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Daniele Nunes de Britto Marangoni

Sara Côrtes Gama Ferreira de Oliveira

Do rompimento dos sonhos ao ressurgimento da esperança:


o que as práticas sócio-espaciais de Camargos revelam

Trabalho final apresentado à disciplina


Estudos de Planejamento e Produção do
Espaço Ambiental Urbano para a
Especialização Latu Sensu em Planejamento
Ambiental Urbano e Produção Social do
Espaço da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais como requisito parcial à
obtenção do título de especialista em
Planejamento Ambiental Urbano e Produção
Social do Espaço.

Orientador: Tiago Castelo Branco Lourenço

Belo Horizonte
2022
AGRADECIMENTOS

Este texto foi produzido de modo conjunto a partir das contribuições de diversos atores
sociais, para os quais seguem nossos agradecimentos:

ao nosso orientador de pesquisa, Tiago Castelo Branco Lourenço, pelos diálogos


enriquecedores e pelas instigações e problematizações que nos fizeram refletir
criticamente e recomeçar o processo quando necessário;

à professora Viviane Zerlotini, cujas considerações foram fundamentais para o


delineamento final dos métodos a serem adotados na pesquisa;

e aos moradores de Camargos, em especial, à Vaninha, Maria Inês, Creuza e Cláudia,


sem as quais essa pesquisa não seria possível e não teria sentido, e para quem
dedicamos este trabalho.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Localização de Camargos, Mariana/MG.……………………………….. 6


Figura 2. Vista aérea de Camargos, Mariana/MG………………………………… 7
Figura 3. Quadro de ideias-chave…………………………………………………. 29
Figura 4. Dinâmica de encerramento………………………………………………31

LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Questões exmanentes, tópicos centrais e questões imanentes……21


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO……………………………...……………………...………………………6

2. DIRETRIZES METODOLÓGICAS E REFERENCIAL


TEÓRICO-CONCEITUAL………………………………………..……………...……... 10

3. O PROCESSO COLETIVO…………………………………………………………….. 14

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………………. 32

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS………………………………………………………. 35

APÊNDICES………………………………………………………………………………….. 37
1 INTRODUÇÃO

Em cinco de novembro de 2015, rompeu-se a barragem de Fundão que


armazenava rejeitos de minério de responsabilidade da mineradora Samarco
S.A., joint venture das gigantes Vale S.A. e BHP Billiton. A ruptura da barragem
gerou uma série de danos sociais, culturais, econômicos, ambientais, dentre
outros, ao longo de toda a bacia do Rio Doce, de Mariana, em Minas Gerais, à
Regência, no Espírito Santo. No município de Mariana, oito comunidades foram
atingidas, quais sejam: Bento Rodrigues, Borba, Camargos, Campinas,
Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Pedras e Ponte do Gama.

Dentre as comunidades atingidas na jurisdição de Mariana, o distrito de


Camargos foi eleito como objeto deste estudo. A comunidade de Camargos
localiza-se a cerca de 5 km da comunidade de Bento Rodrigues, e possuía
forte ligação social, cultural e econômica com o subdistrito vizinho. Apesar de
sua beleza e importância histórica, Camargos segue sendo invisibilizada
sistematicamente, tanto no âmbito das políticas públicas do município, ainda
antes do rompimento da barragem da Samarco (Vale S.A. e BHP Billiton),
quanto no processo de reparação das perdas e danos sofridos pelas
comunidades de Mariana em decorrência do desastre-crime em tela.

Figura 1. Localização de Camargos, Mariana/MG

Fonte: Wikipédia, adaptado pelas autoras.

6
Figura 2. Vista aérea de Camargos, Mariana/MG

Fonte: Google Earth, 2022.

Camargos é um dos primeiros povoados de Minas Gerais, fundado entre 1700


e 1702 pelos “irmãos Camargos”, que chegaram nessas terras em busca de
pedras preciosas em uma expedição chefiada por Antônio Dias de Oliveira,
acompanhada também pelo Padre João de Faria Filho, que foram os primeiros
a ocupar e minerar a sede de Ouro Preto ao final do século XVII (PÓLEN,
2017). Contudo, há registros de que a paróquia de Camargos existe desde
1698, quando o local era conhecido como um vilarejo, tendo sido elevado a
distrito somente em 1836 (CURINGA, 2016).

O núcleo urbano de Camargos encontra-se em uma encosta, e é formado por


duas ruas que seguem as curvas de nível. Reproduzindo o padrão urbanístico
setecentista, as casas são implantadas no alinhamento com a via, e as
edificações são características da época colonial, com gabarito de um
pavimento (POLÉN, 2017). A importância socioeconômica de Camargos é
observada pelo “requinte arquitetônico da Igreja de Nossa Senhora da
Conceição” (POLÉN, 2017, p. 82) e pelas ruínas da Fazenda do Tesoureiro,

7
pertencente ao primeiro Barão de Camargos, Senador do Império (POLÉN,
2017).

O vilarejo possui cerca de trinta imóveis, de uso predominantemente


residencial, dos quais grande parte é utilizada, majoritariamente, aos finais de
semana (POLÉN, 2017). Ao longo dos anos, a comunidade observou o
crescimento no número de visitantes que acessavam o distrito em busca do
turismo de aventura e belezas naturais, como as cachoeiras e a trilha que liga
Bento Rodrigues a Camargos (POLÉN, 2017).

O rompimento da barragem da Samarco (Vale S.A. e BHP Billiton) acarretou na


queda da ponte que fazia a ligação entre os distritos de Bento Rodrigues e
Camargos, o que gerou impactos diretos nas atividades econômicas de parte
das moradoras e moradores do distrito (PÓLEN, 2017).

Ao que tudo indica, o forte vínculo existente entre o distrito de Camargos e o


subdistrito de Bento Rodrigues remonta dos tempos coloniais, uma vez que o
povoado de Bento Rodrigues surgiu por volta de 1702, seguindo o rastro dos
exploradores que chegaram em Camargos (POLÉN, 2017), tendo sido
interrompido em novembro de 2015, em decorrência do desastre-sócio-técnico
ambiental de responsabilidade das empresas mineradoras, rés na Ação Civil
Pública instaurada pelo Ministério Público de Minas Gerais, que tramitou na 2ª
vara da Comarca de Mariana.

Passados seis anos desde a data do rompimento da barragem de Fundão,


ainda se faz necessária a investigação das perdas e danos sofridos pela
comunidade de Camargos frente ao maior desastre ambiental envolvendo
barragens de minério do mundo. Para tanto, entendemos que seria necessário
o levantamento das percepções das pessoas que moram em Camargos e
vivenciam diariamente os desdobramentos do dia 05 de novembro de 2015.

Tendo em vista revelar parte desses danos cotidianamente sofridos pela


comunidade de Camargos, propusemos, no âmbito da pesquisa aqui
registrada, a realização de um processo coletivo, junto a um grupo de

8
moradores, que buscasse compreender a realidade local antes e depois do
desastre-crime e levantar possíveis demandas desses moradores, no sentido
de melhoria de sua qualidade de vida.

O presente trabalho se estrutura em quatro capítulos, sendo esta introdução o


primeiro. O segundo capítulo aborda o referencial teórico-conceitual e diretrizes
metodológicas que orientaram a pesquisa, enquanto o terceiro capítulo
apresenta o desenvolvimento da pesquisa, com passos e análise dos alcances.
O quarto e último capítulo, por sua vez, expõe as considerações finais.

9
2 DIRETRIZES METODOLÓGICAS E REFERENCIAL TEÓRICO-CONCEITUAL

Antes de expormos o registro do processo que realizamos em Camargos,


entendemos ser fundamental apresentarmos o referencial teórico-conceitual
que embasou o trabalho, bem como nosso posicionamento crítico e lugar de
fala, enquanto arquitetas e pesquisadoras do espaço social, os quais
conduziram as escolhas e o caminho por nós traçado no desenvolvimento da
pesquisa.

