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GOIÂNIA
2018
JULIANA DIAS MOREIRA FURTADO
GOIÂNIA
2018
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do
Programa de Geração Automática do Sistema de Bibliotecas da UFG.
CDU 316
DEDICATÓRIA
Uma imensidão de pessoas contribuiu para que esta dissertação fosse desenvolvida. Deixo
aqui minha gratidão a todas e a todos!
Agradeço em especial:
À minha orientadora, Tania Ludmila Dias Tosta, pela dedicação, cuidado e paciência nesta
empreitada.
Ao meu pai, João, homem do campo, meu exemplo de trabalho, honestidade e disposição
para a vida. À minha mãe, Clei, pelas conversas diárias, por me inspirar a cada dia no
otimismo, na alegria e na organização. Às minhas irmãs, Cleydiana e Laiana, pela parceria,
amor e críticas. À Diana, minha sobrinha, que chegou neste ano para iluminar minha vida,
por fazer o amor transbordar em nossos corações e me motivar a cada dia a lutar por uma
sociedade mais justa a nós mulheres. Ao meu cunhado, Diogo, por me receber por várias
semanas em sua casa durante o período do mestrado, mesmo torcendo para o Goiás, sou
grata a você.
Ao Daniel, namorado, amigo e sociólogo, por me dar colo nos momentos de aflição, por me
dar amor não importa a situação e por indicar os melhores textos de metodologia. Você é o
melhor companheiro que poderia encontrar na vida. Amo-te!
Aos meus avôs Pedro (in memoriam) e Euclides e às minhas avós Juliana (in memoriam) e
Dalvani. Agradeço o carinho e amor transmitido em sua essência.
Às minhas tias e aos meus tios, grandes responsáveis em apoiar meus pais financeiramente
e moralmente na minha educação, desde o início da minha vida até o presente. Às minhas
primas e primos. Deixo aqui minha gratidão.
A todas as pessoas que foram entrevistadas, mulheres e homens do campo que muito
educadamente se dispuseram a se dedicar um tempo para esta pesquisa. Vocês me
emocionaram a cada fala, expuseram a luta do/a pequeno/a produtor/a rural goiano/a para
alimentar nossa nação. À EMATER e ASDAO, por contribuir no processo de realização das
entrevistas.
Às minhas amigas e aos meus amigos do SESI/SENAI unidade Itumbiara, pela parceria
cotidiana, pelo apoio na atividade docente e por toda alegria, porque somos os mais legais.
Agradeço em especial meu caro Robson e minha querida Vanessa, por contribuírem com
suas experiências de já mestres, me acalmando no momento de stress e me motivando nos
momentos que tinha que agir.
Às minhas alunas e aos meus alunos, por me tirarem da zona de conforto todos os dias, por
me questionarem, por criticarem, por me elogiarem. Não sou eu que ensino, são vocês.
À dona Tuta, por cuidar da minha casa e das minhas plantas durante minhas viagens.
Às minhas queridas amigas da especialização, Renata, Ellen, Gleice, Pillar e Katiele, sempre
presentes, sempre feministas, sempre amorosas e sempre brincalhonas. Vocês são o melhor
que a amizade pode me oferecer.
Ao povo goiano, por financiar minha bolsa de estudos por meio da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), possibilitando que essa pesquisa tivesse condições
de ser desenvolvida. Espero que este trabalho contribua de forma significativa para realidade
de nossa população.
EPÍGRAFE
Ana Montenegro
RESUMO
A divisão sexual do trabalho no campo sempre esteve muito definida, o trabalho dos homens
geralmente está ligado a atividades econômicas que geram emprego e renda e o trabalho das
mulheres é associado a atividades vinculadas ao autoconsumo familiar, com baixo grau de
obtenção de renda. Nesse sentido, este trabalho busca analisar os impactos da pluriatividade
nas relações de trabalho, doméstica e de gênero em unidades familiares de produção, no
município de Orizona, localizado no estado de Goiás, Brasil. O propósito desta pesquisa é
buscar responder a seguinte questão: a prática da pluriatividade, exercida por mulheres, pode
contribuir para modificações nas relações de trabalho e gênero das unidades familiares de
produção? A hipótese formulada a partir das referências apresentadas, que direcionará a
pesquisa, baseia-se na ideia de que a inserção das mulheres na prática da pluriatividade
colabora para que haja mudanças nas relações de gênero no que diz respeito a distribuição
de papeis na unidade familiar, favorecendo a permanência da mulher no espaço rural. A
pesquisa adotou o método qualitativo, utilizando a amostragem não probabilística chamada
bola de neve, realizando entrevistas semiestruturadas com dez mulheres e sete homens. Por
meio dos dados levantados, notou-se que houve mudanças nas relações de trabalho e gênero
a partir da participação de mulheres em atividades pluriativas, porém, tais mudanças não são
substanciais, pois estas mulheres estão sofrendo com a intensificação das suas relações de
trabalho, ou seja, aumento da sua jornada de trabalho seja no âmbito público, seja no privado.
The sexual division of labor in the rural area has always been very defined, men's work is
usually linked to economic activities that generate employment and income, and women's
work is associated with activities linked to family self-consumption, with a low income level.
In this sense, this work seeks to analyze the impacts of pluriactivity in labor, domestic and
gender relations in family production units, in the municipality of Orizona, located in the
state of Goiás, Brazil. The purpose of this research is to answer the following question: can
the practice of pluriactivity, carried out by women, contribute to changes in the labor and
gender relations of family production units? The hypothesis formulated from the references
presented, which will guide the research, is based on the idea that the insertion of women in
the practice of pluriactivity contributes to changes in gender relations in the distribution of
roles in the family unit, favoring the permanence of women in rural areas. The research
adopted the qualitative method, using non-probabilistic sampling called snowball,
performing semi-structured interviews with ten women and seven men. Through the data
collected, it was noted that there have been changes in labor and gender relations from the
participation of women in pluriactive activities, but such changes are not substantial, as these
women are suffering from the intensification of their labor relations, in other words, to
increase their working hours both in the public and private sectors.
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 14
1 RELAÇÕES DE TRABALHO E GÊNERO
1.1 Reflexões conceituais .................................................................................................... 22
1.2 A força de trabalho feminino no Brasil e no meio rural ............................................... 32
2 PLURIATIVIDADE E AGRICULTURA FAMILIAR
2.1 Definindo agricultura familiar ...................................................................................... 42
2.2 Pluriatividade e sua relevância para a agricultura familiar. ........................................... 49
2.3 Orizona como campo de pesquisa. ................................................................................ 56
3 PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS, ANÁLISE DE DADOS E RESULTADOS
3.1 Trabalho de campo ........................................................................................................ 58
3.2 Análise dos dados .......................................................................................................... 67
3.3 Resultado ....................................................................................................................... 92
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 95
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 98
APÊNDICE A .................................................................................................................. 104
14
INTRODUÇÃO
trabalho é a ação sobre a coisa trabalhada, mesmo se essa atividade seja produtiva e gere
valor, pois inclusive o valor nem sempre foi vinculado ao trabalho (SULLEROT, 1970).
De acordo com Sullerot, “nunca as mulheres escaparam ao trabalho, e jamais dele
poderão escapar” (p. 16, 1970), por isso é importante conhecer o que é o trabalho das
mulheres. A autora critica a desvalorização e não reconhecimento do trabalho feminino,
afirmando que no decorrer da história o homem era considerado trabalhador quando os
produtos oriundos de sua atividade eram ofertados a outras pessoas, tirando assim o seu
sustento a partir da troca de seus produtos, assim como a remuneração da atividade
realizada. Ora, as mulheres por milênios também vêm desenvolvendo atividades que são
voltadas para outras pessoas, cozinhando para si e para os outros, cuidando de animais e
cultivando a terra, mas devido a uma questão ético-social, o trabalho delas era tratado
como se não existisse. Considera-se trabalho no momento em que há troca de serviços e
remuneração, porém aquele camponês que trabalhava para si próprio, no âmbito familiar,
nunca foi considerado não-trabalhador, por realizar esse tipo de atividade. Este camponês
que trabalhava em família desfrutava do fruto de seu trabalho, o objetivo de seu trabalho
era usufruir de seus resultados, “o autor do serviço, era, também, o beneficiário”
(SULLEROT, p.20, 1970). No caso da mulher, Sullerot (1970) aponta que ela
permaneceu muito mais tempo nesse esquema de atividade de subsistência e de troca de
serviços que o homem, só que na maioria das vezes estava sujeita à autoridade masculina
- seja do companheiro ou do patrão –, sendo além dela beneficiária de sua própria
atividade, uma pequena sociedade a qual ela fazia parte, porém ela não usufruía de
liberdade de ação e de autonomia.
Ainda hoje, no que diz respeito ao acesso das mulheres ao trabalho e à renda, é
possível observar que elas esbarram na ideia construída de que seu trabalho é considerado
como “ajuda” em relação ao trabalho de seus companheiros ou homens, que assumem a
liderança no trabalho produtivo da unidade familiar de produção (ABRAMO, 2010). No
meio rural, essa concepção contribui para que as mulheres trabalhadoras rurais tenham
seu acesso ao dinheiro e a outros tipos de recursos de forma limitada, devido à
invisibilidade da sua contribuição na produção da unidade familiar.
A visão do trabalho da mulher como apenas uma ajuda ao trabalho de seu
companheiro ou de outros homens na família (irmãos e pais), precisa ser superada, essa
diversidade de atividades domésticas, que vai além do trabalho reprodutivo (cuidado com
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filhas/os, limpeza e alimentação), não era atribuída mesmo pelos censos enquanto
trabalho produtivo, fazendo com que não houvesse um reconhecimento dessas atividades
realizadas pelas mulheres trabalhadoras rurais (CINTRÃO; SILIPRANDI, 2011).
Somente a partir da redemocratização que o Estado brasileiro passou a admitir o trabalho
reprodutivo por meio da abordagem de questões no Censo, na busca de reconhecer a
realidade e o impacto desse tipo de trabalho na vida das brasileiras e dos brasileiros, mas
ainda há vários desafios. O debate sobre a desigualdade nas relações de trabalho entre
mulheres e homens assume extrema importância, é preciso que o trabalho de cada pessoa
seja reconhecido e valorizado, independente do sexo, da cor/raça, classe social ou espaço
de moradia (urbano ou rural).
No contexto do meio rural, Castilho e Silva (2009) traz a reflexão do papel da
pluriatividade na questão da conquista da autonomia da mulher. A pluriatividade tem
assumido um papel importante no meio rural, pois com a diversificação das atividades, a
renda da família é incrementada, sendo utilizada tanto para sustento, quanto para
investimentos na propriedade rural. O interessante do rendimento advindo de atividades
não agrícolas é que ele é individual. Por mais que tal rendimento seja aplicado no conjunto
familiar e da propriedade rural, ele representa uma autonomia à jovens e mulheres
(mesmo em vários casos se restringindo apenas ao âmbito econômico), que são grupos
que possuem trabalhos desvalorizados e mal remunerados. Schneider e Castilho e Silva
apontam que:
Segundo a autora, a prática de várias atividades sempre existiu nas famílias rurais e no
contexto atual a pluriatividade contrai novas formas, como por exemplo, a agroindústria
familiar, assim como a inserção de seus membros em outros setores da economia. A nova
roupagem da pluriatividade despertou interesse por novas pesquisas, pois essas novas
possibilidades de inserção no mercado de trabalho contribuem de maneira significativa
para a diminuição das diferenças entre o universo rural e urbano, “dinamizando as
economias locais e os rendimentos das famílias que ali residem” (p. 19, 2009).
