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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

JULIANA DIAS MOREIRA FURTADO

PLURIATIVIDADE FEMININA: RELAÇÕES DE TRABALHO E GÊNERO EM


UNIDADES FAMILIARES DE PRODUÇÃO NO MUNICÍPIO DE ORIZONA/GO

GOIÂNIA
2018
JULIANA DIAS MOREIRA FURTADO

PLURIATIVIDADE FEMININA: RELAÇÕES DE TRABALHO E GÊNERO EM


UNIDADES FAMILIARES DE PRODUÇÃO NO MUNICÍPIO DE ORIZONA/GO

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Sociologia – nível
mestrado - da Faculdade de Ciências Sociais
da Universidade Federal de Goiás, como
requisito para obtenção do Título de Mestre
em Sociologia, sob orientação da Profª Dra.
Tania Ludmila Dias Tosta.

GOIÂNIA
2018
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do
Programa de Geração Automática do Sistema de Bibliotecas da UFG.

Furtado, Juliana Dias Moreira


PLURIATIVIDADE FEMININA: [manuscrito] : RELAÇÕES DE
TRABALHO E GÊNERO EM UNIDADES FAMILIARES DE PRODUÇÃO
NO MUNICÍPIO DE ORIZONA/GO / Juliana Dias Moreira Furtado. -
2018.
107 f.

Orientador: Profa. Tania Ludmila Dias Tosta.


Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Goiás,
Faculdade de Ciências Sociais (FCS), Programa de Pós-Graduação em
Sociologia, Goiânia, 2018.
Bibliografia. Apêndice.
Inclui siglas, abreviaturas, tabelas, lista de tabelas.

1. Agricultura familiar. 2. Divisão sexual do trabalho. 3.


Pluriatividade. I. Tosta, Tania Ludmila Dias, orient. II. Título.

CDU 316
DEDICATÓRIA

Dedico esta dissertação à minha mãe, Clei e às


minhas avós, Dalvani e Juliana (in memoriam).
Mulheres rurais, de força, dedicação, inteligência e
amor.
AGRADECIMENTOS

Uma imensidão de pessoas contribuiu para que esta dissertação fosse desenvolvida. Deixo
aqui minha gratidão a todas e a todos!

Agradeço em especial:

À minha orientadora, Tania Ludmila Dias Tosta, pela dedicação, cuidado e paciência nesta
empreitada.

Ao meu pai, João, homem do campo, meu exemplo de trabalho, honestidade e disposição
para a vida. À minha mãe, Clei, pelas conversas diárias, por me inspirar a cada dia no
otimismo, na alegria e na organização. Às minhas irmãs, Cleydiana e Laiana, pela parceria,
amor e críticas. À Diana, minha sobrinha, que chegou neste ano para iluminar minha vida,
por fazer o amor transbordar em nossos corações e me motivar a cada dia a lutar por uma
sociedade mais justa a nós mulheres. Ao meu cunhado, Diogo, por me receber por várias
semanas em sua casa durante o período do mestrado, mesmo torcendo para o Goiás, sou
grata a você.

Ao meu irmão, Marcus, mesmo distante, me apoia à sua maneira.

Ao Daniel, namorado, amigo e sociólogo, por me dar colo nos momentos de aflição, por me
dar amor não importa a situação e por indicar os melhores textos de metodologia. Você é o
melhor companheiro que poderia encontrar na vida. Amo-te!

Aos meus avôs Pedro (in memoriam) e Euclides e às minhas avós Juliana (in memoriam) e
Dalvani. Agradeço o carinho e amor transmitido em sua essência.

Às minhas tias e aos meus tios, grandes responsáveis em apoiar meus pais financeiramente
e moralmente na minha educação, desde o início da minha vida até o presente. Às minhas
primas e primos. Deixo aqui minha gratidão.

À Jussana, amiga, pedagoga, professora e mulher do campo, moradora da zona rural de


Orizona me apontou o caminho desta pesquisa, minha gratidão eterna.
Aos colegas do IFGoiano, em especial ao professor Milton Dorneles, Naiane e Luccas, ex-
alunas/os que com o maior carinho contribuíram para que eu chegasse às pessoas
entrevistadas.

A todas as pessoas que foram entrevistadas, mulheres e homens do campo que muito
educadamente se dispuseram a se dedicar um tempo para esta pesquisa. Vocês me
emocionaram a cada fala, expuseram a luta do/a pequeno/a produtor/a rural goiano/a para
alimentar nossa nação. À EMATER e ASDAO, por contribuir no processo de realização das
entrevistas.

Às minhas amigas professoras do IFGoiano, Adriana, Maryele, Grazielle, Ariane, Wayne,


Ana Cecília e Agda, em especial Adriana por me hospedar durante o trabalho de campo e
Maryele, também filha de produtores rurais, mestra e que tanto me auxiliou com os
documentos do comitê de ética.

Às minhas amigas e aos meus amigos do SESI/SENAI unidade Itumbiara, pela parceria
cotidiana, pelo apoio na atividade docente e por toda alegria, porque somos os mais legais.
Agradeço em especial meu caro Robson e minha querida Vanessa, por contribuírem com
suas experiências de já mestres, me acalmando no momento de stress e me motivando nos
momentos que tinha que agir.

Às minhas alunas e aos meus alunos, por me tirarem da zona de conforto todos os dias, por
me questionarem, por criticarem, por me elogiarem. Não sou eu que ensino, são vocês.

À dona Tuta, por cuidar da minha casa e das minhas plantas durante minhas viagens.

Às minhas queridas amigas da especialização, Renata, Ellen, Gleice, Pillar e Katiele, sempre
presentes, sempre feministas, sempre amorosas e sempre brincalhonas. Vocês são o melhor
que a amizade pode me oferecer.

Às amigas e aos amigos companheiras/os do mestrado e da universidade, em especial


Samara, Gabrielle, Marta, Tatiele e Danielle, pelas longas conversas no telefone, pela
companhia nos congressos, pelos textos compartilhados, por me fazer olhar para dissertação
com respeito e orgulho.
Às amigas e aos amigos Hélio, Bárbara, Mariana, João, Érica, Luciana, Victória, Sarita,
Lídia Bruna, Marco Aurélio, Javier, Tulasi, Mônica e Ana Helena pela amizade e pelo
incentivo de sempre.

Às professoras e aos professores que participaram da minha formação em todas as fases da


minha vida. Vocês tiveram papel fundamental para me tornar a docente que sou hoje.

Ao povo goiano, por financiar minha bolsa de estudos por meio da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), possibilitando que essa pesquisa tivesse condições
de ser desenvolvida. Espero que este trabalho contribua de forma significativa para realidade
de nossa população.
EPÍGRAFE

“Temos que considerar que existem milhões de outras


mulheres que além de necessitarem de rosas, necessitam
prioritariamente de terra, de pão, de trabalho, de assistência
médica, de educação, de cultura, para se libertarem.”

Ana Montenegro
RESUMO

A divisão sexual do trabalho no campo sempre esteve muito definida, o trabalho dos homens
geralmente está ligado a atividades econômicas que geram emprego e renda e o trabalho das
mulheres é associado a atividades vinculadas ao autoconsumo familiar, com baixo grau de
obtenção de renda. Nesse sentido, este trabalho busca analisar os impactos da pluriatividade
nas relações de trabalho, doméstica e de gênero em unidades familiares de produção, no
município de Orizona, localizado no estado de Goiás, Brasil. O propósito desta pesquisa é
buscar responder a seguinte questão: a prática da pluriatividade, exercida por mulheres, pode
contribuir para modificações nas relações de trabalho e gênero das unidades familiares de
produção? A hipótese formulada a partir das referências apresentadas, que direcionará a
pesquisa, baseia-se na ideia de que a inserção das mulheres na prática da pluriatividade
colabora para que haja mudanças nas relações de gênero no que diz respeito a distribuição
de papeis na unidade familiar, favorecendo a permanência da mulher no espaço rural. A
pesquisa adotou o método qualitativo, utilizando a amostragem não probabilística chamada
bola de neve, realizando entrevistas semiestruturadas com dez mulheres e sete homens. Por
meio dos dados levantados, notou-se que houve mudanças nas relações de trabalho e gênero
a partir da participação de mulheres em atividades pluriativas, porém, tais mudanças não são
substanciais, pois estas mulheres estão sofrendo com a intensificação das suas relações de
trabalho, ou seja, aumento da sua jornada de trabalho seja no âmbito público, seja no privado.

Palavras-chave: agricultura familiar – divisão sexual do trabalho - pluriatividade


ABSTRACT

The sexual division of labor in the rural area has always been very defined, men's work is
usually linked to economic activities that generate employment and income, and women's
work is associated with activities linked to family self-consumption, with a low income level.
In this sense, this work seeks to analyze the impacts of pluriactivity in labor, domestic and
gender relations in family production units, in the municipality of Orizona, located in the
state of Goiás, Brazil. The purpose of this research is to answer the following question: can
the practice of pluriactivity, carried out by women, contribute to changes in the labor and
gender relations of family production units? The hypothesis formulated from the references
presented, which will guide the research, is based on the idea that the insertion of women in
the practice of pluriactivity contributes to changes in gender relations in the distribution of
roles in the family unit, favoring the permanence of women in rural areas. The research
adopted the qualitative method, using non-probabilistic sampling called snowball,
performing semi-structured interviews with ten women and seven men. Through the data
collected, it was noted that there have been changes in labor and gender relations from the
participation of women in pluriactive activities, but such changes are not substantial, as these
women are suffering from the intensification of their labor relations, in other words, to
increase their working hours both in the public and private sectors.

Keywords: family agriculture - sexual division of labor - pluriactivity


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ASDAO – Associação dos Artesãos de Orizona

EFAORI - Escola Família Agrícola de Orizona

EMATER – Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa


Agropecuária

FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INSS – Instituto Nacional do Seguro Social

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ONU – Organização das Nações Unidas

OIT – Organização Internacional do Trabalho

NEPA – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Agroecologia

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural


QUADROS

Quadro 1 – Perfil das pessoas entrevistadas ................................................................... 59


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 14
1 RELAÇÕES DE TRABALHO E GÊNERO
1.1 Reflexões conceituais .................................................................................................... 22
1.2 A força de trabalho feminino no Brasil e no meio rural ............................................... 32
2 PLURIATIVIDADE E AGRICULTURA FAMILIAR
2.1 Definindo agricultura familiar ...................................................................................... 42
2.2 Pluriatividade e sua relevância para a agricultura familiar. ........................................... 49
2.3 Orizona como campo de pesquisa. ................................................................................ 56
3 PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS, ANÁLISE DE DADOS E RESULTADOS
3.1 Trabalho de campo ........................................................................................................ 58
3.2 Análise dos dados .......................................................................................................... 67
3.3 Resultado ....................................................................................................................... 92
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 95
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 98
APÊNDICE A .................................................................................................................. 104
14

INTRODUÇÃO

Pensar o trabalho é pensar a complexidade de relações que estão estabelecidas a


partir dessa atividade. A sociologia do trabalho tem se preocupado em investigar a
natureza dessas relações e seu caráter conflituoso. No caso desta pesquisa, tem-se como
foco as relações de trabalho e de gênero no meio rural. Neste sentido, vale trazer o debate
sobre a divisão sexual do trabalho.
Entende-se divisão sexual do trabalho como uma forma de divisão do trabalho
social, articulada histórica e socialmente, a partir das relações sociais entre os sexos,
sendo o trabalho produtivo atribuído prioritariamente aos homens e o trabalho
reprodutivo às mulheres (HIRATA; KERGOAT, 2007). Kergoat (2010) define relação
social como uma relação antagônica entre dois grupos sociais, onde há uma disputa
instaurada entre eles. Havendo uma disputa como base dessa relação, compreende-se que
uma relação social é uma relação conflituosa e no caso da relação social de sexo, a disputa
está estabelecida entre homens e mulheres. A autora entende que nas relações sociais de
sexo, no contexto do trabalho, existe um paradoxo, pois atualmente mesmo com uma
melhora da conjuntura da mulher no mercado de trabalho, por exemplo, há uma
permanência da divisão sexual do trabalho.
A maneira como se estabelece a divisão sexual do trabalho recai com um peso
desproporcional sobre as mulheres. Se antes o trabalho feminino estava restrito ao âmbito
privado, voltado majoritariamente para reprodução, após a revolução industrial as
mulheres pobres se veem forçadas a buscar um trabalho no âmbito público, se integrando
ao trabalho classificado como produtivo e se deparam com uma jornada de trabalho
exaustiva, desdobrando-se em todos os espaços em que circula. Após horas de trabalho
na fábrica, por exemplo, as mulheres operárias voltam para suas casas e se encontram no
compromisso de realizar as atividades domésticas, limpar a casa, lavar roupa e vasilhas,
cuidar dos filhos e ainda cumprir com sua função de esposa. O trabalho reprodutivo,
diferente do trabalho na fábrica, não tem hora exata para começar e muito menos para
terminar, são atividades que estão ali para serem realizadas, devendo ser executadas por
mulheres, porque assim a construção dos papeis sociais no decorrer da história tem sido
determinada.
15

Para Del Priori (2013) independentemente da maneira com as culturas se


organizaram, a distinção entre o masculino e o feminino sempre assumiu uma estrutura
hierarquizada, principalmente após a criação do sacramento do matrimônio.
No aspecto do trabalho as raízes da diferenciação entre masculino e feminino,
assim como a hierarquização gerada a partir da relação de poder entre os sexos, devem
ser procuradas na família e na sociedade (SOUZA-LOBO, 2011).
A vida das famílias, no contexto das sociedades pré-industriais na Europa
ocidental, era caracterizada pela integração entre o trabalho produtivo e as atividades
domésticas, exercidos no mesmo meio, onde mulheres e homens executavam atividades
distribuídas de acordo com o sexo, seja nos serviços domésticos, seja nos serviços
considerados produtivos. Com o surgimento das indústrias domésticas, as unidades
familiares de produção, que em sua maioria estavam localizadas no meio rural, passam a
sofrer transformações, pois o trabalho feminino e o trabalho masculino começam a sofrer
diferenças. Em comunidades rendeiras, por exemplo, as mulheres que antes realizavam
trabalhos limitados à reprodução, passam a ficar horas sentadas produzindo rendas para
o mercado e os homens voltavam-se para os trabalhos de plantio e cuidado do rebanho
nas pequenas propriedades. Apesar das mudanças nessas relações de trabalho, observa-se
que o trabalho feminino continua limitado ao âmbito privado, e com o desenvolvimento
da indústria o trabalho realizado no domicílio se descaracteriza como empreendimento
familiar, se tornando um trabalho desvalorizado, mal pago, explorando e marginalizando
o trabalho feminino (ALVES, 2013).
Sullerot (1970) desenvolve críticas pertinentes à desvalorização do trabalho
feminino e inclusive à falta de reconhecimento deste trabalho por historiadores, pois, só
a partir do século XIX que ele começou a ser considerado, havendo pouquíssimos
registros de atividades femininas antes deste período. Segundo a autora, o trabalho das
mulheres só é considerado trabalho de fato, para a opinião pública, quando este assume
formas e condições que aproximem de trabalhos realizados por homens. O conceito de
trabalho, atribuído, sobretudo, ao trabalho manual, é de transformação de determinada
coisa por meio da ação humana visando determinado uso, sendo o resultado do trabalho
a coisa trabalhada e não o estado do trabalhador. A partir dessa concepção, entende-se
que independente de quem execute o trabalho, seja mulher seja homem, o que define
16

trabalho é a ação sobre a coisa trabalhada, mesmo se essa atividade seja produtiva e gere
valor, pois inclusive o valor nem sempre foi vinculado ao trabalho (SULLEROT, 1970).
De acordo com Sullerot, “nunca as mulheres escaparam ao trabalho, e jamais dele
poderão escapar” (p. 16, 1970), por isso é importante conhecer o que é o trabalho das
mulheres. A autora critica a desvalorização e não reconhecimento do trabalho feminino,
afirmando que no decorrer da história o homem era considerado trabalhador quando os
produtos oriundos de sua atividade eram ofertados a outras pessoas, tirando assim o seu
sustento a partir da troca de seus produtos, assim como a remuneração da atividade
realizada. Ora, as mulheres por milênios também vêm desenvolvendo atividades que são
voltadas para outras pessoas, cozinhando para si e para os outros, cuidando de animais e
cultivando a terra, mas devido a uma questão ético-social, o trabalho delas era tratado
como se não existisse. Considera-se trabalho no momento em que há troca de serviços e
remuneração, porém aquele camponês que trabalhava para si próprio, no âmbito familiar,
nunca foi considerado não-trabalhador, por realizar esse tipo de atividade. Este camponês
que trabalhava em família desfrutava do fruto de seu trabalho, o objetivo de seu trabalho
era usufruir de seus resultados, “o autor do serviço, era, também, o beneficiário”
(SULLEROT, p.20, 1970). No caso da mulher, Sullerot (1970) aponta que ela
permaneceu muito mais tempo nesse esquema de atividade de subsistência e de troca de
serviços que o homem, só que na maioria das vezes estava sujeita à autoridade masculina
- seja do companheiro ou do patrão –, sendo além dela beneficiária de sua própria
atividade, uma pequena sociedade a qual ela fazia parte, porém ela não usufruía de
liberdade de ação e de autonomia.
Ainda hoje, no que diz respeito ao acesso das mulheres ao trabalho e à renda, é
possível observar que elas esbarram na ideia construída de que seu trabalho é considerado
como “ajuda” em relação ao trabalho de seus companheiros ou homens, que assumem a
liderança no trabalho produtivo da unidade familiar de produção (ABRAMO, 2010). No
meio rural, essa concepção contribui para que as mulheres trabalhadoras rurais tenham
seu acesso ao dinheiro e a outros tipos de recursos de forma limitada, devido à
invisibilidade da sua contribuição na produção da unidade familiar.
A visão do trabalho da mulher como apenas uma ajuda ao trabalho de seu
companheiro ou de outros homens na família (irmãos e pais), precisa ser superada, essa
diversidade de atividades domésticas, que vai além do trabalho reprodutivo (cuidado com
17

filhas/os, limpeza e alimentação), não era atribuída mesmo pelos censos enquanto
trabalho produtivo, fazendo com que não houvesse um reconhecimento dessas atividades
realizadas pelas mulheres trabalhadoras rurais (CINTRÃO; SILIPRANDI, 2011).
Somente a partir da redemocratização que o Estado brasileiro passou a admitir o trabalho
reprodutivo por meio da abordagem de questões no Censo, na busca de reconhecer a
realidade e o impacto desse tipo de trabalho na vida das brasileiras e dos brasileiros, mas
ainda há vários desafios. O debate sobre a desigualdade nas relações de trabalho entre
mulheres e homens assume extrema importância, é preciso que o trabalho de cada pessoa
seja reconhecido e valorizado, independente do sexo, da cor/raça, classe social ou espaço
de moradia (urbano ou rural).
No contexto do meio rural, Castilho e Silva (2009) traz a reflexão do papel da
pluriatividade na questão da conquista da autonomia da mulher. A pluriatividade tem
assumido um papel importante no meio rural, pois com a diversificação das atividades, a
renda da família é incrementada, sendo utilizada tanto para sustento, quanto para
investimentos na propriedade rural. O interessante do rendimento advindo de atividades
não agrícolas é que ele é individual. Por mais que tal rendimento seja aplicado no conjunto
familiar e da propriedade rural, ele representa uma autonomia à jovens e mulheres
(mesmo em vários casos se restringindo apenas ao âmbito econômico), que são grupos
que possuem trabalhos desvalorizados e mal remunerados. Schneider e Castilho e Silva
apontam que:

Muitas mudanças relacionadas com o papel feminino na sociedade estão


ligadas à inserção da mulher no mercado e à valorização das atividades
domésticas enquanto trabalho. Nesse sentido, a pluriatividade ganha
importância no meio rural ao possibilitar uma alternativa à atividade agrícola
(especialmente para jovens e mulheres) que proporciona maior valorização do
trabalho realizado, maior autonomia e maior socialização quando exercida fora
da propriedade (2010, p.4).