Somos duas arquitetas, sendo uma1 assessora técnica das pessoas atingidas
em Mariana, e a outra2 planejadora urbana com experiência em elaboração de
legislação urbanística. Ambas, habituadas a atuar em processos participativos
institucionalizados e, ainda que cientes da importância desses enquanto canal
de diálogo com as populações envolvidas, com posicionamento crítico em
relação a esses processos, reconhecendo neles (como já revelado em diversos
trabalhos acadêmicos) a existência de inúmeros problemas. Destacamos, a
seguir, alguns.

Os processos participativos institucionalizados são, por natureza, marcados


pela heteronomia3, desde as fases de preparação/produção das atividades
‘participativas’ até as fases de tomada de decisões. As ‘regras do jogo’ são
dadas (impostas) ao ‘grupo participante’ sem que esse possa intervir ou decidir
algo a respeito. A população que se envolve tem pouca ou nenhuma
oportunidade para a construção coletiva e apropriação de conceitos que, como
defendido por Freire (1983), poderiam conduzir a algum nível de transformação
social. Silke Kapp (2014) tece duras críticas aos processos dito ‘participativos’.
Segundo a autora:

Participação é quando os técnicos cedem um pouquinho dos seus


recursos culturais aos beneficiários [da ação], mas continuam fazendo
as regras, escolhendo a apresentação técnica, determinando em que
momento outras pessoas podem dar palpite ou não e, enfim, tomando

1
Sara Côrtes Gama Ferreira de Oliveira.
2
Daniele Nunes de Britto Marangoni.
3
A “imposição de uma ‘lei’ externa, de fora para dentro ou de cima para baixo, sendo o Estado,
por exemplo, uma estrutura heterônoma por natureza” (SOUZA, 2010, p. 174 apud
MARANGONI, 2020, p. 30). Seu oposto correspondente é a ‘autonomia’.

10
as decisões verdadeiramente importantes. (Nunca deveríamos usar
os termos participação e autonomia em conjunto, porque são opostos.
Autonomia significa fazer as próprias regras, enquanto participar é
apenas como estar na festa de outra pessoa.) (KAPP, 2014, p. 121)

Em concordância com a crítica acima expressa, optamos por chamar o


processo experienciado junto dos moradores de Camargos de “processo
coletivo”, e não “participativo”, em razão de termos colocado como premissa,
desde o princípio, que ele seria construído junto dos moradores, do modo mais
horizontalizado possível (ainda que com estímulos heterônomos).

Como elucidado por Marangoni (2020, p. 22-23), “os processos de


planejamento urbano tradicionais não consideram, ou consideram muito pouco,
a possibilidade de autonomia por parte dos moradores do local pesquisado”.
Nesse contexto, os processos participativos a eles associados servem apenas,
na maioria das vezes, como legitimadores das decisões tomadas não pelos
moradores, mas pelos agentes externos envolvidos. “Fica evidente o
planejamento tecnocrático, com imposição do saber técnico sobre o saber
local” (MARANGONI, 2020, p. 146). Ainda que os moradores sejam ouvidos
nas reuniões que compõem esses “processos participativos”, conforme a
autora elucida:

[...] (1) para o diagnóstico da área [...] são levados em conta


principalmente os levantamentos e análises feitas pelos técnicos; (2)
já para a etapa de propostas, [...] as proposições são construídas e
previamente decididas [pelos técnicos] e não [pelos moradores].
Quando digo “previamente” é porque, usualmente, alguns cenários
intervencionistas considerados possíveis para o local são formulados
pelos técnicos. Uma vez definidos pelo Poder Público (seja por
critérios econômicos, políticos ou outros), tais cenários são então
apresentados aos moradores nas reuniões, para que eles escolham
(votem) entre um ou outro. Por causa dessa escolha, é comum
ouvirmos dos órgãos públicos que “os moradores é que
escolheram/decidiram as propostas para o local”. Quando, na
verdade, o que eles escolheram foi uma dentre algumas alternativas
tecnicamente (heterônoma e previamente) definidas, que lhes foram
apresentadas. (MARANGONI, 2020, p. 25, grifo da autora)

Na contramão desses processos participativos tradicionalmente conduzidos, o


que se buscou na pesquisa desenvolvida e aqui registrada, ainda que de modo
incipiente e limitado, foi a valorização dos sujeitos pesquisados (os moradores

11
envolvidos). Sobretudo com base nas ideias de Paulo Freire (1983) e Michel
Thiollent (1985), entendendo o morador local (nas palavras de Freire, aquele
do qual se “pensa que nada sabe”) como os “sujeitos da ação transformadora”
(THIOLLENT, 1985), contra práticas heterônomas e de imposição do saber
técnico sobre o saber local.

Um dos objetivos primeiros da pesquisa era revelar o rompimento nas práticas


sócio-espaciais4 dos moradores de Camargos, pós crime, dando vista e ciência
desses danos aos agentes externos que não os reconhecem.
Consequentemente, abrir possibilidades para fazer avançar o conhecimento
desses danos, no sentido de serem buscados caminhos para sua reparação.

Outro objetivo pretendido, em consonância com os conceitos preconizados por


Freire, era possibilitar que, por meio do processo de construção coletiva ao
qual nos dispusemos a desenvolver, os envolvidos pudessem adquirir, produzir
e trocar conhecimento, individual e/ou coletivamente, e aumentar seu nível de
consciência acerca do espaço em que habitam. Como reflexo disso, ainda que
com alcances limitados, contribuir em alguma medida na auto-organização da
comunidade, em suas tomadas de decisão e eventuais negociações com
agentes externos acerca do espaço, impulsionando assim, como defende
Thiollent (1985, p. 14), ações de viés emancipatório e maior engajamento
sócio-político do grupo social pesquisado.

Nossa postura em campo, diante do grupo social pesquisado, era de


reconhecimento da importância e da riqueza das trocas de saberes técnico
(formal) e local (informal), entendendo, como apontado por Freire (1983, p.
7-8), que o sujeito (pesquisado) não pode ser “enchido” pelo pesquisador “de
conteúdos que contradizem a própria forma de estar em seu mundo”, sob o
risco que não venha de fato a apreender nada. Conforme enfatiza o autor, “o
conhecimento não se estende do que se julga sabedor até aqueles que se julga

4
O conceito sócio-espacial, com hífen, embora inadequado de acordo com o novo acordo
ortográfico da língua portuguesa, é aqui utilizado com base na compreensão trazida por Souza
(2013, p. 16) de que dessa forma deixa-se claro que estamos falando não apenas do
“espacial”, qualificado pelo “social”, mas também, e principalmente, das relações sociais, que
são indissociáveis do espaço.

12
não saberem”, mas se estabelece nas relações homem-mundo “e se
aperfeiçoa na problematização crítica destas relações” (FREIRE, 1983, p. 22).
Deste modo, o conhecimento não se dá verticalmente, de cima para baixo (do
professor para o aluno; do técnico para o morador local; e assim por diante). O
conhecimento se troca horizontalmente, entre sujeitos. Sujeitos pensam,
criticam, buscam conhecer, se relacionam. Não são passivos (como pacientes
que escutam passivamente o diagnóstico dado pelo médico), mas agentes; os
protagonistas das ações transformadoras que almejam para seu espaço.

Assim, as ações que propusemos junto do grupo de moradores de Camargos


foram pensadas reconhecendo-os como sujeitos e nos retirando, enquanto
arquitetas, desse lugar, tradicionalmente a nós atribuído, de agentes
propositoras de ações, aquelas que levariam respostas ou apontariam
caminhos e soluções para o espaço físico. Reconhecendo ainda que o espaço
não é só materialmente, mas também socialmente formado (LEFEBVRE, 1974)
– ou seja, forma e é também conformado por todas as micro relações
cotidianas que nele se dão –, no processo coletivo que propusemos,
assumimos uma postura de escuta e buscamos levar ferramentas simples que
possibilitassem que essas trocas e interações sócio-espaciais acontecessem
livremente, deixando que ali se revelassem as nuances, em grande parte tão
subjetivas, do morar. E, a partir dessas trocas, pudessem então se revelar e
serem expostos os danos, os rompimentos sentidos nas relações. Tratava-se
de tentar expor uma ferida que não necessariamente sangra, mas, nem por
isso, deixa de doer.

