir certos julgamentos estéticos: “O arco
do triun-
fo de estilo português (...) apresenta a extravagância dos detalhes
arqueológicos (...).
O lado direito do desenho é inteiramente formado por uma parte da popa do
navio
real de d. João VI, que trouxe de Triestre a princesa austríaca”.23 Mais uma
vez, o
projeto urbano se adaptava às festas e tentava fazer coincidir o que era
muito diferen-
te: uma colônia tropical e escravocrata com um modelo europeu e neoclássico.
Como
se vê, as festas criavam uma série de “prédios falsos”, estruturas que se
desfaziam,
tudo em nome desse “urbanismo patriótico” herdado do modelo francês. Tal
tipo de
teatro constituía-se como pano de fundo dessas festividades ao ar livre e
devia con-
formar um espetáculo realmente espantoso aos olhos da população, até então
mantida
apartada desse tipo de festividade. A cada festa, a nação era fundada, e a
representa-
ção criava realidade e não o oposto. O monumento, como exemplo do passado,
tinha a função de guardar uma certa memória e perpetuar na recordação a
certeza da
nação. Buscava-se criar uma “Europa possível”24 em terras americanas,
inventar um
passado e dar brilho ao que era opaco.
A chegada da princesa foi aguardada com ansiedade e recebida com as
festas de
sempre, que ficavam mais e mais aprimoradas. Só a procissão que a
recepcionaria
contava, além de uma partida de cavalaria servindo de batedores, com quatro
moços
a cavalo e os azeméis com seus degraus cobertos de veludo carmesim,
timbaleiros
com seus instrumentos, os oito porteiros da cana a cavalo, os reis de armas,
arautos,
passavantes, e 93 carruagens de quatro rodas puxadas por dois e quatro
cavalos. Pelas
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284 A independência brasileira
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Pagando caro e correndo atrás do
prejuízo 285
29 Candido, 2002:1.
30 Salles, s.d.:74.
31 Debret, 1835:326.
32 Karash, 2000:335.
33 Não é o caso de refazer toda a história dessa biblioteca. Para uma visão
mais aprofundada, sugiro a leitura
de Schwarcz, Azevedo e Costa, 2002; e Schwarcz e Azevedo, 2003.
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288 A independência brasileira
Estado português exigia que fosse pago o valor de todos os objetos que
tinham ficado
no Rio de Janeiro.
E não era só. No documento intitulado “Conta dos objetos que Portugal
teria
direito de reclamar ao Brasil”, resultado da quarta conferência realizada
ainda em
Lisboa em 15 de abril de 1825, incluiu-se tudo que se lembrava ou que se
julgava de
direito: as equipagens, as pratas, os navios de guerra, os soldos dos
oficiais, os fretes
dos barcos que conduziram as tropas, divisões militares, o êxodo das armas,
as arti-
lharias e, o que nos interessa mais de perto, a Real Biblioteca, vendida por
800:000$000
réis (800 contos de réis).
200:000$000
400:000$000
Marinha
5o Valor dos navios de guerra deixados no Brasil
3.334:000$000
6 Importância dos ordenados pagos pela repartição
o
(total) 3.482:981$155
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290 A independência brasileira
Guerra
13o Despesa de um destacamento de tropas
que veio do Pará e para aí voltou
5:524$570
14o Idem de um destacamento de tropas vindo
do Maranhão e que para aí vai tornar
25:389$377
15 Idem de dois esquadrões da Legião da Bahia
o
15:568$012
16 Soldo dos oficiais
o
327:981$585
17o Valor da Artiharia e munições de guerra deixadas no Brasil
203:730$368
18o Fornecimento ao destacamento do Maranhão
10:825$296
19 Idem aos esquadrões da Bahia
o
2:973$850
591:993$068
De que se abate:
— O valor da artilharia e das munições de guerra pertencentes à Bahia que
estão em Lisboa 25:276$690
— O valor dos objetos pertencentes à confraria dos esquadrões da Bahia
4:129$267
29:405$957
562:587$111
Total geral:
18.145:424$542
N.B.: Esta conta não compreende senão os principais objetos, mas no caso
em que o Brasil preferisse entrar em liquidação a
pagar logo uma soma junto, haveria muitos outros artigos para lhe juntar
(Biker, 1880, t. XV. Ver também t. XXIII da coleção,
p. 62-5. Ou Arquivo da Torre do Tombo, Negócios Estrangeiros, casa forte
2).
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Pagando caro e correndo
atrás do prejuízo 291
com pensões e com todo o aparato de guerra. Esse foi, com certeza, o lado
mais óbvio
dessa paga por soberania e, mesmo que protocolarmente, fazia-se necessário
ressarcir.
Mas, se não é possível em pouco tempo fazer uma história original
desses assun-
tos bastante repisados, deve-se insistir em um item da conta. Por que a
Biblioteca
Real aparece em segundo lugar, antes dos demais itens que faziam parte da
própria
lógica do Estado?
A própria biblioteca entraria em pauta novamente na nona conferência,
de 23
de maio, juntamente com a lista de vários equipamentos que precisavam ser
ressarci-
dos. Além da cópia original da dívida pública e da lista de equipagens da
corte que
haviam ficado no Brasil, foi apresentada a carta do frei Joaquim Dâmaso,
contendo
a avaliação da Real Biblioteca, da qual fora bibliotecário.