Schneider (2003) caracteriza famílias pluriativas como aquelas que combinam


atividades agrícolas e não-agrícolas como estratégia de reprodução social. O autor destaca
que pelo menos um membro da família pode ocupar o trabalho na agricultura com outra
ocupação não-agrícola, para assim caracterizar uma família ou unidade familiar
pluriativa. Castilho e Silva (2009) preocupa-se em compreender o papel da
pluriatividade como alternativa a essas mulheres em situação de desvalorização social.
18

Segundo a autora, a prática de várias atividades sempre existiu nas famílias rurais e no
contexto atual a pluriatividade contrai novas formas, como por exemplo, a agroindústria
familiar, assim como a inserção de seus membros em outros setores da economia. A nova
roupagem da pluriatividade despertou interesse por novas pesquisas, pois essas novas
possibilidades de inserção no mercado de trabalho contribuem de maneira significativa
para a diminuição das diferenças entre o universo rural e urbano, “dinamizando as
economias locais e os rendimentos das famílias que ali residem” (p. 19, 2009).
De acordo com o Censo Agropecuário de 2006, a agricultura familiar no Brasil é
responsável por absorver 12,3 milhões de trabalhadores rurais, representando 74,4% da
quantidade total de trabalhadores no campo. O mesmo censo traça o perfil das pequenas
propriedades rurais e do pequeno produtor rural no início do século XXI. Dos 5,2 milhões
de propriedades rurais, 4.366.267 (84,4%) são estabelecimentos enquadrados na categoria
“agricultura familiar” e 809.369 (15,6%) são considerados estabelecimentos de
agricultura não familiar. As propriedades que possuem menos que 100 hectares
representam 90% do total de propriedades e por mais que a agricultura familiar represente
84,4% dos estabelecimentos agropecuários, ela ocupa apenas 24,3% da área total. Mesmo
ocupando um território muito limitado, a agricultura familiar é capaz de produzir 54
bilhões de reais por ano, representando 38% do Valor Bruto de Produção.
A partir do estudo de Tavares (2008), acerca da história da formação agrária no
estado de Goiás, especificamente, sobre a formação fundiária da região sudeste do estado,
vieram à luz alguns questionamentos em relação às características das propriedades rurais
da região e das relações sociais de seus detentores assumidas na atualidade.
Em um mundo cada vez mais urbanizado, onde 85% da população brasileira se
encontra em zonas urbanas e os outros 15% da população na zona rural (IBGE, 2010), o
município de Orizona/GO chama atenção por apresentar uma característica
contracorrente em relação à ocupação geográfica de sua população. No censo de 2010,
foi levantado que há 14.300 pessoas residentes no município, sendo que 44,2% delas estão
distribuídas na zona rural e 55,8% na zona urbana. Outro dado que aponta uma
característica específica da região é o alto número de minifúndios e pequenas
propriedades1. Dados acessados no Sistema Nacional de Cadastro Rural/INCRA (2011)

1 - De acordo com o INCRA (Instituto de Colonização e Reforma a Agrária) a estrutura agrária dos
municípios brasileiros está dividida em 4 categorias de detentores: minifúndios, pequenos, médios e
19

apontam que há 1.133 pequenos proprietários e 1.498 detentores de minifúndios no


município de Orizona, sendo a área de minifúndios representada por 25.586,7999 hectares
de terra. No entanto, um número superior a essa área, 28.438,7504 hectares, são
propriedades de apenas 34 detentores, ou seja, apesar de existir um grande número de
minifúndios, os números indicam que ainda há uma significativa concentração de terra na
região.
Diante da relevância da agricultura familiar no país, o município de Orizona, no
estado de Goiás, foi escolhido como referência empírica justamente por possuir um
número significativo de unidades familiares de produção em comparação aos municípios
da microrregião de Pires do Rio. Pode ser observado nos dados acessados no Sistema
Nacional de Cadastro Rural/INCRA (2011), se considerarmos a média de minifúndios de
nove municípios da microrregião, ela representaria 396 propriedades por município,
como Orizona detém de 1.498 minifúndios, isso significa que o município possui quase
4 vezes mais o número deste tipo de propriedade rural.
Sendo assim, o propósito desta pesquisa é buscar responder a seguinte questão: a
prática da pluriatividade, exercida por mulheres, nas unidades familiares de produção no
município de Orizona, pode contribuir para modificações em suas relações de gênero e
trabalho?
A hipótese formulada a partir das referências apresentadas, que direcionará a
pesquisa, baseia-se na ideia de que a inserção das mulheres na prática da pluriatividade
em Orizona – Goiás, colabora para que haja mudanças nas relações de gênero no que
concerne à distribuição de papeis na unidade familiar de produção.
Os objetivos específicos que auxiliam a ascender ao objetivo geral desta pesquisa
são: investigar as características da divisão sexual do trabalho nas unidades familiares de
produção, tanto no âmbito reprodutivo quanto no âmbito produtivo; analisar as formas de
inserção das mulheres no mercado de trabalho em atividades não-agrícolas e se há efeitos
sobre o grupo doméstico e a unidade produtiva; pesquisar o perfil das mulheres no

grandes. O módulo fiscal que irá determinar o tamanho de cada propriedade, classificando assim a
categoria. Em cada município o módulo fiscal pode ter uma variação entre 5 e 110 hectares, o tamanho do
módulo fiscal vai depender de fatores como o relevo, desenvolvimento urbano, tipo de solo, a quantidade
de culturas temporárias e permanentes, assim como o clima. No caso de Goiás, o maior módulo fiscal é de
50 hectares, presente em municípios do norte do estado, sendo o menor módulo fiscal de 7 hectares em
Goiânia. O módulo fiscal na Microrregião de Pires do Rio, formada por 10 municípios, pode variar entre
30 e 40 hectares.
20

mercado de trabalho em atividades não-agrícolas; investigar se há mudanças nas relações


de trabalho e de produção, identificando se essas prováveis mudanças alteram a
sociabilidade e a organização social das famílias em pequenas propriedades rurais.
No intuito de buscar uma aproximação da realidade observada, a metodologia
utilizada na pesquisa assumirá um cunho qualitativo. A pesquisa qualitativa abarca os
objetivos da pesquisa, no sentido de lidar com valores, crenças, representações, hábitos,
atitudes e opiniões dos sujeitos (MINAYO & SANCHES, 1993). Deslandes afirma que:

O método científico permite que a realidade social seja reconstruída enquanto


um objeto do conhecimento, através de um processo de categorização
(possuidor de características específicas) que une dialeticamente o teórico e o
empírico (2003, p.56).

A estratégia escolhida foi trabalhar com pesquisa bibliográfica e análise crítica


dos textos, além de análise documental para refletir sobre as principais conclusões a
respeito da questão agrária e relações de gênero no Brasil. Tendo em mãos as análises das
inúmeras pesquisas e textos publicados sobre o tema, além de dados, procura-se realizar
um estudo empírico para testar as principais teses levantadas pelas/os autoras/es
discutidas/os. No caso deste trabalho, recorremos a entrevistas semiestruturadas com
mulheres e homens que compõem as unidades familiares de produção na zona rural em
Orizona, buscando acessar as vivências cotidianas das famílias e suas formas de
organização, no que diz respeito às atividades realizadas pelos membros da família no
decorrer de todo o dia e o tempo despendido na realização de cada uma delas. A
amostragem é de cunho não probabilístico, chamada de amostragem em bola de neve.
Pensar tais unidades familiares é pensar a complexidade de relações que há neste
meio. No caso de nosso recorte, as relações de trabalho e relações de gênero. Vários
estudos comprovam que há uma divisão clara das atividades da mulher e do homem no
grupo familiar. As mulheres no meio rural assumem o trabalho reprodutivo, cuidando da
casa, dos filhos, das pequenas criações e da horta perto de casa, já os homens tendem a
cuidar das atividades produtivas, ou seja, o trabalho voltado para o mercado (DESER-
CEMTR/PR apud SILVA; SCHNEIDER, 2010). Grande parte dos estudos estão focados
nas relações de trabalho e de gênero a partir da unidade familiar, porém há poucos estudos
que focam tais relações sociais fora desse âmbito.
21

Considerando que os estudos no estado de Goiás sobre as relações de gênero no


meio rural são escassos, mais raras ainda são as pesquisas sobre as mudanças nas relações
de poder e divisão do trabalho que afetam os grupos familiares no campo. Esta pesquisa
propõe atentar-se de forma especial à pluriatividade, nas possíveis mudanças que ela pode
gerar nas organizações familiares em pequenas propriedades rurais, indo ao encontro do
papel fundamental das ciências sociais, que é compreender e explicar a realidade social,
contribuindo para a construção de conhecimento e oferecendo fundamentos para o
desenvolvimento de políticas que beneficiem a população rural estudada.
Dessa forma, esta dissertação está organizada em três capítulos, além da
introdução. O primeiro capítulo trata de trazer o debate conceitual acerca das relações de
trabalho e de gênero, a partir das principais referências literárias sobre o assunto,
destacando a incorporação da força de trabalho feminino no Brasil, com foco nas
mulheres rurais. O segundo capítulo é dividido em três partes, iniciando com a abordagem
a respeito da definição da agricultura familiar e seu papel na estrutura agrária brasileira,
seguindo com a conceituação de pluriatividade e sua relevância para a agricultura
familiar, por fim apresentando as características histórico-sociais do município de
Orizona e sua formação agrária, a qual justifica sua escolha como campo de pesquisa. No
terceiro capítulo, serão descritos os percursos metodológicos elegidos para a organização
desta investigação científica, com a apresentação do processo de coleta de dados no
campo da pesquisa, a estratégia de análise dos dados, bem como seus resultados. Por
último, serão apresentadas as considerações finais, retomando as principais análises e o
resultado do trabalho.
22

1. RELAÇÕES DE TRABALHO E GÊNERO

1.1 REFLEXÕES CONCEITUAIS

As relações sociais entre mulheres e homens em nossa sociedade são baseadas em


uma supremacia masculina. Há uma forte hierarquização das relações, construídas
histórica, social e culturalmente como relação de poder, exploração e dominação. Trópia
e Vannuchi (2014) afirmam que “as identidades são forjadas como paradigmas de
mulheres e de homens, revelando, assim, a forma através da qual as diferenças biológicas
e naturais tornam-se fundamento dessas relações desiguais e verticalizadas” (p.115).
A construção dos conceitos de sexo e gênero perpassa pelo embate entre a
diferenciação biológica e diferenciação social. Nas sociedades humanas, o sexo,
considerado biológico, é colocado em oposição ao gênero, considerado social. Há uma
sobrevalorização da diferenciação biológica no que diz respeito à delegação de funções
no âmbito social para cada sexo, sendo essa delegação de funções divididas, separadas e
hierarquizadas. A concepção histórico-social e cultural do gênero feminino e gênero
masculino é responsável por determinar o espaço da mulher e do homem no âmbito
doméstico e público, assim como o agir político (MATHIEU, 2009). De acordo com Okin
(2008), as feministas buscam desafiar as abordagens de determinados teóricos que
insistem em assumir a ideia de que a criação dos filhos e a domesticidade são
“naturalmente” ligadas à mulher, encontrando-se fora do escopo da crítica política. Elas
“têm argumentado que a divisão doméstica do trabalho, e especialmente a prevalência da
mulher à frente da criação dos filhos, são socialmente construídas, portanto questões de
relevância política” (OKIN, 2008, p.315).
A construção do conceito de gênero, usado pelas feministas, denota a rejeição ao
determinismo biológico que está implícito no uso dos termos “diferença sexual” e “sexo”,
referindo-se à organização social da relação entre os sexos. Nessa linha de raciocínio,
algumas teóricas acreditam que ao estudar a questão de gênero o foco não deve ser apenas
as mulheres, mas as relações estabelecidas entre mulheres e homens na sociedade,
considerando, por exemplo, seus papeis sexuais e o simbolismo sexual que representam
nas diversas sociedades e períodos históricos, ademais como funciona a ordem social a
partir dessa estrutura estabelecida (SCOTT, 1995).
23

Scott (1995) entende que o termo gênero é fundamentado a partir da conexão


integral entre duas proposições, as ideias de que “gênero é um elemento constitutivo de
relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é uma forma
primeira de significar as relações de poder” (SCOTT, 1995, p.91). O conceito de relações
de poder, trabalhado por Scott, é muito importante para compreender como se dá a
reprodução da desigualdade nas relações de gênero. A autora entende que as mudanças
que acontecem na organização das relações sociais sempre estão estabelecidas nas
relações de poder e que a posição que surge como dominante é sempre declarada como a
única posição possível, trazendo no decorrer da história a ideia de que as posições sociais
são estabelecidas não por um conflito, mas por um consenso social. Por isso, Scott
considera que seja fundamental desconstruir a ideia de fixidade e buscar pela origem do
debate ou da repressão que conduz para o aspecto de permanência que perdura na
representação binária dos gêneros. É preciso uma visão ampla, para além da ideia de que
gênero é apenas uma categoria relacionada ao sistema de parentesco, como indicam
alguns antropólogos, mas considerar que nas sociedades modernas complexas a educação,
o sistema político e sobretudo o mercado de trabalho fazem parte do processo de
construção de gênero estabelecido por uma relação de poder (SCOTT, 1995).
Mohanty (2008), busca fazer uma crítica interna aos feminismos ocidentais
hegemônicos, analisando a produção da mulher no Terceiro Mundo como um sujeito
monolítico. Seu trabalho discorre basicamente sobre a reprodução de ideias colonialistas
dentro do próprio feminismo, sendo sua grande preocupação a problemática dos usos da
categoria “mulheres”, como se fosse uma categoria estável, ahistórica, universal,
fundamentada na concepção generalizada de situação de subordinação. A autora entende
que seja necessário desconstruir a ideia de que as mulheres são uma categoria coerente,
pois deve-se considerar, por exemplo, que os interesses e necessidades de donas de casas
de classe média podem ser diferentes de empregadas domésticas pobres. Mohanty destaca
que “as mulheres se constituem como mulheres através da complexa interação entre a
classe, a cultura, a religião e outras instituições e marcos ideológicos” (2008, p. 86) e não
devem ser generalizadas apenas por problemas e necessidades parecidas. Mohanty segue
sua crítica às correntes feministas ocidentais que generalizam a categoria mulher, pois
tais correntes acabam limitando o conceito de sujeito feminino à identidade de gênero, ao
invés de considerar de forma analítica a produção das mulheres como grupos políticos
24

socioeconômicos em contextos locais específicos, tratando de forma superficial a questão


de identidade étnica e de classe social. A autora continua seu debate afirmando que:

O que caracteriza às mulheres como grupo é seu gênero (definido desde uma
perspectiva sociológica, não necessariamente biológica) sobre e por cima de
todos os demais, o qual sugere uma noção monolítica da diferença sexual.
Constituídas as mulheres desta sorte como grupo coerente, a diferença sexual
passa a coincidir com a subordinação feminina e o poder fica definido
automaticamente em termos binários: pessoas que o têm (leia-se: homens) e
pessoas que não o têm (leia-se: mulheres). Os homens exploram, as mulheres
são exploradas. Estes tipos de formulações simplistas são redutoras das
realidades históricas; resultam assim mesmo inúteis na hora de desenhar
estratégias para combater as opressões. O único que fazem é reforçar as
divisões binárias entre homens e mulheres (2008, p.87).

Muitas teorias ainda cedem ao reducionismo cultural, no entanto, a emergência da


superação deste debate faz-se necessária. Só será possível criar ações eficazes para
superar os desafios políticos e sociais as quais as mulheres são subordinadas e exploradas,
quando for assimilada a noção de que elas ocupam posições sobre uma diversidade de
estruturas sociais.
Crenshaw (2002), assim como Mohanty, apresenta a preocupação com essa
análise simplista no que diz respeito a discriminação de gênero, considerando que esta
categoria não deve ser pensada de forma isolada. A autora desenvolveu o conceito de
interseccionalidade com o propósito de abarcar além da disparidade entre mulheres e
homens, outras diferenças existentes entre as próprias mulheres, como por exemplo, raça,
etnia e classe social. Uma das preocupações e foco de Crenshaw, que gerou a necessidade
de criar um conceito como o de interseccionalidade, foi a discriminação sofrida por
mulheres negras, entendendo que suas experiências não devem ser tratadas de maneira
separada entre as categorias de discriminação de gênero e de discriminação racial,
devendo ser consideradas mutuamente e não de forma excludente (CRENSHAW, 2004).
A ideia é ressaltar a diferença para que haja maior inclusão, no sentido de que se as várias
diferenças são tratadas de forma simultânea, os obstáculos enfrentados pelos diversos
grupos de mulheres, podem fazer com que a proteção aos direitos humanos que todas
essas mulheres deveriam usufruir, sejam negados. As mulheres, de alguma maneira, estão
sujeitas a discriminação de gênero nas várias sociedades ao redor do mundo e a
diversidade de suas identidades sociais (cor, casta, classe, religião, etnia, orientação
sexual e origem nacional), são diferenças que vão afetar a forma de vivência de cada
25

mulher quanto a discriminação. Crenshaw afirma que “tais elementos diferenciais podem
criar problemas e vulnerabilidades exclusivos de subgrupos específicos de mulheres, ou
que afetem desproporcionalmente apenas algumas mulheres” (2002, p. 173). Nessa
perspectiva, a autora define interseccionalidade como:

(...) uma conceituação do problema que busca capturar as consequências


estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação.
Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a
opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades
básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes
e outras. Além disso, a interseccionalidade trata da forma como ações e
políticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais eixos,
constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do desempoderamento
(CRENSHAW, 2002, p. 177).

Dois problemas no conceito de interseccionalidade de Crenshaw são apontados


por Piscitelli (2008). O primeiro é que a ideia de diferença e desigualdade são fundidas e
para Piscitelli (2008), a partir de uma abordagem antropológica, isso representa uma
grande fragilidade. O segundo problema, trazido pela autora, é que nessa abordagem o
poder é tido como uma propriedade em que alguns sujeitos possuem e outros não, não
sendo entendido como uma relação social. Essa crítica também é feita por Kergoat (2010),
a qual percebe que a multiplicidade de categorias, trazidas por Crenshaw, mascara as
relações sociais, compreendendo que as categorias foram construídas no âmbito das
relações sociais e não podem ser dissociadas destas, correndo o risco de fazer com que
alguns pontos que são capazes de manifestar relações fortes de dominação ou até mesmo
apontar estratégias de resistência, sejam invisibilizados.
Piscitelli (2009) compartilha da perspectiva teórica feminista de desconstrução
da ideia de que o feminino e o masculino são características inatas, determinadas pelo
biológico, que essa ideia não é natural e que as desigualdades geradas por essa distinção
são construtos sociais e culturais. A autora entende que as noções presentes na teoria
social, acerca da diferença entre o feminino e o masculino, possibilitaram a novas autoras
e novos autores trazerem a luz o caráter dessa distinção para um âmbito flexível, variável
e cultural. Estas autoras e estes autores demonstraram, a partir de estudos em diversas
sociedades, que por mais que houvessem divisões de atividades entre mulheres e homens,
estas não assumiam uma posição fixa, por exemplo, em algumas sociedades indígenas a
atividade de tear era considerada masculina e em outras a mesma atividade era
26

considerada feminina, confirmando a teoria de que o feminino e o masculino não são de


caráter natural, mas são construções sociais (PISCITELLI, 2009).
A construção cultural da diferença entre os sexos se dá pelo processo de
socialização, dotado de regras e normas instituídas em uma coletividade, sendo definidas
por meio desse processo as expectativas da sociedade sobre tal questão. Na tentativa de
buscar explicar as diferenças entre os sexos no âmbito social, é necessário dar ênfase à
dicotomia público/privado.
Hirata e Kergoat (2007) trabalham com a ideia de que o conceito de relação social
está fundado na disputa instaurada entre dois grupos sociais, portanto é uma relação
antagônica. As relações sociais de sexo, estabelecidas no contexto do trabalho, são
responsáveis por gerar a divisão sexual do trabalho. Neste caso, a esfera produtiva é
atribuída aos homens e a esfera reprodutiva é atribuída às mulheres, sendo a esfera
produtiva, exercida pelos homens, possuidora de maior valor social. A maneira como se
dá a divisão sexual do trabalho apresentada é moldada histórica e socialmente. As autoras
indicam dois princípios organizadores da divisão social do trabalho:

(…) o princípio de separação (existem trabalhos de homens e trabalhos de


mulheres) e o princípio hierárquico (um trabalho de homem “vale” mais que
um trabalho de mulher). Esses princípios são válidos para todas as sociedades
conhecidas, no tempo e no espaço. Podem ser aplicados mediante um processo
específico de legitimação, a ideologia naturalista. Esta rebaixa o gênero ao
sexo biológico, reduz as práticas sociais a “papeis sociais” sexuados que
remetem ao destino natural da espécie (HIRATA; KERGOAT, 2007, p.599).