13
3 O PROCESSO COLETIVO

Uma vez definido nosso objetivo com a pesquisa, o de levantar os danos e


rompimentos nas dinâmicas sócio-espaciais dos moradores do distrito de
Camargos após o desastre-crime da Samarco, definimos que nosso processo
coletivo se daria por meio de uma oficina com um grupo de moradores, na qual
usaríamos ferramentas e interfaces sócio-espaciais para fomentar e possibilitar
os diálogos e as trocas de percepções e aprendizados que almejávamos.

Nesse sentido, utilizamos três ferramentas de mobilização social e processos


conversacionais que contribuem para engajar grupos sócio-espaciais em
processos de auto-organização (ALVES, 2019), que foram adaptadas ao
contexto da pesquisa e à realidade sócio-espacial de Camargos. Foram elas:
check-in; check-out; e quadro de ideias-chave.

O (1) check-in é uma atividade de abertura e boas-vindas, interessante de ser


feita como um quebra-gelo entre os presentes para se conhecerem ou
descontraírem. Ele é sobremodo importante para que esses sujeitos comecem
a criar vínculos entre si – fundamentais em processos de auto-organização – e,
assim, prepararem os ânimos para os momentos posteriores de trocas e
aprendizados, individuais ou coletivos, entre o grupo. O (2) check-out, por sua
vez, é feito ao final, como forma de marcar o encerramento do encontro
levando os presentes a refletirem sobre o processo ou atividades ali realizadas
e também para reforçar o elo entre o grupo sócio-espacial presente. Ele pode
ainda ser uma ferramenta útil para processos coletivos com encontros
subsequentes, servindo como momento de repassar os principais pontos
discutidos naquela ocasião e/ou os encaminhamentos para as próximas.

O (3) quadro de ideias-chave é composto por um mural com objetivo de reunir


as ideias-chave, principais pautas abordadas no encontro, a depender dos
objetivos desse (por exemplo, como forma de síntese e/ou registro do que foi
mais relevante – como foi nosso caso, na pesquisa aqui apresentada –, ou
como memória daquilo que não pode ser esquecido e precisa ser retomado em

14
um momento posterior). Ainda, é interessante que esse mural (e,
eventualmente, outros que venham a ser feitos durante o processo, conforme
os objetivos pretendidos) seja feito manualmente, com o intuito de mostrar aos
moradores que “são eles os sujeitos da ação (tendo em vista reduzir a
dependência deles para com os planejadores/pesquisadores)” (MARANGONI,
2020, p. 271). Trata-se de tentar reduzir as distâncias entre o saber e o fazer
técnico e local (formal e informal). Não são necessárias ferramentas
tecnológicas ou complexas para um grupo sócio-espacial se auto-organizar.

Além disso, diante desses propósitos de auto-organização e ganho de


autonomia por parte dos sujeitos que compõem o grupo sócio-espacial
pesquisado, é fundamental que o processo possibilite que os sujeitos se
reconheçam como capazes de fazer (o que quer que seja), entendendo que “há
sempre um saber inscrito no fazer” (PORTO-GONÇALVES, 2008, p. 48). Nesse
sentido, o autor Carlos Walter Porto-Gonçalves (2008), em contraposição ao
olhar moderno, que vê o mundo de fora – com um “olhar de sobrevôo”
(ARENDT, 1987 apud PORTO-GONÇALVES, 2008, p. 48) e com um “saber
sobre”, traduzido por ele como um “saber da dominação”), nos convida a
“caminhar com, a um conhecimento com” (grifos do autor).

Há uma tradição que privilegia o discurso [mas, o] saber material é


um saber do tato, do contato, dos sabores e dos saberes, um saber
com [...]. Há um saber ins-crito e não necessariamente es-crito [que
se manifesta] desde os lugares, desde o cotidiano, desde as lutas [...].
(PORTO-GONÇALVES, 2008, p. 48, grifo do autor).

Além das três ferramentas acima apontadas, entendemos que o uso de


interfaces sócio-espaciais no processo coletivo condiziam com os nossos
objetivos de pesquisa. Conforme abordagens do MOM5, interfaces
sócio-espaciais são meios de disponibilizar informações técnicas aos
moradores para que esses tomem, por si só, as decisões acerca de seu
espaço, sem dependerem de um (saber) técnico.

5
Morar de Outras Maneiras, grupo de pesquisa da Escola de Arquitetura da UFMG.

15
Com base nessas definições metodológicas de percurso para a pesquisa,
partimos para o planejamento das atividades a serem feitas para o alcance dos
objetivos.

Diante das dificuldades de acesso à internet (aliás, umas das reclamações


recorrentes dos moradores em Camargos), desde o princípio entendemos que
a atividade deveria se dar de modo presencial (seguindo as medidas sanitárias
de segurança necessárias diante da pandemia ainda em curso da covid-19).
Além disso, a atividade presencial possibilita, sem dúvidas, maior nível de
interação e troca com os moradores do que no modo virtual.

Fez parte do planejamento e tomada de decisões quanto às atividades a serem


conduzidas o diálogo e troca com uma liderança local, Silvânia Aparecida de
Souza Coelho, mais conhecida como Vaninha — já de nosso conhecimento.
Ficou acertado com ela que um possível local para realização da oficina seria o
Centro de Saúde, situado ao lado da Igreja Matriz, na porção central da área
urbana do distrito. Nossa ideia, inicialmente, era realizar a atividade em um
domingo pela manhã, mas, em função da dinâmica local, Vaninha recomendou
fazermos em um sábado, na parte da tarde, para não coincidir com o período
da missa e porque aos domingos alguns moradores de Camargos vão à sede
de Mariana.

Entendemos que duas horas de duração para a oficina eram suficientes para o
alcance dos objetivos, sem que viéssemos a tomar muito tempo dos moradores
presentes. Assim, o planejamento inicialmente pensado de dinâmica da oficina
foi:

▪ quinze minutos iniciais de apresentação das pesquisadoras, intenção da


atividade e do grupo presente e uso da ferramenta check-in;

▪ uma hora para levantamento das percepções dos moradores (dividido


em dois momentos de trinta minutos cada, sendo o primeiro com uso de
uma interface sócio-espacial e o segundo uma roda de conversa
guiada);

▪ quinze minutos ao final para encerramento (check-out); e

16
▪ cerca de quinze minutos excedentes de flexibilidade (para eventuais
atrasos, prolongamento de ações, imprevistos etc.).

Até esse momento, ainda não estava claro como faríamos a mobilização dos
moradores convidando-os a comparecem na oficina.

Para além do levantamento das percepções dos moradores acerca dos danos
sentidos na comunidade, nossa intenção era perceber os rompimentos nas
práticas sócio-espaciais. Para isso, era importante possibilitar que o grupo
presente entendesse, por si só, que o espaço não é apenas materialmente,
mas também socialmente formado — cumprindo, assim, também os propósitos
preconizados por Freire (1983) de apreensão do conhecimento. Com esse
intuito, a interface sócio-espacial que intencionávamos adotar no primeiro
momento de levantamento de percepções (com cerca de trinta minutos de
duração) era uma ‘oficina de fotografia’, em que os moradores dariam uma
rodada à pé no entorno de onde estivéssemos reunidos para registrarem, com
as câmeras fotográficas de seus celulares, elementos que revelassem a
história, memória e/ou possíveis reflexos do crime sofrido (podendo ser
registros de pessoas, coisas, lugares etc.). No retorno do grupo, projetaríamos
em uma parede as fotos então feitas para que cada morador apresentasse aos
demais o porquê de cada registro, abrindo, assim, espaço, no segundo
momento (também com previsão de cerca de trinta minutos de duração) para
uma roda de conversa e debate entre os presentes, a partir de uma
compreensão já mais informada (com maior consciência) acerca da
espacialidade da vida social. (O programa de atividades originalmente pensado
— até esse momento do planejamento da pesquisa — está apresentado no
APÊNDICE A.)