De acordo com o Censo Agropecuário de 2006, a agricultura familiar no Brasil é
responsável por absorver 12,3 milhões de trabalhadores rurais, representando 74,4% da
quantidade total de trabalhadores no campo. O mesmo censo traça o perfil das pequenas
propriedades rurais e do pequeno produtor rural no início do século XXI. Dos 5,2 milhões
de propriedades rurais, 4.366.267 (84,4%) são estabelecimentos enquadrados na categoria
“agricultura familiar” e 809.369 (15,6%) são considerados estabelecimentos de
agricultura não familiar. As propriedades que possuem menos que 100 hectares
representam 90% do total de propriedades e por mais que a agricultura familiar represente
84,4% dos estabelecimentos agropecuários, ela ocupa apenas 24,3% da área total. Mesmo
ocupando um território muito limitado, a agricultura familiar é capaz de produzir 54
bilhões de reais por ano, representando 38% do Valor Bruto de Produção.
A partir do estudo de Tavares (2008), acerca da história da formação agrária no
estado de Goiás, especificamente, sobre a formação fundiária da região sudeste do estado,
vieram à luz alguns questionamentos em relação às características das propriedades rurais
da região e das relações sociais de seus detentores assumidas na atualidade.
Em um mundo cada vez mais urbanizado, onde 85% da população brasileira se
encontra em zonas urbanas e os outros 15% da população na zona rural (IBGE, 2010), o
município de Orizona/GO chama atenção por apresentar uma característica
contracorrente em relação à ocupação geográfica de sua população. No censo de 2010,
foi levantado que há 14.300 pessoas residentes no município, sendo que 44,2% delas estão
distribuídas na zona rural e 55,8% na zona urbana. Outro dado que aponta uma
característica específica da região é o alto número de minifúndios e pequenas
propriedades1. Dados acessados no Sistema Nacional de Cadastro Rural/INCRA (2011)
1 - De acordo com o INCRA (Instituto de Colonização e Reforma a Agrária) a estrutura agrária dos
municípios brasileiros está dividida em 4 categorias de detentores: minifúndios, pequenos, médios e
19
grandes. O módulo fiscal que irá determinar o tamanho de cada propriedade, classificando assim a
categoria. Em cada município o módulo fiscal pode ter uma variação entre 5 e 110 hectares, o tamanho do
módulo fiscal vai depender de fatores como o relevo, desenvolvimento urbano, tipo de solo, a quantidade
de culturas temporárias e permanentes, assim como o clima. No caso de Goiás, o maior módulo fiscal é de
50 hectares, presente em municípios do norte do estado, sendo o menor módulo fiscal de 7 hectares em
Goiânia. O módulo fiscal na Microrregião de Pires do Rio, formada por 10 municípios, pode variar entre
30 e 40 hectares.
20
O que caracteriza às mulheres como grupo é seu gênero (definido desde uma
perspectiva sociológica, não necessariamente biológica) sobre e por cima de
todos os demais, o qual sugere uma noção monolítica da diferença sexual.
Constituídas as mulheres desta sorte como grupo coerente, a diferença sexual
passa a coincidir com a subordinação feminina e o poder fica definido
automaticamente em termos binários: pessoas que o têm (leia-se: homens) e
pessoas que não o têm (leia-se: mulheres). Os homens exploram, as mulheres
são exploradas. Estes tipos de formulações simplistas são redutoras das
realidades históricas; resultam assim mesmo inúteis na hora de desenhar
estratégias para combater as opressões. O único que fazem é reforçar as
divisões binárias entre homens e mulheres (2008, p.87).
mulher quanto a discriminação. Crenshaw afirma que “tais elementos diferenciais podem
criar problemas e vulnerabilidades exclusivos de subgrupos específicos de mulheres, ou
que afetem desproporcionalmente apenas algumas mulheres” (2002, p. 173). Nessa
perspectiva, a autora define interseccionalidade como:
1970 e 1980 esse percentual foi 177%, enquanto o dos homens houve um aumento de
97,2%) (SAFFIOTI, 1985). Elas continuaram a ocupar cargos inferiores aos homens, com
menos prestígio e recebendo menos que eles, mesmo exercendo em várias situações o
mesmo cargo.
Souza-Lobo (2011) apresenta dados do final da década de 1970, em que 70% das
mulheres empregadas na indústria exerciam serviços braçais. Isso significa que as
mulheres estão concentradas mais em funções na produção e menos nas funções
administrativas. Além da ocupação, as estatísticas trazidas pela autora sobre o salário
apontam que essa mudança na concentração de função da mão de obra feminina tem um
impacto negativo na situação econômica delas, pois em média, as mulheres recebiam 60%
do salário dos homens no período apresentado. Ademais os salários baixos, as mulheres
ainda se deparam com a dificuldade de ocuparem trabalhos mais valorizados.
Segundo estudo do IPEA (2017), no ano de 2016 o percentual de mulheres
ocupadas em trabalho formal no Brasil foi de 44%, um número bastante significativo, se
levado em conta a baixa participação feminina neste tipo de trabalho nas décadas
anteriores, porém se analisarmos a taxa de participação feminina no mercado de trabalho,
considerando a população economicamente ativa (16 a 59 anos) que procura trabalho ou
que está trabalhando, essa taxa entre os anos de 1995 e 2015 variou em volta de 54-55%,
nunca conseguindo ultrapassar os 60% de participação no mercado de trabalho. Se
compararmos com a taxa de participação masculina no mercado de trabalho em idade
economicamente ativa, o percentual já chegou a 85%, mas nos últimos anos vem caindo
devido ao cenário de crise econômica, chegando no ano de 2015 a 78%. Na situação de
desemprego, a taxa de desocupação masculina, no ano de 2015 era 7,8% enquanto a taxa
de desocupação feminina era de 11,6%. Se considerarmos o elemento cor/raça, a
proporção de mulheres negras desempregadas chegou a 13,3% enquanto a dos homens
negros foi de 8,5%.
Por mais que a relação de desigualdade entre mulheres e homens venha
diminuindo aos poucos, mesmo com a queda generalizada de rendimentos, as mulheres
recebiam em média, no ano de 2015, 76% do rendimento dos homens no âmbito do
trabalho formal. No mercado informal, as mulheres chegam a receber 49% do rendimento
de mulheres em trabalhos formais, ao passo que entre os homens essa relação era de 55%
(IBGE, 2016). No caso das mulheres rurais, a agricultura é responsável por absorver o
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elétrica e outros insumos para a produção é um grande problema. Vale ressaltar que além
da dificuldade em acessar a recursos naturais e infraestrutura, existe a limitação em
acessar recursos financeiros para manter condições de produção no campo e isto está
diretamente ligado a falta de reconhecimento que é dada ao trabalho dessas mulheres
tanto pela sociedade, como das instituições governamentais e financeiras.
Federici (2013) aponta que é muito difícil fazer um levantamento do alcance da
agricultura de subsistência, levando em consideração que a maior parte deste trabalho não
é um trabalho assalariado ou que se produz em fazendas formais. Federici apresenta a
perspectiva de que o capital internacional necessita da mão de obra feminina para baratear
os custos de produção. O trabalho feminino no âmbito reprodutivo e no âmbito produtivo
da agricultura de subsistência libera os trabalhadores homens para as plantações
comerciais e outros trabalhos remunerados. Nesse sentido, entende-se que por questões
ideológicas, o capital internacional ignora e não reconhece a atividade doméstica como
trabalho, visto que na lógica capitalista a tudo é atribuído um valor no âmbito do mercado
e o trabalho doméstico não está incluído neste âmbito, sendo assim não contabilizado e
tratado como trabalho de fato.
A invisibilidade do trabalho feminino no âmbito doméstico na agricultura familiar
tem sua origem na divisão sexual do trabalho, sendo responsável por definir a posição das
mulheres e dos homens nos espaços sociais que elas e eles circulam. No espaço privado
as atividades domésticas são voltadas majoritariamente às mulheres, atividades estas
consideradas como não trabalho, fazendo com seja tratado como invisível, não
reconhecido, não contabilizado e desprovido de valor. No espaço público, espaço
reconhecido pelo capital, as atividades realizadas são vistas como trabalho, valorizado
frente à sociedade, visível aos olhos das pessoas e do capital, dominado por homens e
provido de valor. Diante da reflexão evidenciada, cabe voltar ao debate de Saffioti
(1985) sobre os antagonismos entre o capitalismo-patriarcado e as consequências dessa
relação para a mulher trabalhadora. Sexo e etnia são fatores naturais que influenciam nas
formações sociais capitalistas e expõem a contradição entre a acumulação, considerada o
princípio nuclear do capitalismo e a equidade, apontada como proposta ideológica deste
sistema. O modo de produção capitalista é resultado da incorporação, assim como, da
superação dos modos de produção que o precedeu. Nesse sentido, o capitalismo herda
contradições e determinações das sociedades que lhes são anteriores. O patriarcalismo,
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por exemplo, é uma relação social presente em sociedades que antecederam tal sistema e
ainda se mantém nas sociedades burguesas. Marx e Engels são referenciais teóricos
utilizados na análise de Saffioti (1985). A autora destaca que o conceito de modo de
produção, para os autores apontados, não é reduzido ao ponto de vista apenas
economicista, a força produtiva vai além da produção da vida material, mas também está
estabelecida em outras relações sociais que são desenvolvidas entre os seres humanos.
Saffioti (1985) evidencia o ponto de vista de Marx e Engels no que diz respeito a
produção da vida. De acordo com os autores, a produção da vida é realizada tanto por
meio do trabalho quanto por meio da procriação, havendo uma dupla relação, em que um
lado está uma relação natural e a do outro uma relação social. Cabe destacar que a partir
da perspectiva apresentada, os autores não hierarquizam a produção e reprodução da vida,
entendendo que este último fenômeno é muito mais amplo que a reprodução apenas no
interior da família e não deve ser confundida com a instituição familiar. Segundo Saffioti,
Engels reconhece que no casamento conjugal há a sujeição de um sexo pelo outro, sendo
assim, há conflito nessa relação social. Se existe conflito entre homem e mulher,
estabelecido na instituição casamento, Engels entende que há um antagonismo entre os
sexos, para ele, a opressão do sexo feminino pelo sexo masculino é a primeira
manifestação de oposição de classe na história.
Analisando por esse ângulo, entende-se que o patriarcado e o capitalismo têm
papel fundamental nas características de incorporação das mulheres brasileiras no
mercado de trabalho. Para utilizar o mesmo termo que Saffioti (1985), a simbiose entre
patriarcado e o capitalismo é responsável pela “exploração de homens por outros homens,
de mulheres por homens, de mulheres por outras mulheres e de homens por mulheres,
predominando, porém, a dominação masculina sobre a mulher” (p. 137). A maneira como
se deu penetração do capitalismo no Brasil e o encontro com as raízes patriarcais em sua
cultura contribuiu para que as contradições de sexo e de classes aumentasse, agravando
ainda mais a situação da mulher. Caso o sistema patriarcado-capitalismo permaneça,
como parte da realidade brasileira e mundial, a desigualdade entre mulheres e homens
continuará existindo.
As mulheres rurais estão ocupadas em sua maioria em atividades que não são
remuneradas e voltadas para o autoconsumo. Além do trabalho doméstico na casa e
cuidado das/dos filhas/os, a mulher rural realiza trabalhos com artesanatos dos mais
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variados dependendo da tradição da cultura a qual faz parte, produz alimentos para venda
em pequena escala aos redores de seu lugar de vivência, além de trabalhos próximos a
sua residência, seja no quintal, seja com plantação de hortaliças e cuidado com animais
de pequeno porte. O peso da divisão sexual do trabalho é totalmente desproporcional
sobre essas mulheres rurais, seu trabalho não é reconhecido e aquelas que trabalham fora
do âmbito familiar, assalariadas ou em atividades não-agrícolas sofrem com a
intensificação da divisão sexual do trabalho, visto que sua jornada de trabalho se torna
dupla, pois as atividades no âmbito familiar não são divididas de forma igualitária entre
os membros do sexo masculino.