Dâmaso, para subsidiar a conferência, emitira o seguinte parecer sobre
a biblioteca:
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292 A independência brasileira
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08/08/2014, 15:03
Pagando caro e
correndo atrás do prejuízo 293
tar. Os ingleses, interessados, propunham que o Brasil tomasse para si, como
indeni-
zação a Portugal, o empréstimo levantado por este país em Londres.
Procuravam,
assim, uma garantia nessa nova nação, que decerto lhes renderia boas
comissões, e
falavam na soma de 1 milhão e 300 mil libras esterlinas.
Os negociadores brasileiros quiseram logo diminuir para 1 milhão a
quantia,
enquanto d. Pedro pagaria ao pai 250 mil libras pelas propriedades deixadas
no
Brasil39 e mais 55 mil libras aos donatários das capitanias. Começava-se,
assim, a
história desse país recém-independente rolando dívidas e misturando-se
esferas pú-
blicas e privadas. Afinal, o que era do Estado e o que era propriedade
privada de
d. João ninguém se lembrou de perguntar. Mas, na última hora, apareceu outra
proposta, menos complicada. O Brasil entregaria a Portugal, que nada mais
teria a
reclamar, a soma de 2 milhões de libras esterlinas, em prestações anuais de
100 mil
libras. Já com relação a d. João VI, isso seria questão entre pai e filho.
E como toda história tem um fim, chegou-se a um acordo naquele mesmo
ano
de 1825. Na verdade, d. Pedro tinha pressa, pois o que queria mesmo era
publicar o
tratado, até sem a assinatura do pai, em 7 de setembro, bem na data do
aniversário da
independência. O tratado — que teria que ser ratificado por ambas as partes
— seria
aqui assinado já em 29 de agosto de 1825, quando o Brasil foi admitido na
categoria
de império, independente e separado dos reinos de Portugal e Algarves, sendo
d. Pedro reconhecido seu imperador, a quem o rei de Portugal transferia a
soberania,
bem como a seus sucessores, tomando para si o mesmo título. Mas o tratado
não
concedia simplesmente a independência. Destacava que as propriedades
portugue-
sas, bens de raiz e móveis, ações seqüestradas ou confiscadas, assim como as
embarca-
ções e cargas apresadas deveriam ser restituídos.40 E para tanto, uma
comissão paritária,
composta de brasileiros e portugueses, seria criada para continuar
arbitrando as di-
vergências que poderiam surgir no caminho.
Explicitados os termos, o imperador assinou imediatamente no Rio o
Tratado
de Amizade e Aliança e a Convenção Adicional, logo no dia 29 de agosto de
1825,
sendo o mesmo ratificado em 30 de agosto. Além do tratado propriamente dito,
39 Oliveira, 1973:181.
40 O art. 6o do tratado determinava que: “Toda propriedade de bens de raiz,
imóveis e ações seqüestrados ou
confiscados pertencentes aos súditos de ambos os soberanos do Brasil e
Portugal serão logo restituídos, assim
como seus rendimentos passados, deduzidas as despesas da administração, ou
seus proprietários indenizados
reciprocamente pela maneira declarada no artigo oitavo”. Já o art. 7o
tratava da restituição de embarcações e
cargas pesadas, enquanto o 8o estabelecia que uma comissão nomeada por ambos
os governos, e composta de
brasileiros e portugueses em número igual, se encarregaria de examinar a
matéria dos arts. 6o e 7o no prazo de
um ano. Ver Tratado..., 1825.
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294 A independência brasileira
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Pagando caro e
correndo atrás do prejuízo 295
Os livros
Mas falemos um pouco mais dos livros. Pagou-se caro pela independência
—
2 milhões de libras esterlinas —, e desse valor parte significativa cabia
aos livros: 800
contos, valor que, à época, correspondia a 250 mil libras esterlinas ou a
cerca de
12,5% do valor total do pagamento a ser efetuado. Além do mais, como se
sabe, na
relação da “Conta dos objetos que Portugal teria direito de reclamar ao
Brasil”, a
biblioteca aparecia logo em segundo lugar, imediatamente após a soma da
“Metade
da dívida pública até 1807” e valia quatro vezes mais do que toda a famosa
prataria
da coroa, que, juntamente com os demais móveis e objetos, só alcançava 200
contos,
assim como a “equipagem”, que também não ultrapassava esse valor.
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296 A independência brasileira
A biblioteca valia mil vezes mais que uma série de casas. Já uma
padaria equipa-
da e com escravos incluídos, conforme aparecia na Folha Mercantil de 15 de
setem-
bro de 1825, alcançava apenas 0,5% do seu valor total:
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Hendrik Kraay
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Muralhas da independência e
liberdade do Brasil 305
4 Berbel, 1999:161.
5 Sentinella Bahiense, Salvador, 21 ago. 1822.
6 Requerimentos de José Lino Coutinho, AHE/RQ, JZ-101-3.037. Sobre a sua
carreira, ver Souza, 1979:57-58.