Contudo, posteriormente nos pareceu que trinta minutos de discussão poderia


ser pouco tempo de discussão entre os presentes, justamente no momento de
maior relevância para nossa pesquisa: o de levantamento e coleta de dados.
Diante disso, a proposta foi reformulada prevendo que os moradores levassem
ao encontro registros fotográficos feitos previamente por eles. Para tanto,
definimos que a mobilização seria feita por meio de um telefonema a cada

17
morador (um representante por domicílio), em que nos apresentaríamos,
explicaríamos brevemente a pesquisa, convidaríamos para o encontro,
apontando também de modo breve o objetivo desse, e pediríamos que
fizessem seus registros fotográficos e os levassem, pois seriam uma das bases
de discussão na nossa roda de conversa.

Tendo em vista facilitar a compreensão dos moradores nessa conversa por


telefone, que, necessariamente, deveria ser breve, foi pensada uma única
questão que contivesse a ideia central do que intencionávamos levantar por
meio dos registros fotográficos. A questão foi: “O que você viveu aqui em
Camargos e não vive mais?” — considerando o rompimento da barragem da
Samarco como marco temporal entre passado e presente. Entendemos que o
verbo “viver” trazia embutido em si uma infinitude de verbos — possibilidades
— que os moradores poderiam representar em seus registros: seja no sentido
do ‘fazer’ (poderiam ser coisas/ações que eles faziam e não fazem mais); como
no do ‘sentir’ (o que ou como sentiam em determinada situação/lugar etc.) e
tantos outros.

Assim, no dia dez de dezembro de 2021, a pesquisadora Sara conversou e


explicou à líder comunitária Vaninha o novo formato pretendido, ao que ela
concordou exceto pela forma de mobilização. Vaninha reforçou que ela mesma
faria a mobilização boca-a-boca e sobretudo via grupo de whatsapp dos
moradores. Nos preocupamos que dessa forma a divulgação não tivesse tanto
alcance, mas, por outro lado, entendemos que ela transmitiria muito mais
confiabilidade aos demais moradores do que se fossemos nós. Além disso,
tínhamos como premissa acatar e respeitar sempre a decisão deles. Nesse
sentido, tendo em vista deixar clara, aos moradores que seriam convidados
pelo whatsapp, qual era nossa intenção, no dia treze de dezembro, cinco dias
antes do encontro agendado, enviamos à Vaninha a seguinte mensagem de
mobilização, a ser repassada ao grupo:

Olá, tudo bem? Nos chamamos Sara e Daniele, somos arquitetas e


pesquisadoras. Por meio da PUC Minas, estamos fazendo uma
pesquisa no Distrito de Camargos com o objetivo de produzir um
documento técnico revelando os danos [rompimentos nas práticas

18
sócio-espaciais] sofridos aqui em Camargos após o crime da
Samarco. Entendemos que não podemos fazer isso sozinhas, mas
coletivamente com vocês, que são os que vivenciam esses impactos
no dia a dia. A ideia é registrarmos as percepções de vocês e o
documento técnico a ser elaborado será entregue à comunidade
posteriormente, como forma de registro.
Nesse sentido, faremos uma oficina com os moradores no sábado,
dia 18 de dezembro, das 15h às 17h, no Centro de Saúde de
Camargos. A ideia é que cada morador tire e leve fotos que
representem “O que você viveu aqui em Camargos e não vive mais?”.
Você pode tirar quantas fotos quiser, do que quiser (pessoas, lugares,
coisas, situações etc.). No dia do encontro, compartilharemos essas
fotos uns com os outros e faremos uma roda de conversa
descontraída, para registrarmos as percepções de vocês.
Você topa fazer isso com a gente?
Por favor, envie as fotos que você tirar até sábado, 18 de dezembro,
para o e-mail ___ ou whatsapp ___.

Com relação à escrita do presente relatório, bem como sua disponibilização


aos moradores, nossa intenção era também, em alguma medida, contribuir
para instrumentalizar a luta e resistência desses moradores diante da
invisibilidade a que ficaram legados e da falta de reconhecimento dos danos —
ali cotidianamente vividos — por parte da responsável por sua reparação, a
saber, a Fundação Renova.

Para guiar os diálogos e a roda de conversa prevista para o segundo momento


de levantamento de percepções dos moradores, buscamos aspectos da
metodologia da entrevista narrativa (BAUER, 1996 apud ZERLOTINI DA SILVA;
ROCHA, 2018), para formular as questões-chave norteadoras das principais
pautas que intencionávamos discutir, ouvir, conhecer e apreender.

A entrevista narrativa é realizada em quatro etapas, quais sejam: iniciação,


narração, interrogatório e “bate-papo” (ZERLOTINI DA SILVA; ROCHA, 2018).
A fase de iniciação consiste na formulação das “perguntas exmanentes”, que
possuem caráter técnico, formuladas a partir dos interesses da pesquisadora e
não são apresentadas aos informantes, servindo como pontos de atenção à
medida em que o informante faz seu relato. Na etapa da narração, a
pesquisadora deve elaborar as perguntas imanentes, que serão apresentadas
aos informantes, a partir de um tópico central, que abarque os eventos de
interesse da pesquisadora e de relevância do informante (ZERLOTINI DA

19
SILVA; ROCHA, 2018). Para tanto, partimos de um total de vinte e oito
questões (exmanentes) que representavam todo o conjunto de assuntos que
queríamos saber e, a partir delas, elaboramos seis questões centrais
(imanentes).

O quadro 1 apresenta as vinte e oito questões exmanentes, os tópicos centrais


e as seis questões imanentes deles extraídas.

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Quadro 1. Questões exmanentes, tópicos centrais e questões imanentes
Tópicos
Questões exmanentes Questões imanentes
centrais
1. Qual é a história de formação daqui?
História 1. Como você chegou aqui em Camargos?
2. Há quanto tempo você mora aqui?
3. O que você me conta sobre a atuação da Renova aqui? E da Prefeitura? E
demais agentes externos?
4. Há algum grupo ou órgão externo que atue aqui na comunidade (ex.: igrejas,
associações de bairro etc.)?
5. Os moradores foram consultados ou comunicados sobre as intervenções que 2. Como são as relações e diálogos dos moradores
seriam feitas aqui para reparação Agentes
com os grupos/agentes externos (Renova, Prefeitura,
6. Como a Renova/Prefeitura estabelece diálogos com os moradores? Realizam externos
outros)?
reuniões com os moradores? Como
7. Quais são os conflitos existentes?
8. Alguma família se opôs às intervenções? Como os agentes externos
procediam nesses casos? As decisões eram
9. Como é o dia a dia aqui? [pergunta subentende um presente...]
10. Quem mora aqui? (como são essas famílias daqui)
11. Quem frequenta aqui?
12. O que você costuma fazer aqui? Quando não estão em casa, o que fazem?
13. Os moradores aqui fazem coisas juntos? Cotidiano 3. Como é o dia a dia de vocês, aqui?
14. Tem algum lugar onde gostam de ir? Sozinhos ou para reunir com outros?
15. O que você mais gosta daqui?
16. Do que as pessoas daqui, em geral, vivem? (entender espaços de moradia, de
trabalho, de lazer)
17. Como são construídos os espaços coletivos daqui?