Bruschini e Ricoldi (2012) trazem conceitos e dados importantes relacionados à


divisão sexual do trabalho. As autoras trabalham com a noção de responsabilidades
familiares de trabalhadoras e trabalhadores de acordo com a Convenção 156 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), entendendo que tais responsabilidades
devem envolver além das atividades domésticas, o cuidado e o apoio a crianças
dependentes e a qualquer membro da família que precise de apoio ou cuidado imediato.
A pesquisa das autoras buscou investigar se houve mudanças de comportamento
por parte dos homens no trabalho reprodutivo, caso essas mudanças fossem identificadas,
um dos principais objetivos era saber como acontece a relação entre a família e o trabalho.
Não cabe apresentar os dados completos desta pesquisa neste trabalho, mas vale citar o
que os achados do artigo destacam sobre a diferença de uso do tempo entre os sexos, no
27

que diz respeito à quantidade de horas semanais dedicas às atividades domésticas. As


autoras utilizam microdados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios),
do ano de 2006, como base para sua análise e destacam a faixa etária de homens de 30 a
39 anos, pois foram estes que declararam maior participação em afazeres domésticos. A
média de dedicação destes homens são de 10 horas semanais, sendo que de acordo com a
declaração de mulheres na mesma faixa etária, as horas dedicadas às atividades
domésticas são em torno de 27 horas semanais (BRUSCHINI; RICOLDI, 2012). Percebe-
se que, mesmo aqueles que declaram maior participação em afazeres domésticos ainda se
dedicam a essas atividades 17 horas a menos que mulheres de sua mesma faixa etária.
Dados da PNAD analisados pelo IPEA (2017), demonstram que a
responsabilização do trabalho doméstico não remunerado ainda cai sobre os ombros das
mulheres desproporcionalmente em relação aos homens, mesmo com o aumento da
participação destes neste tipo de atividade. Entre os anos de 1995 e 2015 (período
pesquisado pela PNAD) a proporção de homens realizando trabalho doméstico não
remunerado passa de 46% para 53%, mas isso não significa que as diferenças de
dedicação nesta atividade entre mulheres e homens deixaram de existir.
Os dados das pesquisas de Bruschini e Ricoldi e da PNAD, reforçam os
argumentos de Kergoat (2010), que afirma que as relações sociais de sexo são um
paradoxo, pois no caso da mulher na contemporaneidade, apesar de haver uma melhora
em sua situação no mercado de trabalho, há uma intensificação da divisão sexual do
trabalho, da função reprodutiva das mulheres e do controle social da sexualidade.
Entende-se a intensificação da divisão sexual do trabalho como a ampliação das jornadas
de trabalho da mulher. Analisando historicamente, as mulheres sempre trabalharam,
porém no contexto atual, além de exercerem o trabalho produtivo, no ambiente público,
as mulheres sofrem a sobrecarga, a desigualdade na divisão das responsabilidades dos
afazeres domésticos, no ambiente privado.
Por mais que haja um aumento significativo da participação das mulheres no
mercado de trabalho, é necessário pensar como a desigualdade entre os gêneros mantém-
se reproduzindo. A mulher cada vez mais está ocupando o espaço público, porém continua
a assumir a maior parte do trabalho no espaço doméstico. É preciso entender a ideia de
que as significantes disparidades entre mulheres e homens são originadas pela divisão
28

sexual do trabalho no âmbito familiar, só assim será possível notar a complexidade e a


dimensão da construção social do gênero e suas desigualdades.
Diante de tal perspectiva, Kergoat (2010) afirma que o Capital tem interesse na
manutenção da divisão sexual do trabalho, há “necessidade de uma mão de obra flexível,
que empenhe cada vez mais sua subjetividade: o trabalho doméstico assumido pelas
mulheres libera os homens e, para as mulheres de alta renda, há a possibilidade de
externalização do trabalho doméstico para outras mulheres” (p.94). Este último exemplo
demonstra que é necessário pensar a divisão sexual do trabalho para além da relação de
poder entre mulheres e homens, pois este tipo de relação está imbricado em uma série de
outras relações sociais, como no caso apresentado, a relação de desigualdade entre as
próprias mulheres. Refletindo sobre os impasses de se analisar as relações sociais de
forma segmentada, Kergoat (2010) apresenta o conceito de consubstancialidade e
coextensividade, entendendo que as relações sociais são consubstanciais, no sentido de
que “elas formam um nó que não pode ser desatado no nível das práticas sociais, mas
apenas na perspectiva da análise sociológica” (p. 94) sendo estas também coextensivas,
pois na medida que as relações sociais de gênero, de classe e de raça vão se reproduzindo
elas inclusive vão se co-produzir reciprocamente (KERGOAT, 2010).
Trópia e Vannuchi (2014) compartilham da ideia de que a divisão sexual do
trabalho é um importante mecanismo para acelerar e ampliar a acumulação do capital.
Com a expansão da quantidade de empregos flexíveis, houve uma facilitação da absorção
das trabalhadoras no mercado de trabalho, que até então possuíam uma identidade social
vinculada à família, porém, este tipo de reestruturação produtiva possibilitou a
reconfiguração de formas de exclusão e de discriminação por gênero, havendo uma
feminização de tarefas menos qualificadas e mal remuneradas. Trópia e Vannuchi
afirmam ainda que:

(...) a ampliação de serviços remunerados conforme a produção corroborou


para aumentar a parcela da mão de obra feminina no sistema produtivo, por
facilitar o exercício de dupla ou tríplice jornada de trabalho. Assim, se a
estruturação produtiva amplia as oportunidades de trabalho feminino, isso
acontece em um quadro de intensificação e precarização deste. (2014, p. 122)
29

A partir da perspectiva das autoras supracitadas, as relações de gênero são


consideradas um elemento que constitui e institui a exploração/dominação, pois o
trabalho é sexuado.
Piscitelli (2002), traz o debate sobre a recriação da categoria mulher nas
discussões contemporâneas. Um dos principais questionamentos nessas discussões,
dialogando com a perspectiva de Trópia e Vanucchi, é acerca da subordinação da mulher
em relação ao homem. Sendo considerada injusta e não natural, como se desenvolveu
esse tipo de relação de subordinação e como ela se manteve no decorrer da história?
Piscitteli (2002), apresenta diferentes perspectivas sobre o tema, afirmando que o
pensamento feminista considera que, em termos políticos, os homens assumem lugares
sociais de privilégio em relação às mulheres, sendo a subordinação feminina sujeita a
variação do tempo histórico e do contexto da sociedade em que se estuda, mas também é
pensada em um âmbito universal, já que essa situação da mulher pode acontecer em todos
os lugares do mundo e em qualquer período histórico que se tem conhecimento.
Várias correntes feministas reconhecem que há uma subordinação feminina,
porém questionam sua naturalização. A ideia defendida por essas correntes é que a partir
da forma como a mulher é construída socialmente que será desencadeado determinado
tipo de subordinação. Essa linha de pensamento é importante, pois entende-se que se a
relação de subordinação da mulher em relação ao homem é uma construção social, ela
está sujeita a transformação. Assim, caso seja modificada a forma como as mulheres são
percebidas, também será possível que âmbito social as quais elas ocupam seja alterado.
Devido a essa questão abordada, o pensamento feminista buscou reivindicar o exercício
dos direitos de forma igualitária e simultaneamente, tratou de criticar as raízes culturais
das desigualdades apresentadas (PISCITELLI, 2002).
Gonçalves e Tosta (2014, p.146) apresentam uma diferente abordagem quanto à
inserção da mulher no mercado de trabalho, fazendo a reflexão “sobre a centralidade do
trabalho como processo que possibilita a um conjunto, não homogêneo, de mulheres
conquistarem o controle sobre suas vidas, gerar mais autonomia e dar às suas existências
um sentido partilhado, de comunidade com outras iguais”. As autoras apontam outro foco
além da abordagem de exploração e dupla jornada de trabalho que predomina nos estudos
sobre trabalho e gênero. Elas destacam que a conquista de espaço pela mulher no mercado
de trabalho pode ser vista como uma experiência de subjetivação para as mulheres,
30

assumindo em suas vidas um caráter de “gratificação associada a um sentimento de maior


autonomia” (2014, p.146). Dialogando com essa visão de autonomia da mulher no
mercado de trabalho, Sabóia e Soares (2004) apontam o estudo de Chant (2003) em que
mulheres mexicanas, chefes de família e sem cônjuge, reconhecem que planejar os gastos
e fazer o orçamento familiar é mais fácil com a ausência do companheiro, mesmo na
situação de estar recebendo menos e estando mais vulneráveis a flutuações econômicas.
Atualmente a PNAD mudou sua metodologia, deixando de utilizar o termo
“chefia” e passando a utilizar a categoria “pessoa de referência” no domicílio. Entende-
se por pessoa de referência, a pessoa assim apontada pelos demais membros da família.
Dados atualizados da PNAD (IBGE, 2016), que trazem a comparação entre os anos de
2005 e 2015, indicam que houve um aumento de 30,6% para 40,5%, nos arranjos
residentes em domicílios particulares, na proporção de mulheres na condição de pessoa
de referência da família. Notou-se ainda um crescimento na indicação da mulher como
pessoa de referência na família, de 2005 para 2015, em famílias formadas por casal com
filhos, a proporção foi de 6,8% para 22,5% e nos casais que não possuem filhos, neste
mesmo período, o percentual foi de 8,4% para 22,0%. É importante ressaltar que esse
fenômeno é predominantemente urbano, pois as residências urbanas tinham 43% de
mulheres como pessoa de referência no ano de 2015, enquanto nas residências rurais as
mulheres representavam apenas 25% de pessoas consideradas como referência. Esse dado
demonstra que não houve significativa transformação no meio rural, pois enquanto na
cidade a variação de pontos percentuais entre os anos de 1995 e 2015 foi de 18, no meio
rural a variação foi de apenas 10 pontos (IBGE, 2016).
Se pensarmos a realidade das mulheres trabalhadoras rurais, devemos pensar em
suas conjunturas de vida, da sua contribuição fundamental para a segurança alimentar das
populações ao redor do mundo, seu cuidado com a família, todas as dificuldades
enfrentadas por elas pela condição de ser mulher e pela condição de ser mulher rural,
além de outras posições sociais assumidas.
O fato de ser mulher e ser mulher rural resulta em uma série de desafios a serem
enfrentados em sua vida cotidiana: a invisibilidade e não reconhecimento de seu trabalho
pelos membros da própria família, pela sociedade e até mesmo pelo Estado e outras
instituições sociais; a dificuldade ao acesso à terra, tão essencial para a manutenção de
sua sobrevivência e de seu núcleo familiar; além do machismo que violenta fisicamente
31

e simbolicamente, o mesmo machismo que as impede de acessar melhores oportunidades


de trabalho e sua autonomia na própria unidade familiar de produção, chegando até a
exclusão da herança da terra, priorizada aos herdeiros homens.
As mulheres rurais passaram a ter maior notoriedade com a extensão de seus
direitos com relação à seguridade social na Constituição Federal de 1988, visto que o
valor da aposentadoria foi vinculado ao do salário mínimo, assumindo um relevante
avanço para a distribuição de renda entre a população nos últimos anos (FARIA, 2009).
Essa medida de ampliação de direitos, por meio da Constituição Federal, possibilitou
maior reconhecimento das mulheres rurais, porém, todas as relações de poderes
estabelecidos em sua realidade não mudaram de forma automática, mantendo-se a série
de desafios já apresentados anteriormente.
As mulheres trabalhadoras rurais vêm ainda enfrentando diversos obstáculos para
que tenham acesso aos seus direitos básicos. O Estado brasileiro, de acordo com o estudo
de Andrea Butto (2011), por meio de suas políticas de desenvolvimento rural,
caracterizava o trabalho das mulheres apenas como uma ajuda aos homens e não como
uma atividade autônoma, capaz de gerar seus próprios recursos. A divisão sexual do
trabalho no campo sempre esteve muito definida. A autora afirma que “o trabalho dos
homens está associado a atividades econômicas que geram emprego, ocupação e renda,
enquanto o trabalho das mulheres concentra-se em atividades voltadas para o
autoconsumo familiar, com baixo grau de obtenção de renda e assalariamento” (BUTTO,
2011, p. 12).
Melo (2002) trabalha com a hipótese de que a gratuidade do trabalho da mulher
brasileira no meio rural se deve à falta de reconhecimento de seu trabalho na classificação
de produtoras rurais, reforçando sua invisibilidade na unidade familiar de produção.
Dados da PNAD, apresentados por Cintrão e Siliprandi (2011) comprovam o argumento
de Melo, uma vez que no ano de 2009 o percentual de mulheres ocupadas em atividades
agrícolas trabalhando sem remuneração era de 31%, enquanto o percentual de homens na
mesma situação era de 11%, já o número de mulheres trabalhando para o próprio consumo
era de 47%, sendo 14% o número de homens trabalhando na mesma situação. O
percentual apresentado é considerado ainda muito alto, demonstrando que a desigualdade
de gênero no campo e a falta de reconhecimento das atividades realizadas por mulheres
trabalhadoras rurais ainda permanece de forma rigorosa.
32

1.2 A FORÇA DE TRABALHO FEMININO NO BRASIL E NO MEIO RURAL


Para refletir a respeito do trabalho feminino é necessário pensar uma série de
conceitos que sejam capazes de decifrar as relações econômicas e políticas sobre as
relações sociais de reprodução e de produção. As relações sociais de reprodução têm sua
origem na família nuclear, localizando-se no âmbito privado (mas não se reduzindo
apenas a este espaço) e as relações de produção se encontram no âmbito público. A
divisão dos espaços das relações de trabalho e de reprodução é fruto da divisão sexual do
trabalho, estando a mulher, a princípio, associada ao trabalho reprodutivo e
consequentemente ao espaço privado e o homem associado ao trabalho produtivo,
ocupando o meio público. Com essa divisão sexual, a mulher é colocada em uma situação
de subordinação ao homem, portanto, o fenômeno da reprodução é subordinado ao da
produção (SAFFIOTI, 1985).
Estudos sobre a classe operária no Brasil, como os de Souza-Lobo, trazem o
debate sobre o discurso da docilidade, sensibilidade, vulnerabilidade como inerente a
natureza feminina. Souza-Lobo (2011) afirma que a grande questão é a naturalização da
ideia de que umas se ocupem da casa e outros se ocupem da fábrica, fazendo com que
“exista uma divisão sexual do trabalho desde sempre articulada às relações sociais e
embutida nas práticas sociais” (p. 126). Dessa maneira, entende-se que as relações de
gênero estão engendradas nas relações de trabalho.
De acordo com Saffioti (1985), “o que tem sido tratado aqui como um sistema de
dominação social, cultural, político e econômico apresenta duas dimensões: o patriarcado
e o capitalismo” (p. 99). Todos os tipos de dominação apresentados acontecem por meio
do arranjo entre patriarcado e capitalismo, estando os dois presentes tanto no meio
reprodutivo quando no meio produtivo.
No que diz respeito ao processo de proletarização, ele não aconteceu da mesma
forma para mulheres e homens. Uma parcela das mulheres assume a função de dona-de-
casa e seu trabalho está ligado apenas aos afazeres domésticos, ou seja, ao domínio da
reprodução, no âmbito privado, alheia à esfera da produção. Já outra parcela de mulheres
se proletariza, assumem trabalhos fora do lar, mas ao mesmo tempo exercem a jornada
doméstica, situação essa que caracteriza a chamada dupla jornada de trabalho. No caso
de mulheres que vivem no meio rural, a separação geográfica entre o local de trabalho e
o local de residência contribuiu para que uma significativa parcela delas fosse excluída
33

da produção, no início desse processo de implementação da indústria no contexto do


Brasil, por exemplo (SAFFIOTI, 1985).
Na lógica capitalista, em que as relações de trabalho estão fundadas na
desigualdade, mesmo em países desenvolvidos, não é possível chegar ao pleno emprego.
As taxas de desemprego podem flutuar de acordo com o momento vivido por determinada
nação. No caso das mulheres, aquelas que estão locadas apenas no âmbito do trabalho
reprodutivo não são consideradas desempregadas. Estas trabalham sem remuneração e
além disso, seu trabalho é considerado não-trabalho, de forma que ao não se ajustar aos
moldes capitalistas, ficaram por muito tempo sendo negligenciadas por parte de agências
responsáveis por coletar dados estatísticos e divulgá-los (SAFFIOTI, 1985).
Saffioti (1985), ao analisar o período entre 1872-1982, investiga o
desenvolvimento da incorporação das mulheres na força de trabalho do Brasil. Esse
período é dividido em duas fases, a primeira de 1872 (em que o regime escravocrata ainda
vigorava) até 1930 (quando inicia o processo de industrialização do país) e a segunda fase,
de 1930 até 1982, no intuito de equiparar a participação das mulheres nas produções de
bens e serviços no Brasil.
Os dados do recenseamento de 1872 indicam que 45,5% da força de trabalho
efetiva do Brasil eram mulheres, sendo 33% desse total de mulheres ocupando trabalhos
no setor de serviços domésticos. As mulheres, especificamente neste setor, representavam
81,2% do total de pessoas empregadas. Outro dado importante deste período é a
representação feminina como população economicamente ativa (PEA). Como já citado,
33% estavam atuando em serviços domésticos fora de casa, 35% em atividades na
agricultura, 20% como costureiras autônomas, 5,3% empregadas na indústria de tecidos
e 6,7% atuavam em outras atividades. O país quase não possuía indústria nesse período,
o setor têxtil era responsável pela maioria das fábricas e a produção de tecido era
praticamente artesanal. Destaca-se esse setor por absorver cerca de 80% do total de
trabalhadores da indústria brasileira, sendo que 96,2% dos postos de trabalhos ofertados
eram ocupados por mulheres. Esse foi o único período, no Brasil, em que as mulheres
ocupavam a maioria dos postos de trabalho na indústria brasileira. A partir de 1930 com
o início de um efetivo processo de industrialização, as mulheres historicamente, no
decorrer do século XX, ocupam menor quantidade de postos de trabalho comparado aos
homens. Mesmo com significativo aumento da mão de obra feminina nas indústrias (entre
34

1970 e 1980 esse percentual foi 177%, enquanto o dos homens houve um aumento de
97,2%) (SAFFIOTI, 1985). Elas continuaram a ocupar cargos inferiores aos homens, com
menos prestígio e recebendo menos que eles, mesmo exercendo em várias situações o
mesmo cargo.
Souza-Lobo (2011) apresenta dados do final da década de 1970, em que 70% das
mulheres empregadas na indústria exerciam serviços braçais. Isso significa que as
mulheres estão concentradas mais em funções na produção e menos nas funções
administrativas. Além da ocupação, as estatísticas trazidas pela autora sobre o salário
apontam que essa mudança na concentração de função da mão de obra feminina tem um
impacto negativo na situação econômica delas, pois em média, as mulheres recebiam 60%
do salário dos homens no período apresentado. Ademais os salários baixos, as mulheres
ainda se deparam com a dificuldade de ocuparem trabalhos mais valorizados.
Segundo estudo do IPEA (2017), no ano de 2016 o percentual de mulheres
ocupadas em trabalho formal no Brasil foi de 44%, um número bastante significativo, se
levado em conta a baixa participação feminina neste tipo de trabalho nas décadas
anteriores, porém se analisarmos a taxa de participação feminina no mercado de trabalho,
considerando a população economicamente ativa (16 a 59 anos) que procura trabalho ou
que está trabalhando, essa taxa entre os anos de 1995 e 2015 variou em volta de 54-55%,
nunca conseguindo ultrapassar os 60% de participação no mercado de trabalho. Se
compararmos com a taxa de participação masculina no mercado de trabalho em idade
economicamente ativa, o percentual já chegou a 85%, mas nos últimos anos vem caindo
devido ao cenário de crise econômica, chegando no ano de 2015 a 78%. Na situação de
desemprego, a taxa de desocupação masculina, no ano de 2015 era 7,8% enquanto a taxa
de desocupação feminina era de 11,6%. Se considerarmos o elemento cor/raça, a
proporção de mulheres negras desempregadas chegou a 13,3% enquanto a dos homens
negros foi de 8,5%.
Por mais que a relação de desigualdade entre mulheres e homens venha
diminuindo aos poucos, mesmo com a queda generalizada de rendimentos, as mulheres
recebiam em média, no ano de 2015, 76% do rendimento dos homens no âmbito do
trabalho formal. No mercado informal, as mulheres chegam a receber 49% do rendimento
de mulheres em trabalhos formais, ao passo que entre os homens essa relação era de 55%
(IBGE, 2016). No caso das mulheres rurais, a agricultura é responsável por absorver o
35

maior número delas. Na década de 1970, momento de milagre econômico no Brasil,


houve uma intensa penetração do capitalismo no meio rural, além de maior mecanização
do campo. A condição da mulher rural passa a ser o assalariamento, assumindo uma
posição de trabalho produtivo mesmo em condição subalterna de empregada, deixando,
neste contexto, sua situação de participação apenas na reprodução familiar, considerada
não-trabalho (SAFFIOTI, 1985).
De acordo com o Censo Agropecuário de 2006, no Brasil, as mulheres rurais
representam 47% da população residente no campo, sendo responsáveis por 25% da
produção de alimentos no contexto da agricultura familiar. Em relação à direção de
estabelecimentos familiares, em âmbito nacional, de 600 mil estabelecimentos as
mulheres são responsáveis por dirigir 13,7% desse total. No estado de Goiás, elas são
responsáveis por dirigir 10.062 estabelecimentos familiares, enquanto os homens dirigem
78.374. Foram registradas também pelo mesmo Censo, 12,3 milhões de pessoas ocupadas
por atividades vinculadas à agricultura familiar, isso representa 74% do pessoal ocupado.
São 4,1 milhões de mulheres ocupadas na agricultura familiar no período do Censo,
correspondendo a um terço da população ocupada, já os homens constituem dois terços
dessa população. A média por unidade familiar de produção é de 0,86 mulher e 1,75
homem ocupados de 14 anos ou mais. Os dados apresentados mostram um quadro geral
da mulher agricultora familiar no Brasil e expõe vários pontos que devem ser debatidos
sobre sua representação na sociedade brasileira, assim como as condições em que essa
população se encontra.
A divisão sexual do trabalho tem papel fundamental na construção das relações
sociais no meio rural, determinando a dinâmica na estrutura familiar e colaborando para
a construção da identidade da mulher e do homem do campo. Nesse sentido, cabe indagar:
quais são as consequências da divisão sexual do trabalho para a mulher rural?
As mulheres são responsáveis pela segurança alimentar na maioria do planeta,
seja no Brasil, na América Latina e particularmente na África e na Ásia onde se encontra
grande parte da população mundial. Em alguns países da África as mulheres são
responsáveis por até 80% da produção interna de alimentos de sua população (FEDERICI,
2013). Apesar da relevância do trabalho das mulheres rurais para a segurança alimentar
da humanidade, elas se deparam com uma série de desafios para que tenham condições
de manter a reprodução da vida. O acesso a recursos básico como terra, a água, a energia
36