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) entende
o impacto da desigualdade de gênero para a segurança alimentar mundial e reconhece a
necessidade urgente de superá-la. A FAO propôs uma política de igualdade de gênero
baseada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, com o intuito de
erradicar a pobreza e a fome por meio da promoção da igualdade entre mulheres e homens
relativo a produção agrícola sustentável e desenvolvimento rural. A organização entende
que só por meio do combate à desigualdade de gênero que as lacunas existentes entre
mulheres e homens, no que se refere ao acesso a serviços, créditos financeiros, meios de
produção e uma outra série de recursos serão reduzidos, tendo um impacto positivo na
vida de mulheres e homens rurais, melhorando as oportunidades econômicas e tornando-
as/os atrizes e atores principais, interferindo política e socialmente em decisões que
afetam diretamente suas vidas (BIERMAYR-JENZANO, 2016).
Apesar da FAO ser uma relevante organização mundial para questões de
segurança alimentar, Federici (2013) aponta críticas sobre a forma da abordagem adotada
por ela e por outras agências internacionais como a Organização Internacional do
Trabalho (OIT). A autora considera que essas agências internacionais têm omitido as
dificuldades que a agricultura de subsistência tem enfrentado para continuar se
reproduzindo, devendo ser mais criteriosas e comprometidas com a realidade ao utilizar
determinadas abordagens metodológicas de pesquisa. Federici traz o exemplo dessa
contradição em Bangladesh, que:
(...) a participação das mulheres na mão de obra era de 10% segundo a Pesquisa
de População Ativa de 1985-1986, porém, quando em 1989 esta mesma
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dizer que as relações de dominação entre gêneros deixaram de existir. Durante o processo
de luta pelo acesso à terra há uma tendência de unificação dos interesses de mulheres e
homens, fazendo com que haja uma suspensão temporária das relações de dominação,
mas a partir do momento que a terra é conquistada, a volta ao cotidiano permite que tais
relações de dominação sejam retomadas.
Como vem sido expressado neste trabalho, a atenção do Estado é imprescindível
na promoção de políticas públicas que visam a igualdade de gênero. No ano de 1996, o
Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar foi criado, fruto
da luta de movimentos sociais ligados a agricultura familiar, no entanto, apenas na safra
de 2003/2004 a linha de crédito específica para atender as mulheres da agricultura
familiar, o Pronaf Mulher, foi implementada. O crédito rural tem sido tratado
tradicionalmente como um recurso voltado aos homens. Graças à maior organização de
grupos de mulheres voltadas para experiências produtivas, há maior necessidade de
crédito para que a autonomia das mulheres no sistema produtivo seja alcançada. Seguindo
essa tendência de apoio e valorização da produção da mulher rural, o governo federal, no
ano de 2008, criou o Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais, visando
apoiar grupos produtivos, ofertando políticas públicas para que as mulheres rurais possam
desenvolver seu potencial produtivo e comercial, valorizando os princípios da economia
solidária e feminista (CINTRÃO; SILIPRANDI, 2011).
O apoio à produção e à comercialização de produtos é outra reivindicação feita
pelo movimento de mulheres rurais. Grupos produtivos foram criados no intuito de
estimular a produção e a comercialização de mercadorias que são produzidas em casa ou
em seus arreadores. Os grupos produtivos, no geral, são informais, funcionam nos
períodos de safra e entressafra, além de oferecerem uma diversidade de produtos. A
comercialização, por ser informal, é feita diretamente ao consumidor, por meio dos
mercados locais. A participação das mulheres no processo de venda de seus produtos lhes
possibilita aumentar sua sociabilidade, sua renda, sua autoestima e consequentemente sua
autonomia. A maior participação da mulher no processo de comercialização de seus
produtos provoca mudanças também em seu espaço familiar, em sua rotina de trabalho,
mas sobretudo, em seu papel social, pois com sua presença na vida pública, ocorrem
alterações na divisão sexual do trabalho que podem não ser assimiladas de maneira
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Há um debate intenso sobre qual seria a definição mais adequada para a agricultura
familiar, diante da heterogeneidade no que diz respeito às condições culturais e
socioeconômicas que tal categoria assume ao redor do mundo. Conceituar agricultura
familiar faz-se necessário, especificamente nesta pesquisa, para, a partir desta categoria,
sermos capazes de identificar as pessoas pesquisadas, direcionarmos nosso olhar para o
objeto de pesquisa com o embasamento teórico, categorizando e contextualizando
determinada realidade. Já em um âmbito geral, definir agricultura familiar significa a
busca por visibilidade de suas contribuições à sociedade, assim como a exposição dos
problemas que são enfrentados em suas vivências cotidianas.
As atividades realizadas pela agricultura familiar contribuem de forma
significativa para a segurança alimentar mundial e para preservação da biodiversidade,
porém, em contrapartida, grande parte dessa população se encontra na situação de
pobreza, o que parece contraditório num primeiro momento, já que sua atividade está
associada a produção de alimentos. Esta conjuntura motiva a realização de uma série de
pesquisas ao redor do mundo (FAO, 2014), para compreender as razões da pobreza ser
tão presente na vida de agricultoras/es familiares principalmente em países africanos,
asiáticos e latino-americanos, apresentando também propostas de como ela deve ser
enfrentada e superada, por meio de políticas públicas e programas de assistências que
podem ser desenvolvidos e implementados, de acordo com as demandas das/os
agricultoras/es familiares, refletindo assim ao resto da população que se beneficia de todo
este processo produtivo.
Paulilo (2004) aborda o debate sobre o uso dos termos campesinato e agricultura
familiar, apontando que existem muitas controvérsias acerca do uso ou não uso do termo
campesinato para se referir a agricultoras/es familiares no Brasil. Algumas/ns
pesquisadoras/es acreditam que a categoria de campesinato é aplicada apenas a países que
possuem um histórico feudal. Há outras abordagens que consideram aquelas/es
agricultoras/es que têm poucos vínculos com o mercado. Paulilo considera ainda, em seu
artigo “Trabalho familiar: uma categoria esquecida de análise”, como camponeses
aquelas/es agricultoras/es que a mão-de-obra familiar é a forma de trabalho
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preponderante, se enquadrando nos critérios estabelecidos pela FAO e pelo INCRA como
médias/os e pequenas/os produtoras/es e proprietárias/os para cada região que estas/es se
encontram. A autora admite que o termo “camponês” é mais adequado para seu estudo
que o termo “agricultura familiar”, pois, permite realizar comparações entre estudos
realizados tanto no Brasil quanto na Europa, além de assumir uma conotação moldada
mais para o confronto, de cunho político, o que é necessário para criação de identidade
em situações de luta, como é o caso dos diversos movimentos sociais campesinos que a
autora vem pesquisando no decorrer de sua carreira.
Alexander Chayanov, agrônomo russo, preocupou-se em estudar a agricultura
camponesa, desenvolvendo conceitos e uma teoria da organização da unidade econômica
camponesa, buscando analisar sua forma de organização, seu vínculo com o sistema
econômico, o modo como acontece as relações de produção e os encadeamentos disso
para a economia dos países (DE la O; GYZMÁN; SALCEDO, 2014). Chayanov entende
que a economia camponesa assume um caráter familiar, o trabalho interno da propriedade
é provido pela família para atender suas próprias demandas de subsistência. Por esta
razão, a economia camponesa não pode ser considerada capitalista, pois a forma de
organização da produção não visa o lucro, não há categoria de salário, sendo assim, não
é possível estabelecer de modo preciso os custos da produção (VAN der PLOEG, 2016).
Van Der Ploeg (2016) assume a perspectiva chayanoviana de agricultura familiar
camponesa em sua análise, baseando-se na ideia de que o trabalho camponês vai aonde o
capital não pode ir, pois seu cerne não é o mercado, não se visa o lucro, o trabalho está
estabelecido no trabalho familiar que tem como finalidade a subsistência de seus
membros. Van Der Ploeg compreende que:
campo por parte das/os agricultoras/es familiares. Estas/es realizam trabalhos fora da
unidade familiar de produção de forma autônoma ou assalariada, como meio de buscar
renda que pode ser extra ou em muitos casos se torna a maior fonte de sustento da família.
Esta característica de organização no âmbito da agricultura familiar é um dos cernes que
orienta essa pesquisa e será mais desenvolvida a frente.
Durante o século XX, o campesinato foi um conceito bastante trabalhado para
pensar as relações sociais no meio rural na América Latina. Durante a década de 60,
acontecia um fervor social, trazendo à tona o setor camponês como uma esfera dominada
pela pobreza e desigualdade estabelecida pela concentração de terras, presente em
praticamente todos países da América Latina, devido às características de sua
colonização. Neste contexto, o conceito de camponês foi tratado como equivalente ao
conceito de minifundista, no intuito de evidenciar as contradições presentes na estrutura
agrária, norteando a implementação do processo de reforma agrária em vários países da
América Latina (DE la O; GYZMÁN; SALCEDO, 2014).
A teoria de Chayanov ressurge nas décadas de 70 e 80 trazendo o debate sobre a
permanência da agricultura familiar na sociedade e como ela continua se reproduzindo
em um contexto capitalista, mesmo assumindo uma racionalidade não capitalista. Nos
anos 80 e 90, momento em que a globalização se intensifica, bem como a modernização
na agricultura, incentivada pelo agronegócio, de forma especial pela exportação, a
agricultura familiar é marginalizada ainda mais pelas políticas e programas dos Estados.
Neste período, a agricultura familiar é tida como sinônimo de atraso e pobreza, associada
a um descrédito em relação ao seu potencial para agregar à sociedade. Devido a essa
perspectiva, as/os mais favorecidas/os são aquelas/es que já estão inseridas/os na lógica
do mercado, pois, com a diminuição de investimento em políticas públicas voltadas para
a pequena agricultura, houve um aprofundamento das desigualdades no campo entre a
agricultura familiar e agricultura empresarial, gerando como consequência maior
migração da zona rural para zona urbana, maior competição por água e por terra, além de
se reinstalar o fenômeno de concentração de terras (DE la O; GYZMÁN; SALCEDO,
2014).
Nos anos 2000, o termo agricultura familiar começou a ser utilizado de forma mais
recorrente e as políticas públicas voltaram a olhar com atenção para o setor. No ano de
2004, durante a Reunião Especializada de Agricultura Familiar (REAF), o termo
46
2
O Mercosul, como é conhecido o Mercado Comum do Sul (em castelhano: Mercado Común del Sur,
Mercosur; em guarani: Ñemby Ñemuha), é bloco sub-regional composto por Argentina, Brasil, Paraguai,
Uruguai, Bolívia (em processo de inclusão desde 2015) e Venezuela (Venezuela encontra-se suspensa do
Mercosul por tempo indeterminado, de acordo com o Protocolo de Ushuaia). Tem como países associados
Chile, Peru, Colômbia e Equador.
47
É interessante observar que a lei brasileira, descrita acima, é tida como bem
avançada se comparada a outros países latino-americanos, considerando como uma das
variáveis não simplesmente a superfície da terra, mas classificando o tamanho da
propriedade de acordo com módulos fiscais, que vai variar de acordo com as
características do município, como por exemplo o tipo de exploração predominante no
município, a renda obtida neste tipo de exploração, a oferta de água nesse território e
consequentemente a produtividade desse imóvel rural.
A mão de obra familiar é a variável que mais aparece na definição de agricultura
familiar, porém, há divergências em algumas definições se a agricultura familiar pode ser
48
caracterizada pelo uso exclusivo da mão de obra familiar ou se em alguns casos se admite
o uso de mão de obra contratada até certa proporção.