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306 A independência brasileira
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liberdade do Brasil 307
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308 A independência brasileira
16 Rodrigues, 1975.
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310 A independência brasileira
A política, 1817-22
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312 A independência brasileira
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Muralhas da independência e
liberdade do Brasil 313
realistas e por pouco escapou da morte (seu cavalo morreu numa descarga dos
constitucionalistas); na reunião da Câmara Municipal, propôs “uma nova obra
de
brasileiros”, aparentemente visando ligar a Bahia ao Rio de Janeiro, onde
havia pla-
nos para ou a separação de um Brasil absolutista do Portugal
constitucionalista ou a
proclamação de uma Constituição brasileira para antecipar os liberais
portugueses.
Nenhuma das duas propostas foi bem recebida na época, e Brant mais uma vez
por
pouco escapou de outra ofensa física por parte dos constitucionalistas. Em
segui-
da, saiu da Bahia, mas voltaria depois da guerra como membro do círculo
íntimo
de d. Pedro.30
A adesão da Bahia ao regime constitucional em fevereiro de 1821 mudou
o
significado do serviço militar. A junta convocou voluntários para defender a
Bahia
contra a reação do Rio de Janeiro, e muitos assentaram praça para defender
sua
pátria (a aceitação do regime constitucional por d. João VI no final daquele
mês
eliminou a ameaça).31 Em agosto, chegou de Lisboa um contingente substancial
de
tropas portuguesas, a Legião Constitucional. Originariamente convidados pela
junta
para defender o regime constitucional contra a reação do Rio de Janeiro,
esses refor-
ços eventualmente chegaram a ser percebidos como um Exército de ocupação.
Cada
vez mais, os baianos que assentavam praça o faziam com fins explicitamente
políti-
cos: João Primo declarou posteriormente que se alistara voluntariamente “a
fim de
rogar a tropa do país, para não anuir no desembarque dos lobos lusitanos”.32
Em
setembro, a Bahia elegeu seus oito deputados às cortes, todos eles
brasileiros. Embora
dominada por senhores de engenho e comerciantes, a bancada baiana também in-
cluía Lino Coutinho e Cipriano Barata. Alguns soldados baianos foram
destacados
para Pernambuco numa época em que aquela província estava dividida entre a
Junta
de Goiana e o governador Luís do Rego Barreto (setembro a outubro de 1821).
Mas
os reforços baianos enviados ao governador de Pernambuco estavam por demais
in-
clinados a apoiar a junta e foram logo retirados.33 A hostilidade às tropas
portugue-
sas em fins de 1821 era estimulada por aqueles que viam os soldados europeus
como
instrumentos da centralização em Lisboa. O brigadeiro Freitas Guimarães,
algo
populista, incentivava os alistamentos patrióticos, cultivava ligações
estreitas com as
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314 A independência brasileira
tensões de classe nessa sociedade: alguns “soldados diziam em voz vaga que
se derro-
tassem os três batalhões europeus haviam de dar saque nos habitantes da
Praia”, isto
é, o distrito comercial da freguesia de Conceição da Praia, um reduto
português.38
Buscando a liberdade, determinados a depor um governo dominado por
portugueses
— como os pernambucanos haviam feito — e esperando pilhagem, os soldados
derrotados se dispersaram pelo Recôncavo e, mais tarde, formaram uma parte
im-
portante do Exército patriota reunido na segunda metade de 1822.
A milícia preta e parda também teve papel importante na luta. O idoso
capitão
negro (mais tarde coronel) Joaquim de Santana Neves colocou-se no centro do
con-
flito, quebrando pessoalmente o braço de um oficial português. Os sargentos
da
artilharia lutaram sem sucesso para conter os milicianos, cujo entusiasmo
superou
sua disciplina ao abrirem fogo contra as tropas portuguesas sem terem sido
instruí-
dos a fazê-lo.39 Somente uma testemunha do inquérito propiciou alguns
indícios
sobre os motivos dos milicianos. Esse oficial confrontou-se com um soldado
do 4o
Regimento de Milícia “que praticava imensos despropósitos”, enquanto montava
guarda na praça da Piedade. Quando inquirido sobre quem lhe havia dado
ordens —
uma afirmação de autoridade militar por parte do oficial —, o soldado
respondeu
“que tinha ido por ali por muito sua vontade, e que estavam reunidos para
defender
a sua Pátria, e que admirava muito que sendo ele [a testemunha] oficial de
artilharia
lhe fizesse tal pergunta, dizendo-lhe ao mesmo tempo que se fosse oficial
honrado
estaria no forte”. Os oficiais da milícia chegavam e saíam durante toda a
tarde, entre
brados de “vivas” a Freitas Guimarães.40 Evidentemente, o brigadeiro
tornara-se o
símbolo e o ponto de encontro daqueles que procuravam defender sua terra dos
portugueses. Depois de sua derrota, os milicianos patriotas deixaram a
cidade, segui-
dos de um êxodo de oficiais e soldados que não haviam participado da luta.
Dessa
forma, a milícia dividiu-se ao longo de linhas mais ou menos raciais, com os
portu-
gueses e alguns dos brasileiros dos regimentos brancos permanecendo em
Salvador,
enquanto a maioria dos oficiais pretos e pardos juntou-se aos patriotas.
Em fevereiro de 1822 dividiu-se profundamente a sociedade baiana. Nos
pouco
menos de 18 meses desde a Revolução do Porto, as divisões entre portugueses
e
brasileiros tornaram-se claras e as classes populares, setores importantes
que serviam
em funções subalternas nas Forças Armadas, demonstraram sua importância.