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Tópicos
Questões exmanentes Questões imanentes
centrais

História /
18. Qual sua relação com as comunidades do entorno [Bento Rodrigues e outras]? 4. Qual a relação de Camargos com as comunidades
Cotidiano /
Existe alguma dependência deles? Quais? do entorno?
Impactos

19. Mudou muito aqui desde que você conhece?


20. Os espaços (de moradia, trabalho e lazer) são suficientes para atendê-los?
21. Quais foram as mudanças/impactos sentidas na comunidade após o crime da
Samarco?
22. Ainda tem moradores originais aqui? Muitos (quantos, mais ou menos)? 5. Mudou muito aqui desde o rompimento da
Impactos
barragem?
23. Estão chegando novos moradores para cá (o bairro segue crescendo)?
24. Têm famílias que tiveram que sair daqui e não voltaram? Por quê?
25. Os moradores daqui entendem que correm algum risco?
26. O mercado imobiliário atua aqui (há compra e venda de lotes e casas)?
27. O que você acha que essas intervenções feitas por agentes externos têm feito
com o lugar aqui e com sua vida? 6. O que deveria ser feito aqui para reparar esses
Futuro
28. O que vocês acham que deveria ser feito para reparar esses danos/impactos danos?
apontados?
Fonte: Elaborado pelas autoras, nov. 2021.

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Nossa expectativa era que ao longo da semana, entre a mobilização e a
realização da oficina (dos dias onze a dezoito de dezembro), os moradores nos
enviassem os registros fotográficos que tivessem feito. Ainda durante essa
semana, pedimos que Vaninha reforçasse pelos grupos de whatsapp o convite,
bem como o envio das fotos – muito importante para nossa dinâmica. Com o
passar dos dias sem recebermos nenhuma foto e, ainda, somando ao período
de fortes chuvas que não cessavam, imaginamos que seria importante
planejarmos outras interfaces, estratégias de ação e diálogo com os moradores
na oficina, caso nenhuma foto fosse feita e enviada previamente. Para tanto,
delineamos que, caso não estivesse chovendo, retomaríamos a ideia inicial dos
presentes fazerem seus registros fotográficos durante uma parte da oficina,
para que depois fossem coletivamente discutidos. Por outro lado, caso a chuva
não interrompesse, o tempo seria todo dedicado às discussões com o grupo,
utilizando-nos das questões imanentes e exmanentes, para além da questão
central, como pano de fundo orientador, e do quadro de ideias-chave para que
fossem registrados os pontos mais relevantes e centrais apontados nas falas
dos moradores.

No dia dezoito de dezembro de 2021, às quinze horas, fomos ao Distrito de


Camargos para a realização da oficina com os moradores. O material levado
foi:

▪ roteiros impressos de atividades (apresentado no APÊNDICE B) e de


questões (apresentadas no Quadro 1);

▪ computador e projetor (caso fosse necessário projetar fotos na parede);

▪ cartolinas, cartelas de papel, canetinhas e fita crepe para montagem do


quadro de ideias-chave;

▪ barbante para dinâmica de encerramento da oficina (check-out); e

▪ caneta e bloco de notas para nossos registros e coleta de dados e


percepções.

A oficina ocorreu em um sábado chuvoso. Ao chegarmos ao local fomos


recebidas por cinco moradoras da comunidade de Camargos. A Sra. Maria
Inês, Sra. Silvania (Vaninha), Sra. Creuza, Sra. Claudia e sua filha Sabrina. As

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atividades ocorreram na antiga escola de Camargos, onde hoje funciona o
serviço público de saúde. Na edificação há apenas uma sala reservada ao uso
da comunidade, onde ocorrem aulas de yoga, reuniões comunitárias diversas
(inclusive com a Fundação Renova, Assessoria Técnica Cáritas6, dentre outros
atores externos) e, eventualmente, até missas. Nesta sala, as cadeiras foram
organizadas em círculo para a realização das atividades.

No início da oficina, nos apresentamos como arquitetas e discentes do curso


de pós-graduação da PUC Minas. Fizemos um breve enunciado sobre nosso
objetivo e qual seria o produto a ser entregue à comunidade, neste caso, um
documento técnico que sistematizasse os dados que seriam obtidos ao longo
da oficina. Pontuamos que se trata de um trabalho acadêmico e que não temos
incidência no processo de reparação dos danos do rompimento da barragem
da Samarco (Vale e BHP Billiton) executado pela Fundação Renova.

Na sequência, foi feita a dinâmica de abertura da oficina (check-in), para


“quebrar o gelo”, na qual pedimos que as moradoras presentes se
apresentassem dizendo seu nome, de onde vieram, como chegaram em
Camargos e há quanto tempo vivem na comunidade. Para tornar o momento
mais dinâmico, nessa rodada pedimos, ainda, que cada uma delas contasse
algo que gosta e algo que não gosta, como, por exemplo: pimenta, chocolate,
filme de terror etc.

Após o momento de abertura da oficina, tendo como pano de fundo para nosso
diálogo a pergunta “O que você viveu aqui em Camargos e não vive mais?”
(em referência ao desastre-crime da Samarco), apresentamos ao grupo de
moradoras as opções de interface pensadas: (1) que saíssem pelo entorno do
Centro de Saúde para tomar fotos que “respondessem” à pergunta central
(aproveitando a “trégua” na chuva), atividade que chamamos de ‘oficina de
fotografia’; ou (2) que usássemos de todo o tempo previsto na roda de
conversa guiada (tendo as perguntas exmanentes/imanentes como pontos de

6
A Cáritas Brasileira – Regional Minas Gerais, é a entidade eleita pelas pessoas atingidas pelo
rompimento da barragem de Fundão para prestar assessoria técnica no processo de reparação integral
das perdas e danos sofridos pelas comunidades do município de Mariana, Minas Gerais.

24
atenção). Elas optaram pela segunda opção. Neste momento, foram trazidos
relatos sobre a forte ligação entre as comunidades de Camargos e Bento
Rodrigues. Por exemplo, as crianças de Camargos dirigiam-se a Bento
Rodrigues para estudar e, após o crime, tinham que ir até a sede de Mariana
(muito mais longe e de difícil acesso para elas).

O vínculo entre as comunidades era, além de econômico, social e cultural. As


moradoras citaram, em diversos momentos, o acesso entre Camargos e Bento
Rodrigues que podia ser percorrido a pé, seja pela trilha de cerca de 5 km (35 a
40 min. de caminhada) ou pela estrada que, segundo elas, teria cerca de 7 km
de extensão, resultando em aproximadamente 1 h de caminhada. O fácil
acesso à comunidade de Bento Rodrigues viabilizava uma série de interações
intercomunitárias, como a participação em festas tradicionais, além de relações
pessoais e de trabalho. De acordo com as moradoras, Camargos era “muito
dependente de Bento”.

As moradoras relataram que, com o rompimento da barragem de Fundão,


“Camargos em si, mudou” e que o crime das mineradoras “acabou com o
sonho das pessoas”. De acordo com uma das moradoras: “As pessoas tinham
sonhos... o lugar [Camargos] é tão pequeninho que conseguimos identificar o
sonho de outras pessoas”. Neste momento, as moradoras, espontaneamente,
foram apontando, um a um, quais eram os sonhos dos membros da
comunidade.

Segundo elas: Zezé pretendia montar uma oficina; Adriano estava montando
uma pousada – que foi interditada pelo risco de dam break7; Elcio havia
construído um poço de peixes para abrir um pesque-pague, contando com o
público de Bento Rodrigues; Maria Inês gostaria de abrir uma padaria; Nero
tinha uma carvoaria e era empregador, gerava emprego para as pessoas de
Bento Rodrigues e, após o rompimento, com a devastação do território de

7
Dam break é o estudo que avalia os potenciais impactos do rompimento de uma barragem e
define as áreas que serão potencialmente atingidas. Disponível em:
<https://saffengenharia.com.br/dam-break-incertezas-e-imprecisoes-em-estudos-de-ruptura-hip
otetica/>. Acesso em: 17 jan. 2022.

25
Bento, ficou sem mão-de-obra e, só agora [passados 6 anos], está retomando
suas atividades; Álvaro vendia queijos em Bento Rodrigues; Ângela ficou sem
caseiro.

As moradoras relataram sobre a insegurança causada pelo crime da Samarco.


De acordo com elas, “tem gente que tem medo de vir aqui [Camargos], ainda é
área de risco [dam break]”. A Sra. Maria Inês relatou que, quando a barragem
rompeu, todos tiveram que sair e, quando voltou, ela permaneceu com as
malas arrumadas por oito meses, com receio de ter que deixar sua casa
novamente, a qualquer momento.