elétrica e outros insumos para a produção é um grande problema. Vale ressaltar que além
da dificuldade em acessar a recursos naturais e infraestrutura, existe a limitação em
acessar recursos financeiros para manter condições de produção no campo e isto está
diretamente ligado a falta de reconhecimento que é dada ao trabalho dessas mulheres
tanto pela sociedade, como das instituições governamentais e financeiras.
Federici (2013) aponta que é muito difícil fazer um levantamento do alcance da
agricultura de subsistência, levando em consideração que a maior parte deste trabalho não
é um trabalho assalariado ou que se produz em fazendas formais. Federici apresenta a
perspectiva de que o capital internacional necessita da mão de obra feminina para baratear
os custos de produção. O trabalho feminino no âmbito reprodutivo e no âmbito produtivo
da agricultura de subsistência libera os trabalhadores homens para as plantações
comerciais e outros trabalhos remunerados. Nesse sentido, entende-se que por questões
ideológicas, o capital internacional ignora e não reconhece a atividade doméstica como
trabalho, visto que na lógica capitalista a tudo é atribuído um valor no âmbito do mercado
e o trabalho doméstico não está incluído neste âmbito, sendo assim não contabilizado e
tratado como trabalho de fato.
A invisibilidade do trabalho feminino no âmbito doméstico na agricultura familiar
tem sua origem na divisão sexual do trabalho, sendo responsável por definir a posição das
mulheres e dos homens nos espaços sociais que elas e eles circulam. No espaço privado
as atividades domésticas são voltadas majoritariamente às mulheres, atividades estas
consideradas como não trabalho, fazendo com seja tratado como invisível, não
reconhecido, não contabilizado e desprovido de valor. No espaço público, espaço
reconhecido pelo capital, as atividades realizadas são vistas como trabalho, valorizado
frente à sociedade, visível aos olhos das pessoas e do capital, dominado por homens e
provido de valor. Diante da reflexão evidenciada, cabe voltar ao debate de Saffioti
(1985) sobre os antagonismos entre o capitalismo-patriarcado e as consequências dessa
relação para a mulher trabalhadora. Sexo e etnia são fatores naturais que influenciam nas
formações sociais capitalistas e expõem a contradição entre a acumulação, considerada o
princípio nuclear do capitalismo e a equidade, apontada como proposta ideológica deste
sistema. O modo de produção capitalista é resultado da incorporação, assim como, da
superação dos modos de produção que o precedeu. Nesse sentido, o capitalismo herda
contradições e determinações das sociedades que lhes são anteriores. O patriarcalismo,
37

por exemplo, é uma relação social presente em sociedades que antecederam tal sistema e
ainda se mantém nas sociedades burguesas. Marx e Engels são referenciais teóricos
utilizados na análise de Saffioti (1985). A autora destaca que o conceito de modo de
produção, para os autores apontados, não é reduzido ao ponto de vista apenas
economicista, a força produtiva vai além da produção da vida material, mas também está
estabelecida em outras relações sociais que são desenvolvidas entre os seres humanos.
Saffioti (1985) evidencia o ponto de vista de Marx e Engels no que diz respeito a
produção da vida. De acordo com os autores, a produção da vida é realizada tanto por
meio do trabalho quanto por meio da procriação, havendo uma dupla relação, em que um
lado está uma relação natural e a do outro uma relação social. Cabe destacar que a partir
da perspectiva apresentada, os autores não hierarquizam a produção e reprodução da vida,
entendendo que este último fenômeno é muito mais amplo que a reprodução apenas no
interior da família e não deve ser confundida com a instituição familiar. Segundo Saffioti,
Engels reconhece que no casamento conjugal há a sujeição de um sexo pelo outro, sendo
assim, há conflito nessa relação social. Se existe conflito entre homem e mulher,
estabelecido na instituição casamento, Engels entende que há um antagonismo entre os
sexos, para ele, a opressão do sexo feminino pelo sexo masculino é a primeira
manifestação de oposição de classe na história.
Analisando por esse ângulo, entende-se que o patriarcado e o capitalismo têm
papel fundamental nas características de incorporação das mulheres brasileiras no
mercado de trabalho. Para utilizar o mesmo termo que Saffioti (1985), a simbiose entre
patriarcado e o capitalismo é responsável pela “exploração de homens por outros homens,
de mulheres por homens, de mulheres por outras mulheres e de homens por mulheres,
predominando, porém, a dominação masculina sobre a mulher” (p. 137). A maneira como
se deu penetração do capitalismo no Brasil e o encontro com as raízes patriarcais em sua
cultura contribuiu para que as contradições de sexo e de classes aumentasse, agravando
ainda mais a situação da mulher. Caso o sistema patriarcado-capitalismo permaneça,
como parte da realidade brasileira e mundial, a desigualdade entre mulheres e homens
continuará existindo.
As mulheres rurais estão ocupadas em sua maioria em atividades que não são
remuneradas e voltadas para o autoconsumo. Além do trabalho doméstico na casa e
cuidado das/dos filhas/os, a mulher rural realiza trabalhos com artesanatos dos mais
38

variados dependendo da tradição da cultura a qual faz parte, produz alimentos para venda
em pequena escala aos redores de seu lugar de vivência, além de trabalhos próximos a
sua residência, seja no quintal, seja com plantação de hortaliças e cuidado com animais
de pequeno porte. O peso da divisão sexual do trabalho é totalmente desproporcional
sobre essas mulheres rurais, seu trabalho não é reconhecido e aquelas que trabalham fora
do âmbito familiar, assalariadas ou em atividades não-agrícolas sofrem com a
intensificação da divisão sexual do trabalho, visto que sua jornada de trabalho se torna
dupla, pois as atividades no âmbito familiar não são divididas de forma igualitária entre
os membros do sexo masculino.
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) entende
o impacto da desigualdade de gênero para a segurança alimentar mundial e reconhece a
necessidade urgente de superá-la. A FAO propôs uma política de igualdade de gênero
baseada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, com o intuito de
erradicar a pobreza e a fome por meio da promoção da igualdade entre mulheres e homens
relativo a produção agrícola sustentável e desenvolvimento rural. A organização entende
que só por meio do combate à desigualdade de gênero que as lacunas existentes entre
mulheres e homens, no que se refere ao acesso a serviços, créditos financeiros, meios de
produção e uma outra série de recursos serão reduzidos, tendo um impacto positivo na
vida de mulheres e homens rurais, melhorando as oportunidades econômicas e tornando-
as/os atrizes e atores principais, interferindo política e socialmente em decisões que
afetam diretamente suas vidas (BIERMAYR-JENZANO, 2016).
Apesar da FAO ser uma relevante organização mundial para questões de
segurança alimentar, Federici (2013) aponta críticas sobre a forma da abordagem adotada
por ela e por outras agências internacionais como a Organização Internacional do
Trabalho (OIT). A autora considera que essas agências internacionais têm omitido as
dificuldades que a agricultura de subsistência tem enfrentado para continuar se
reproduzindo, devendo ser mais criteriosas e comprometidas com a realidade ao utilizar
determinadas abordagens metodológicas de pesquisa. Federici traz o exemplo dessa
contradição em Bangladesh, que:

(...) a participação das mulheres na mão de obra era de 10% segundo a Pesquisa
de População Ativa de 1985-1986, porém, quando em 1989 esta mesma
39

investigação incluiu no questionário atividades específicas como separação


dos grãos de cultivos, o processamento de alimentos e a criação de aves, o
índice de atividade econômica aumentou para 63% (2013, p. 225).

O acesso a recursos e a garantia à direitos sociais e políticos é fundamental para


que haja a promoção da igualdade de gênero no meio rural. Oportunidades de trabalho e
de renda, acesso à terra, à assistência técnica, a financiamentos, à educação e garantia da
previdência social são elementos essenciais para que as mulheres rurais tenham condição
para garantir a produção agroalimentar e a reprodução da vida é por meio do acesso à
terra. Uma das principais reivindicações da maioria dos movimentos das mulheres rurais
é o acesso à terra. A terra representa um recurso básico para reprodução da vida das
famílias rurais e a luta por ela unifica homens e mulheres.
Cintrão e Siliprandi (2011) apontam avanços no período de 2003-2009 em questão
aos assentamentos de Reforma Agrária. Em 2003 foi lançado o II Programa Nacional de
Reforma Agrária (PNRA), que tinha como meta o assentamento de 400 mil famílias, tal
meta não foi cumprida de forma integral, mas aumentou significativamente o número de
famílias assentadas. O II PNRA teve grande relevância ao incorporar as reivindicações
do movimento de mulheres, inserindo a perspectiva de gênero e buscando ampliar seus
direitos, como a garantia da inclusão do nome das mulheres na documentação básica da
terra. Uma das principais reivindicações da Marcha das Margaridas, desde sua primeira
edição no ano 2000, foi o direito à documentação básica, pois no caso das mulheres se
separarem de seus maridos ou serem abandonadas por eles, é comum os homens ficarem
nas terras e elas ficarem em situação de desamparo com suas/seus filhas/os. A partir do
momento que a mulher também possui a titularidade da terra, ela evita que a terra seja
incluída como garantia de empréstimo por seus companheiros sem seu conhecimento,
além disso, a titularidade conjunta da terra ou sua própria chefia contribui para que a
mulher tenha mais poder de influência nas decisões econômicas familiares e comprove
sua situação de “trabalhadora rural”, fazendo com que seu acesso aos benefícios da
Previdência Social seja facilitado.
Cintrão e Siliprandi (2011) apresentam dados do Ministério do Desenvolvimento
Agrário que a partir do momento que políticas públicas voltadas para as mulheres rurais
foram implementadas, entre os anos de 2003 e 2007, houve um aumento de 24,1% para
55,8% no percentual de mulheres titulares da reforma agrária. Porém, vale destacar que
por mais que as mulheres tenham melhorado significativamente de vida, isso não quer
40

dizer que as relações de dominação entre gêneros deixaram de existir. Durante o processo
de luta pelo acesso à terra há uma tendência de unificação dos interesses de mulheres e
homens, fazendo com que haja uma suspensão temporária das relações de dominação,
mas a partir do momento que a terra é conquistada, a volta ao cotidiano permite que tais
relações de dominação sejam retomadas.
Como vem sido expressado neste trabalho, a atenção do Estado é imprescindível
na promoção de políticas públicas que visam a igualdade de gênero. No ano de 1996, o
Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar foi criado, fruto
da luta de movimentos sociais ligados a agricultura familiar, no entanto, apenas na safra
de 2003/2004 a linha de crédito específica para atender as mulheres da agricultura
familiar, o Pronaf Mulher, foi implementada. O crédito rural tem sido tratado
tradicionalmente como um recurso voltado aos homens. Graças à maior organização de
grupos de mulheres voltadas para experiências produtivas, há maior necessidade de
crédito para que a autonomia das mulheres no sistema produtivo seja alcançada. Seguindo
essa tendência de apoio e valorização da produção da mulher rural, o governo federal, no
ano de 2008, criou o Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais, visando
apoiar grupos produtivos, ofertando políticas públicas para que as mulheres rurais possam
desenvolver seu potencial produtivo e comercial, valorizando os princípios da economia
solidária e feminista (CINTRÃO; SILIPRANDI, 2011).
O apoio à produção e à comercialização de produtos é outra reivindicação feita
pelo movimento de mulheres rurais. Grupos produtivos foram criados no intuito de
estimular a produção e a comercialização de mercadorias que são produzidas em casa ou
em seus arreadores. Os grupos produtivos, no geral, são informais, funcionam nos
períodos de safra e entressafra, além de oferecerem uma diversidade de produtos. A
comercialização, por ser informal, é feita diretamente ao consumidor, por meio dos
mercados locais. A participação das mulheres no processo de venda de seus produtos lhes
possibilita aumentar sua sociabilidade, sua renda, sua autoestima e consequentemente sua
autonomia. A maior participação da mulher no processo de comercialização de seus
produtos provoca mudanças também em seu espaço familiar, em sua rotina de trabalho,
mas sobretudo, em seu papel social, pois com sua presença na vida pública, ocorrem
alterações na divisão sexual do trabalho que podem não ser assimiladas de maneira
41

amistosa, pois haverá uma perda do monopólio do homem no gerenciamento da renda,


por exemplo (CINTRÃO; SILIPRANDI, 2011).
A execução dessa diversidade de atividades, agrícolas e não-agrícolas, realizadas
tanto por mulheres quanto por homens, mantendo sua moradia e sua relação com o meio
rural, pode ser considerado como um fenômeno pluriativo, fenômeno este considerado
social e econômico, característico da agricultura familiar, presente tanto no Brasil quanto
em outras regiões do mundo (SCHNEIDER, 2003). O caso dos grupos produtivos,
apresentados por Cintrão e Siliprandi, são um exemplo de pluriatividade e expõe o
impacto desse fenômeno na vida da mulher rural, pois os efeitos da inserção da mulher e
do homem rural em atividades não-agrícolas são diferentes, caindo o peso das relações
sociais de gênero e trabalho, manifestadas por meio da divisão sexual do trabalho, na
dinâmica da estrutura familiar. Schneider (2003) reconhece que “é no âmbito familiar que
se discute e se organiza a inserção produtiva, laboral, social e moral de seus integrantes,
e é em função desse referencial que se estabelecem as estratégias individuais e coletivas
que visam a garantir a reprodução do grupo” (p. 115).
É interessante observar que a pluriatividade é reconhecida por muitas/os
autoras/es como relevante para autonomia da mulher rural, criando possibilidades de
ampliar suas interações sociais, saindo do âmbito privado e intensificando suas relações
no âmbito púbico. É necessário, porém, reconhecer que as relações sociais de sexo no
âmbito privado sofrem mudanças muito lentas. No meio rural essas transformações são
mais lentas ainda e esse tipo de comportamento demanda muita atenção à pesquisadora
no campo de pesquisa.
Nessa lógica de pensamento, no decorrer dessa pesquisa, continuaremos a refletir
e analisar a partir dos dados levantados, acerca da inserção da mulher rural em outras
atividades produtivas, para além da atividade agrícola, identificando possíveis mudanças
e permanências nas relações sociais no âmbito do arranjo familiar, na unidade familiar de
produção e fora dele, acompanhando a realidade e o comportamento da mulher rural e os
membros com as quais se relaciona, seja no âmbito privado seja no âmbito público.
2
42

2. PLURIATIVIDADE E AGRICULTURA FAMILIAR

2.1 DEFININDO AGRICULTURA FAMILIAR

Há um debate intenso sobre qual seria a definição mais adequada para a agricultura
familiar, diante da heterogeneidade no que diz respeito às condições culturais e
socioeconômicas que tal categoria assume ao redor do mundo. Conceituar agricultura
familiar faz-se necessário, especificamente nesta pesquisa, para, a partir desta categoria,
sermos capazes de identificar as pessoas pesquisadas, direcionarmos nosso olhar para o
objeto de pesquisa com o embasamento teórico, categorizando e contextualizando
determinada realidade. Já em um âmbito geral, definir agricultura familiar significa a
busca por visibilidade de suas contribuições à sociedade, assim como a exposição dos
problemas que são enfrentados em suas vivências cotidianas.
As atividades realizadas pela agricultura familiar contribuem de forma
significativa para a segurança alimentar mundial e para preservação da biodiversidade,
porém, em contrapartida, grande parte dessa população se encontra na situação de
pobreza, o que parece contraditório num primeiro momento, já que sua atividade está
associada a produção de alimentos. Esta conjuntura motiva a realização de uma série de
pesquisas ao redor do mundo (FAO, 2014), para compreender as razões da pobreza ser
tão presente na vida de agricultoras/es familiares principalmente em países africanos,
asiáticos e latino-americanos, apresentando também propostas de como ela deve ser
enfrentada e superada, por meio de políticas públicas e programas de assistências que
podem ser desenvolvidos e implementados, de acordo com as demandas das/os
agricultoras/es familiares, refletindo assim ao resto da população que se beneficia de todo
este processo produtivo.
Paulilo (2004) aborda o debate sobre o uso dos termos campesinato e agricultura
familiar, apontando que existem muitas controvérsias acerca do uso ou não uso do termo
campesinato para se referir a agricultoras/es familiares no Brasil. Algumas/ns
pesquisadoras/es acreditam que a categoria de campesinato é aplicada apenas a países que
possuem um histórico feudal. Há outras abordagens que consideram aquelas/es
agricultoras/es que têm poucos vínculos com o mercado. Paulilo considera ainda, em seu
artigo “Trabalho familiar: uma categoria esquecida de análise”, como camponeses
aquelas/es agricultoras/es que a mão-de-obra familiar é a forma de trabalho
43

preponderante, se enquadrando nos critérios estabelecidos pela FAO e pelo INCRA como
médias/os e pequenas/os produtoras/es e proprietárias/os para cada região que estas/es se
encontram. A autora admite que o termo “camponês” é mais adequado para seu estudo
que o termo “agricultura familiar”, pois, permite realizar comparações entre estudos
realizados tanto no Brasil quanto na Europa, além de assumir uma conotação moldada
mais para o confronto, de cunho político, o que é necessário para criação de identidade
em situações de luta, como é o caso dos diversos movimentos sociais campesinos que a
autora vem pesquisando no decorrer de sua carreira.
Alexander Chayanov, agrônomo russo, preocupou-se em estudar a agricultura
camponesa, desenvolvendo conceitos e uma teoria da organização da unidade econômica
camponesa, buscando analisar sua forma de organização, seu vínculo com o sistema
econômico, o modo como acontece as relações de produção e os encadeamentos disso
para a economia dos países (DE la O; GYZMÁN; SALCEDO, 2014). Chayanov entende
que a economia camponesa assume um caráter familiar, o trabalho interno da propriedade
é provido pela família para atender suas próprias demandas de subsistência. Por esta
razão, a economia camponesa não pode ser considerada capitalista, pois a forma de
organização da produção não visa o lucro, não há categoria de salário, sendo assim, não
é possível estabelecer de modo preciso os custos da produção (VAN der PLOEG, 2016).
Van Der Ploeg (2016) assume a perspectiva chayanoviana de agricultura familiar
camponesa em sua análise, baseando-se na ideia de que o trabalho camponês vai aonde o
capital não pode ir, pois seu cerne não é o mercado, não se visa o lucro, o trabalho está
estabelecido no trabalho familiar que tem como finalidade a subsistência de seus
membros. Van Der Ploeg compreende que:

A propriedade camponesa não é estruturada como um empreendimento


capitalista; não está fundamentada em uma relação capital-trabalho. O
trabalho, dentro dela, não é assalariado. E o capital não é o capital no sentido
marxista (isto é, não é capital que precisa gerar valor excedente a ser investido
a fim de gerar mais valor excedente). Na unidade camponesa, “capital” são as
ferramentas disponíveis, as instalações, os animais e os estoques. Entretanto,
esse “capital” não é de modo algum “um valor que gera valor excedente”, como
Kautsky (1974, p.65) interpretou. As instalações, os equipamentos etc., são
instrumentos (ou meios) de facilitar e aprimorar o processo de trabalho. É a
ausência da relação capital-trabalho que transforma determinadas unidades de
produção agrícola em propriedades camponesas. É esse o fator de definição
decisivo da abordagem chayanoviana (2016, p. 21).
44

As ideias de Chayanov influenciaram na construção do conceito de agricultura


familiar no decorrer do século XX, considerando-a se houver trabalho exercido apenas
pelos membros da família, caso a propriedade contrate mão de obra assalariada, ela
deixaria de ser familiar, sendo associada ao modo de produção capitalista. Essa questão
de considerar ou não a propriedade familiar quando se contrata mão de obra externa,
sendo temporária ou não, faz com que haja um longo debate sobre se descaracteriza a
unidade familiar de produção.
Maletta (2011) faz uma crítica a essa abordagem, entendendo que este conceito
não inclui elementos dinâmicos da agricultura familiar, pois assume uma raiz populista
bem como a ideia de que a unidade familiar de produção não utiliza mão de obra
assalariada. Contratar mão de obra, de acordo com esta perspectiva, descaracteriza e
degrada o ideal de unidade familiar de produção, visto que o trabalho assalariado é
associado a exploração capitalista. Maletta (2011) afirma que, na realidade, dentro de
economias capitalistas existem propriedades agrícolas de todos níveis e tipos, sendo a
contratação de trabalho assalariado, neste tipo de economia, nada mais que um
mecanismo mais comum para alocar a força de trabalho nas diversas atividades possíveis.
O autor defende que para pensar a agricultura familiar e a estrutura agrária deve-se deixar
a idealização de lado e pensar mais na realidade, que a aproximação da ciência é
necessária, assim como se afastar de juízos de valor e de proposta de ideais de organização
familiar, centrando-se no que importa, que é a lógica da organização da agricultura
familiar, a diversidade de sua estrutura e dinâmicas inseridas na economia nacional e
global. Maletta defende seu ponto de vista, apontando que:

Uma visão científica do tema não implicaria condenações morais ou


desqualificações a qualquer das formas possíveis de evolução das unidades
produtivas agrárias: algumas são desintegradas ou desaparecem; algumas se
tornam empresas capitalistas (pequenas, médias ou grandes); algumas podem
ser organizadas em cooperativas; algumas persistem como propriedades
agrícolas exclusivamente trabalhadas por uma família; outras conseguem
diversificar seus meios de subsistência e coexistir o trabalho na propriedade e
trabalhar fora dela, tudo dentro dos processos gerais de desenvolvimento da
economia e da sociedade. (2011, p. 2).