No que concerne à administração da unidade econômica-produtiva por parte de
uma pessoa de referência da propriedade, se considera a autonomia na tomada de decisões
sobre os ativos, o cultivo e também a contratação de mão de obra externa. Vale destacar
que a característica da administração da pequena propriedade é um dos critérios de acesso
à políticas públicas nos países como Paraguai, Uruguai e Brasil. Além da administração,
na América Latina e Caribe, há alguns conceitos de agricultura familiar que aderem como
requisito que a maior parte da renda venha da unidade familiar de produção, com o
objetivo de acessar a determinados tipos de políticas públicas. O Brasil e o Chile são
exemplos com a Lei nº 11.326/2006 e a Lei Orgânica de INDAP/1993 respectivamente.
Esse requisito pode se tornar um problema expressivo, pois a renda não agrícola se torna
crescentemente relevante para a sobrevivência das famílias agricultoras familiares, em
especial as famílias de classes sociais mais vulneráveis (DE la O; GYZMÁN; SALCEDO,
2014).
O predomínio do trabalho familiar nas unidades produtivas, a administração da
unidade econômica-produtiva vinculada a uma pessoa de referência do lar e o tamanho
da propriedade e/ou da produção são os três fatores relevantes para a definição de
agricultura familiar. Porém, deve-se considerar ainda uma série de critérios na definição
do conceito de agricultura familiar que ainda não são abordados adequadamente, por
exemplo, o conceito de produtividade da terra (não adotado pela maioria dos países da
América Latina), assim como o elemento do ingresso de renda não-agrícola cada vez mais
frequente em pequenas propriedades. A pluriatividade está crescentemente presente na
realidade dos agricultores familiares no Brasil e no mundo. Na própria Lei da Agricultura
Familiar (Lei n° 11.326/06), houve uma mudança no inciso III do artigo 3º, em que antes
havia a exigência de que a renda familiar fosse originada principalmente de atividades
econômicas que estivessem vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento
familiar. Após a atualização da Lei, dada pela Lei n° 12.512, de 2011, passa a exigir que
tenha apenas um percentual mínimo da renda familiar advinda de atividades econômicas
realizadas no estabelecimento ou empreendimento familiar.
Neste sentido, é possível observar que há o reconhecimento da mudança da
dinâmica na organização da agricultura familiar pelo Estado brasileiro, reconhecimento
49
este fundamental para atender as demandas dessa população do meio rural. Por isso,
considera-se de extrema importância buscar debater sobre qual seria o melhor conceito
de agricultura familiar, compreender de forma mais específica as características da
categoria, suas similaridades e divergências de acordo com o contexto sociocultural e
temporal.
variáveis como posição na hierarquia da família, sexo e até mesmo idade (SCHNEIDER,
2001).
Ante aos argumentos apresentados, Mattei os justifica pelas razões seguintes:
Assim sendo, cabe apresentar a pesquisa de Brumer (2004) que analisa as causas
que provocam um maior número de migração da zona rural para a zona urbana de moças
do que de rapazes no estado do Rio Grande do Sul, baseando-se nas formas como essas
mulheres são inseridas na unidade familiar de produção. A autora considera as seguintes
características de formas de inserção de mulheres e jovens na agricultura como critério
de análise:
A partir dos critérios apresentados, Brumer (2004) utiliza dos dados da Pesquisa
Rural realizada pela Emater em 1992 e dados de contagem da população do IBGE em
52
1996 para realizar sua análise. A população do Rio Grande do Sul estava distribuída no
ano de 1996 em 49,1% do sexo masculino e 50,8% do sexo feminino, porém, a
distribuição dessa população entre a zona urbana e a zona rural estava destoante, visto
que neste período havia 89.782 homens a mais na zona rural que mulheres e na zona
urbana havia 248.708 mulheres a mais que homens. Se há um certo equilíbrio no número
de nascimentos de bebês do sexo feminino e do sexo masculino e um desequilíbrio no
que diz respeito ao local de moradia entre homens e mulheres, é possível observar que há
uma seletividade na migração, onde mulheres migram mais que homens da zona rural
para a zona urbana. Além disso, a autora identifica que o processo migratório do campo
para cidade acontece de forma mais acentuada entre jovens na faixa etária de 20 a 25
anos, sendo a população residente no campo 11,4% do sexo masculino e 9,15% do sexo
feminino. Em números absolutos, de acordo com a autora, em todos os grupos de idade
os números de homens no meio rural são maiores que de mulheres.
A intenção de apresentar a pesquisa de Brumer é de buscar compreender como a
forma de organização no âmbito intrafamiliar no meio rural pode influenciar em alguns
fenômenos, como no caso deste estudo, a pluriatividade. A autora dá enfoque à migração
e trata de forma superficial a adesão da população rural à pluriatividade (a autora não
utiliza este termo, refere-se a trabalho em tempo parcial ou trabalho não-agrícola), mas
elementos que a pesquisadora traz como explicação para migração também podem ser
pensados para esclarecer as causas do fenômeno da pluriatividade e assim problematizá-
lo, principalmente ao fazermos um recorte de gênero. De acordo com Brumer os fatores
que podem explicar a seletividade do processo migratório por sexo e idade são:
(...) pela falta de oportunidades existentes no meio rural para a inserção dos
jovens, de forma independente da tutela dos pais; pela forma como ocorre a
divisão do trabalho no interior dos estabelecimentos agropecuários e pela
relativa invisibilidade do trabalho executado por crianças, jovens e mulheres;
pelas tradições culturais que priorizam os homens às mulheres na execução dos
trabalhos agropecuários mais especializados, tecnificados e mecanizados, na
chefia do estabelecimento e na comercialização dos produtos; pelas
oportunidades de trabalho parcial ou de empregos fora da agricultura para a
população residente no meio rural; e pela exclusão das mulheres na herança da
terra (2004, p. 210).
Se trouxermos os pontos acima apresentados como fatores que também podem influenciar
a adesão de membros da unidade familiar à pluriatividade, podemos começar a refletir
sobre a dificuldade que os jovens do meio rural enfrentam para terem oportunidades e
53
produtos. Como já abordado no capítulo anterior, o trabalho feminino no meio rural está
associado ao trabalho doméstico e reprodutivo, ao cuidado da horta e de animais
considerados de pequeno e médio porte (galinhas e porcos, etc.). É um trabalho
considerado leve, não remunerado ou muito pouco remunerado e com esse aspecto acaba
por ser inviabilizado. Já o trabalho tido como masculino é associado a serviços que
necessitam de grande esforço físico, como fazer cerca, carregar sacos de ração, preparar
a terra para plantio, além disso, cabe aos homens o manejo das máquinas agrícolas. É um
trabalho reconhecido como produtivo, visibilizado, reconhecido publicamente. Essa
construção social nega a série de serviços realizados por mulheres, jovens e crianças na
unidade familiar de produção que são produtivos, que geram renda para a propriedade
(produção de hortaliças, doces, queijos e artesanato, por exemplo) e atividades que
exigem tanto esforço físico quanto o realizado por homens. É o caso das mulheres que
carregam suas crianças junto ao seu corpo enquanto realizam suas atividades, além das
que carregam pesados baldes de água em suas cabeças dos açudes até suas casas.
A estrutura estabelecida pela divisão sexual do trabalho na unidade familiar de
produção também influencia no processo de sucessão do estabelecimento. De acordo com
Brumer (2004), Carneiro (2001) e Paulilo (2004), mesmo sendo garantido pelo Código
Civil brasileiro a igualdade de direitos entre filhas e filhos, muitas mulheres são excluídas
da herança da terra. Paulilo (2004) ao pesquisar a desigualdade econômica sofrida pelas
mulheres na agricultura familiar, nota um padrão na forma como é passada a herança da
terra nas regiões de colonização alemã e italiana no sul do Brasil, identificando que os
filhos homens são os principais herdeiros da terra e o acesso das mulheres acontece por
meio do casamento. Exceções acontecem quando não há herdeiros homens e se houver
uma filha casada que cuida dos pais durante a velhice ou pode acontecer de as/os
herdeiras/os não se interessarem em continuar em produzir na terra. Paulilo (2004) afirma
ainda que:
(...) nem todos os filhos homens herdam terra quando a propriedade é pequena,
porém para eles há mecanismos de compensação que tentam respeitar uma
correspondência entre o que foi perdido e o que foi ganho. Os que estudam,
sejam homens ou mulheres, não herdam terra porque ‘já ganharam o estudo’.
Também não a recebem quando saem da casa dos pais e vão trabalhar na
cidade, enquanto um ou mais irmão ficam. Quanto às mulheres, recebem um
enxoval quando se casam, composto de mais ou menos itens dependendo das
posses dos pais. As que não se casam nada recebem. O destino das celibatárias
– cuidar dos pais e, depois de sua morte, ficar ‘encostada’ na casa de uma irmã
55
mostrando que o casamento não é um elemento que faça com que jovens permaneçam no
campo. Este dado demonstra a tendência de que mulheres jovens hoje priorizam sua
formação educacional, seu trabalho, sua autonomia financeira para, assim, obterem sua
realização pessoal a partir do que construí para si. Aquelas que permanecem no campo e
aderem a atividades pluriativas, de acordo com a investigação, indicam que os papeis
femininos no âmbito familiar ainda não sofreram grandes alterações, mesmo quando essas
mulheres trabalham em outras localidades.
Sabe-se que a pluriatividade pode ser considerada como um recurso de
complementação de renda da família, uma estratégia de ocupação em períodos de
ociosidade de tempo de determinados membros da família, ou o simples da pessoa não se
identificar com as atividades realizadas dentro da própria unidade familiar de produção.
No caso das mulheres, aderir à pluriatividade significa obter autonomia financeira e
pessoal. Neste sentido, a reflexão acerca do conceito de pluriatividade e dos contextos
sociais brasileiros onde ela ocorre auxiliará na análise dos efeitos da pluriatividade nas
relações de gênero e trabalho em unidades familiares de produção no município de
Orizona, Goiás.
sobre máquina, adubo, semente, remédio, por meio de cursos e palestras. Sua proposta de
intervenção, com a I Semana Ruralista, que aconteceu entre 18 e 24 de junho de 1960,
esteve mais ligada à modernização do que uma proposta na mudança da estrutura
fundiária na região (TAVARES, 2002). Foi também a partir deste período que as
atividades relacionadas à pecuária se expandiram em Orizona. Hoje, a pecuária leiteira é
a principal atividade do município, tendo notoriedade como uma das principais bacias
leiteiras do estado de Goiás, sendo a maior do sudeste goiano. Ademais a produção de
leite, cabe destacar que a partir do ano de 1985 houve uma expansão de plantio de
lavouras de grãos como soja e milho, realizados principalmente por grandes proprietários
que toma grande parte das atividades agrícolas da região (MATOS, 2011).
Segundo Matos (2011), a produção de leite em Orizona é oriunda de todas as
categorias de produtores. De acordo com dados coletados junto ao Sindicato Rural de
Orizona, o produtor no âmbito da produção de leite é considerado pequeno caso produza
até 100 litros de leite, a produção entre 100 e 500 litros é tido como médio produtor e
acima de 500 litros, grande produtor. A produção de leite em Orizona utiliza de modernas
tecnologias, adotada principalmente pelos médios e grandes produtores, mas mesmo os
pequenos lançam mão do uso de ordenhas mecânicas e quando não possuem tanto capital
para investir, compartilham tecnologias como os tanques de resfriamento, necessários
para conservação de leite e exigido como requisito legal pelas empresas de laticínios as
quais os produtores vendem sua produção.
Orizona possui uma característica marcante que é a organização de sua população
por meio de associações. A organização social da população se torna essencial na busca
da garantia da reprodução social e econômica no meio rural, no caso de Orizona, tornou-
se necessário estabelecer o associativismo no município no decorrer da década de 1980
para criar condições para que principalmente os pequenos agricultores permanecessem
no campo. As organizações rurais que hoje estão presentes em Orizona são: Escola
Família Agrícola, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Sindicato Rural (Patronal), Centro
Social Rural, Central das Associações Rurais, Cooperativa de Crédito, Comunidades
Eclesiais de Base (total de 55) e Associações de Pequenos Produtores Rurais (total de 28)
(TAVARES, 2002).