A Sra. Creuza relatou que residiu em Bento Rodrigues por quarenta anos, e
trabalhava em Camargos. Após o rompimento, foi morar na sede de Mariana, e
não conseguiu mais emprego. Em 2020, mudou-se para Camargos por não
gostar de “morar na cidade”.

De acordo com o censo feito pelas próprias moradoras, em Camargos há 103


moradoras e moradores. “É tão pequenininho que o poder público não liga pra
gente”. Parte dessas pessoas frequenta a comunidade apenas aos finais de
semana e, ainda segundo relatos, existem casas que estão fechadas desde o
rompimento da barragem Fundão, pois alguns moradores têm medo de voltar.

As moradoras relembraram as festas tradicionais que ocorriam na comunidade


antes do rompimento da barragem, tais como a de Santa Cruz e a de Nossa
Senhora da Conceição, as duas festas de maior relevância histórico-cultural
para eles. Para sua realização, cada moradora e morador contribuía
preparando algum alimento (pipoca, canjica etc.) que era gratuitamente
oferecido a todos os presentes. Contudo, após o rompimento, elas foram
inviabilizadas. De acordo com as moradoras, em 2017 a festa foi realizada,
mas o resultado foi ruim. Em 2018 foi um pouco melhor, pois houve “maior
participação das pessoas de Bento Rodrigues”. Para além dessas festas, as
moradoras recordaram o evento das cavalgadas, que também unia as
comunidades de Bento Rodrigues e Camargos.

26
A igreja de Nossa Senhora da Conceição, localizada no centro da comunidade,
é um patrimônio histórico de suma importância, sendo uma das primeiras
capelas de Minas Gerais. No entanto, de acordo com as moradoras,
historicamente, a igreja foi saqueada diversas vezes, tendo passado por um
processo de abandono, agravado pelo rompimento da barragem da Samarco.
A situação de “abandono” por elas sentido, em relação à igreja, por sua vez,
também revela a resistência e união dessa comunidade. A missa é celebrada
por um padre, apenas no primeiro domingo do mês. Nos demais domingos, são
as próprias moradoras que abrem a igreja para rezarem.

Como não foi possível realizar a ‘oficina de fotografia’, propusemos um


exercício imaginativo. Perguntamos às moradoras quais seriam as fotos que
elas tirariam em resposta à pergunta inicial “O que você viveu aqui em
Camargos e não vive mais?”.

Vaninha respondeu que tiraria uma foto sua dançando no forró que ocorria no
pátio da Igreja na festa de Santa Cruz; Creuza tiraria foto das cavalgadas, dos
cavaleiros de Bento Rodrigues que vinham para as festas de Camargos, da
preparação das festas e da trilha de acesso a Bento; Cláudia registraria o
trajeto que fazia diariamente de Bento a Camargos; Maria Inês tiraria uma foto
de sua casa cheia com seus familiares que a visitavam com frequência, mas
que, após o desastre-criminoso da Samarco, ficaram com medo de visitá-la em
Camargos.

Neste momento, buscando já conduzir a roda de conversa para seu


fechamento, perguntamos o que poderia ser feito por Camargos, ao que as
moradoras responderam que é necessário o asfaltamento da sua principal
estrada de acesso – que atualmente é de terra e fica muito prejudicada pelo
uso constante das empresas contratadas pela Fundação Renova que realizam
medidas reparatórias nas comunidades de Bicas e Ponte do Gama.

Além da melhoria no acesso da sede de Mariana a Camargos, foi mencionada


a necessidade de um centro comunitário, uma vez que o local onde foi

27
realizada a oficina é o único equipamento público existente na comunidade e
onde, como já mencionado, funciona o centro de saúde pública, e seria
importante que a comunidade tivesse mais espaço para realizar outras
atividades coletivas para lazer, educação, prática esportiva etc. Elas
complementaram: “a comunidade precisa de uma área de lazer bem bonita
para as crianças”, como um parquinho.

Atualmente há apenas uma operadora de telefonia atuando em Camargos,


que, segundo enfatizado pelas moradoras, presta um serviço de baixa
qualidade, sendo por elas demandada a implementação de outras antenas de
telecomunicação. A melhoria no abastecimento de água é também uma
demanda trazida pelas moradoras, visto que o serviço prestado atualmente na
comunidade é insuficiente.

O acesso ao reassentamento da comunidade de Bento Rodrigues é outra


necessidade apontada pelas moradoras como sendo muito importante, e que
seja o mais curto possível, como era antes do rompimento da barragem da
Samarco.

Ao listarem as demandas da comunidade, no exercício de relatar o que pode


ser feito para melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem em
Camargos, as moradoras relataram que, passados seis anos desde o
rompimento, “os sonhos estão ressurgindo”.

Ao longo da oficina, registramos as falas das moradoras em cartelas coloridas


que ao final foram agrupadas em um mural (quadro de ideias-chave) montado
em conjunto com elas.

28
Figura 3. Quadro de ideias-chave

Fonte: Acervo das autoras, dez. 2021.

Inicialmente, tínhamos registrado os sonhos dos moradores segundo os relatos


das moradoras presentes, sem identificar os nomes de cada sonhadora e
sonhador. Ao expormos coletivamente os registros das cartelas, para posterior
montagem do quadro de ideias-chave, as moradoras quiseram adicionar os

29
nomes de cada um, como uma forma de fazer presente mesmo quem não
estava.

Com o quadro de ideias-chave fixado à parede, Vaninha relembrou com alegria


do seu “Quissô”, um evento na comunidade no qual ela preparava, aos
sábados, uma refeição com os alimentos do seu restaurante e ofertava
gratuitamente aos moradores de Camargos e Bento Rodrigues, que se reuniam
para comer e consumir bebidas que ela comercializava no restaurante. Ela
contou que era um momento de muita diversão e interação entre as
comunidades. Segundo ela, após o rompimento, esse evento não aconteceu
mais. Dessa forma o “Quissô da Vaninha” foi também acrescentado ao mural,
como mais um sonho rompido no dia cinco de novembro de 2015.

Na sequência, realizamos a dinâmica de encerramento da atividade


(check-out). Em roda e com um rolo de barbante em mãos, pedimos que cada
moradora dissesse o que tinha levado do encontro e, em seguida, jogasse o
barbante para que outra moradora falasse e assim sucessivamente, até se
formar uma teia entre nós, simbolizando os elos interpessoais já presentes em
grupos sócio-espaciais, como o de Camargos, e que esse tipo de processo
coletivo contribui a fortalecer.

30
Figura 4. Dinâmica de encerramento

Fonte: Acervo das autoras, dez. 2021.

Nos despedimos reforçando o compromisso com a comunidade de entregar o


registro do nosso encontro. Nesse momento, uma das moradoras relatou que
só de ter passado a tarde conversando, relembrando as festas e os momentos
vividos na comunidade, já teria sido enriquecedor: “quanto tempo a gente não
ria assim”.

31
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As ferramentas e interfaces sócio-espaciais, inicialmente definidas por nós,


foram adaptadas no decorrer da oficina, a fim de acompanhar a fluidez dos
relatos das moradoras e as limitações com as quais nos deparamos, como
a impossibilidade de realização da ‘oficina fotográfica’. Coube a nós
estarmos atentas à dinâmica do grupo, que trouxe elementos que não
foram antecipados, como o relato dos sonhos de cada morador, revelando,
para além dos danos decorrentes do crime da Samarco, o vínculo existente
entre as pessoas – que o volume exorbitante de rejeitos despejados ao
longo da bacia do Rio Doce não foi capaz de romper.

Sublinhamos que, em apenas uma oficina de cerca de duas horas de


duração, não seria possível levantar todos os danos causados pelo
desastre criminoso da Samarco, tratando-se aqui de crime continuado, com
danos ainda incalculáveis que se renovam com o passar dos anos.