Deve-
ras, havia um grau de liderança da elite nessa luta, mas muitos repararam na
curiosa
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316 A independência brasileira
A guerra, 1822/23
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liberdade do Brasil 317
45 Inácio Luís Madeira de Melo para d. João VI, Salvador, 7 mar. 1822;
Amaral, 1957:124; capitão-mor para
Madeira, Cachoeira, 16 abr. 1822; e AAPEB, v. 27, p. 9, 1941.
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318 A independência brasileira
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Muralhas da independência e
liberdade do Brasil 319
51 William Pennell para Canning, Salvador, 2 ago. 1824, PRO/FO 63, v. 281,
f. 85v.
52 Grinberg, 2002; Souza, 1979:63-64; e Souza, 1987.
53 Resolução, Conselho Interino, 23 out. 1822 (cópia), BN/SM, II-34, 10, 11;
Salvador Pereira da Costa
para Conselho Interino, Nazaré, 30 jan. 1823, BN/SM, II-33, 36, 6.
54 Para um exemplo, ver Kraay, 2001a:118-119.
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320 A independência brasileira
explícito, mas apesar disso muito real, era o sentimento antiafricano que
demarcava
o outro lado da nação brasileira. Os residentes de Jaguaripe que protestaram
contra a
retirada das tropas de seu distrito em fevereiro de 1823, preocupavam-se com
o fato
de isso os deixar “expostos aos marotos, nossos inimigos, em grande número
aqui
concentrados, e à mesma raça africana cujas maldades já” freqüentemente
foram
demonstradas no município.55
O Exército Pacificador dos patriotas era muito diferente do Exército
baiano
destruído pelos portugueses vitoriosos em fevereiro de 1822. Apesar, ou
talvez por
causa, de seu entusiasmo patriótico, os soldados do Exército Pacificador
eram um
grupo desordenado, pelo menos na opinião das autoridades. O Conselho
Interino
mais tarde aludiu a grandes problemas com soldados indisciplinados, e o
batalhão do
major José Antônio da Silva Castro, o núcleo dos futuros Periquitos,
adquiriu uma
reputação de brutalidade quando saqueou propriedades durante sua marcha de
agos-
to de 1822 por Nazaré e Jaguaripe.56 Inácio Acioli de Cerqueira e Silva
(1919-40,
v. 3, p. 370) atribuiu essas desordens “às sedutoras idéias da liberdade,
não perfeita-
mente entendidas por todos”. É desnecessário dizer que as propriedades de
portu-
gueses eram o alvo predileto para os saques, pois estes podiam ser
justificados como
atos patrióticos.
A mobilização patriota incorporou amplos setores da sociedade. O caso
de Maria
Quitéria de Jesus, que assentou praça como um homem e tornou-se, por algum
tempo, celebridade, indica que mulheres não estavam excluídas da mobilização
pa-
triótica.57 Chamberlain ouviu relatos de que as mulheres de Itaparica
juntaram-se
aos seus homens para repelir uma tentativa dos portugueses de se apoderarem
da
ilha.58 Os baianos não tardaram em mobilizar os grupos remanescentes de
indígenas
na vizinhança de Salvador. Segundo o cônsul britânico, os “caboclos (uma das
tribos
nativas) manifestaram coragem desesperada e ódio aos portugueses” durante a
bata-
lha de Pirajá. O Conselho Interino posteriormente acusou Labatut de ter
demitido a
“tropa de índios” e de assegurar que nenhum índio permanecesse nas
fileiras.59 En-
quanto em dúvida a respeito do recrutamento de índios, Labatut apressou o
escurecimento das fileiras ao incentivar, primeiro, o recrutamento de
libertos e, de-
55 Requerimento à Câmara, Jaguaripe, 12 fev. 1823, AAPEB, v. 10, p. 62,
1923.
56 Almeida, 1823:4-5; Rebouças, 1923:497; e Silva, 1919-40, v. 3, p. 372.
57 Silva, 1919-40, v. 3, p. 400, n. 67; e Graham, 1824:292-4.
58 Chamberlain para Canning, Rio de Janeiro, 4 fev. 1823, PRO/FO 63, v. 258,
f. 80v.
59 Pennell para o earl of Bathurst, Salvador, 14 nov. 1822, PRO/FO 63, v.
249, f. 267; Conselho Interino
para José Bonifácio, Cachoeira, 16 abr. 1823, RIGHB, n. 17, p. 358, 1898.
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Muralhas da independência e
liberdade do Brasil 321
60 Kraay, 2002.
61 Conselho Interino para José Bonifácio, Cachoeira, 16 abr. 1823, RIGHB,
n. 17, p. 362-364, 1898.
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322 A independência brasileira
A derrota, 1823-25
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liberdade do Brasil 323
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324 A independência brasileira
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e liberdade do Brasil 325
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326 A independência brasileira
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Muralhas da independência e
liberdade do Brasil 327
87Chamberlain para Canning, Rio de Janeiro, 8 jan. 1823 [sic, 1824], PRO/FO
63, v. 276, f. 14.
88Brant para Mello, Salvador, 12 fev. 1824, ADI, 2:6; Chamberlain para
Canning, Rio de Janeiro, 5 mar.