Dentre as associações apresentadas, cabe destacar a Escola Família Agrícola de
Orizona (EFAORI). Criada no ano de 1999, a escola iniciou suas atividades ofertando o
58
e por consequência mudanças nas relações produtivas no meio rural. Nessa lógica, esta
pesquisa buscou, em trabalho de campo, identificar como mulheres originárias de unidade
familiares de produção aderiram à prática da pluriatividade como estratégia de
sobrevivência no campo e qual impacto de sua inserção em atividades não-agrícolas nas
relações familiares, nas relações de gênero e de produção.
O tipo de amostragem adotado assume o cunho não probabilístico, sendo utilizada
a abordagem da amostragem em bola de neve. Esse tipo de amostragem costuma ser
utilizado em estudos quando há difícil acesso aos grupos de interesse da pesquisa. No
primeiro momento da aplicação da amostragem em bola de neve, utiliza-se de
informantes-chaves e/ou documentos, com o objetivo de identificar pessoas que tenham
o perfil esperado para a pesquisa. Esses informantes-chaves e/ou documentos, são
chamados de sementes, pois são essenciais para auxiliar a pesquisadora a obter seus
primeiros contatos, assim como para conhecer, a princípio, o grupo que será pesquisado,
já que é praticamente impossível haver uma amostra probabilística inicial nesse contexto.
Após o primeiro contato, é solicitado às sementes que indiquem outros contatos com as
características esperadas, no caso desta pesquisa, mulheres e homens que vivem em
unidades familiares de produção em que as mulheres executem algum tipo de trabalho
não-agrícola. Espera-se que as sementes indiquem pessoas de sua própria rede pessoal, e
na medida que os novos contatos são realizados, o quadro de amostragem da pesquisadora
irá aumentar em cada entrevista, caso ela solicite mais indicações (VINUTO, 2014). O
quadro de amostragem da pesquisa deixou de ser ampliado quando novas informações
deixaram de ser trazidas para o quadro de análise.
Neste momento, deixo de escrever em terceira pessoa e passo para primeira
pessoa, considerando expor o percurso tomado por mim, pesquisadora, e a relação que
estabeleci com a investigação científica durante o trabalho de campo.
Após finalizar meus estudos de graduação em Ciências Sociais, realizei no início
de 2012 o processo seletivo para professora temporária de Sociologia no Instituto Federal
Goiano, Campus Urutaí, uma instituição localizada na zona rural voltada para ensino,
pesquisa e extensão prioritariamente na área agrícola. De março de 2012 a março de 2014
realizei atividades como docente, vivi na cidade de Urutaí e tive contato com discentes
de toda a região do município. Convivi com colegas de trabalho e alunas/os que eram de
Orizona, desta maneira obtive informações gerais sobre o perfil socioeconômico da
60
da Associação de Artesãos de Orizona, onde foi possível abordar pessoas que assumem
o perfil de interesse da pesquisa.
O método qualitativo é a abordagem adotada nesta pesquisa. Flick (2007) entende
que a relevância da pesquisa qualitativa está voltada para o fato de as esferas da vida
serem pluralizadas, exigindo que a investigação empírica das questões tenha uma nova
sensibilidade. Essa sensibilidade deve se voltar para narrativas em âmbitos situacionais,
locais e temporais, compreendendo a diversidade de padrões de interpretação e de estilos
de vida. A pesquisa qualitativa vai em busca da subjetividade do sujeito pesquisado,
visões de mundo, perspectivas, características sociais, emocionais e físicas que por meio
de uma pesquisa quantitativa talvez não poderia ter sido acessada. De acordo com Flick,
mais essencial que a contemplação dos discursos e das narrativas, é “o estudo dos
significados subjetivos e da experiência e prática cotidianas” (2007, p. 18).
A respeito da conduta da pesquisadora neste tipo de investigação, para Flick
(2009) espera-se que haja algum tipo de familiaridade com os acontecimentos no âmbito
que se pretende pesquisar. Além de ter trabalhado em uma instituição localizada na zona
rural e com suas atividades voltada para este meio, é importante destacar que sou filha de
pequenos produtores rurais. Nasci em Aurilândia, no interior de Goiás e vivi meus
primeiros anos de vida na fazenda de meu avô paterno. Meu pai sempre esteve vinculado
com atividades rurais mesmo nos mudando para cidade, quando eu tinha apenas dois anos
de idade. Quando criança sempre ia a fazenda do meu avô, observava e participava de
alguma maneira das atividades cotidianas, desde de ajudar minhas tias a empacotarem a
carne da novilha, que era abatida na propriedade de tempos em tempos para alimentar a
família, a observar meu avô preparar o couro da vaca para produzir artesanalmente a
pinhola (chicote); aos sábados durante minha infância acompanhava meu pai para vender
e comprar gado após um dia de leilão, depois saíamos de fazenda em fazenda na região
de São Luiz de Montes Belos para meu pai fazer mais negócios. Às vezes minha mãe
acompanhava, mas na maioria das vezes ela ficava em casa para fazer suas atividades ou
até mesmo descansar um pouco mais, já que ela era responsável pelo cuidado de mim e
de minhas irmãs em tempo integral. Eram nestes momentos que aproveitávamos para
andar a cavalo, para comer diversos tipos de quitandas e doces típicos goianos, enquanto
meu pai negociava gado, ficávamos nas casas conversando geralmente com as mulheres
das fazendas, sejam elas produtoras ou empregadas rurais.
62
Neste sentido, Laperrière (2008) entende que a pesquisa qualitativa não esvazia a
subjetividade, ao contrário, a interação entre pesquisador e sujeito faz-se necessária e
assume importância na qualidade da análise contínua desta interação. Sobre a noção de
objetividade, ela não é ignorada por Laperrière, a autora trabalha com a perspectiva de
Guba e Lincoln em que a objetividade não é aquela ideia de neutralidade exigida por
outras abordagens metodológicas por parte da pesquisadora, mas uma objetividade deve
estar presente na qualidade dos dados.
64
Fonte: entrevistas
entrevistadas são trabalhadoras que nasceram e foram criadas no meio rural. Todos os
homens nasceram no município de Orizona e apenas quatro das dez mulheres nasceram
fora de Orizona, todas/os com vínculo estabelecido desde cedo com a zona rural do
município. Suas mães e seus pais também eram produtoras/es rurais, com baixa
escolaridade, três entrevistados (duas mulheres e um homem) afirmaram que não sabiam
a escolaridade dos pais, mas comentaram que era um nível muito baixo. Um homem e
uma mulher afirmaram que os pais eram analfabetos, uma mulher informou que os pais
eram apenas alfabetizados, duas mulheres disseram que suas mães possuíam ensino
médio completo e um homem informou que sua mãe possui ensino fundamental completo
e seu pai havia cursado todo o ensino médio, todas as outras pessoas entrevistadas
afirmaram que suas mães e seus pais não haviam completado o ensino fundamental.
Nenhuma pessoa entrevistada afirmou ter chegado a estudar no ensino superior, porém
no caso de um casal a filha e o filho estão cursando os estudos a nível de mestrado, e
outros sete entrevistados afirmaram ter filhas/os graduadas/os ou graduandas/os, o que
demonstra que a realidade no que diz respeito a escolaridade vem sofrendo substanciais
mudanças sobre as gerações mais novas.
Na pesquisa de Castilho e Silva e Schneider (2010), o perfil de famílias pluriativas
em duas cidades estudadas no estado do Rio Grande do Sul apresentam características
similares às famílias pesquisadas em Orizona, há uma predominância do baixo nível
educacional, se enquadrando a maioria das/os entrevistadas/os ao ensino fundamental. A
faixa etária acima de 40 anos é outro dado que coincide com este trabalho, como será
exposto a seguir.
A maioria das/os entrevistadas/os se enquadram na faixa etária dos 40 e 50 anos,
são cinco mulheres e dois homens que possuem entre 40 e 49 anos, quatro mulheres e
dois homens entre 50 e 59 anos, um homem com 66 anos, um homem com 30 anos e
apenas uma mulher e um homem na faixa de idade entre os 20 e 29 anos. É possível
perceber que, neste universo, há uma escassa presença de jovens na zona rural, sendo
mulheres e homens casadas/os, com famílias nucleares e acima de 40 anos mais presentes
neste meio. Alguns estudos como os de Brumer e Anjos (2008), Carneiro (2001) e Paulilo
(2004) retratam sobre a migração de jovens no meio rural com recorte de gênero. Apesar
desta pesquisa se atentar para a questão da busca do trabalho não-agrícola por parte das
mulheres residentes em unidades familiares de produção, inclusive como estratégia para
70
permanência de residência no meio rural, não será possível desenvolver uma reflexão
mais aprofundada sobre a migração da população jovem do campo para cidade, em
especial com o olhar a migração feminina, como fizeram as autoras supracitadas.
A respeito da trajetória de vida dessas pessoas, preocupou-se em investigar as
ocupações que elas assumiram no decorrer de suas vidas, com quantos anos começaram
a realizar algum tipo de trabalho, com quantos anos se casaram e com quantos anos
tiveram filhos.
Seguem algumas falas sobre a iniciação em sua vida no trabalho rural:
Toda vida a gente tinha os afazeres. Tinha que carrear a lenha pra dentro, tinha
que varrer o terreiro, tinha que tratar das galinhas. Desde que começou andar,
começou a trabalhar (Rosana).
Assim alguma coisinha foi lá pelos 7 anos de idade. Já mexia alguma coisinha
ali com a minha mãe, com o meu pai. Agora pra trabalhar direito mesmo na
roça eu já tinha uns 12 anos (Fernando).
Com 5 anos eu já corria atrás do meu pai pra todo lado. Meu pai trabalhava em
troca de 1 litro de manteiga pra criar 11 filhos, naquela época era muito difícil.
Agora já melhorou muito. Pra vir em Orizona tinha que gastar o dia inteirinho,
porque tinha que vir de cavalo ou de a pé, são 22 km. Então era muito difícil.
Naquela época eu solteiro, os mais velhos criavam os mais novos (Gabriel).
Ajudando minha mãe acabou que desde de nova, meus irmãos nasceu gêmeos
os mais novo, aí a gente criança não consegue ajudar muito, mas de qualquer
forma, qualquer tantinho já ajuda. Depois quando eu estava com 16 anos, ela
sofreu derrame, aí eu tive que tomar conta das crianças, porque na época os
meninos, os gêmeos acho que estava com três anos ou quatro anos mais ou
menos. Acaba que dependia mais da gente (Ivone).
Eu acho que eu tinha uns 14 anos. Quando eu tinha 14 anos a gente pegava
café em lavoura para ganhar porcentagem. Desde pequena a luta é grande
(Noemi).
Na zona rural é difícil você falar uma idade. A gente, assim, normalmente as
brincadeiras de crianças já é um trabalho. Mas eu tive uma infância boa. Foi
em torno de 10, 12 anos. A gente teve uma infância bem boa. Assim trabalhar,
trabalhar mesmo nem tanto, porque tem época. Tem a época que você faz
polvilho, tem época que você faz a farinha, tem época que você trabalha mais
com o leite que precisa mais de ajuda essas coisas. Lá pelos 15 anos eu comecei
a tecer mesmo (Sônia).
Com 6 anos eu comecei a trabalhar. Com 11 anos eu aprendi a tirar leite, meu
pai quebrou o pé eu tive que aprender a tirar leite. Nunca parei. (Úrsula)
Bem cedo, eu acho que com 10 anos eu e meu irmão estava todos os dois já
tirando leite no curral (Saulo).
71
3
A silagem é um produto resultado da fermentação de plantas ou grãos de cereais para que seja conservado
o valor energético do alimento, utilizado principalmente para alimentação animal. No estado de Goiás, onde
há um longo período de seca das pastagens, fonte principal de alimento para o gado, a silagem é uma das
garantias de alimentação dos animais.