Avaliamos que a questão utilizada como pano de fundo para a oficina “O


que você viveu aqui em Camargos e não vive mais?” foi uma escolha
acertada. A pergunta foi feita de forma a enfatizar as dinâmicas
sócio-espaciais, colocando as relações sociais em primeiro plano,
entendendo que estas são indissociáveis do espaço, em contraposição às
perguntas técnicas que, via de regra, dão ênfase somente ao espaço não
alcançando considerar ou revelar as experiências individuais e coletivas, as
subjetividades das relações sociais e cotidianas, as lutas, resistências,
alegrias, saudades, esperanças.

Dentre as perguntas que intencionávamos obter respostas durante a


oficina, a questão da interação da comunidade com atores externos foi
pouco explorada. Ao longo do encontro os relatos sobre as histórias de
vida das moradoras, seus sonhos e expectativas, suas trajetórias e
vivências e as interações sociais que formam o espaço, se sobressaíram

32
às interações com os agentes externos, que, por sua vez, se mostrou
pouco relevante naquele momento.

Não conseguimos, com a utilização da ferramenta do quadro de


ideias-chave (mural), romper com a lógica de dependência das técnicas,
uma vez que fomos nós que escrevemos os conteúdos das cartelas.
Contudo, em sua montagem, as moradoras apontaram a necessidade de
adicionar os nomes dos moradores cujos sonhos foram (inter)rompidos, e
foram elas que fixaram e definiram como seriam organizadas as cartelas
no mural.

Frente ao nosso objetivo inicial, de perceber os danos causados à


comunidade de Camargos pelo rompimento da barragem de Fundão a
partir dos relatos das moradoras, entendendo que se trata de um tema
muito sensível, em vista do desastre-criminoso em si, e dos longos seis
anos, um mês e treze dias que se passaram8, com pouca ou nenhuma
resposta das empresas mineradoras responsáveis a fim de reparar os
danos causados, buscamos, e avaliamos que tivemos êxito, em, a partir
das dinâmicas realizadas, considerar a centralidade e o protagonismo dos
sujeitos, seguindo as premissas metodológicas apresentadas. Apesar do
peso do tema, a oficina seguiu de maneira leve, em que as próprias
moradoras conduziram a conversa com seus sonhos e os sonhos dos
demais membros da comunidade, enfatizando o ressurgimento de suas
esperanças para um futuro melhor em comunidade.

Ao final da oficina, uma das moradoras nos presenteou com uma edição da
revista Curinga, de 2016,9 que, segundo ela, registrava uma série de
“coisas tristes” que ela já não queria se lembrar, dizendo que estava
preparada para as coisas boas que estão por vir. Foi com esse clima que
deixamos a comunidade de Camargos, reconhecendo as limitações de
alcance dos nossos objetivos, mas satisfeitas com o resultado da oficina, e

8
Contados até a data da realização da oficina, 18 dez. 2021.
9
Disponível em: <https://issuu.com/revistacuringa/docs/curinga16issuu>. Acesso em: 19 jan.
2022.

33
inspiradas pela resistência, senso de coletividade e união demonstrados
pelas moradoras.

34
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Lucas Bezerra. Exercícios de mobilização sócio-espacial: o jogo Oasis.


Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo), Escola de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019.

Conselho Municipal do Patrimônio Cultural (COMPAT) de Mariana/ Minas Gerais.


Fotografia da Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Camargos. Disponível
em: <https://www.compat.info/matriz-de-nossa-senhora-da-conceio->. Acesso em: 07
jan. 2022.

FONSECA, Ana Clara; NOGUEIRA, Aline. Caminho perdido. Curinga -


Revista laboratório - Jornalismo, UFOP, Mariana, Edição especial, Ano VI, p. 41
- 44, março, 2016.

FERREIRA, Maria Raquel Alves. Relatório técnico - Arquitetônico e Urbanístico. In:


PÓLEN - Consultoria Patrimônio e Projetos LTDA. Diagnóstico preliminar dos bens
culturais identificados no território atingido em Mariana pelo rompimento da
barragem de Fundão. Mariana, 2017.

FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Tradução de Rosisca Darcy de Oliveira.


7ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. 93p.

KAPP, Silke. Experiências em Assessoria Técnica e suas questões. In: Assistência


Técnica e Direito à Cidade. Rio de Janeiro: FNA/ CAU-RJ, 2014. p.113-122.

LEFEBVRE, Henri. La production de l’espace. Paris, Anthropos, 1974.

MARANGONI, Daniele Nunes de Britto. Por práticas emancipatórias no


planejamento urbano: análise das dinâmicas sócio-espaciais e pesquisa-ação no
Alto das Antenas. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo), Escola de
Arquitetura, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2020.

PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. De saberes e de territórios: diversidade e


emancipação a partir da experiência latino-americana. In: CECEÑA, Ana Esther (org.).
De los saberes de la emancipación y de la dominación. 1ª ed. Buenos Aires:
Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales - CLACSO, 2008.

35
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao
planejamento e à gestão urbanos. 6ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
558p.

SOUZA, Marcelo Lopes de. Os conceitos fundamentais da pesquisa


sócio-espacial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez: Autores


Associados, 1985.

ZERLOTINI DA SILVA, Viviane; ROCHA, Caroline Cristiane. LEVANTAMENTO


SÓCIO-ESPACIAL: para compreender a autoprodução do espaço. Em: Anais do V
ENANPARQ. Salvador, 2018.

36
APÊNDICES

APÊNDICE A – PROPOSTA INICIAL DE ROTEIRO DE PESQUISA PARA


LEVANTAMENTO DE PERCEPÇÕES E DEMANDAS DOS MORADORES DE
CAMARGOS, MARIANA/MG 20
APÊNDICE B – ROTEIRO FINAL DE PESQUISA PARA LEVANTAMENTO DE
PERCEPÇÕES E DEMANDAS DOS MORADORES DE CAMARGOS, MARIANA/MG
24

37
APÊNDICE A – PROPOSTA INICIAL DE ROTEIRO DE PESQUISA PARA LEVANTAMENTO
DE PERCEPÇÕES E DEMANDAS DOS MORADORES DE CAMARGOS, MARIANA/MG

Pesquisadoras: Daniele Marangoni; Sara Oliveira

Contexto: Camargos é uma comunidade atingida pelo rompimento da barragem de


Fundão [crime da Samarco], mas que não é oficialmente reconhecida como tal pelos
atores externos envolvidos no processo de reparação dos danos causados.

Objetivo: O objetivo inicial da pesquisa é evidenciar os danos sofridos pela


comunidade, por meio de um processo coletivo para buscar compreender a
realidade local antes e depois do crime e levantar possíveis demandas dos
moradores para o local, no sentido de melhoria de sua qualidade de vida.

Método: Encontro presencial com pequeno grupo de moradores locais e uso de


interfaces sócio-espaciais para fomentar/possibilitar os diálogos

Local: Centro de Saúde [ao lado da Igreja Matriz]

Data [previsão]: Domingo, 21 ou 28 de Novembro, de 10h às 12h [a definir com


moradores]

Esquema proposto para a atividade / Interfaces / Ferramentas:

> 1º momento – Roda de apresentação inicial (15 min)

Dinâmica do barbante em que cada um responde algumas questões para se


apresentar aos demais do grupo.

> 2º momento – Levantamento inicial de percepções por meio de interface


sócio-espacial (30 min)

Oficina de fotografia: Moradores fazem uma rodada pela região para


registrarem, com suas câmeras fotográficas dos celulares, elementos que
revelem a história, memória e/ou possíveis reflexos do crime da barragem
(podem ser pessoas, coisas, lugares, o que eles quiserem) por 30 minutos. No
retorno, projetaremos as fotos [pedir projetor para PUC] e eles apresentarão
aos demais o porquê de cada registro, abrindo espaço para debate e diálogos.

38
> 3º momento – Levantamento de percepções (30 min)

Roda de conversa guiada (a partir das questões que apontaremos em diálogo).

> 4º momento – Encerramento / Check-out (15 min)

Grupo em roda/ agradecimentos.

Material:

- computador

- projetor

- mapa grande com imagem aérea, incluindo a área onde era a sede de Bento
Rodrigues e onde será o acesso ao reassentamento de Bento Rodrigues.