Maletta (2011) chama atenção para as novas realidades da agricultura familiar,


uma delas é a adesão por parte de seus membros a atividades econômicas fora da unidade
familiar. A pluriatividade se tornou uma estratégia de sobrevivência e permanência no
45

campo por parte das/os agricultoras/es familiares. Estas/es realizam trabalhos fora da
unidade familiar de produção de forma autônoma ou assalariada, como meio de buscar
renda que pode ser extra ou em muitos casos se torna a maior fonte de sustento da família.
Esta característica de organização no âmbito da agricultura familiar é um dos cernes que
orienta essa pesquisa e será mais desenvolvida a frente.
Durante o século XX, o campesinato foi um conceito bastante trabalhado para
pensar as relações sociais no meio rural na América Latina. Durante a década de 60,
acontecia um fervor social, trazendo à tona o setor camponês como uma esfera dominada
pela pobreza e desigualdade estabelecida pela concentração de terras, presente em
praticamente todos países da América Latina, devido às características de sua
colonização. Neste contexto, o conceito de camponês foi tratado como equivalente ao
conceito de minifundista, no intuito de evidenciar as contradições presentes na estrutura
agrária, norteando a implementação do processo de reforma agrária em vários países da
América Latina (DE la O; GYZMÁN; SALCEDO, 2014).
A teoria de Chayanov ressurge nas décadas de 70 e 80 trazendo o debate sobre a
permanência da agricultura familiar na sociedade e como ela continua se reproduzindo
em um contexto capitalista, mesmo assumindo uma racionalidade não capitalista. Nos
anos 80 e 90, momento em que a globalização se intensifica, bem como a modernização
na agricultura, incentivada pelo agronegócio, de forma especial pela exportação, a
agricultura familiar é marginalizada ainda mais pelas políticas e programas dos Estados.
Neste período, a agricultura familiar é tida como sinônimo de atraso e pobreza, associada
a um descrédito em relação ao seu potencial para agregar à sociedade. Devido a essa
perspectiva, as/os mais favorecidas/os são aquelas/es que já estão inseridas/os na lógica
do mercado, pois, com a diminuição de investimento em políticas públicas voltadas para
a pequena agricultura, houve um aprofundamento das desigualdades no campo entre a
agricultura familiar e agricultura empresarial, gerando como consequência maior
migração da zona rural para zona urbana, maior competição por água e por terra, além de
se reinstalar o fenômeno de concentração de terras (DE la O; GYZMÁN; SALCEDO,
2014).
Nos anos 2000, o termo agricultura familiar começou a ser utilizado de forma mais
recorrente e as políticas públicas voltaram a olhar com atenção para o setor. No ano de
2004, durante a Reunião Especializada de Agricultura Familiar (REAF), o termo
46

“Agricultura Familiar” foi reconhecido oficialmente pelos países da América Latina e


Caribe. Por meio desta entidade, os países membros do MERCOSUL2 (Argentina, Brasil,
Paraguai, Uruguai e Venezuela), elaboraram e implementaram de forma conjunta a
definição de agricultura familiar, possibilitando que as/os agricultoras/es familiares
fossem reconhecidas/os em cada país membro, estabelecendo critérios gerais que
delimitam o setor e traçando parâmetros particulares para serem aplicados conforme a
realidade dos países os quais fazem parte (DE la O; GYZMÁN; SALCEDO, 2014).
No Brasil, o Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO realizado entre os anos
de 1996 e 1999, objetivou aprofundar o debate sobre a realidade da agricultura familiar
brasileira por meio da análise dos dados do Censo Agropecuário do IBGE de 1995/96,
buscando identificar as características das/os agricultoras/es familiares baseando-se em
suas relações sociais de produção. Este projeto definiu os critérios do que seria a
agricultura familiar a partir de três características:

a) a gestão da unidade produtiva e os investimentos nela realizados é feita por


indivíduos que mantêm entre si laços de sangue ou de casamento; b) a maior
parte do trabalho é igualmente fornecida pelos membros da família; c) a
propriedade dos meios de produção (embora nem sempre da terra) pertence à
família e é em seu interior que se realiza sua transmissão em caso de
falecimento ou de aposentadoria dos responsáveis pela unidade produtiva
(FAO/INCRA, 2000, p. 4).

O Censo Agropecuário de 2006 utiliza um critério diferente da metodologia


INCRA/FAO para conceituar agricultura familiar. O marco legal, mais restritivo em
relação à metodologia anterior, a Lei 11.326, de 24 de julho de 2006, é utilizado pelo
Censo Agropecuário de 2006, para determinar o que é um estabelecimento da agricultura
familiar. Cabe destacar que o estabelecimento agropecuário é a unidade de pesquisa
utilizada pelo Censo Agropecuário e que para este o estabelecimento está relacionado à
unidade produtiva e a definição de agricultura familiar está relacionada à unidade
familiar, pois há algumas situações em que uma família pode estar associada a mais de
um estabelecimento agropecuário (IBGE, 2009).

2
O Mercosul, como é conhecido o Mercado Comum do Sul (em castelhano: Mercado Común del Sur,
Mercosur; em guarani: Ñemby Ñemuha), é bloco sub-regional composto por Argentina, Brasil, Paraguai,
Uruguai, Bolívia (em processo de inclusão desde 2015) e Venezuela (Venezuela encontra-se suspensa do
Mercosul por tempo indeterminado, de acordo com o Protocolo de Ushuaia). Tem como países associados
Chile, Peru, Colômbia e Equador.
47

A Lei da Agricultura Familiar (Lei n°11.326/06), atualizada por meio da Lei nº


12.512, de 2011, traz a seguinte definição:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e


empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural,
atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:
I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;
II - utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades
econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades
econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida
pelo Poder Executivo; (Redação dada pela Lei nº 12.512, de 2011)
IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.
§ 1º O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica quando se tratar
de condomínio rural ou outras formas coletivas de propriedade, desde que a
fração ideal por proprietário não ultrapasse 4 (quatro) módulos fiscais.
§ 2º São também beneficiários desta Lei:
I - silvicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata
o caput deste artigo, cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o
manejo sustentável daqueles ambientes;
II - aquicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que
trata o caput deste artigo e explorem reservatórios hídricos com superfície total
de até 2ha (dois hectares) ou ocupem até 500m³ (quinhentos metros cúbicos)
de água, quando a exploração se efetivar em tanques-rede;
III - extrativistas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos
incisos II, III e IV do caput deste artigo e exerçam essa atividade
artesanalmente no meio rural, excluídos os garimpeiros e faiscadores;
IV - pescadores que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos
incisos I, II, III e IV do caput deste artigo e exerçam a atividade pesqueira
artesanalmente.
V - povos indígenas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos
incisos II, III e IV do caput do art. 3º; (Incluído pela Lei nº 12.512, de 2011)
VI - integrantes de comunidades remanescentes de quilombos rurais e demais
povos e comunidades tradicionais que atendam simultaneamente aos incisos
II, III e IV do caput do art. 3º. (Incluído pela Lei nº 12.512, de 2011)

É interessante observar que a lei brasileira, descrita acima, é tida como bem
avançada se comparada a outros países latino-americanos, considerando como uma das
variáveis não simplesmente a superfície da terra, mas classificando o tamanho da
propriedade de acordo com módulos fiscais, que vai variar de acordo com as
características do município, como por exemplo o tipo de exploração predominante no
município, a renda obtida neste tipo de exploração, a oferta de água nesse território e
consequentemente a produtividade desse imóvel rural.
A mão de obra familiar é a variável que mais aparece na definição de agricultura
familiar, porém, há divergências em algumas definições se a agricultura familiar pode ser
48

caracterizada pelo uso exclusivo da mão de obra familiar ou se em alguns casos se admite
o uso de mão de obra contratada até certa proporção.
No que concerne à administração da unidade econômica-produtiva por parte de
uma pessoa de referência da propriedade, se considera a autonomia na tomada de decisões
sobre os ativos, o cultivo e também a contratação de mão de obra externa. Vale destacar
que a característica da administração da pequena propriedade é um dos critérios de acesso
à políticas públicas nos países como Paraguai, Uruguai e Brasil. Além da administração,
na América Latina e Caribe, há alguns conceitos de agricultura familiar que aderem como
requisito que a maior parte da renda venha da unidade familiar de produção, com o
objetivo de acessar a determinados tipos de políticas públicas. O Brasil e o Chile são
exemplos com a Lei nº 11.326/2006 e a Lei Orgânica de INDAP/1993 respectivamente.
Esse requisito pode se tornar um problema expressivo, pois a renda não agrícola se torna
crescentemente relevante para a sobrevivência das famílias agricultoras familiares, em
especial as famílias de classes sociais mais vulneráveis (DE la O; GYZMÁN; SALCEDO,
2014).
O predomínio do trabalho familiar nas unidades produtivas, a administração da
unidade econômica-produtiva vinculada a uma pessoa de referência do lar e o tamanho
da propriedade e/ou da produção são os três fatores relevantes para a definição de
agricultura familiar. Porém, deve-se considerar ainda uma série de critérios na definição
do conceito de agricultura familiar que ainda não são abordados adequadamente, por
exemplo, o conceito de produtividade da terra (não adotado pela maioria dos países da
América Latina), assim como o elemento do ingresso de renda não-agrícola cada vez mais
frequente em pequenas propriedades. A pluriatividade está crescentemente presente na
realidade dos agricultores familiares no Brasil e no mundo. Na própria Lei da Agricultura
Familiar (Lei n° 11.326/06), houve uma mudança no inciso III do artigo 3º, em que antes
havia a exigência de que a renda familiar fosse originada principalmente de atividades
econômicas que estivessem vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento
familiar. Após a atualização da Lei, dada pela Lei n° 12.512, de 2011, passa a exigir que
tenha apenas um percentual mínimo da renda familiar advinda de atividades econômicas
realizadas no estabelecimento ou empreendimento familiar.
Neste sentido, é possível observar que há o reconhecimento da mudança da
dinâmica na organização da agricultura familiar pelo Estado brasileiro, reconhecimento
49

este fundamental para atender as demandas dessa população do meio rural. Por isso,
considera-se de extrema importância buscar debater sobre qual seria o melhor conceito
de agricultura familiar, compreender de forma mais específica as características da
categoria, suas similaridades e divergências de acordo com o contexto sociocultural e
temporal.

2.2 PLURIATIVIDADE E SUA RELEVÂNCIA PARA A AGRICULTURA


FAMILIAR

A pluriatividade caracteriza-se como uma estratégia de reprodução social que


combina atividades agrícolas e não agrícolas. Uma unidade familiar pode ser considerada
pluriativa se ao menos um de seus membros realizar o trabalho agrícola junto a uma
ocupação não-agrícola ou mais, mesmo sendo em tempo parcial (SCHNEIDER, 2003).
Carneiro (2002) problematiza a respeito da natureza da pluriatividade como uma
prática transitória, em razão das variações do ciclo demográfico das famílias, de suas
condições subjetivas, seja de interesses individuais ou do grupo familiar e de condições
objetivas, por exemplo, o mercado de trabalho, ou seja, uma família não necessariamente
permanecerá como pluriativa durante toda sua existência, mas poderá mudar tal condição
dependendo do contexto. Porém, Castilho e Silva e Schneider (2010) consideram que a
situação transitória e temporária a que Carneiro se referia já está sendo superada, dado
que a pluriatividade atualmente vem assumindo um traço mais estável e duradouro,
apontando que a população no meio rural vem crescendo e se ocupando de atividades
não-agrícolas de forma exclusiva e, em alguns casos, estão deixando de ser pluriativas,
visto que membros da agricultura familiar estão se encarregando de trabalhos não-
agrícolas em tempo integral. Este cenário demonstra o quanto as relações sociais no meio
rural podem ser arrojadas.
A pluriatividade é um fenômeno extremamente complexo, assumindo uma dinâmica entre
elementos internos e externos à unidade familiar de produção. Por muito tempo, as
pesquisas sobre a pluriatividade estiveram centradas na unidade de produção e não na
unidade familiar, o que muitos autores consideram um erro, pois as transformações que
ocorrem na unidade de produção ou em espaços externos a unidade não conseguem
explicar suficientemente o fenômeno. Para compreendê-lo é necessário atentar-se
principalmente às relações sociais presentes no interior da unidade de produção, ou seja,
nas formas de organização da família.
50

Mattei (2007) reconhece a relevância da unidade familiar para a pluriatividade e


toma-a como unidade de análise em sua pesquisa. O autor faz um levantamento histórico
para compreender o desenvolvimento dos estudos sobre a pluriatividade e identifica que,
antes dos anos de 1980, cabia a pessoa de referência (na maioria dos casos os homens) da
exploração agrícola decidir em aderir a uma segunda ocupação que pudesse ser uma nova
fonte de renda à família rural. As primeiras análises sobre uma segunda ocupação não
consideravam a inserção dos outros membros da família a outras atividades além do
âmbito na unidade de produção. O termo “agricultura de tempo parcial” foi utilizado
durante este período para se referir as formas de ocupação (agrícola ou não-agrícola)
exercidas pelo titular fora da unidade de produção. Somente após a década de 1980 que
se passou a utilizar o termo pluriatividade, devido a mudanças estruturais do capitalismo
agrário ocorridos tanto nos Estados Unidos e em vários países da Europa, que tiveram um
impacto significativo nas formas de organização das unidades familiares de produção. As
famílias passaram a reconfigurar suas formas de organização tradicional, se adaptando ao
novo contexto social, encontrando novas estratégias de reprodução social.
A partir do momento em que houve uma mudança de enfoque para a
pluriatividade, passa-se a ter um olhar mais geral sobre as relações sociais entre os
indivíduos, os processos societários e a estrutura do trabalho tanto nas unidades familiares
de produção quanto fora dela. Todos esses elementos passam a ser abarcados para a
análise científica.
Assim como Mattei, Schneider (2003) considera que é preciso voltar-se para o ambiente
intrafamiliar para entender quais são os mecanismos que levam membros de uma unidade
familiar a adotar atividades pluriativas. A pluriatividade é um recurso que pode assumir
diferentes vieses, como a garantia da reprodução familiar e da unidade doméstica,
podendo também ser uma estratégia individual, diante das condições socioeconômicas do
contexto vivenciado; ela pode ser um mecanismo que vise a modernização da unidade
familiar de produção; e, ainda, a junção da adesão a modernização e a garantia da
reprodução da família e da unidade de produção.
É importante destacar que é possível falar em diferentes formas de pluriatividade,
pois suas características são capazes de variar conforme o indivíduo-membro que realiza
atividades não-agrícolas fora da unidade familiar de produção, fazendo com que ocorra
diferentes efeitos sobre a unidade produtiva e o grupo doméstico, dependendo das
51

variáveis como posição na hierarquia da família, sexo e até mesmo idade (SCHNEIDER,
2001).
Ante aos argumentos apresentados, Mattei os justifica pelas razões seguintes:

a) a família é o agente integrador no interior dos estabelecimentos


agropecuários; b) é nas inter-relações entre os domínios de parentesco e do
trabalho que se encontram as principais relações que articulam e estruturam os
indivíduos na unidade familiar e na própria produção; c) a unidade familiar
permite identificar as relações de força entre os agentes sociais situados
diferentemente na esfera do parentesco ou da produção (2007, p. 1065).

Compreender a pluriatividade significa compreender a base do funcionamento da


agricultura familiar. A família rural é um grupo social o qual partilha de um espaço em
comum (neste caso o estabelecimento rural), que possui entre si laços de parentesco. Para
Schneider:

(...) é no âmbito da família que se discute e se organiza a inserção produtiva,


laboral e moral dos seus diferentes membros integrantes e é em função deste
referencial que se estabelecem as estratégias individuais e coletivas que visam
garantir a reprodução social do grupo. Embora seu objetivo seja a reprodução
material, cultural e moral do grupo, não há caminho pré-determinado ou
estratégias definidas ex ante, mesmo que nos casos empíricos estudados a
inserção no mercado de trabalho de atividades não-agrícolas seja uma
alternativa frequentemente trilhada pelos membros da família, o que poderá
não se repetir se esta mesma definição for utilizada para investigar outros
contextos sociais e econômicos (2001, p.8)

Assim sendo, cabe apresentar a pesquisa de Brumer (2004) que analisa as causas
que provocam um maior número de migração da zona rural para a zona urbana de moças
do que de rapazes no estado do Rio Grande do Sul, baseando-se nas formas como essas
mulheres são inseridas na unidade familiar de produção. A autora considera as seguintes
características de formas de inserção de mulheres e jovens na agricultura como critério
de análise:

a) a divisão do trabalho por sexo e geração; b) os efeitos da modernização da


agricultura sobre a divisão do trabalho por sexo; c) as características do
trabalho dos jovens na unidade de produção familiar; d) o trabalho em tempo
parcial ou fora da agricultura; e) as práticas de transmissão da propriedade
familiar (2004, p.205).

A partir dos critérios apresentados, Brumer (2004) utiliza dos dados da Pesquisa
Rural realizada pela Emater em 1992 e dados de contagem da população do IBGE em
52

1996 para realizar sua análise. A população do Rio Grande do Sul estava distribuída no
ano de 1996 em 49,1% do sexo masculino e 50,8% do sexo feminino, porém, a
distribuição dessa população entre a zona urbana e a zona rural estava destoante, visto
que neste período havia 89.782 homens a mais na zona rural que mulheres e na zona
urbana havia 248.708 mulheres a mais que homens. Se há um certo equilíbrio no número
de nascimentos de bebês do sexo feminino e do sexo masculino e um desequilíbrio no
que diz respeito ao local de moradia entre homens e mulheres, é possível observar que há
uma seletividade na migração, onde mulheres migram mais que homens da zona rural
para a zona urbana. Além disso, a autora identifica que o processo migratório do campo
para cidade acontece de forma mais acentuada entre jovens na faixa etária de 20 a 25
anos, sendo a população residente no campo 11,4% do sexo masculino e 9,15% do sexo
feminino. Em números absolutos, de acordo com a autora, em todos os grupos de idade
os números de homens no meio rural são maiores que de mulheres.
A intenção de apresentar a pesquisa de Brumer é de buscar compreender como a
forma de organização no âmbito intrafamiliar no meio rural pode influenciar em alguns
fenômenos, como no caso deste estudo, a pluriatividade. A autora dá enfoque à migração
e trata de forma superficial a adesão da população rural à pluriatividade (a autora não
utiliza este termo, refere-se a trabalho em tempo parcial ou trabalho não-agrícola), mas
elementos que a pesquisadora traz como explicação para migração também podem ser
pensados para esclarecer as causas do fenômeno da pluriatividade e assim problematizá-
lo, principalmente ao fazermos um recorte de gênero. De acordo com Brumer os fatores
que podem explicar a seletividade do processo migratório por sexo e idade são:

(...) pela falta de oportunidades existentes no meio rural para a inserção dos
jovens, de forma independente da tutela dos pais; pela forma como ocorre a
divisão do trabalho no interior dos estabelecimentos agropecuários e pela
relativa invisibilidade do trabalho executado por crianças, jovens e mulheres;
pelas tradições culturais que priorizam os homens às mulheres na execução dos
trabalhos agropecuários mais especializados, tecnificados e mecanizados, na
chefia do estabelecimento e na comercialização dos produtos; pelas
oportunidades de trabalho parcial ou de empregos fora da agricultura para a
população residente no meio rural; e pela exclusão das mulheres na herança da
terra (2004, p. 210).