72
também eletricista, este oferece assistência nas propriedades próximas ou costuma levar
serviço para serem realizados em sua casa.
A ocupação das mulheres apresenta-se mais diversa, além da atividade doméstica
que todas declaram realizar (o que não acontece com boa parte dos homens), uma delas
realiza trabalho como costureira por encomenda, uma é lojista em tempo integral na
cidade, uma é merendeira em uma escola municipal em tempo parcial, uma é instrutora
do SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e artesã, outras duas são artesãs,
quatro das entrevistadas são feirantes, realizando ainda outras atividades (uma das
feirantes presta serviço de limpeza de calçadas e muro, outra é cabeleireira, além de
produzir quitandas para vender). Todas essas mulheres, umas com maior frequência,
outras com menos, realizam atividades agrícolas, principalmente em hortas próximas a
suas casas. No caso de duas feirantes o cuidado com as hortaliças é sua principal
atividade.
Foram realizadas perguntas relacionadas ao acesso a direitos, associações e
sindicalização, e constatou-se que das/os 17 entrevistadas/os, 12 afirmaram fazerem parte
de alguma associação ou sindicato. Quando questionadas/os se contribuíam ao INSS
(Instituto Nacional do Seguro Social), apenas três mulheres (estas assumem empregos
fixos de carteira assinada) e um homem disseram contribuir ou ter contribuído, as/os
outras/os afirmaram não contribuir por já estarem filiadas/os ao sindicato, impedindo que
este repasse seja realizado diretamente, atendendo às regras estabelecidas pelo sistema
governamental. Apenas uma mulher informou já ter recebido benefício do governo como
a Bolsa Família, uma mulher declarou receber auxílio transporte para os filhos irem à
escola, outra mulher afirma receber pensão devido à morte do marido e um homem e uma
mulher já foram beneficiados por auxílio doença.
Quanto às condições da propriedade, observa-se que, de acordo com os dados
apresentados, o tamanho das propriedades varia entre 5 e 59 hectares, enquadrando-se na
primeira exigência, de acordo com a Lei da Agricultura (Lei nº11.326/06), como
agricultura familiar ou empreendimento familiar rural, pois as áreas não possuem mais
que 4 módulos fiscais, entendendo que, como já apresentado, um módulo fiscal na
microrregião de Pires do Rio pode variar entre 30 e 40 hectares. Vale ressaltar que, as
unidades familiares de produção, em sua maioria, são próprias das/os entrevistadas/os,
sendo adquiridas por meio da compra ou por herança, este tipo de situação se enquadra
73
4
O valor do salário mínimo no ano de 2017, período em que o trabalho de campo foi realizado, era de R$
937,00.
74
rendas pode variar entre cem reais e sete mil reais, ou seja, bem menos de um salário
mínimo a sete salários mínimos. Vale destacar que todas mulheres entrevistadas recebem
pelos trabalhos produtivos que realizam e possuem autonomia na gestão de sua renda.
As pessoas entrevistadas também foram questionadas sobre acesso a
financiamento pessoal ou para a propriedade. Um casal, Fernando e Elizabeth, afirmaram
nunca terem buscado financiamento, assim como Patrícia, porém seu companheiro
Sandro admitiu já ter recorrido a financiamento para sua propriedade. Todos os outros
casais afirmaram já ter solicitado financiamento, até mesmo Adriana, Ivone e Noemi que
não tiveram seus companheiros entrevistados. Considerando os seis casais e as três
últimas mulheres citadas, oito mulheres declaram ter solicitado financiamento. Destaca-
se que quando questionadas sobre quem fez a solicitação, sete dessas mulheres afirmaram
que foram seus companheiros, indicando que a responsabilidade pelo investimento na
propriedade é assumida, no caso dos dados desta pesquisa, em sua maioria por homens.
Cintrão e Siliprandi (2010) demonstram em seus estudos que há uma tendência das
mulheres não assumirem frente no acesso a financiamento, principalmente pelo fato da
pessoa de referência estar ligada de forma predominante à figura masculina. O Pronaf
(Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) criou uma linha de
crédito voltada especificamente para mulheres agricultoras familiares apenas na safra
2003/2004, buscando estimular as mulheres rurais ao crédito. Os dados da pesquisa de
alguma maneira confirmam como as relações de poder estabelecidas entre os gêneros na
unidade familiar de produção também influenciam no acesso ao financiamento e
autonomia para o investimento na unidade familiar de produção.
Após a descrição do perfil das/os entrevistadas/os e das características das
unidades familiares de produção, cabe agora apresentar finalmente os aspectos das
relações de trabalho e gênero das/os entrevistados. Para analisar as relações de trabalho e
gênero no meio rural é necessário pensar a relação estabelecida entre o trabalho produtivo
e reprodutivo, quem os executa e como os executa, se recebem um retorno financeiro para
execução destes trabalhos, além da autonomia e reconhecimento das pessoas que realizam
determinadas atividades.
O primeiro tema abordado, a partir do recorte apresentado, trata das atividades
reprodutivas e produtivas realizadas dentro da unidade familiar de produção. O trabalho
doméstico tratado com trabalho reprodutivo (HIRATA; KERGOAT, 2007) está
75
Arrumo uma comida pra mim, se for preciso lavar roupa, eu lavo pouquinho
também. Se for pra mim ficar limpando uma coisa que eu sujei, eu limpo. Se a
mulher largou mais ou menos fica por lá. Eu tenho minhas galinhas que eu
trato delas, tenho uma hortinha. Eu cuido dela também. Então tem isso de tudo
um pouquinho. É dentro da necessidade (risos). (...) Eu fico fazendo as
coisinhas. Às vezes é capinar uma chacrinha aqui, arrumar uma cerquinha ali.
Dentro da casa o momento é pouco (Cássio, companheiro da Marina).
As atividades domésticas só a minha esposa mesmo que faz. Tem as hortas que
eu participo um pouco, mas acho que não é considerada doméstica não. Minha
esposa, ela cuida da casa, ela que faz alimentação, cuida das roupas e de tudo.
(...) Na casa eu faço alguma coisinha muito pouca. Às vezes lavo alguma
coisinha, mas quase nada. Às vezes dou varredinha na calçada. Mas é ela que
cuida (Fernando, companheiro da Elizabeth).
A gente ajuda, mas é pouco. A mulher bem dizer faz tudo, de vez em quando
é uma roupinha, lavo prato e pronto (Gabriel, companheiro da Aurora).
Precisando eu faço o que for preciso. Eu gosto mais é cozinha, lavar vasilha
esses trem. Se for preciso faço de tudo (João, companheiro da Rosana).
Quando a minha mulher sai eu fico me virando sozinho. Quando ela está aqui,
às vezes a gente dá a mão, mas é pouco, o tempo rural é muito corrido. Porque
se ela sai eu me viro sozinho, lavo roupa, lavar roupa e fácil coloco ali no
tanquinho, faço comida, faço tudo, arrumo tudo sozinho. No dia que ela está
passando mal eu tomo de conta (Paulo, companheiro da Sônia).
Limpo casa, lavo panela, varro terreiro, roço grama, cuido envolta da casa tudo,
lavo roupa, testando minhas máquinas direto. Se for preciso, cozinho, mas
direto não, minha mãe quem costuma cozinhar. (...) Igual, minha mãe trabalha
fora. Agora não, que ela tá de férias da escola. Mas quando ela vai para escola,
ela já sai e quando a gente (entrevistado e irmão) chega do curral, com essa
ventania aqui é nois que varre, quanto tá muito sujo a gente lava, quando a
gente levanta a gente que arruma os quartos. Na cozinha ela deixa o lanche
pronto. Na hora que termina de comer a gente limpa tudo. É assim. (Saulo,
filho da Úrsula).
apresentados, a seguir, para que seja possível fazer a comparação com os discursos entre
os diferentes gêneros:
Faço de tudo um pouco. Mexo com horta. Chego (da viagem a trabalho) e não
tem ninguém pra fazer. Eu chego tenho casa pra arrumar, roupa pra lavar e
ajeitar tudo. Fim de semana é corrido. Porque quando eu chego tem minhas
roupas de viagem pra lavar, tem que fazer biscoito, esses trem pra deixar, pra
eles comer a semana inteira, eles assam. Faço e congelo tudo. Na hora que eles
(marido e filho) querem, eles vêm aqui. Casa eles não limpa não, eles fazem
comida, cuida da horta, mas casa não limpa, passar roupa eles não passam. Eles
fazem comida e lava as vasilhas, você chega não tem uma vasilha suja. Mas
igual limpar casa e esses trem não limpa. Pode até varrer mas limpar não limpa
não. (...) Todo mundo faz um pouco. Igual eu fico fora eles fazem comida
deles, eles lavam as roupas deles, a roupa do curral eles mesmo lavam, cuida
da horta quando eu não estou. Então assim, antes eu ia para o curral, meu tempo
também não está dando conta. Quando eu fico a semana inteira dando curso,
chega final de semana... Eu fico sábado o dia todo, lavo roupa, passo roupa,
limpo a casa, faço comida, faço biscoito para deixar para semana seguinte.
Quando estou fora quem faz as atividades domésticas é meu marido. Quando
minha filha está aqui, agora ela está de férias, ela faz, mas é ele mesmo. Ele
faz comida, ele lava a roupa dele (Marina, companheira do Cássio).
Na hora que você for entrevistar ele... Todo mundo que chega lá: Elizabeth faz
sozinha. Eu não ajudo em nada. Aí eu fico brava com ele: bem, você não ajuda
não? (risos). Às vezes o povo chega lá e vê aquela horta: Eliete faz sozinha, é
ela sozinha. Mentira que ele ajuda, lava vasilha, põe o leite, tira o leite pra mim.
Ele fala: a Eliete faz sozinha. Você vai rir dele, tudo é eu. Toda parte nós dois
mexe juntos. Se for limpar uma casa ele vai, se for pra roça eu vou. Os dois
juntos. Unidos para sempre (Elizabeth, companheira do Fernando).
A casa, que eu ainda tenho que cuidar. Além deu cuidar da horta tenho que
cuidar da casa, comida e arrumar minha casa. Eu levanto de manhã faço meu
café, vou pra minha horta, às 11 h eu chegou em casa, vou pra dentro e faço
meu almoço, cuido um pouquinho da casa e volto pra horta. Aí uma vez por
semana eu junto minhas roupas e lavo. Uma vez por semana a gente mata um
porco pra trazer pra feira. Então eu programo assim durante a semana essas
coisas. (...) Ele não sabe fazer nada não. Ele não gosta não. A casa é eu mesmo.
(Aurora, companheira do Gabriel).
Tudo que se faz numa casa. Arrumação de casa, lavação de roupa, fazer
biscoito, fazer doce. Tudo é eu. Arrumar os terreiros, cuidar de horta. Só eu
mesmo quem realizo as atividades da casa. (...) Serviço de arrumação de porco
é os dois (Rosana, companheira do João).
trabalhador rural mesmo. (...) Atividade doméstica mesmo sou eu quem faço.
Quando minha filha está em casa ela me ajuda. Mas a maioria é eu. (Sônia,
companheira do Paulo).
Levanto, arrumo a casa, lavo, passo, faço comida, cozinho pra peão quando
precisa, cuido da horta, essas coisas. (...) Divide não. Mas sempre que ele está
em casa, se eu precisar de alguma coisa eu peço pra ele e ele me ajuda. Porque
por eu não trabalhar fora não tem muito sentido falar: vamos dividir. Porque
ele já trabalha fora, mas sempre que ele está em casa no que ele pode, ele me
ajuda. Mais é comida. Não é cuidado com a casa não, não costuma me ajudar
não, mas na comida ele gosta, quando eu estou fazendo ele me ajuda. Não é
todos os dia não. Mas é umas três vezes na semana é, certeza. É rápido. Meia-
hora só pra dá uma ajuda. (Patrícia, companheira do Sandro).