Mobilização dos moradores:

- Sara vai apresentar proposta para moradora e liderança local (e outros moradores,
se possível);

[pensar outras ações de mobilização]

ROTEIRO PARA O ENCONTRO

1) Pesquisadoras se apresentam

Somos arquitetas e pesquisadoras da PUC Minas e estamos fazendo uma pesquisa


aqui no Distrito de Camargos. O objetivo é conhecer um pouco da história daqui, as
relações e vivências entre os moradores [realidade antes e depois do crime
[possíveis] e levantamento das demandas dos moradores, hoje, a fim de evidenciar
os danos causados à comunidade, uma vez que a comunidade Camargos tem sido
invisibilizada no processo de reparação. É importante deixarmos claro que essa
pesquisa tem fins acadêmicos, ou seja, nós não incidimos diretamente no processo
reparatório que vem sendo conduzido pela Fundação Renova. Vamos aprender uns
com os outros hoje, em um processo coletivo de trabalho que considera os interesses
e percepções de vocês, moradores, como ponto central, e que pretende sistematizar e
disponibilizar informações daqui que poderão contribuir, posteriormente, na

39
auto-organização da comunidade, nas tomadas de decisão acerca desse espaço e em
futuras negociações com agentes externos [refletir melhor, posteriormente, se
contribuiríamos em pequena medida para isso, ou não].

2) Pesquisadoras fazem um enunciado geral

Queremos entender como é o dia-a-dia de vocês antes e depois do rompimento da


Barragem de Fundão, quais os principais impactos que vocês sentem, e que deveria
ser feito para melhorar as condições atuais de vida na comunidade e como foi e como
tem sido o envolvimento da população com a Fundação Renova, responsável pela
reparação dos danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, e outros
agentes externos durante esse processo.

3) Roda de apresentação dos presentes [1º momento]

Pedir para cada um se apresentar, falando seu nome, onde mora, de onde veio, por
que veio e há quanto tempo.

[FERRAMENTA: bastão da fala circular]

4) Oficina de fotografia [2º momento]

[Explicar a atividade]

5) Roda de diálogo – Passando pelos tópicos [3º momento]

▪ História daqui...

▪ Mudou muito aqui desde que você conhece?

▪ Como é o dia a dia aqui?

▪ Quem mora aqui? (como são essas famílias daqui)

▪ Quem frequenta aqui?

▪ O que você costuma fazer aqui? Quando não estão em casa, o que fazem?

▪ Os moradores aqui fazem coisas juntos?

40
▪ Tem algum lugar onde gostam de ir? Sozinhos ou para reunir com outros?

▪ O que você mais gosta daqui?

▪ Qual sua relação com as comunidades do entorno [Bento Rodrigues e outras]?


Existe alguma dependência deles? Quais?

▪ Como são construídos os espaços coletivos daqui?

▪ Do que as pessoas daqui, em geral, vivem? (entender espaços de moradia, de


trabalho, de lazer)

▪ Esses espaços (de moradia, trabalho e lazer) são suficientes para atendê-los?

▪ Quais foram as mudanças/impactos sentidas na comunidade após o crime da


Samarco?

▪ Ainda tem moradores originais aqui? Muitos (quantos, mais ou menos)?

▪ Estão chegando novos moradores para cá (o bairro segue crescendo)?

▪ Têm famílias que tiveram que sair daqui e não voltaram? Por quê?

▪ Os moradores daqui entendem que correm algum risco?

▪ O mercado imobiliário atua aqui (há compra e venda de lotes e casas)?

Agentes externos que influenciam ou podem influenciar o espaço:

▪ O que você me conta sobre a atuação da Renova aqui? E da Prefeitura? E


demais agentes externos?

▪ Há algum grupo ou órgão externo que atue aqui na comunidade (ex.: igrejas,
associações de bairro etc.)?

▪ Os moradores foram consultados ou comunicados sobre as intervenções que


seriam feitas aqui para reparação dos danos, pós crime da Samarco?

▪ Como a Renova/Prefeitura estabelece diálogos com os moradores? Realizam


reuniões com os moradores? Como são convidados? Como são as reuniões?
São frequentes?

▪ Quais são os conflitos existentes?

▪ Alguma família se opôs às intervenções? Como os agentes externos


procediam nesses casos? As decisões eram deliberadas mesmo quando os
moradores discordavam?

No que diz respeito a expectativas futuras / demandas:

▪ O que você acha que essas intervenções feitas por agentes externos têm feito
com o lugar aqui e com sua vida?

▪ O que vocês acham que deveria ser feito para reparar esses danos/impactos
apontados?

41
APÊNDICE B – ROTEIRO FINAL DE PESQUISA PARA LEVANTAMENTO DE
PERCEPÇÕES E DEMANDAS DOS MORADORES DE CAMARGOS, MARIANA/MG

Olá, tudo bem? Nos chamamos Sara e Daniele, somos arquitetas e


pesquisadoras. Estamos fazendo, por meio da PUC Minas, uma pesquisa aqui no
Distrito de Camargos com o objetivo de produzir um documento técnico
revelando os danos [rompimentos nas práticas sócio-espaciais] sofridos aqui
em Camargos após o crime da Samarco. Para tanto, entendemos que não
podemos fazer isso sozinhas. Precisamos da ajuda de vocês nesse processo,
pois são vocês que vivenciam esses impactos no dia a dia. A ideia é
registrarmos as percepções de vocês em um documento técnico que será
posteriormente entregue à comunidade.

Para isso, vamos fazer uma oficina com os moradores no dia 28 de novembro,
domingo, de 10h às 12h, no Posto de Saúde. A ideia para esse encontro é que
cada morador tire e leve fotos que representem "O que você viveu aqui em
Camargos e não vive mais?". Você pode tirar quantas fotos quiser, do que quiser
(pessoas, lugares, coisas, situações). No dia do encontro, compartilharemos
essas fotos uns com os outros, e faremos uma roda de conversa descontraída,
para registrarmos as percepções de vocês.

Contexto: Camargos é uma comunidade atingida pelo rompimento da barragem de


Fundão [crime da Samarco], mas que não é oficialmente reconhecida como tal pelos
atores externos envolvidos no processo de reparação dos danos causados.

Objetivo: O objetivo inicial da pesquisa é evidenciar os danos sofridos pela


comunidade, por meio de um processo coletivo para buscar compreender a realidade
local antes e depois do crime e levantar possíveis demandas dos moradores para o
local, no sentido de melhoria de sua qualidade de vida.

1) Pesquisadoras se apresentam

Somos arquitetas e pesquisadoras da PUC Minas e estamos fazendo uma pesquisa


aqui no Distrito de Camargos. O objetivo é conhecer um pouco da história daqui, as
relações e vivências entre os moradores [realidade antes e depois do crime
[possíveis] e levantamento das demandas dos moradores, hoje, a fim de evidenciar
os danos causados à comunidade, uma vez que a comunidade de Camargos tem sido

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invisibilizada no processo de reparação. É importante deixarmos claro que essa
pesquisa tem fins acadêmicos, ou seja, nós não incidimos diretamente no processo
reparatório que vem sendo conduzido pela Fundação Renova. Vamos aprender uns
com os outros hoje, em um processo coletivo de trabalho que considera os interesses
e percepções de vocês, moradores, como ponto central, e que pretende sistematizar e
disponibilizar informações daqui que poderão contribuir, posteriormente, na
auto-organização da comunidade, nas tomadas de decisão acerca desse espaço e em
futuras negociações com agentes externos.

2) Pesquisadoras fazem um enunciado geral

Queremos entender como é o dia-a-dia de vocês antes e depois do rompimento da


Barragem de Fundão, quais os principais impactos que vocês sentem, e que deveria
ser feito para melhorar as condições atuais de vida na comunidade e como foi e como
tem sido o envolvimento da população com a Fundação Renova, responsável pela
reparação dos danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, e outros
agentes externos durante esse processo.

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