Se trouxermos os pontos acima apresentados como fatores que também podem influenciar
a adesão de membros da unidade familiar à pluriatividade, podemos começar a refletir
sobre a dificuldade que os jovens do meio rural enfrentam para terem oportunidades e
53

autonomia. Na agricultura familiar o estabelecimento rural é um espaço restrito em que a


unidade produtiva tem como liderança o chefe de família (na maioria dos casos um
homem), este possui autonomia para decidir o que produzir, toma frente nos negócios ao
comercializar o produto e ainda determina para onde irão os investimentos na
propriedade. Por mais que este chefe busque integrar os jovens da família nas atividades,
sejam filhos ou outras pessoas do mesmo grau de parentesco, as oportunidades de
crescimento e o poder de decisão estão limitados neste meio, pois dependendo do
tamanho da propriedade e do tamanho da família, a quantidade de trabalho não consegue
absorver a mão de obra disponível, abrindo uma brecha para que os jovens da propriedade
ou migrem de forma definitiva para a zona urbana ou busquem trabalho fora da
propriedade, fugindo da ociosidade e buscando por sua independência financeira.
Vale destacar que a pessoa de referência na unidade familiar de produção
geralmente é associada a figura masculina, demonstrando o não protagonismo das
mulheres acerca dessa representação, fazendo-se necessário abordar sobre o trabalho
considerado feminino neste tipo de ambiente. As jovens não costumam assumir papel de
protagonistas no que diz respeito ao trabalho no meio rural. Se jovens do sexo masculino
já encontram dificuldades de oportunidades, a situação é mais crítica para as jovens
mulheres no meio rural. Há uma grande dificuldade na integração de seu trabalho e de
seu reconhecimento, além da precariedade da estrutura rural e a baixa condição de
aumentar a renda, todos são aspectos que podem estimular a alocação da força de trabalho
dos membros da família (principalmente jovens e mulheres) fora da unidade de produção.
Schneider (2001) identifica em sua pesquisa que há um maior número de pessoas
e também de jovens nas famílias consideradas pluriativas, concluindo assim, que o
número de jovens na família é um elemento que favorece de forma decisiva a adesão à
pluriatividade.
A questão sobre dificuldade das/os jovens obterem oportunidades no meio rural
também está atrelada à maneira como acontece a divisão do trabalho no interior da
unidade familiar de produção. A divisão sexual do trabalho é um recurso de organização
muito presente no cotidiano da agricultura família, determinando a forma como as/os
jovens são inseridas/os no trabalho no estabelecimento rural, que prioriza os homens em
detrimento das mulheres em relação a alguns tipos de trabalho, principalmente vinculados
à liderança, trabalhos mais especializados tecnologicamente e a comercialização de
54

produtos. Como já abordado no capítulo anterior, o trabalho feminino no meio rural está
associado ao trabalho doméstico e reprodutivo, ao cuidado da horta e de animais
considerados de pequeno e médio porte (galinhas e porcos, etc.). É um trabalho
considerado leve, não remunerado ou muito pouco remunerado e com esse aspecto acaba
por ser inviabilizado. Já o trabalho tido como masculino é associado a serviços que
necessitam de grande esforço físico, como fazer cerca, carregar sacos de ração, preparar
a terra para plantio, além disso, cabe aos homens o manejo das máquinas agrícolas. É um
trabalho reconhecido como produtivo, visibilizado, reconhecido publicamente. Essa
construção social nega a série de serviços realizados por mulheres, jovens e crianças na
unidade familiar de produção que são produtivos, que geram renda para a propriedade
(produção de hortaliças, doces, queijos e artesanato, por exemplo) e atividades que
exigem tanto esforço físico quanto o realizado por homens. É o caso das mulheres que
carregam suas crianças junto ao seu corpo enquanto realizam suas atividades, além das
que carregam pesados baldes de água em suas cabeças dos açudes até suas casas.
A estrutura estabelecida pela divisão sexual do trabalho na unidade familiar de
produção também influencia no processo de sucessão do estabelecimento. De acordo com
Brumer (2004), Carneiro (2001) e Paulilo (2004), mesmo sendo garantido pelo Código
Civil brasileiro a igualdade de direitos entre filhas e filhos, muitas mulheres são excluídas
da herança da terra. Paulilo (2004) ao pesquisar a desigualdade econômica sofrida pelas
mulheres na agricultura familiar, nota um padrão na forma como é passada a herança da
terra nas regiões de colonização alemã e italiana no sul do Brasil, identificando que os
filhos homens são os principais herdeiros da terra e o acesso das mulheres acontece por
meio do casamento. Exceções acontecem quando não há herdeiros homens e se houver
uma filha casada que cuida dos pais durante a velhice ou pode acontecer de as/os
herdeiras/os não se interessarem em continuar em produzir na terra. Paulilo (2004) afirma
ainda que:

(...) nem todos os filhos homens herdam terra quando a propriedade é pequena,
porém para eles há mecanismos de compensação que tentam respeitar uma
correspondência entre o que foi perdido e o que foi ganho. Os que estudam,
sejam homens ou mulheres, não herdam terra porque ‘já ganharam o estudo’.
Também não a recebem quando saem da casa dos pais e vão trabalhar na
cidade, enquanto um ou mais irmão ficam. Quanto às mulheres, recebem um
enxoval quando se casam, composto de mais ou menos itens dependendo das
posses dos pais. As que não se casam nada recebem. O destino das celibatárias
– cuidar dos pais e, depois de sua morte, ficar ‘encostada’ na casa de uma irmã
55

ou cunhada, ajudando nos afazeres domésticos – não é invejado por ninguém


(p. 234).

Diante da subjugação da mulher tanto no que diz respeito à herança quanto às


relações de trabalho, para não entrar no ponto das relações de poderes no âmbito das
relações afetivas, a pluriatividade torna-se uma alternativa às mulheres, não ficando
restritas apenas ao trabalho agrícola, possibilitando a saída delas mesmo que em tempo
parcial do estabelecimento rural. Na medida que realizam outras atividades em outros
espaços, é proporcionado a essas mulheres o sentimento de valorização e reconhecimento
do trabalho realizado, além de propiciar maior autonomia e interação com outras pessoas
que não são de sua unidade familiar, sem precisar migrar definitivamente para a zona
urbana.
Na pesquisa realizada por Caliari, Campos e Silveira (2015) sobre os efeitos da
pluriatividade sobre agricultoras/es familiares no interior de Goiás, não é feito um recorte
de gênero, mas são apresentados dados importantes sobre a diferença de qualidade de
vida entre agricultoras/es familiares monoativas e pluriativas. O estudo revela que a renda
per capita das pluriativas e monoativas respectivamente são R$ 1.093,17 e R$ 535,49,
representando uma diferença de mais de 100%. A pesquisa aponta ainda que 78% das
famílias monoativas estão endividadas, comprometendo em até 35% seu orçamento, já as
famílias pluriativas possuem uma alta porcentagem de endividamento, porém, menor
comparado as famílias monoativas, sendo 45% dessas famílias endividadas, com 22% de
seu orçamento total comprometido com tais dívidas. Segundo os indicadores
educacionais, 98% da população pluriativa e 94% da população monoativa é alfabetizada,
porém, a maior diferença está entre as pessoas adultas pesquisadas que cursaram o ensino
médio, sendo 35% de famílias pluriativas e 12% de famílias monoativas.
No trabalho de Castilho e Silva e Schneider (2010), no que concerne ao nível
educacional, nota-se que somente nas famílias pluriativas há pessoas que chegaram ao
nível superior, porém o que predomina tanto em família monoativas quanto pluriativas é
um baixo nível educacional, ou seja, a primeira fase do ensino fundamental. A mesma
pesquisa identifica que há um maior número de mulheres com a faixa etária acima de 40
anos vivendo na zona rural dos municípios pesquisados, sendo o número de jovens entre
16 e 20 anos menor. A presença de um menor número de mulheres no meio rural, pode
ser explicado pelo fato destas migrarem antes mesmo de formarem uma família,
56

mostrando que o casamento não é um elemento que faça com que jovens permaneçam no
campo. Este dado demonstra a tendência de que mulheres jovens hoje priorizam sua
formação educacional, seu trabalho, sua autonomia financeira para, assim, obterem sua
realização pessoal a partir do que construí para si. Aquelas que permanecem no campo e
aderem a atividades pluriativas, de acordo com a investigação, indicam que os papeis
femininos no âmbito familiar ainda não sofreram grandes alterações, mesmo quando essas
mulheres trabalham em outras localidades.
Sabe-se que a pluriatividade pode ser considerada como um recurso de
complementação de renda da família, uma estratégia de ocupação em períodos de
ociosidade de tempo de determinados membros da família, ou o simples da pessoa não se
identificar com as atividades realizadas dentro da própria unidade familiar de produção.
No caso das mulheres, aderir à pluriatividade significa obter autonomia financeira e
pessoal. Neste sentido, a reflexão acerca do conceito de pluriatividade e dos contextos
sociais brasileiros onde ela ocorre auxiliará na análise dos efeitos da pluriatividade nas
relações de gênero e trabalho em unidades familiares de produção no município de
Orizona, Goiás.

2.3 ORIZONA COMO CAMPO DE PESQUISA

A partir dos estudos da história da formação agrária no estado de Goiás,


especificamente sobre a formação fundiária da região sudeste do estado, vieram à luz
alguns questionamentos em relação às características das propriedades rurais da região e
de seus detentores assumidas na atualidade. O município de Orizona, de acordo com o
Censo de 2010 (IBGE) possui 14.300 habitantes, sendo 44,2% localizados na zona rural.
A estrutura agrária de Orizona, de acordo com dados do Sistema Nacional de Cadastro
Rural/INCRA (2011) caracteriza-se por haver um grande número de minifúndios e
pequenas propriedades, em quantidade, os minifúndios estão contabilizados em 1.498 e
as pequenas propriedades em 1.133, ocupando quase 50% do total da área do município.
Pode-se julgar um número elevado, comparado aos outros nove municípios da região,
considerando que a média de minifúndios é de 396 e de pequenas propriedades de 354.
Durante a década de 1940, ocorreu uma intensificação da modernização no campo
que aconteceu por meio do intermédio da igreja católica. A Semana Ruralista foi o recurso
encontrado pela igreja de introduzir na comunidade orizonense novos conhecimentos
57

sobre máquina, adubo, semente, remédio, por meio de cursos e palestras. Sua proposta de
intervenção, com a I Semana Ruralista, que aconteceu entre 18 e 24 de junho de 1960,
esteve mais ligada à modernização do que uma proposta na mudança da estrutura
fundiária na região (TAVARES, 2002). Foi também a partir deste período que as
atividades relacionadas à pecuária se expandiram em Orizona. Hoje, a pecuária leiteira é
a principal atividade do município, tendo notoriedade como uma das principais bacias
leiteiras do estado de Goiás, sendo a maior do sudeste goiano. Ademais a produção de
leite, cabe destacar que a partir do ano de 1985 houve uma expansão de plantio de
lavouras de grãos como soja e milho, realizados principalmente por grandes proprietários
que toma grande parte das atividades agrícolas da região (MATOS, 2011).
Segundo Matos (2011), a produção de leite em Orizona é oriunda de todas as
categorias de produtores. De acordo com dados coletados junto ao Sindicato Rural de
Orizona, o produtor no âmbito da produção de leite é considerado pequeno caso produza
até 100 litros de leite, a produção entre 100 e 500 litros é tido como médio produtor e
acima de 500 litros, grande produtor. A produção de leite em Orizona utiliza de modernas
tecnologias, adotada principalmente pelos médios e grandes produtores, mas mesmo os
pequenos lançam mão do uso de ordenhas mecânicas e quando não possuem tanto capital
para investir, compartilham tecnologias como os tanques de resfriamento, necessários
para conservação de leite e exigido como requisito legal pelas empresas de laticínios as
quais os produtores vendem sua produção.
Orizona possui uma característica marcante que é a organização de sua população
por meio de associações. A organização social da população se torna essencial na busca
da garantia da reprodução social e econômica no meio rural, no caso de Orizona, tornou-
se necessário estabelecer o associativismo no município no decorrer da década de 1980
para criar condições para que principalmente os pequenos agricultores permanecessem
no campo. As organizações rurais que hoje estão presentes em Orizona são: Escola
Família Agrícola, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Sindicato Rural (Patronal), Centro
Social Rural, Central das Associações Rurais, Cooperativa de Crédito, Comunidades
Eclesiais de Base (total de 55) e Associações de Pequenos Produtores Rurais (total de 28)
(TAVARES, 2002).
Dentre as associações apresentadas, cabe destacar a Escola Família Agrícola de
Orizona (EFAORI). Criada no ano de 1999, a escola iniciou suas atividades ofertando o
58

curso de Ensino Médio Integrado ao Ensino Técnico Profissionalizante em Agropecuária.


A ideia de implementar uma escola rural no município surgiu a partir da demanda da
população orizonense, se deparando com os desafios típicos da vida no meio rural e a
necessidade de aperfeiçoar a formação escolar dessa população. A escola é administrada
pelo Centro Social Rural de Orizona, em convênio com a Secretaria de Estado da
Educação e Secretaria Municipal de Educação e oferta o curso de ensino médio com uma
formação técnica voltada para a agricultura familiar, assumindo a modalidade da
Pedagogia da Alternância. A EFAORI desde sua criação até o ano de 2016 entregou mais
de 300 diplomas, sendo seu objetivo oferecer uma educação de qualidade as/aos filhas/os
de produtoras/es rurais, no intuito de formar cidadãs e cidadãos críticos. Por meio das
aulas práticas em sua própria propriedade, é possível utilizar do conhecimento científico
e aplicá-lo em sua realidade no meio rural. Quando essa forma de educação é promovida,
há uma mudança na visão de mundo e de vida dessas pessoas e de suas famílias, de forma
que condições econômicas e sociais sejam criadas para que essa população permaneça no
campo (RIBEIRO, 2017).
Diante da breve descrição da formação agrária de Orizona, é possível notar a
relevância do município para esta pesquisa, considerando que são pouquíssimas pesquisas
neste meio voltadas para a pluriatividade e mais raras ainda são aquelas que propõem um
recorte de gênero.

3. PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS, ANÁLISE DE DADOS E


RESULTADOS

3.1 TRABALHO DE CAMPO

O município de Orizona, localizado no sudeste do estado de Goiás, como já


apresentado, foi escolhido como campo de pesquisa por apresentar um elevado número
de pequenas propriedades rurais em relação aos munícipios da microrregião de Pires do
Rio. Orizona possui um importante papel para a economia do estado de Goiás, no que diz
respeito a cadeia produtiva do leite (CASTRO, 2014), além de possuir uma população
rural bastante organizada, havendo uma grande adesão por parte desta a sindicatos e
associações (TAVARES, 2002). As atividades do município, que não ficaram alheias ao
processo de modernização agrícola, sofreram transformações nas condições de produção
59

e por consequência mudanças nas relações produtivas no meio rural. Nessa lógica, esta
pesquisa buscou, em trabalho de campo, identificar como mulheres originárias de unidade
familiares de produção aderiram à prática da pluriatividade como estratégia de
sobrevivência no campo e qual impacto de sua inserção em atividades não-agrícolas nas
relações familiares, nas relações de gênero e de produção.
O tipo de amostragem adotado assume o cunho não probabilístico, sendo utilizada
a abordagem da amostragem em bola de neve. Esse tipo de amostragem costuma ser
utilizado em estudos quando há difícil acesso aos grupos de interesse da pesquisa. No
primeiro momento da aplicação da amostragem em bola de neve, utiliza-se de
informantes-chaves e/ou documentos, com o objetivo de identificar pessoas que tenham
o perfil esperado para a pesquisa. Esses informantes-chaves e/ou documentos, são
chamados de sementes, pois são essenciais para auxiliar a pesquisadora a obter seus
primeiros contatos, assim como para conhecer, a princípio, o grupo que será pesquisado,
já que é praticamente impossível haver uma amostra probabilística inicial nesse contexto.
Após o primeiro contato, é solicitado às sementes que indiquem outros contatos com as
características esperadas, no caso desta pesquisa, mulheres e homens que vivem em
unidades familiares de produção em que as mulheres executem algum tipo de trabalho
não-agrícola. Espera-se que as sementes indiquem pessoas de sua própria rede pessoal, e
na medida que os novos contatos são realizados, o quadro de amostragem da pesquisadora
irá aumentar em cada entrevista, caso ela solicite mais indicações (VINUTO, 2014). O
quadro de amostragem da pesquisa deixou de ser ampliado quando novas informações
deixaram de ser trazidas para o quadro de análise.
Neste momento, deixo de escrever em terceira pessoa e passo para primeira
pessoa, considerando expor o percurso tomado por mim, pesquisadora, e a relação que
estabeleci com a investigação científica durante o trabalho de campo.
Após finalizar meus estudos de graduação em Ciências Sociais, realizei no início
de 2012 o processo seletivo para professora temporária de Sociologia no Instituto Federal
Goiano, Campus Urutaí, uma instituição localizada na zona rural voltada para ensino,
pesquisa e extensão prioritariamente na área agrícola. De março de 2012 a março de 2014
realizei atividades como docente, vivi na cidade de Urutaí e tive contato com discentes
de toda a região do município. Convivi com colegas de trabalho e alunas/os que eram de
Orizona, desta maneira obtive informações gerais sobre o perfil socioeconômico da
60

população e das atividades produtivas do município. Uma de minhas colegas, a pedagoga


Jussana Tavares, me chamou atenção para a formação sociopolítica da população,
especialmente da rural, influenciada por padres italianos que chegaram no município nos
anos de 1970. Jussana me apresentou seu trabalho de mestrado que abordava o
associativismo rural e a educação em Orizona, o que despertou meu interesse em seguir
uma pesquisa neste lugar a partir de uma abordagem sociológica.
No ano de 2015, decidi realizar o processo seletivo para o mestrado e a minha
ideia era apresentar uma proposta de projeto que tivesse como campo de pesquisa
Orizona. Assim que ingressei no mestrado, em 2016, o projeto de pesquisa foi revisado,
passando por poucas modificações. Em julho de 2017 fui a campo, porém antes de ir
diretamente a Orizona, fiz uma visita ao IFGoiano, campus Urutaí. O contato se iniciou
a partir de meus ex-colegas e ex-alunas/os que realizam trabalhos diretamente com
agricultoras/es familiares ou são até mesmo filhas/os destas/es. Luccas Geovani, meu ex-
aluno e membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Agroecologia, juntamente com o
professor Milton Dornelles e minha também ex-aluna Naiane Sousa, filha de pequenos
produtores rurais em Orizona, foram essenciais para que eu conseguisse estabelecer
contato com as/os entrevistadas/os. Na lógica da amostragem em bola de neve, portanto,
Luccas, Milton e Naine foram minhas sementes.
A partir de seus contatos efetuei ligações para as famílias indicadas e marquei
entrevistas. Por meio dessas ligações, consegui a informação sobre o funcionamento da
Feira da Agricultura Familiar de Orizona que costuma acontecer toda quarta-feira no
início de noite e aos domingos durante a manhã. Vi na feira uma grande oportunidade de
abordar agricultoras/es familiares e conseguir entrevistá-las/os. Foi de fato o que
aconteceu, na quarta-feira consegui realizar quatro entrevistas e no domingo três
entrevistas. Na feira, devido ao tempo e a disponibilidade das/os agricultoras/es em
deixarem seus postos de trabalho, não consegui entrevistar algumas pessoas, decidindo-
me por marcar uma visita a suas propriedades. Muitas entrevistas foram desmarcadas
pelas pessoas contatadas ou mesmo por mim, devido à longa distância das propriedades
rurais da cidade, inviabilizando meu acesso às pessoas que eram entrevistadas em
potencial. Além dos contatos realizados por meio de telefonema e na feira da agricultura
familiar de Orizona, obtive informação na EMATER local que haveria a reunião mensal
61

da Associação de Artesãos de Orizona, onde foi possível abordar pessoas que assumem
o perfil de interesse da pesquisa.
O método qualitativo é a abordagem adotada nesta pesquisa. Flick (2007) entende
que a relevância da pesquisa qualitativa está voltada para o fato de as esferas da vida
serem pluralizadas, exigindo que a investigação empírica das questões tenha uma nova
sensibilidade. Essa sensibilidade deve se voltar para narrativas em âmbitos situacionais,
locais e temporais, compreendendo a diversidade de padrões de interpretação e de estilos
de vida. A pesquisa qualitativa vai em busca da subjetividade do sujeito pesquisado,
visões de mundo, perspectivas, características sociais, emocionais e físicas que por meio
de uma pesquisa quantitativa talvez não poderia ter sido acessada. De acordo com Flick,
mais essencial que a contemplação dos discursos e das narrativas, é “o estudo dos
significados subjetivos e da experiência e prática cotidianas” (2007, p. 18).
A respeito da conduta da pesquisadora neste tipo de investigação, para Flick
(2009) espera-se que haja algum tipo de familiaridade com os acontecimentos no âmbito
que se pretende pesquisar. Além de ter trabalhado em uma instituição localizada na zona
rural e com suas atividades voltada para este meio, é importante destacar que sou filha de
pequenos produtores rurais. Nasci em Aurilândia, no interior de Goiás e vivi meus
primeiros anos de vida na fazenda de meu avô paterno. Meu pai sempre esteve vinculado
com atividades rurais mesmo nos mudando para cidade, quando eu tinha apenas dois anos
de idade. Quando criança sempre ia a fazenda do meu avô, observava e participava de
alguma maneira das atividades cotidianas, desde de ajudar minhas tias a empacotarem a
carne da novilha, que era abatida na propriedade de tempos em tempos para alimentar a
família, a observar meu avô preparar o couro da vaca para produzir artesanalmente a
pinhola (chicote); aos sábados durante minha infância acompanhava meu pai para vender
e comprar gado após um dia de leilão, depois saíamos de fazenda em fazenda na região
de São Luiz de Montes Belos para meu pai fazer mais negócios. Às vezes minha mãe
acompanhava, mas na maioria das vezes ela ficava em casa para fazer suas atividades ou
até mesmo descansar um pouco mais, já que ela era responsável pelo cuidado de mim e
de minhas irmãs em tempo integral. Eram nestes momentos que aproveitávamos para
andar a cavalo, para comer diversos tipos de quitandas e doces típicos goianos, enquanto
meu pai negociava gado, ficávamos nas casas conversando geralmente com as mulheres
das fazendas, sejam elas produtoras ou empregadas rurais.
62