Isso aí é uma coisa que a gente tem o prazer de falar: eu amo a minha casa,
meus filhos, faço com prazer tudo que precisa. Gosto de zelar das roupas, sou
uma íngua com as roupas dos meus meninos. Gosto de ajudar lavar... Só que
aqui em casa a gente faz as coisas tudo juntos. Tudo que a gente faz e não só
depois que eu fiquei viúva, mas a gente depois que tem os filhos da gente tudo
é pra eles. A gente quer zelar bem deles. Quer ajudar, quer fazer o possível
para manter organizado, não gosto de ver meus filhos bagunçados. Gosto de
fazer tudo. Gosto do curral, mas gosto da casa, gosto de fazer comida, amo
fazer comida. Não sei se é porque eu sou merendeira, mas eu amo fazer
comida. De tudo eu gosto. Gosto demais de planta, gosto de mexer com
galinha, gosto de fazer tudo. (...) Igual eu chego aqui o Lucas (filho) já lavou
essa área. Ai eu vou direto lavar minhas roupas. Aí eu vou lavar minhas roupas.
O Saulo (filho) quase não fica aqui. Igual o S. fica fazendo silo, eu chegava
aqui sozinha. Então dá 15:45 eu vou pro curral. Ai eu ajeitava os trem e
começava tirar leite, chegava e continuava me ajudando. A gente vinha pra
dentro, eu arrumava arroz pra cozinha, ele limpava alface, aí é a nossa vida
aqui. (Úrsula, mãe do Saulo).
Lavo, passo, cozinho, arrumo. Faço todas atividades domésticas. (...) Quem
me ajuda é minha filha. (Adriana, companheiro não foi entrevistado).
Lavar vasilha, limpar casa, organizar as roupas, fazer comida. Acho que só.
Quando minha filha está em casa, ela me ajuda, mas meu marido só de vez em
quando, na hora de fazer uma comida que ele gosta de fazer, mais é eu mesmo.
(Ivone, companheiro não foi entrevistado).
Essas coisas que eu faço não é? Limpar os terreiros essas coisas que eu faço.
(...) Doméstica meu marido não faz, alguma dia lava vasilha, mas é mais eu
mesmo. (Noemi, companheiro não foi entrevistado).
responsabilidade efetiva pela realização das atividades domésticas, sendo isso construído
por meio do processo de socialização do que seria atividades para mulheres e atividades
para homens, perspectiva esta tratada no trabalho de Piscitelli (2002).
Em contrapartida à análise do não protagonismo masculino nas atividades
domésticas, a declaração da Úrsula e do Saulo, mãe e filho, nota-se que há uma
significativa divisão nas atividades domésticas. O filho costuma lavar louças, a casa, as
roupas, não cozinha com frequência pois sua mãe assume essa atividade, de acordo com
ela, com prazer. Verifica-se que Úrsula (viúva) trabalha como merendeira durante suas
manhãs desde quando era solteira, seus filhos já foram criados diante dessa realidade,
fazendo que houvesse uma organização de forma que fossem capazes de dividir as
atividades com a mãe de forma colaborativa. Mesmo assim, vale destacar que, por mais
que haja maior participação de seus filhos nas atividades, há relato por parte dela e do
próprio filho que ele e seu irmão nunca passaram roupa, demonstrando assim que há ainda
atividades que são prioritariamente femininas nesta residência. Indo ao encontro de um
dos objetivos desta pesquisa, os dados apresentados acima, começam a delinear os efeitos
na organização das relações familiares e de produção na unidade familiar de produção, a
partir da participação das mulheres no mercado de trabalho em atividades não-agrícolas.
As pessoas entrevistadas foram questionadas acerca do tempo que cada uma
dedica as atividades domésticas. Vários entrevistados apontaram que o trabalho no meio
rural é muito difícil de mensurar, pois ao mesmo tempo que você está executando alguma
atividade, outra demanda de repente pode aparecer, mas mesmo assim, quando
questionadas, as pessoas fizeram o exercício de mensurar o tempo que se dedicam às suas
atividades, afirmando em alguns casos que nunca haviam parado para pensar sobre isso.
As mulheres foram um pouco mais precisas, variando o tempo de dedicação diária ao
trabalho doméstico de três horas até doze horas. Os homens chamam atenção neste caso,
por afirmarem que fazem muito pouco, dos sete entrevistados, quatro preferiram não
informar o tempo em que se dedicam às atividades domésticas, um deles afirma que: “Eu
faço alguma coisinha bem pouquinha. Nem compensa colocar”. Um dos entrevistados
afirmou realizar diariamente um pouco mais de dez minutos neste tipo de atividade, mas
não foi preciso em sua afirmação, outro informou que participa de 20 a 30 minutos diários
em atividades na cozinha e apenas um, o Cássio, cuja esposa costuma ficar uma semana
inteira fora da unidade familiar de produção a trabalho, informou que realiza por volta de
81
preparo do silo e cercas são as atividades que se destacam, cinco entrevistados/as (três
homens e duas mulheres) consideram o silo um trabalho que exige muita resistência
física, assim como a construção de cerca considerada por cinco pessoas (quatro mulheres
e um homem) um trabalho predominantemente masculino.
Percebe-se que o trabalho doméstico não é considerado um trabalho masculino
por nenhuma pessoa entrevistada, mesmo no decorrer dos depoimentos sendo relatado
que vários homens realizam este tipo de trabalho em maior ou menor grau. Nota-se ainda
que algumas atividades são consideradas tanto femininas quanto masculinas, podendo
haver divergências dessa perspectiva de entrevistada/os para entrevistada/o. Gabriel
entende que o trabalho de preparar canteiro da horta é um trabalho que deveria ser
realizado por homem, pois considera um trabalho “pesado”, ou seja, um trabalho que
exige resistência física, porém, sua companheira o realiza, ele afirma que ela tem mais
aptidão para este tipo de serviço que ele. Cássio afirma que a ordenha de vaca “não é
serviço pra mulher, porque exige muito e esforça muito”, mesmo reconhecendo que no
início de seu casamento sua companheira participava das atividades de ordenha.
Orizona é considerada uma bacia leiteira no estado de Goiás, sendo a maioria das
unidades familiares de produção desta pesquisa produtoras de leite, em vista disso, a
prática desta atividade é realizada para além do consumo da família, exigindo um
envolvimento intenso de todos seus membros. É possível notar nas falas que mesmo
sendo uma atividade realizada no espaço do curral, homens e mulheres a exercem, no
entanto, o trabalho das mulheres neste caso é considerado como ajuda, assumindo assim
um maior protagonismo masculino. Como no trabalho doméstico em que as mulheres
assumem o protagonismo e alguns homens afirmavam que “se for preciso a gente faz”,
neste caso da ordenha do leite, os homens assumem o protagonismo e as mulheres que
fazem a fala do mesmo teor, como é possível observar no relato de Adriana: “(...) o serviço
leite, se for preciso eu tiro, sei tirar, ordenhar”. A declaração de quatro entrevistadas/os
(duas mulheres e dois homens) sobre a percepção da diferença de trabalho feminino e
masculino se destacam, por considerarem que vários serviços dentro da propriedade
podem ser realizados por ambos, mesmo que no decorrer de suas falas determinadas
diferenças serem expressadas, explicitando alguma contradição em suas percepções:
Tirar leite (...) eu acho que não é serviço pra mulher, porque exige muito e
esforça muito. Então eu não acho. Se hoje está aguentado ir tudo bem, muitas
84
fazem isso. Mas quando começou ela ia muito. Mas nunca pus ela para
aprender tirar leite por causa disso. Agora aqui pra dentro (casa) no caso eu
gosto tudo bem organizado. Eu não gosto que fica bagunçado. (...) Não precisa
diferenciar muito não. Porque mulher tem vez que faz serviço de homem e/ou
contrário vice-versa. Então as vezes homem faz serviço que mulher, faz as
vezes até melhor. Igual comida, comida tem muitos amigos meus que não tem
inveja de mulher na cozinha, porque cozinha bem. Então tudo faz parte da
prática, quanto mais você realiza mais vai praticando (Cássio).
Lá em casa, por exemplo, fazer a cerca é mais o meu esposo, mas de vez em
quando eu vou lá ajudar por um prego ou quando vai esticar o arame, ajudar
firmar para ele não voltar. Como se diz as partes dos homens não tem muita
separação não. Mas das mulheres coisa de lavar roupa assim, ele nem sabe
como faz. Vasilha, limpar casa também não é muito de limpar. Pra mim tanto
faz, mas ele já não gosta e não tem como (Ivone).
Na Zona Rural é um pouco difícil falar isso. Porque para fazer polvilho, por
exemplo, normalmente é a família inteira tanto faz arrancar a mandioca ou até
lavar a massa tem que ser os dois juntos, porque só a mulher o desgaste é muito
grande. Então não dá, por mais que você vai fazer só pra casa. Porque hoje em
dia é difícil você vender polvilho, porque a maioria prefere fazer, faz pouco
mas faz. Tanto é que está difícil você achar polvilho pra comprar, além do
preço que está muito caro. Então envolve o trabalho rural e tanto faz você pode
fazer tudo homem faz e a mulher faz. É diferente do serviço da cidade (Sônia).
Aqui quase não tem divisão. Minha mãe faz quase tudo, ela tira leite, ela cuida
de porco. Ela só não arruma silo, porque é serviço mais pesado. Agora serviço
que eu não faço, que eu acho que nunca fiz foi passar roupa. O resto eu já fiz
tudo também, não tem... Nós aqui é muito unido, sabe? Igual, se nós tiver fora
e chegar atrasado, chego aqui minha mãe já tá tirando leite. Se nós não chegar
ela faz tudo, ela mistura ração, tira leite, ela limpa o curral, ela aparta o gado
pra baixo (Saulo).
de complementação de renda, pois a produção agrícola muitas vezes não é suficiente para
levar a renda necessária para cobrir todos os gastos e demandas da família, em especial
aquelas famílias que possuem filhas/os dependentes e em idade escolar. As pessoas que
são feirantes informaram que aderiram a este trabalho como um meio de escoar os
produtos que produzem no interior da unidade familiar de produção, de forma que possam
vender diretamente ao consumidor, não necessitando de atravessadores, possibilitando
que a família consiga elevar seus rendimentos. Um dos intuitos desta pesquisa é
compreender a razão que motivou especialmente as mulheres buscarem trabalhos não-
agrícolas, assim como a inserção delas neste tipo de atividade influencia na organização
familiar e de trabalho na unidade familiar de produção. Alguns depoimentos de
entrevistadas abordam o motivo de se tornarem pluriativas:
Porque eu gosto muito de produzir, e você não tinha onde vender a sua
produção. Aí o que eu fiz? Aí tinha a feira, eu vim trazer minha produção na
feira. Tudo que a gente produz é bem saudável. O que eu planto lá é
agroecológico. Tudo assim... Já fiz vários cursos pra isso. Agora, eu fui fazer
o pastel sabe por que? Porque meu marido ele não gostava de ficar na banca
me ajudando. Sai conversando com um e com outro. Decidi montar pra mim a
banca separada pra ele ficar quieto. Aí eu fiz assim e deu certo (Aurora).
Pra completar renda. Porque tava difícil. Leite não tem retorno. Tem mais
gastos do que retorno. Aí nois opinou pra feira, e graças a Deus já tem mais de
quatro anos que nois faz feira (Noemi).
para poder escoar a produção dos produtos agrícolas nas feiras e consequentemente
aumentar a renda, uma porque recebeu um convite para trabalhar como merendeira na
escola da igreja na adolescência, não havia outra pessoa para realizar a atividade e gostaria
de ajudar a comunidade, assim nunca mais deixou a atividade. Elizabeth e Marina
destacaram que começaram a trabalhar para obter independência financeira, como é
possível observar no depoimento da Marina ao afirmar que não tinha coragem de pedir
dinheiro para o pai, nem para o marido.