1824, PRO/FO 63, v. 276, f. 171r-72v; Silva, 1919-40, v. 4, p. 168-171;
Grito da Razão, Salvador, 17 fev.
1824.
89 Brant para Mello, Salvador, 12 fev. 1824, ADI, 2:7-8.
90 Mello para Brant, Rio de Janeiro, 10 mar. 1824, ADI, 1:59.
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328 A independência brasileira
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330 A independência brasileira
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Muralhas da independência e
liberdade do Brasil 331
102Pennell para John Bidwell, Salvador, 7 e 26 maio 1827, PRO/FO 13, v. 41,
f. 86v, 92r.
103Visconde de Pirajá para ministro do Império, Salvador, 26 maio 1827,
AHMI, II-POB-17.02.1827-
Alb.c 1-5, doc. 4; Vice-presidente para ministro do Império, Salvador, 26
maio 1827, BN/SM, II-33, 19,
56.
104 Vice-presidente para ministro do Império, Salvador, 3 ago. 1827, BN/SM,
II-33, 27, 59.
105 Marquês de Barbacena para d. Pedro I, Salvador, 3 e 4 set. 1827; e para
Francisco Gomes da Silva,
Salvador, 4 set. 1827, AHMI, II-POB-04.09.1827, Hor.c 1-20. Ver também os
documentos transcritos em
Aguiar, 1896:321-326.
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332 A independência brasileira
106 “Observaçoes de hum viajante q’ passou pela B.a p.a hum seo amigo no
Rio”, AHMI, II-POB-04.09.1827,
Hor.c 1-20.
107 Francisco Joaquim Alvares Branco Moniz Barreto para d. Pedro I,
Salvador, 1o out. 1827, AHMI, II-
POB-01.10.1827 Bar.c.
108 Kraay, 1999:260.
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334 A independência brasileira
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Muralhas da independência e
liberdade do Brasil 335
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Muralhas da independência e
liberdade do Brasil 341
Untitled-1 341
08/08/2014, 15:03
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Capítulo 10
Nós
pretos, pardos e brancos
Nós,
bravos pernambucanos
Valorosos brasileiros.
(José da
Cruz Ferreira, 1817)
Cidadãos pernambucanos
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344 A independência brasileira
Constitucionalismo e autonomia
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08/08/2014, 15:03
O avesso da
independência 347
9 Lima, 1962:204-205.
13 Berbel, 1999:193-194.
14 Mello, 2001.
15 Cf. Ofício da Junta do Governo Provisório de Pernambuco ao imperador d.
Pedro I, em As juntas
governativas..., 1973, v. 2, p. 694-695. (Recife, 23 nov. 1822.)
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O avesso da
independência 351
16 Caneca, 2001:360.
17 Mello, 2001:38; e Bernardes, 2003b:245.
18 Silva, 2003:515-520.
19 Alden, 1999.
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O avesso da
independência 353
22 Caneca, 2001:538.
23 Ibid., p. 545.
24 Melo, 1895:41-44.
25 Caneca, 2001:464-465, grifos no original.
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O avesso da
independência 355
Confederação do Equador
Impostos e algodões
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358 A independência brasileira
Ora, esse raciocínio pode até ser válido para 1824, mas não o é para o
movi-
mento político anterior. Como já se argumentou, produtores de açúcar de
ambas as
regiões, bem como plantadores de algodão da Mata Norte, além dos
comerciantes de
grosso trato do Recife, estavam lado a lado na luta contra o reino unido em
1817.
Em janeiro de 1818, o desembargador João Osório de Castro e Souza Falcão
notara
a esse respeito “que dos grandes filhos do país não houve um só nas duas
comarcas do
Recife e Olinda que não fosse rebelde, com mais ou menos entusiasmo”. Talvez
ape-
nas o grande comércio lusitano tenha estado, desde o início, contra a
revolução. O
mesmo desembargador escrevera em março de 1818 que se o governo da província
era sabedor de supostos planos revolucionários antes da eclosão do
movimento, tais
informações haviam sido obtidas “à instância de alguns negociantes europeus
no
primeiro de março (que logo foi sabida dos conspiradores)”.36 Tanto o
morgado do
Cabo, Francisco Paes Barreto, quanto os irmãos Cavalcanti — Francisco de
Paula,
Antônio Francisco e José Francisco —, todos radicados na Mata Sul e senhores
de
engenho e proprietários de amplos domínios territoriais, estavam entre os
“mártires
pernambucanos vítimas da liberdade” de 1817.37
Na verdade, os irmãos Cavalcanti já apareciam como principais
implicados na
conspiração de 1801, a dos Suassuna, organizada, como se sabe, no engenho de
sua
propriedade, cujo nome dera origem ao da conspiração. Esta remetia à idéia
de for-
mação de um governo autônomo em Pernambuco, supostamente amparado em au-
xílio francês, em caso de invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas.38
Como
também já se discutiu, foi apenas no período do constitucionalismo luso-
brasileiro,
entre 1821 e 1823, que o grupo de grandes proprietários radicados na Mata
Sul
criou as bases do adesismo pernambucano ao projeto do Rio de Janeiro,
divorcian-
do-se daí por diante das concepções autonomistas. Assim, não é possível
entender
1817 como fruto de um contraponto entre os grupos radicados no sul
açucareiro e
no norte algodoeiro. Com efeito, esse confronto só viria à tona na vaga do
consti-
tucionalismo. Foram os resultados da avaliação política de 1817 e,
sobretudo, a pos-
sibilidade de gerir o governo da província — propiciada pelo
constitucionalismo e
depois pela independência — que constituíram os fundamentos daquele
divórcio.