Durante minha adolescência, devido a dificuldades financeiras, meus pais


aceitaram a proposta de trabalharem como trabalhadores rurais em uma propriedade de
tios em Araguari, Minas Gerais. Desde meus dois anos de idade não morava na zona rural,
morei ali por três anos. Foi neste momento que comecei a viver o ritmo da vida no campo,
acordar às 4:30 horas da manhã para me organizar para ir para a escola na cidade, chegava
da cidade minha mãe já nos esperava com o jantar pronto, no final da tarde geralmente
participava de alguma atividade como aguar a horta e jogar milho para as galinhas, aos
finais de semana em época de colheita, costumava, junto com minha família, colher o
milho que a máquina não colhia. Quando terminei o ensino médio, fiz o vestibular para
Ciências Sociais, mudei-me para Goiânia para fazer graduação e um tempo depois, meus
pais voltaram para Goiás, para viverem em uma chácara alugada na cidade de Turvânia.
Há nove anos eles vivem nesta região, minha mãe produzindo queijos, criando porcos,
galinhas e comercializando gado juntamente com meu pai. Hoje não trabalho tão
ativamente com minha família, por viver em outra cidade lecionando em uma escola de
ensino médio, mas ao menos uma vez ao mês eu os visito, sempre participando das
atividades que são realizadas na chácara, como limpeza da casa, cuidado dos animais de
pequeno porte, produção de queijo e em época de outono e inverno, chamamos de época
da seca, auxilio minha mãe e meu pai no trato do gado.
Laperrière (2008) ao realizar observações acerca da importância da subjetividade
na pesquisa social, destaca a abordagem fenomenológica de Schutz, a interacionista de
Mead e Blumer e a abordagem interpretativa de Weber, os quais compreendem que
“nossa apresentação do mundo social passa por uma atividade de seleção e de
interpretação, ligada a valores” (2008, p. 412). Apresenta ainda uma perspectiva
pragmática de Peirce e Dewey, em que há o entendimento que o objetivo e o subjetivo
são indissociáveis, que “os objetos são construídos por meio da observação e do
pensamento” (2008, p. 413) e a tentativa de separar o mundo e o pesquisador
epistemologicamente seria algo ilusório, além de prejudicar a formação do nosso
conhecimento, a qual está estreitamente conectada à nossa vivência no mundo. Por isso,
descrevo aqui, de maneira breve, minha trajetória de vida, para justificar o meu vínculo
com o objeto de minha pesquisa e como lido com a subjetividade em uma pesquisa de
cunho qualitativo.
63

Observa-se que minha trajetória de vida influenciou diretamente na escolha do


meu objeto de pesquisa, porém as opções teóricas foram essenciais para fundamentar e
direcionar meu olhar para o objeto a partir da perspectiva científica. A subjetividade da
relação entre a pesquisadora e os sujeitos é essencial em uma pesquisa qualitativa, bem
como, enquanto pesquisadora conhecer o contexto pesquisado de forma aprofundada, ter
vivenciado o campo como parte de sua experiência de vida, contribuiu de forma
significativa para que as/os pesquisadas/os estabelecessem uma relação de confiança,
acabando por colaborar abertamente com a pesquisa, sendo possível adquirir uma melhor
qualidade de informações no processo de coleta de dados. Cabe destacar que, apesar de
ter a vivência de filha de pequenos produtores rurais, a relação de confiança que estabeleci
foi agregada pelas pessoas que foram as sementes da pesquisa, visto que em sua maioria
tinham contato direto com o grupo pesquisado e/ou eram da própria comunidade. Por esse
ângulo, Laperrière enfatiza:

(...) a importância de uma análise contínua, pelo pesquisador, dos efeitos de


suas opções teóricas e de sua implicação social e emocional sobre seu objeto
de pesquisa, sendo seu julgamento requisitado em cada uma das etapas cruciais
do processo de pesquisa: na escolha do problema de pesquisa e dos métodos
para responder a ele, na delimitação do fenômeno ou da situação a pesquisar,
na forma de abordar os sujeitos da pesquisas, nas dimensões e perspectivas a
privilegiar em termos da amostra e das análises, etc. Efetivamente, os
fenômenos humanos podem ser apreendidos a partir de diversas perspectivas
teóricas, demandando um enfoque diferente na coleta e análise dos dados;
importando, assim, que as escolhas do pesquisador sejam claramente
indicadas, de modo a permitir uma correta contextualização dos resultados. Por
outro lado, o julgamento do pesquisador não se forma senão a partir de seus
conhecimentos formais ou de suas análises teóricas. É a sua experiência
integral que é solicitada pelo campo de pesquisa: sua apreensão pessoal do
mundo, seus sentimentos, suas intuições, seus valores. Abstraindo-a, volta a
deixá-la descontrolada, inconsciente, e, portanto, insidiosa, tornando-se
invisíveis as posições pessoais do pesquisador no processo de objetivação dos
dados. Enfim, a pesquisa nas ciências humanas é reflexiva: a interação entre
os sujeitos e o pesquisador não se dá sem consequências, de parte a parte (2008,
p. 414).

Neste sentido, Laperrière (2008) entende que a pesquisa qualitativa não esvazia a
subjetividade, ao contrário, a interação entre pesquisador e sujeito faz-se necessária e
assume importância na qualidade da análise contínua desta interação. Sobre a noção de
objetividade, ela não é ignorada por Laperrière, a autora trabalha com a perspectiva de
Guba e Lincoln em que a objetividade não é aquela ideia de neutralidade exigida por
outras abordagens metodológicas por parte da pesquisadora, mas uma objetividade deve
estar presente na qualidade dos dados.
64

A ferramenta de coleta de dados escolhida foi a entrevista semiestruturada. Este


tipo de abordagem foi escolhido por ser um meio mais provável das pessoas a serem
entrevistadas expressarem suas perspectivas, pois diferente de questionários e entrevistas
padronizadas, esta categoria de entrevista possui um planejamento um pouco mais aberto
(FLICK, 2007). São diversos os tipos de entrevistas semiestruturadas, a adotada por esta
pesquisa foi a entrevista semipadronizada. Com o intuito de acessar a subjetividade da
pessoa entrevistada, a entrevista semipadronizada é aplicada em busca da chamada
“reserva complexa de conhecimento” que a pessoa possui acerca do assunto. De acordo
com Flick:

Esse conhecimento inclui suposições que são explícitas e imediatas, as quais


ele pode expressar espontaneamente ao responder a uma pergunta aberta, e que
são complementadas por suposições implícitas. A fim de articulá-las, é
necessário que o entrevistado esteja amparado por auxílios metodológicos,
razão pela qual são aqui aplicados diferentes tipos de questões. Essas questões
são utilizadas para reconstruir a teoria subjetiva do entrevistado sobre o assunto
em estudo (2007, p. 95).

O roteiro da entrevista foi elaborado considerando a proposta de entrevista


semipadronizada como já apresentado, organizando a questões abertas pelos seguintes
temas:
• Dados pessoais e dados da família;
• Trajetória de vida;
• Acesso a direitos, associações e sindicalização;
• Atividades reprodutivas e produtivas realizadas na unidade familiar de produção;
• Uso do tempo em atividades reprodutivas e produtivas realizadas na unidade
familiar de produção;
• Atividades produtivas realizadas fora da unidade familiar de produção;
• Uso do tempo em atividades produtivas realizadas fora da unidade familiar de
produção;
• Uso do tempo em atividades de lazer e exercícios físicos;
• Uso do tempo em descanso;
• Jornada de trabalho na unidade familiar de produção;
• Jornada de trabalho fora da unidade familiar de produção;
65

• Entendimento sobre a vida dedicada ao trabalho e ao não trabalho e perspectivas


futuras.
O roteiro de pesquisa apresenta a preocupação acerca do uso do tempo das/os
entrevistadas/os em suas diversas atividades cotidianas, tanto de trabalho quanto de não
trabalho. Os estudos que buscam investigar a desigualdade de gênero, no âmbito do
trabalho, costumam lançar mão da metodologia chamada de uso do tempo como recurso
para identificar as diferenças que há em relação ao tempo investido por homens e
mulheres em determinados tipos de atividades, influenciando na maneira como
estabelecem as relações familiares, a autonomia de cada indivíduo sobre sua própria vida,
assim como a posição social e seu desenvolvimento profissional.
Aguiar (2010) aponta que no Brasil e em outras partes do mundo as pesquisas de
uso do tempo utilizam uma variada gama de metodologias de investigação, sendo as mais
comuns:
(1) o emprego de diários para registro do que é realizado no decorrer do dia;
(2) o uso de perguntas para estimar o tempo despendido em atividades
determinadas, por meio de uma espécie de diário estilizado; (3) a utilização de
observação de atividades desenvolvidas pela população estudada para o seu
levantamento em um dado intervalo de tempo; (4) o uso de aparatos
computacionais para pesquisar atividades, utilizados como principais
instrumentos de registro, ou em combinação com diários ou questionários
(AGUIAR, 2010, p. 65).

Cada um dos métodos destacados apresenta suas vantagens e suas limitações no


desenvolvimento da pesquisa. No caso do diário é necessário que uma entrevista seja
realizada no dia seguinte para que haja uma verificação dos dados. Já a forma da
entrevista exige que as informações sejam levantadas de modo focalizado no tempo que
é despendido nas atividades específicas. A desvantagem deste método é que não é
possível ter uma visão da totalidade do período de tempo em que se é investigado, pois
pode acontecer de não se considerar totalmente as vinte e quatro horas do dia, fazendo
com que o tempo de realização de determinadas atividades sejam subestimadas, ou até
mesmo tais atividades não sejam apresentadas, além do entrevistado precisar recorrer à
memória, estando sujeito a algum equívoco (AGUIAR, 2010).
No caso desta pesquisa, devo destacar que o recurso de análise a partir do uso do
tempo não é a principal técnica de levantamento de dados, mas um instrumento
complementar. Diante da minha realidade como pesquisadora, devido a uma limitação de
tempo e por não morar no local do campo da pesquisa, foi decidido eleger a entrevista
66

como recurso de coleta de dados. A princípio foi considerada a possibilidade de utilizar


o diário de uso do tempo, porém, na realização do pré-teste observou-se que as atividades
no meio rural, muitas vezes no meio de animais, exigindo muita atenção e dedicação, não
seria possível que as/os entrevistadas/os conseguissem se dedicar à descrição de suas
atividades em sua totalidade, além de que possivelmente seria mais complicado eu voltar
a campo no outro dia para verificar os dados de todas/os entrevistadas/os.
No caso da entrevista, apesar de recorrer bastante à memória da/o entrevistada/o,
percebe-se que no geral há uma rotina estabelecida e uma noção concisa por parte destas
pessoas sobre quando e como são realizadas suas atividades diárias. É interessante
observar que na lógica das atividades no meio rural e mesmo das atividades domésticas,
a rotina está sujeita a uma grande variação. Em razão disso, no decorrer da entrevista
mensurar o tempo gasto em cada atividade seja um desafio, por esta razão, as questões do
roteiro buscam recorrer a várias estratégias, com diferentes perguntas, confirmando e
verificando as informações transmitidas pelas pessoas entrevistadas.
Os dados foram levantados por meio de entrevistas efetuadas com dez mulheres e
sete homens agricultoras/es familiares. Todas as mulheres e quatro homens estão
enquadradas/os em atividades consideradas pluriativas, cumprindo com a proposta da
pesquisa em investigar se a inserção de mulheres no mercado de trabalho em atividades
agrícolas e não-agrícolas interfere na dinâmica das relações sociais das quais fazem parte.
O campo levou duas semanas para ser realizado desde o momento que cheguei na
região. Uma semana foi utilizada apenas para realizar o contato direto com as/os
pequenas/os agricultoras/es familiares e mais uma semana foi o tempo que levei para
realizar todas as 17 entrevistas, que possuem em média 40 minutos, totalizando mais de
11 horas de entrevistas.
O fato de o campo de pesquisa se realizar com mulheres e homens que vivem na
zona rural, fez com que houvesse uma dificuldade por minha parte, como pesquisadora,
no que diz respeito ao acesso às/aos entrevistadas/os, principalmente pelo fato de eu não
me dispor de meio de transporte próprio. Ainda assim, com esta limitação, foram
realizadas 8 entrevistas nas unidades familiares de produção, 7 entrevistas na feira da
agricultura familiar de Orizona, uma entrevista no local de trabalho da entrevistada e uma
entrevista na Associação dos Artesãos de Orizona.
67

A decisão de finalizar o campo foi assumida a partir da ideia de Corbin e Strauss


(2008) sobre saturação de dados. Diante da repetição no discurso das/os entrevistadas/os,
ou seja, a saturação dos dados, foi definido, por minha parte, o encerramento da pesquisa
de campo.

3.2 ANÁLISE DOS DADOS

O principal propósito desta pesquisa é investigar como a prática da pluriatividade,


exercida por mulheres, pode afetar as relações de gênero e trabalho nas unidades
familiares de produção. Este recorte fez com que fossem priorizadas mulheres pluriativas
que vivessem com pessoas do sexo masculino. Neste trabalho, foi possível realizar 17
entrevistas com 10 mulheres e 7 homens, sendo seis casais, uma mãe viúva e seu filho,
três mulheres casadas, mas que não foi possível entrevistar seus respectivos
companheiros. Priorizar a entrevista de casais foi pensado a partir da ideia de confrontar
os discursos e comparar os dados apresentados, segundo as perspectivas feminina e
masculina em uma mesma unidade familiar de produção. A bibliografia apresentada foi
a base para análise dos dados, sendo utilizado como recurso de categorização destes dados
o software ATLAS.ti. Idade, local de nascimento, estado civil, quantidade de filhos, com
quem mora, escolaridade, raça/cor, posição no domicílio/pessoa de referência, ocupação,
escolaridade dos pais, contribuição de cada pessoa na família nas atividades e na renda
foram as questões realizadas no início da entrevista, no intuito de fazer um levantamento
dos dados pessoais das/os entrevistadas/os e de sua família.
Os nomes das pessoas entrevistadas serão mantidos em sigilo, por essa razão, será
utilizado nomes fictícios. O quadro a seguir, apresenta os nomes e a relação estabelecida
entre as/os entrevistadas/os:

Quadro 1 – Perfil das pessoas entrevistadas


Nome Idade Raça/ Escolaridade Naturalidade Filhas Estado Companheira/o
Cor /os Civil entrevistada/o
Aurora 50 Parda Ensino Médio Orizona - GO Sim Casada Gabriel
completo

Elizabeth 51 Branca Ensino Médio Vianópolis - Sim Casada Fernando


completo GO
68

Adriana 45 Branca Ensino Silvânia - GO Sim Casada Não


Fundamental entrevistado
completo
Ivone 43 Branca Ensino Inhumas - GO Sim Casada Não
fundamental entrevistado
incompleto
Marina 52 Parda Ensino Orizona - GO Sim Casada Cássio
fundamental
incompleto
Noemi 45 Branca Ensino Orizona - GO Sim Casada Não
fundamental entrevistado
incompleto
Patrícia 25 Parda Ensino Médio Goiânia - GO Não Casada Sandro
completo

Rosana 54 Parda Ensino Médio Orizona - GO Sim Casada João


incompleto

Sônia 44 Branca Ensino Médio Orizona - GO Sim Casada Paulo


incompleto

Úrsula 49 Parda Ensino Médio Orizona - GO Sim Viúva Saulo (filho)


incompleto

Cássio 54 Parda Ensino Orizona - GO Sim Casado Marina


Fundamental
completo
Fernando 66 Branca Ensino Médio Orizona - GO Sim Casado Elizabeth
completo

Gabriel 52 Parda Analfabeto Orizona - GO Sim Casado Aurora


João 48 Parda Ensino Orizona - GO Sim Casado Rosana
fundamental
incompleto
Paulo 48 Branca Ensino Orizona - GO Sim Casado Sônia
fundamental
incompleto
Saulo 24 Branca Ensino Médio Orizona - GO Não Solteir Úrsula (mãe)
completo o

Sandro 30 Pardo Ensino Médio Orizona - GO Não Casado Patrícia


completo

Fonte: entrevistas

Traçar o perfil das/os entrevistadas/os é um dos objetivos específicos desta


pesquisa, por isso, a seguir serão descritas suas principais características. As pessoas
69

entrevistadas são trabalhadoras que nasceram e foram criadas no meio rural. Todos os
homens nasceram no município de Orizona e apenas quatro das dez mulheres nasceram
fora de Orizona, todas/os com vínculo estabelecido desde cedo com a zona rural do
município. Suas mães e seus pais também eram produtoras/es rurais, com baixa
escolaridade, três entrevistados (duas mulheres e um homem) afirmaram que não sabiam
a escolaridade dos pais, mas comentaram que era um nível muito baixo. Um homem e
uma mulher afirmaram que os pais eram analfabetos, uma mulher informou que os pais
eram apenas alfabetizados, duas mulheres disseram que suas mães possuíam ensino
médio completo e um homem informou que sua mãe possui ensino fundamental completo
e seu pai havia cursado todo o ensino médio, todas as outras pessoas entrevistadas
afirmaram que suas mães e seus pais não haviam completado o ensino fundamental.
Nenhuma pessoa entrevistada afirmou ter chegado a estudar no ensino superior, porém
no caso de um casal a filha e o filho estão cursando os estudos a nível de mestrado, e
outros sete entrevistados afirmaram ter filhas/os graduadas/os ou graduandas/os, o que
demonstra que a realidade no que diz respeito a escolaridade vem sofrendo substanciais
mudanças sobre as gerações mais novas.
Na pesquisa de Castilho e Silva e Schneider (2010), o perfil de famílias pluriativas
em duas cidades estudadas no estado do Rio Grande do Sul apresentam características
similares às famílias pesquisadas em Orizona, há uma predominância do baixo nível
educacional, se enquadrando a maioria das/os entrevistadas/os ao ensino fundamental. A
faixa etária acima de 40 anos é outro dado que coincide com este trabalho, como será
exposto a seguir.
A maioria das/os entrevistadas/os se enquadram na faixa etária dos 40 e 50 anos,
são cinco mulheres e dois homens que possuem entre 40 e 49 anos, quatro mulheres e
dois homens entre 50 e 59 anos, um homem com 66 anos, um homem com 30 anos e
apenas uma mulher e um homem na faixa de idade entre os 20 e 29 anos. É possível
perceber que, neste universo, há uma escassa presença de jovens na zona rural, sendo
mulheres e homens casadas/os, com famílias nucleares e acima de 40 anos mais presentes
neste meio. Alguns estudos como os de Brumer e Anjos (2008), Carneiro (2001) e Paulilo
(2004) retratam sobre a migração de jovens no meio rural com recorte de gênero. Apesar
desta pesquisa se atentar para a questão da busca do trabalho não-agrícola por parte das
mulheres residentes em unidades familiares de produção, inclusive como estratégia para
70

permanência de residência no meio rural, não será possível desenvolver uma reflexão
mais aprofundada sobre a migração da população jovem do campo para cidade, em
especial com o olhar a migração feminina, como fizeram as autoras supracitadas.
A respeito da trajetória de vida dessas pessoas, preocupou-se em investigar as
ocupações que elas assumiram no decorrer de suas vidas, com quantos anos começaram
a realizar algum tipo de trabalho, com quantos anos se casaram e com quantos anos
tiveram filhos.
Seguem algumas falas sobre a iniciação em sua vida no trabalho rural:

Toda vida a gente tinha os afazeres. Tinha que carrear a lenha pra dentro, tinha
que varrer o terreiro, tinha que tratar das galinhas. Desde que começou andar,
começou a trabalhar (Rosana).

Assim alguma coisinha foi lá pelos 7 anos de idade. Já mexia alguma coisinha
ali com a minha mãe, com o meu pai. Agora pra trabalhar direito mesmo na
roça eu já tinha uns 12 anos (Fernando).

Com 5 anos eu já corria atrás do meu pai pra todo lado. Meu pai trabalhava em
troca de 1 litro de manteiga pra criar 11 filhos, naquela época era muito difícil.
Agora já melhorou muito. Pra vir em Orizona tinha que gastar o dia inteirinho,
porque tinha que vir de cavalo ou de a pé, são 22 km. Então era muito difícil.
Naquela época eu solteiro, os mais velhos criavam os mais novos (Gabriel).

Ajudando minha mãe acabou que desde de nova, meus irmãos nasceu gêmeos
os mais novo, aí a gente criança não consegue ajudar muito, mas de qualquer
forma, qualquer tantinho já ajuda. Depois quando eu estava com 16 anos, ela
sofreu derrame, aí eu tive que tomar conta das crianças, porque na época os
meninos, os gêmeos acho que estava com três anos ou quatro anos mais ou
menos. Acaba que dependia mais da gente (Ivone).

Eu acho que eu tinha uns 14 anos. Quando eu tinha 14 anos a gente pegava
café em lavoura para ganhar porcentagem. Desde pequena a luta é grande
(Noemi).

Quando eu comecei a andar. Três, quatro anos andava de cavalo e apartava as


vacas. Montava no cavalo e apartava as vacas. Tinha que subir no cupim,
porque era pequenininho (Paulo).

Na zona rural é difícil você falar uma idade. A gente, assim, normalmente as
brincadeiras de crianças já é um trabalho. Mas eu tive uma infância boa. Foi
em torno de 10, 12 anos. A gente teve uma infância bem boa. Assim trabalhar,
trabalhar mesmo nem tanto, porque tem época. Tem a época que você faz
polvilho, tem época que você faz a farinha, tem época que você trabalha mais
com o leite que precisa mais de ajuda essas coisas. Lá pelos 15 anos eu comecei
a tecer mesmo (Sônia).