Na questão sobre onde aplicam sua renda, chama atenção a fala da Elizabeth, por
ir ao encontro sobre o tema da independência financeira. A entrevistada expressa a sua
insatisfação em depender economicamente de alguém e mesmo antes de casada buscou
ser independente, o dinheiro que recebe das vendas de produto da feira ela divide com
seu marido, pois trabalham juntos, o dinheiro da feira da quarta-feira fica com ele e o
dinheiro do domingo fica com ela. Ela afirma ainda que ao final das contas o dinheiro é
dos dois, mas ela prefere fazer essa separação para “não ficar assim pedindo para marido,
que é humilhante”.
Quando homens e mulheres foram questionadas/os sobre onde aplicam suas
rendas, as três principais áreas em que suas despesas estão voltadas são: manutenção da
unidade familiar de produção (compra de ração, reforma de cercas, remédio para animais,
compra de mudas para horta, etc.); despesas com filhas/os (necessidades básicas,
educação, etc.); despesas gerais da casa (compra de alimentos, água, energia, remédios,
prestação de casas, carro, etc.). Na primeira área, seis homens (de sete entrevistados) e
oito mulheres (de dez entrevistadas), informaram que gastam sua renda com despesas da
unidade familiar de produção. Na segunda área, um casal afirmou financiar os estudos e
cobrir algumas despesas da filha e do filho que desenvolvem estudos a nível de mestrado,
além de três mulheres admitirem dedicar parte de sua renda para as necessidades básicas
de suas/seus filhas/os. Por último, as despesas gerais da casa/residência, são assumidas
por dois homens e oito mulheres.
Observa-se que quanto aos gastos com a unidade familiar de produção, homens e
mulheres assumem essas despesas de forma equiparada, porém, se voltarmos para os
gastos domésticos oito mulheres tomam para si essa responsabilidade e apenas dois
homens declaram voltar sua renda para essa área, havendo uma certa discrepância dessa
responsabilidade entre os dois gêneros. No que diz respeito à despesa das/os filhas/os,
89
e outro até sete horas. É curioso ainda trazer o relato da Sônia que considera produzir
artesanato um descanso e não um trabalho em si, enquanto assiste televisão está fazendo
um de seus artesanatos. Este relato demonstra que mesmo em uma situação considerada
de descanso, ou seja, o momento de não trabalho, a entrevistada continua de alguma
maneira produzindo renda para sua família.
O tempo de sono foi considerado à parte do tempo de descanso diário, mesmo
algumas/ns entrevistadas/os considerarem este tempo seu único momento de repouso.
Sobre o horário que costumam ir dormir, apenas uma entrevistada afirmou ir dormir em
algumas ocasiões após à meia-noite, as/os entrevistadas/os que afirmaram ir dormir mais
cedo foram no horário entre 19:30 e 20:00 horas. As pessoas que acordam mais cedo, são
aquelas que realizam atividades na feira, uma vez ou duas vezes por semana, algumas
acordam 2:00 horas da manhã e outras no máximo 5:00 horas da manhã. A média de sono
entre homens e mulheres não apresenta tanta diferença, cinco homens e seis mulheres
dormem entre oito e nove horas por dia, quatro mulheres dormem entre seis e oito horas
por dia, porém, este tempo pode diminuir caso sejam feirantes, como apresentado,
portanto, acordam uma ou duas vezes por semana mais cedo.
Quando questionadas sobre o uso do tempo para descanso, foi realizada a pergunta
se descansam mais aos finais de semana ou durante a semana, sendo possível em algumas
falas identificar a diferença nas relações de trabalho e consequentemente de descanso na
unidade familiar de produção. Abaixo, são apresentadas duas declarações para reflexão:
3.3 RESULTADO
Mudou demais, porque eu não tinha uma rendinha, não tinha um dinheirinho.
Essa semana mesmo eu estava falando: eu estou doidinha pra fazer isso e fazer
aquilo. Eu graças a Deus por isso, porque antes eu não tinha serviço, não tinha
dinheiro. Era mais triste. Agora tenho tanto serviço na minha frente. Mas eu
dou graças a Deus por isso. Porque sempre na feira vendo minhas coisinhas eu
tenho meu dinheirinho pra comprar minhas coisas (...) Atividade dentro de casa
é a mesma. Porque lá ninguém me ajuda. Meu marido não gosta, senta ali e
espera a comida ficar pronta e por no prato pra ele (risos). Mas eu coloco com
prazer. Mudou muito a partir que eu vim pra feira. Como mudou!
com o seu marido dentro e fora da unidade familiar de produção, ela ainda assume total
responsabilidade sobre as atividades domésticas.
Adriana reconhece que desde o momento que iniciou seu trabalho na cidade como
lojista, passou a ter menos tempo com seus filhos, pois “o ritmo acelerou mais um pouco”.
Por ela estar ocupada com outras atividades, ela observou que seus familiares se tornaram
mais ativos nas atividades domésticas. Como não pode fazer tudo, há necessidade da
participação nas atividades dos demais familiares.
No caso de Ivone, é apresentada uma perspectiva interessante acerca da
autoestima. Ela afirma que: “A autoestima também mudou bastante, porque a gente sai e
convive com pessoas diferentes. A gente aprende coisas diferentes. Quando a gente sai
de casa, se a gente querer a gente aprende”.
O entendimento é de muitas mudanças para Noemi, a respeito do contexto de sua
participação em atividades não-agrícolas. Ela assegura que:
Mudou bastante, ficou bem mais corrido, porque a gente tem que dar conta de
fazer, produzir as mercadorias pra poder trazer (para feira). Aí ficou bem mais
puxado. Diminuiu bastante o meu tempo pra cuidar da casa. Aí eu tenho que
me organizar pra conseguir fazer tudo e é muita coisa que eu tenho que fazer.
Aí mudou bastante não tenho muito tempo pra casa. Eu tiro quinta e sexta pra
cuidar da casa.
Indo em encontro da fala da entrevistada acima, Marina admite que sua vida está
mais “corrida”, visto que possui mais atividades para realizar e por conta dessa situação
até a sua participação em eventos em sua comunidade ficaram comprometidos. Devido à
maior quantidade de trabalho, seu tempo para lazer ou atividades religiosas ficaram
reduzidas. Além disso, Marina reconhece que a partir do momento que iniciou seu
trabalho fora da unidade familiar de produção, seu marido e filho, que vivem junto a ela
na residência, começaram a participar de atividades domésticas. Ela reitera: “(...) o
serviço daqui de casa eles não faziam. Eu ajudava lá no curral, mas eles não ajudavam
aqui não. Agora não, agora eles ajudam. Fico por conta deles”. É possível confirmar seu
argumento, por meio da fala de seu companheiro, Cássio:
Muitas coisas que eu faço hoje e não fazia quando ela estava aqui presente.
Lavar roupa eu não fazia, depois que ela saiu eu tive que aprender, uma comida
eu tive que fazer, vou ficar sem comer também? (risos) Vasilha antes eu já
lavava. Até gosto de lavar, tem gente que não gosta, mas eu até gosto pra poder
ajudar. Assim vai... Arruma cozinha também porque eu não gosto bagunçado.
94
Mudou nesse sentido. Aí tem os filhos também que você vai se preocupando
mais um pouquinho. Vai mudando a preocupação vai aumentando um
pouquinho. Você vai ficando sozinho aqui. Mas a mudança por isso que eu
estou fazendo está melhor. Tem resultado? Tem resultado.
mesma perspectiva quando entrevistado. Noemi também considera que houve mudanças
na participação de seu companheiro nas atividades domésticas, mas considera que passou
a trabalhar muito mais que antes, desde que iniciou suas atividades pluriativas. Gabriel,
João, Paulo e Sandro, reconhecem que não realizam atividades domésticas de forma
igualitária com suas companheiras, e nem mesmo buscam realizar as atividades em tempo
significativo e com certa frequência.
Castilho e Silva (2009) em sua dissertação de mestrado também discute os
impactos da pluriatividade feminina nas relações de trabalho e gênero na unidade familiar
de produção, porém sua pesquisa tem como campo duas cidades no Rio Grande do Sul.
As conclusões da autora são similares às apresentadas neste trabalho, compreendendo que
a pluriatividade traz algumas mudanças nas relações familiares e na divisão sexual do
trabalho, mas tais mudanças não são substanciais, visto que os papeis sociais de gênero
são mantidos, como pode-se confirmar por meio dos dados descritos nesta pesquisa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
tornou-se um recurso para que sua produção fosse escoada mais rapidamente e não ter
intermediários no negócio.
O perfil das pessoas pesquisadas é de mulheres e homens criadas/os no meio rural
na maior parte de suas vidas. De dez mulheres e sete homens entrevistadas/os, apenas um
rapaz é solteiro e uma mulher é viúva; se considerar a idade, apenas Patrícia, Saulo e
Sandro possuem menos de quarenta anos, todas/os as/os outras/os quatorze pessoas se
enquadram na faixa etária entre quarenta e sessenta anos. A renda familiar das pessoas
entrevistadas teve uma grande variação, de um salário mínimo a vinte e um salário
mínimos. A ocupação das mulheres em atividades não-agrícolas, foco desta pesquisa, são
em sua maioria de feirantes e artesãs (pinturas, bordados, flores de palha e crochê), além
disso produzem doces, quitandas, condimentos, lavam muros e calçadas, há uma
merendeira, uma lojista e uma instrutora de pintura do SENAR.
Através dos dados apresentados pelos discursos das/os entrevistadas/os, podemos
perceber que as mulheres adquiriram independência financeira, melhoraram sua
autoestima no que diz respeito à autonomia financeira e no poder de decisão sobre suas
próprias vidas. Porém, ainda não conseguiram conquistar uma relação igualitária quanto
aos homens no que concerne ao trabalho doméstico. Por mais que alguns homens
assumissem participação nas atividades domésticas, nota-se que não realizam tais
atividades de forma igualitária junto à suas companheiras ou mãe, não assumem o
protagonismo nestas atividades, mesmo a mulher realizando atividades não-agrícolas fora
de casa, inclusive só começaram a exercer determinado tipo de atividades, essenciais para
sua reprodução como alimentação e limpeza de roupas, a partir da ausência do trabalho
feminino. A estrutura da organização familiar mudou, mas não de maneira substancial.
Conclui-se que os dados levantados confirmam a hipótese da pesquisa e a teoria
de Kergoat (2010) que as mulheres assumiram o trabalho no âmbito público, porém não
deixaram de realizar o trabalho no âmbito privado, se deixaram, terceirizaram as
atividades domésticas para outras mulheres. No contexto desta investigação no espaço
rural, percebe-se que houve uma intensificação das relações de trabalho sofrida pelas
mulheres, sendo sobrecarregadas por diversas atividades produtivas e reprodutivas.
98
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APÊNDICE A
Roteiro de Entrevista
Tema Questões
Uso do tempo em atividades reprodutivas e - Quantas horas por dia você se dedica às
produtivas realizadas na unidade familiar atividades domésticas (cuidados com casa
de produção. e com família)?
Uso do tempo em atividades produtivas - Quantas horas por dia ou por semana você
realizadas fora da unidade familiar de se dedica às atividades agrícolas fora de sua
produção. unidade familiar de produção?
Uso do tempo em atividades de lazer e - Quais são as atividades que você realiza
exercícios físicos. como lazer? Quantas horas você usa
diariamente e semanalmente para essas
atividades? Essas atividades são realizadas
com sua família, com amigos e outras
pessoas, ou você realiza sozinha/o?
Entendimento sobre a vida dedicada ao - Como você concilia trabalho com a vida
trabalho e ao não trabalho e perspectivas privada?
futuras. - Você se sente realizada/o no seu trabalho?