Resta, pois, explicar a natureza da ruptura com o princípio monárquico de
poder em
1817, a qual foi bem sintetizada num decreto do Governo Provisório da
Paraíba,
datado de 18 de março daquele ano. Neste, os próceres locais decretavam “que
não
torne mais a aparecer em toda a nossa província as insígnias, armas e
decorações do
rei de Portugal, para banir absolutamente das nossas idéias o império do
despotismo
e tirania até os seus últimos vestígios”.39
36 Cf. Devassa assinada por João Osório de Castro e Souza Falcão. Documentos
Históricos, Recife, v. 103,
p. 91, 15 jan. 1818; Carta de João Osório de Castro e Souza Falcão a Tomás
Vila Nova Portugal. Documentos
Históricos, Recife, v. 103, p. 109-110, 17 mar. 1818.
37 Martins, 1853.
38 Mello, 2001:18.
39 Cf. Decreto do Governo Provisório da Paraíba sobre a abolição das
insígnias, armas e decorações do rei de
Portugal. Documentos Históricos, Casa do Governo Provisório da Paraíba, v.
1, p. 34, 18 mar. 1817.
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360 A independência brasileira
Pernambuco restaurado
41 Melo, 1895:12-13.
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362 A independência brasileira
42 Mello, 1997:196.
43 Achilles, 1973:98.
44 Mello, 1997:136-137.
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364 A independência brasileira
nós não temos feito este Império para meia dúzia de famílias do
Rio de Janeiro,
São Paulo e Minas Gerais desfrutarem (...) nós somos livres, as
províncias são
livres, o nosso contrato é provisório e não está concluído.48
Modelos políticos
50 Pimenta, 2002:160-161.
51 Mello, 2001:32.
52 Pimenta, 2002:159.
53 Ibid., p. 159-160.
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370 A independência brasileira
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372 A independência brasileira
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O avesso
da independência 373
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374 A independência brasileira
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O
avesso da independência 375
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376 A independência brasileira
72Elias, 1993:193-274.
73Pimentel, 1995.
74Cf. Defesa de Joaquim Ramos de Almeida pelo advogado Antonio Luis de Brito
Aragão e Vasconcelos.
Documentos Históricos, Salvador, v. 109, p. 217-220, s.d.
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378 A independência brasileira
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O avesso da
independência 379
para tudo lhe concedo os amplos poderes que o Direito me permite”. Saldanha
mor-
reu de forma obscura em Caracas, em 1832, na rua, numa noite de
tempestade.76
Sorte bastante diferente teve o grande comerciante e presidente da
Confedera-
ção do Equador Manuel de Carvalho Paes de Andrade. Em setembro de 1824,
toma-
do o Recife pelas tropas de Lima e Silva, partiu Andrade para a Inglaterra.
Ali se
estabeleceu até a queda do imperador Pedro I. Regressando ao Brasil em
dezembro
de 1831, elegeu-se deputado provincial por Pernambuco em 1833, mas sequer
to-
mou posse, uma vez que foi nomeado senador pela Paraíba em janeiro de 1834.
Em
4 de junho do mesmo ano a regência o fez presidente da província de
Pernambuco.
Em 1840, reconciliou-se com inimigos de outrora. Por convite de seu colega
de
Senado por Pernambuco, Antônio Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti de
Albuquerque, mais tarde visconde de Albuquerque, passou a integrar o grupo
parla-
mentar que pugnava pela aprovação da maioridade de d. Pedro II. Naquela
circuns-
tância foi retórico: “tenho entrado em revoluções para derrubar, mas não
para levan-
tar reis. Assim o querem, eu os acompanho”. Andrade morreu no Rio de
Janeiro, em
1855, na condição de senador do império e de coronel de legião da Guarda
Nacio-
nal.77
A trajetória dos centralistas foi bem mais prestigiosa, fossem eles
brancos ou
“pretos”. Depois de participar da repressão à Confederação do Equador, o
militar
negro Pedro da Silva Pedroso viveu no Rio de Janeiro até sua morte. Em 1834,
ouviu
dizer na corte que José Bonifácio fora quem primeiro dera o grito da
independência.
Em contrapartida, fez publicar na Bússola da Liberdade, na edição de 20 de
setembro
daquele ano, uma nota com o seguinte teor:
Não pude ouvir a sangue frio que o Senhor Dr. José Bonifácio fosse o
primeiro
que desse o grito de independência do Brasil: esta glória só a mim
pertence, por-
que eu é que fui o primeiro que na cidade do Recife de Pernambuco, a
6 de março
de 1817 pelas 2 horas da tarde, fiz soar esta palavra mágica, que ao
depois foi
ecoada em 7 de setembro de 1822 pelo Sr. Dr. José Bonifácio de
Andrada nos
campos do Ipiranga. Perdoe-me! O seu a seu dono.78
Menos folclórica foi a trajetória dos ricos e brancos membros da
açucarocracia
pernambucana. Francisco Paes Barreto, o morgado do Cabo, líder local da
repressão
79 Carvalho, 1998.
80 Costa, 1882:370.
81 Ibid., p. 96.
82 Saldanha, 1988:195-199.
83 Mello, 2001:33.
Bibliografia
84 Lima, 1962:335.
85 Armitage, 1977:100.
86 Saldanha, 1988:23.
87 Mello, 2001:46.
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O avesso da
independência 383
Conexões
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Independências americanas na
era das revoluções 393
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394 A independência brasileira
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Independências americanas na
era das revoluções 397
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398 A independência brasileira
Contextos
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400 A independência brasileira
10 Gerbi, 1973.
11 N. do T.: Creole patriotism no original.
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402 A independência brasileira
cracia atraiu uma geração mais nova de nativos, empenhada em reivindicar seu
direi-
to de participar do governo.12 Segundo, quando as monarquias ibéricas se
enfraque-
ceram durante as grandes guerras européias da virada do século, as idéias
iluministas
foram uma fonte de crítica às instituições e políticas coloniais.
Entretanto, embora as
idéias oriundas do Iluminismo e das revoluções americana e francesa tenham
intro-
duzido importantes e novas correntes de pensamento nas culturas políticas
ibero-
americanas, não modificaram essas culturas políticas, nem interagiram com o
des-
contentamento social de modo a deflagrar movimentos pela independência, como
aconteceu nas colônias da América do Norte. Longe de se tornarem
politicamente
radicais por tal exposição a novos modos de ver o mundo, os nativos
progressistas
estavam mais propensos a ver a monarquia, essencialmente, como uma promotora
de progresso em sociedades provincianas profundamente conservadoras e em
grande
parte iletradas.13 Sua visão da monarquia como a forma “natural” de governo
e sua
crença nos vínculos estabelecidos com as metrópoles só foram seriamente
abaladas
quando as potências ibéricas entraram em crise em 1807/08. Enquanto a
Revolução
Americana se alimentou do crescimento gradual da oposição ao governo
metropoli-
tano em 1765-75, as revoluções pela independência na América ibérica se
origina-
ram do súbito colapso dos governos metropolitanos em seus territórios
europeus.
Comparações
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Independências americanas na era das
revoluções 403
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408 A independência brasileira
Conclusões
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Independências americanas na
era das revoluções 409
em uma nova era, caracterizada por novos valores, foi certamente forte entre
os líde-
res dos Estados revolucionários americanos. Bolívar, por exemplo, acreditava
que
todos os Estados americanos compartilhavam interesses similares e podiam se
unir
numa “Liga Anfictiônica”17 para defender seus interesses comuns. Até John
Quincy
Adams, que sempre foi cético quanto a tais afinidades, achava que os Estados
Unidos
deviam participar da agenda de cooperação pan-americana no Congresso do
Panamá
de 1826, reconhecendo que houvera uma “grande revolução nos assuntos
humanos”
durante o meio século transcorrido desde a Revolução Americana, e que o
estabele-
cimento das várias novas nações independentes havia colocado os Estados
Unidos
“numa situação não menos nova e interessante do que (...) sua própria
transição de
um grupo de colônias para uma nação de estados soberanos”.18
Eles, contudo, tinham obtido a independência por vias muito diferentes
e che-
gado a destinos também diversos. Primeiro, nem todos haviam sido igualmente
afe-
tados pela violência e a guerra. Enquanto os Estados Unidos e as repúblicas
da Amé-
rica espanhola haviam sido afligidos pela guerra e conflitos civis, o Brasil
escapara
dessa violência maior quando derrubou o governo colonial em 1822. Por outro
lado,
os Estados Unidos e o Brasil parecem se assemelhar mais um com o outro do
que
com as repúblicas da América espanhola porque, após a independência, ambos
fo-
ram capazes de criar um sistema político estável que durou mais de meio
século. A
maioria dos Estados hispano-americanos, ao contrário, enfrentou dificuldades
para
unificar regiões rivais em Estados nacionais estáveis e passou por guerras
civis fre-
qüentes em seu primeiro meio século de existência. O desenvolvimento
econômico
dos novos Estados também diferiu em muito. A economia colonial do Brasil não
experimentou grandes mudanças: o vínculo comercial com a Inglaterra criado
sob
domínio português fortaleceu a posição do Brasil como exportador de produtos
primários e garantiu sua prosperidade. Os Estados Unidos também prosperaram
com a independência, em parte devido às oportunidades comerciais que sua
neutra-
lidade propiciou durante o longo período de guerras internacionais entre
1796 e
1815, e em parte porque nunca foram de fato inteiramente excluídos do
comércio
britânico. O Haiti e a maioria das repúblicas da América espanhola, contudo,
não
tiveram a mesma sorte. O Haiti logo se viu às margens do comércio
internacional
quando suas plantações de cana-de-açúcar declinaram. A América espanhola
desfru-
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410 A independência brasileira
tou de um breve surto de prosperidade nos anos 1820, mas então a maioria foi
abalada pelo interesse internacional cada vez menor em seus recursos e
mercados.
Relegadas à margem da economia internacional, a maior parte das repúblicas
da
América espanhola viu sua vida econômica se estagnar ou declinar,
freqüentemente
de modo a exacerbar conflitos políticos internos.
Assim, embora a Revolução Americana talvez tenha nutrido de idéias e
servido
de inspiração aos defensores da independência na América espanhola, não se
conver-
teu em um modelo facilmente imitável. Ao contrário, pode-se dizer que as
indepen-
dências americanas se inspiraram em ideais comuns, mas aplicaram esses
ideais em
contextos tão diversos que a independência pôde apenas reproduzir a
diversidade das
sociedades coloniais. Nenhuma delas se inspirou em identidades nacionais
preexistentes ou em sentimentos claros de unidade nacional. Os Estados
Unidos
foram forjados a partir de uma confederação de estados na qual a identidade
local e
regional das populações significava muito mais do que ser “americano”. Nas
cidades
e províncias da América ibérica, onde a comunicação entre as regiões estava
muito
menos desenvolvida do que nos Estados Unidos, as pessoas, em geral, estavam
muito
mais propensas a se identificar com suas localidades do que com entidades
políticas
mais amplas, que se diziam representantes da “nação” ou do “povo”. Isso pode
ter
criado tendências centrífugas poderosas, que representaram um sério
obstáculo à
construção de novos Estados e à garantia de sua estabilidade.
O problema de manter a unidade interna nas ex-colônias foi evidente nos
Esta-
dos Unidos nas décadas que se seguiram ao reconhecimento de sua
independência
em 1783. Havia o temor, razoável, de que os Estados Unidos se separassem
após a
independência, particularmente quando a expansão para o Oeste abriu novos
terri-
tórios e fronteiras, oferecendo a possibilidade de fundação de novas
repúblicas. Em-
bora a Constituição Federal de 1787 propiciasse um modelo constitucional de
uni-
dade, no qual os Estados compartilhavam o poder sob a autoridade de um
governo
central em Washington, a presença inglesa no Canadá, espanhola no México, e
a
expansão contínua da fronteira em direção ao oeste fizeram com que esse medo
continuasse a preocupar o governo americano ao longo de toda a primeira
metade do
século XIX.19
Os obstáculos à unidade foram muito maiores na América dominada pela
Espanha. Por quase toda a América espanhola, mostrou-se difícil converter em
na-
ções-Estado estáveis regiões que pouco se integravam sob domínio colonial, e
virtu-
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Independências americanas na era das
revoluções 411
20 Piccolo, 1998.
21 Assunção, 2000:51-65.
22 Sobre as implicações revolucionárias da Revolução Americana, ver Wood,
1992.
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08/08/2014, 15:03
414 A independência brasileira
evitar o conflito violento que a abolição acarretara nos Estados Unidos, mas
não
pôde impedir a transgressão concomitante da ordem vigente pós-independência:
com
o fim da escravidão veio a queda do imperador e a substituição da monarquia
cons-
titucional pela república.
Nesse ponto, talvez, na abolição final da instituição da escravidão em
seus enclaves
remanescentes nas Américas, esteja a conclusão do ciclo de revoluções que
começa-
ram um século antes nas colônias britânicas na América, pois finalmente se
pôs fim
à mais gritante contradição à doutrina dos direitos individuais e à idéia de
soberania
popular em que se basearam os Estados independentes. O fato de que a
escravidão
tenha demorado tanto para ser abolida em algumas regiões indica importantes
dife-
renças entre os três movimentos revolucionários que varreram as Américas
britânica,
francesa, espanhola e portuguesa no meio século entre 1776 e 1825. A crise
colonial
em todos esses impérios estava associada ao conflito instalado na Europa,
com a
disseminação de novas noções de direitos naturais e constitucionais e com o
fracasso
das metrópoles em criar Constituições imperiais capazes de integrar as
colônias em
termos igualitários. As revoluções políticas produziram resultados bem
diferentes,
porém, já que o novo conceito de direito à “vida, à liberdade e à busca da
felicidade”
foi introduzido em contextos sociais e culturais muito distintos.
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Cronologia da independência
1808
1809
1810
1811
❑ Independência do Paraguai.
❑ Para minorar o problema de falta crônica de acomodações que se
verificou com a
chegada da corte, d. João concede isenção da décima urbana a quem
edificasse
casas nos terrenos da periferia conhecida como “Cidade Nova” (Rio de
Janeiro),
num prazo de dois anos.
1812
1813
1814
1815
1816
1817
1818
1819
1820
1821
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08/08/2014, 15:03
426 A independência brasileira
❑ Ordem do rei, em fevereiro, para que seu filho d. Pedro siga para
Portugal como
príncipe regente. Recuo, porém, nessa intenção em função das agitações
no Rio de
Janeiro, no Pará, na Bahia e, pouco depois, em Goiás.
❑ Eleição de deputados brasileiros para as cortes de Lisboa, que para lá
levam um
Mapa geral da população do Reino do Brasil: excluídas as províncias do
Ceará,
Maranhão e Piauí, a população do Brasil dividia-se em 48,2% de pardos,
44,8%
de brancos e 7% de índios (“domesticados”).
❑ Criação da relação de Pernambuco.
❑ Proclamação da Constituição da Monarquia Portuguesa, na praça do
Rocio, no
Rio de Janeiro.
❑ Pressão das cortes lisboetas para o regresso de d. Pedro a Portugal.
❑ Regresso de d. João VI a Portugal.
❑ Independência do Peru, do México e da Venezuela.
1822
1823
1824
1825
1826
1827
1828
1829
1830
1831