Com 6 anos eu comecei a trabalhar. Com 11 anos eu aprendi a tirar leite, meu
pai quebrou o pé eu tive que aprender a tirar leite. Nunca parei. (Úrsula)

Bem cedo, eu acho que com 10 anos eu e meu irmão estava todos os dois já
tirando leite no curral (Saulo).
71

Todas/os entrevistadas/os afirmaram que começaram a trabalhar muito cedo, antes


mesmo dos 10 anos de idade realizavam atividades domésticas e em alguns casos já
realizavam atividades que geravam renda para família. A fala de uma das entrevistadas
chama atenção, por considerar que começou a trabalhar assim que aprendeu a andar,
ilustrando como a participação de todos os membros da família é essencial para a
produção e reprodução da vida no campo, no contexto da agricultura familiar. A trajetória
de vida de todas/os está fortemente ligada à vida no campo, com relatos de algumas
pessoas com curto período de tempo vivido na cidade. É possível observar, ainda, a partir
dos depoimentos apresentados, já são desenhadas desde a infância, por meio do processo
de socialização, algumas diferenças nas atividades de trabalho entre mulheres e homens.
As mulheres são encorajadas a assumirem trabalhos vinculados predominantemente ao
âmbito doméstico e os homens vinculados às atividades relacionadas ao cuidado do gado,
atividades no âmbito externo ao doméstico. No caso da fala de uma das entrevistadas, ela
assumiu o trabalho de tiragem do leite apenas porque seu pai se machucou e estava
impossibilitado de realizar tal atividade.
De acordo com Kergoat (2010), as desigualdades entre mulheres e homens que
constituem a divisão sexual do trabalho são construídas no seio familiar, durante o
processo de socialização. É a partir do entendimento da construção desses papeis que será
possível compreender a forma como ocorre a construção social do gênero e como são
estabelecidas suas desigualdades. Por isso, torna-se tão importante buscar conhecer a
trajetória das pessoas entrevistadas.
A ocupação principal dos homens entrevistados varia desde a produção de leite,
hortaliças e gado de corte, até atividades como tratoristas e eletricistas. Os sete homens
entrevistados consideram-se produtores rurais, dois trabalham exclusivamente com esta
atividade, três deles são feirantes, vendendo produtos produzidos em suas unidades
familiares de produção na Feira da Agricultura Familiar de Orizona, dois deles realizam
atividades em outras propriedades como tratoristas, durante o período da produção da
silagem3 que geralmente inicia-se em fevereiro indo até junho, sendo um dos tratoristas

3
A silagem é um produto resultado da fermentação de plantas ou grãos de cereais para que seja conservado
o valor energético do alimento, utilizado principalmente para alimentação animal. No estado de Goiás, onde
há um longo período de seca das pastagens, fonte principal de alimento para o gado, a silagem é uma das
garantias de alimentação dos animais.
72

também eletricista, este oferece assistência nas propriedades próximas ou costuma levar
serviço para serem realizados em sua casa.
A ocupação das mulheres apresenta-se mais diversa, além da atividade doméstica
que todas declaram realizar (o que não acontece com boa parte dos homens), uma delas
realiza trabalho como costureira por encomenda, uma é lojista em tempo integral na
cidade, uma é merendeira em uma escola municipal em tempo parcial, uma é instrutora
do SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e artesã, outras duas são artesãs,
quatro das entrevistadas são feirantes, realizando ainda outras atividades (uma das
feirantes presta serviço de limpeza de calçadas e muro, outra é cabeleireira, além de
produzir quitandas para vender). Todas essas mulheres, umas com maior frequência,
outras com menos, realizam atividades agrícolas, principalmente em hortas próximas a
suas casas. No caso de duas feirantes o cuidado com as hortaliças é sua principal
atividade.
Foram realizadas perguntas relacionadas ao acesso a direitos, associações e
sindicalização, e constatou-se que das/os 17 entrevistadas/os, 12 afirmaram fazerem parte
de alguma associação ou sindicato. Quando questionadas/os se contribuíam ao INSS
(Instituto Nacional do Seguro Social), apenas três mulheres (estas assumem empregos
fixos de carteira assinada) e um homem disseram contribuir ou ter contribuído, as/os
outras/os afirmaram não contribuir por já estarem filiadas/os ao sindicato, impedindo que
este repasse seja realizado diretamente, atendendo às regras estabelecidas pelo sistema
governamental. Apenas uma mulher informou já ter recebido benefício do governo como
a Bolsa Família, uma mulher declarou receber auxílio transporte para os filhos irem à
escola, outra mulher afirma receber pensão devido à morte do marido e um homem e uma
mulher já foram beneficiados por auxílio doença.
Quanto às condições da propriedade, observa-se que, de acordo com os dados
apresentados, o tamanho das propriedades varia entre 5 e 59 hectares, enquadrando-se na
primeira exigência, de acordo com a Lei da Agricultura (Lei nº11.326/06), como
agricultura familiar ou empreendimento familiar rural, pois as áreas não possuem mais
que 4 módulos fiscais, entendendo que, como já apresentado, um módulo fiscal na
microrregião de Pires do Rio pode variar entre 30 e 40 hectares. Vale ressaltar que, as
unidades familiares de produção, em sua maioria, são próprias das/os entrevistadas/os,
sendo adquiridas por meio da compra ou por herança, este tipo de situação se enquadra
73

no discurso de sete mulheres e cinco homens. A categoria de propriedade comunal, ou


comunhão familiar, caracterizada como a propriedade rural em que seu usufruto é divido
entre vários membros da família, corresponde à realidade de três mulheres e dois homens
entrevistadas/os.
A renda é um elemento essencial para traçar o perfil das/os entrevistadas/os, no
entanto, no meio rural, esta categoria pode sofrer uma grande variação. Considerando as
atividades como a produção do leite, pode haver média de produção, mas esta varia dia a
dia, assim como ocorre com o caso das pessoas que são feirantes, cada dia na feira há
uma quantidade de mercadoria vendida, sem falar da produção do artesanato e de outras
atividades como a costura, produção de doces e limpeza de calçadas, os quais dependem
de uma demanda de serviço. Quatro entrevistadas/os preferiram não informar a renda
familiar e individual, ou por haver uma significativa variação dos valores ou por certa
desconfiança de informar sua própria renda. Devido a essa desconfiança, percebe-se que
muitas vezes os valores informados podem ter sido subestimados.
A renda familiar variou de um salário mínimo4 a vinte e um salários mínimos. A
média dos rendimentos domiciliares per capita referentes ao ano de 2017 no Brasil foi no
valor de R$ 1.268,00, um pouco mais de um salário mínimo, enquanto a média da renda
familiar no estado de Goiás foi de R$ 1.277,00, um pouco maior que a média nacional
(IBGE, 2017). Houve uma grande variação no valor da renda familiar das pessoas
entrevistadas, apenas um casal de entrevistados ultrapassou a renda de oito salários
mínimos, todos os outros encontram-se abaixo desse valor, mesmo da tamanha
irregularidade na exposição deste dado como já exposto, daquelas/es que declaram sua
renda, apenas uma das pessoas possui uma renda familiar de um salário mínimo, as/os
outras/os declararam receber acima da média nacional.
No contexto da renda individual Adriana e Úrsula, que possuem trabalho com
carteira assinada afirmaram auferir um salário fixo no valor de um salário mínimo e meio.
A maior renda individual bruta apresentada, de dezesseis salários mínimos, foi de Cássio,
produtor de leite, e sua companheira, Marina que recebe entre seis e sete salários mínimos,
podendo receber menos ou mais dependendo da produção do mês. Chama atenção que
entre as mulheres entrevistadas que são feirantes ou artesãs, o valor individual de suas

4
O valor do salário mínimo no ano de 2017, período em que o trabalho de campo foi realizado, era de R$
937,00.
74

rendas pode variar entre cem reais e sete mil reais, ou seja, bem menos de um salário
mínimo a sete salários mínimos. Vale destacar que todas mulheres entrevistadas recebem
pelos trabalhos produtivos que realizam e possuem autonomia na gestão de sua renda.
As pessoas entrevistadas também foram questionadas sobre acesso a
financiamento pessoal ou para a propriedade. Um casal, Fernando e Elizabeth, afirmaram
nunca terem buscado financiamento, assim como Patrícia, porém seu companheiro
Sandro admitiu já ter recorrido a financiamento para sua propriedade. Todos os outros
casais afirmaram já ter solicitado financiamento, até mesmo Adriana, Ivone e Noemi que
não tiveram seus companheiros entrevistados. Considerando os seis casais e as três
últimas mulheres citadas, oito mulheres declaram ter solicitado financiamento. Destaca-
se que quando questionadas sobre quem fez a solicitação, sete dessas mulheres afirmaram
que foram seus companheiros, indicando que a responsabilidade pelo investimento na
propriedade é assumida, no caso dos dados desta pesquisa, em sua maioria por homens.
Cintrão e Siliprandi (2010) demonstram em seus estudos que há uma tendência das
mulheres não assumirem frente no acesso a financiamento, principalmente pelo fato da
pessoa de referência estar ligada de forma predominante à figura masculina. O Pronaf
(Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) criou uma linha de
crédito voltada especificamente para mulheres agricultoras familiares apenas na safra
2003/2004, buscando estimular as mulheres rurais ao crédito. Os dados da pesquisa de
alguma maneira confirmam como as relações de poder estabelecidas entre os gêneros na
unidade familiar de produção também influenciam no acesso ao financiamento e
autonomia para o investimento na unidade familiar de produção.
Após a descrição do perfil das/os entrevistadas/os e das características das
unidades familiares de produção, cabe agora apresentar finalmente os aspectos das
relações de trabalho e gênero das/os entrevistados. Para analisar as relações de trabalho e
gênero no meio rural é necessário pensar a relação estabelecida entre o trabalho produtivo
e reprodutivo, quem os executa e como os executa, se recebem um retorno financeiro para
execução destes trabalhos, além da autonomia e reconhecimento das pessoas que realizam
determinadas atividades.
O primeiro tema abordado, a partir do recorte apresentado, trata das atividades
reprodutivas e produtivas realizadas dentro da unidade familiar de produção. O trabalho
doméstico tratado com trabalho reprodutivo (HIRATA; KERGOAT, 2007) está
75

vinculado às atividades do cuidado da casa, da limpeza, do cozimento de alimentos,


cuidado das/os filhas/os, da horta, do trato de animais domésticos e de animais de pequeno
porte. Como tratado por Saffioti (1985), geralmente este tipo de trabalho não é valorizado
financeiramente, não se recebe um retorno financeiro quando exercido pelo próprio
membro da família, considera-se um trabalho essencial para a manutenção da vida
familiar, de sua reprodução. Segundo Fougeyrollas-Schewebel (2009), o trabalho
doméstico é “um conjunto de tarefas relacionadas ao cuidado das pessoas e que são
executadas no contexto da família – domicílio conjugal e parentela – trabalho gratuito
realizado essencialmente por mulheres”. Assim, não sendo submetido a uma
monetarização por não ser entendido com uma mercadoria dentro da lógica do capital,
está limitado pelo âmbito privado. Já o trabalho considerado produtivo está ligado
diretamente com as atividades que geram renda, no meio rural, a tiragem do leite, a
comercialização de animais como porcos, gado, galinhas, peixes, o plantio de hortas
comerciais ou mesmo de monoculturas são alguns exemplos, está voltado para o âmbito
público.
Bilac (2014), traz o debate acerca do trabalho produtivo e improdutivo e em qual
destes o trabalho doméstico estaria inserido. Bilac declara que:

O trabalho doméstico, como produtor de valores de uso, mas não de valores de


troca (mercadorias), seria, à primeira vista, trabalho improdutivo. Contudo,
essa conclusão não era satisfatória e outras soluções teóricas foram propostas.
Não cabe aqui rediscuti-las, mas enfatizar que parte do impasse teórico
decorria, ao que tudo indica, do caráter excessivamente abstrato de todo o
debate da chamada “ótica da reprodução”, que impedia a percepção do
significado de certas evidências empíricas que explodiam os limites da teoria.
Por exemplo, ao estudar a relação entre trabalho remunerado e trabalho
doméstico na estruturação de famílias de trabalhadores (Bilac, 1983), apontei
evidências que questionavam o suposto caráter “improdutivo” deste último: o
gasto de tempo e de energia, da aplicação das capacidades físicas, mentais e
emocionais na produção da vida e do viver. Ao mesmo tempo que se tornava
clara a importância fundamental do trabalho doméstico para a organização da
rotina familiar e para a reprodução cotidiana e geracional da família, ficava
patente também que sua subordinação ao trabalho assalariado era
desqualificadora. As práticas diárias reproduziam a sua naturalização como
“trabalheira”, como mero “trabalho de mulher”, invisível, sem limites de
jornada, executado de forma privada, sem remuneração, opondo-o,
desvalorizado, ao trabalho mercantil (2014, p. 129-130).

É interessante abordar a maneira como está organizada a distribuição dessas


atividades, seja reprodutiva, seja produtiva, dentro da lógica da unidade familiar de
produção. De modo geral, elas são divididas de acordo com o gênero do membro da
76

família, isto é, atividades específicas exercidas por mulheres e atividades específicas


exercidas por homens. No intuito de identificar quais atividades reprodutivas e produtivas
são realizadas pelas pessoas entrevistadas, as primeiras perguntas foram relacionadas a
quais atividades consideradas domésticas a pessoa desempenha em sua vida cotidiana e
quem realiza este tipo de atividade em sua casa. A partir dessas perguntas, já foi possível
identificar a divisão sexual do trabalho dentro da unidade familiar de produção.
Seguem os depoimentos dos homens sobre a realização de atividades domésticas:

Arrumo uma comida pra mim, se for preciso lavar roupa, eu lavo pouquinho
também. Se for pra mim ficar limpando uma coisa que eu sujei, eu limpo. Se a
mulher largou mais ou menos fica por lá. Eu tenho minhas galinhas que eu
trato delas, tenho uma hortinha. Eu cuido dela também. Então tem isso de tudo
um pouquinho. É dentro da necessidade (risos). (...) Eu fico fazendo as
coisinhas. Às vezes é capinar uma chacrinha aqui, arrumar uma cerquinha ali.
Dentro da casa o momento é pouco (Cássio, companheiro da Marina).

As atividades domésticas só a minha esposa mesmo que faz. Tem as hortas que
eu participo um pouco, mas acho que não é considerada doméstica não. Minha
esposa, ela cuida da casa, ela que faz alimentação, cuida das roupas e de tudo.
(...) Na casa eu faço alguma coisinha muito pouca. Às vezes lavo alguma
coisinha, mas quase nada. Às vezes dou varredinha na calçada. Mas é ela que
cuida (Fernando, companheiro da Elizabeth).

A gente ajuda, mas é pouco. A mulher bem dizer faz tudo, de vez em quando
é uma roupinha, lavo prato e pronto (Gabriel, companheiro da Aurora).

Precisando eu faço o que for preciso. Eu gosto mais é cozinha, lavar vasilha
esses trem. Se for preciso faço de tudo (João, companheiro da Rosana).

Quando a minha mulher sai eu fico me virando sozinho. Quando ela está aqui,
às vezes a gente dá a mão, mas é pouco, o tempo rural é muito corrido. Porque
se ela sai eu me viro sozinho, lavo roupa, lavar roupa e fácil coloco ali no
tanquinho, faço comida, faço tudo, arrumo tudo sozinho. No dia que ela está
passando mal eu tomo de conta (Paulo, companheiro da Sônia).

Amassar alho enquadra? (risos). Se tiver vasilha a gente ajuda. Geralmente é


mais depois do almoço alguma coisa assim (Sandro, companheiro da Patrícia).

Limpo casa, lavo panela, varro terreiro, roço grama, cuido envolta da casa tudo,
lavo roupa, testando minhas máquinas direto. Se for preciso, cozinho, mas
direto não, minha mãe quem costuma cozinhar. (...) Igual, minha mãe trabalha
fora. Agora não, que ela tá de férias da escola. Mas quando ela vai para escola,
ela já sai e quando a gente (entrevistado e irmão) chega do curral, com essa
ventania aqui é nois que varre, quanto tá muito sujo a gente lava, quando a
gente levanta a gente que arruma os quartos. Na cozinha ela deixa o lanche
pronto. Na hora que termina de comer a gente limpa tudo. É assim. (Saulo,
filho da Úrsula).

Os depoimentos das mulheres entrevistadas sobre as atividades domésticas são


77

apresentados, a seguir, para que seja possível fazer a comparação com os discursos entre
os diferentes gêneros:

Faço de tudo um pouco. Mexo com horta. Chego (da viagem a trabalho) e não
tem ninguém pra fazer. Eu chego tenho casa pra arrumar, roupa pra lavar e
ajeitar tudo. Fim de semana é corrido. Porque quando eu chego tem minhas
roupas de viagem pra lavar, tem que fazer biscoito, esses trem pra deixar, pra
eles comer a semana inteira, eles assam. Faço e congelo tudo. Na hora que eles
(marido e filho) querem, eles vêm aqui. Casa eles não limpa não, eles fazem
comida, cuida da horta, mas casa não limpa, passar roupa eles não passam. Eles
fazem comida e lava as vasilhas, você chega não tem uma vasilha suja. Mas
igual limpar casa e esses trem não limpa. Pode até varrer mas limpar não limpa
não. (...) Todo mundo faz um pouco. Igual eu fico fora eles fazem comida
deles, eles lavam as roupas deles, a roupa do curral eles mesmo lavam, cuida
da horta quando eu não estou. Então assim, antes eu ia para o curral, meu tempo
também não está dando conta. Quando eu fico a semana inteira dando curso,
chega final de semana... Eu fico sábado o dia todo, lavo roupa, passo roupa,
limpo a casa, faço comida, faço biscoito para deixar para semana seguinte.
Quando estou fora quem faz as atividades domésticas é meu marido. Quando
minha filha está aqui, agora ela está de férias, ela faz, mas é ele mesmo. Ele
faz comida, ele lava a roupa dele (Marina, companheira do Cássio).

Na hora que você for entrevistar ele... Todo mundo que chega lá: Elizabeth faz
sozinha. Eu não ajudo em nada. Aí eu fico brava com ele: bem, você não ajuda
não? (risos). Às vezes o povo chega lá e vê aquela horta: Eliete faz sozinha, é
ela sozinha. Mentira que ele ajuda, lava vasilha, põe o leite, tira o leite pra mim.
Ele fala: a Eliete faz sozinha. Você vai rir dele, tudo é eu. Toda parte nós dois
mexe juntos. Se for limpar uma casa ele vai, se for pra roça eu vou. Os dois
juntos. Unidos para sempre (Elizabeth, companheira do Fernando).

A casa, que eu ainda tenho que cuidar. Além deu cuidar da horta tenho que
cuidar da casa, comida e arrumar minha casa. Eu levanto de manhã faço meu
café, vou pra minha horta, às 11 h eu chegou em casa, vou pra dentro e faço
meu almoço, cuido um pouquinho da casa e volto pra horta. Aí uma vez por
semana eu junto minhas roupas e lavo. Uma vez por semana a gente mata um
porco pra trazer pra feira. Então eu programo assim durante a semana essas
coisas. (...) Ele não sabe fazer nada não. Ele não gosta não. A casa é eu mesmo.
(Aurora, companheira do Gabriel).

Tudo que se faz numa casa. Arrumação de casa, lavação de roupa, fazer
biscoito, fazer doce. Tudo é eu. Arrumar os terreiros, cuidar de horta. Só eu
mesmo quem realizo as atividades da casa. (...) Serviço de arrumação de porco
é os dois (Rosana, companheira do João).

Doméstica... (risos). Considerada doméstica na zona rural é um pouco difícil,


porque eles falam que fala que... doméstico não é trabalhador rural, mas é um
serviço bem pesado. No meu caso agora, agora tendo o tratamento que eu já
fiz, eu estou até animada que eu vou conseguir fazer. Mas eu já tinha
descartado essa possibilidade. Então eu fico mais assim, limpar a casa o dia
que eu estou bem, que é doméstico. Lavar roupa, pra mim já está um pouco
difícil. Tive que comprar a máquina que eu não dou conta de torcer, não
consigo torcer roupa. Lavar vasilha que é doméstico mesmo. Os outros já fica
mais pesado. Limpar o terreiro já é mais para área de lavrador, tirar leite já é
78

trabalhador rural mesmo. (...) Atividade doméstica mesmo sou eu quem faço.
Quando minha filha está em casa ela me ajuda. Mas a maioria é eu. (Sônia,
companheira do Paulo).

Levanto, arrumo a casa, lavo, passo, faço comida, cozinho pra peão quando
precisa, cuido da horta, essas coisas. (...) Divide não. Mas sempre que ele está
em casa, se eu precisar de alguma coisa eu peço pra ele e ele me ajuda. Porque
por eu não trabalhar fora não tem muito sentido falar: vamos dividir. Porque
ele já trabalha fora, mas sempre que ele está em casa no que ele pode, ele me
ajuda. Mais é comida. Não é cuidado com a casa não, não costuma me ajudar
não, mas na comida ele gosta, quando eu estou fazendo ele me ajuda. Não é
todos os dia não. Mas é umas três vezes na semana é, certeza. É rápido. Meia-
hora só pra dá uma ajuda. (Patrícia, companheira do Sandro).

Isso aí é uma coisa que a gente tem o prazer de falar: eu amo a minha casa,
meus filhos, faço com prazer tudo que precisa. Gosto de zelar das roupas, sou
uma íngua com as roupas dos meus meninos. Gosto de ajudar lavar... Só que
aqui em casa a gente faz as coisas tudo juntos. Tudo que a gente faz e não só
depois que eu fiquei viúva, mas a gente depois que tem os filhos da gente tudo
é pra eles. A gente quer zelar bem deles. Quer ajudar, quer fazer o possível
para manter organizado, não gosto de ver meus filhos bagunçados. Gosto de
fazer tudo. Gosto do curral, mas gosto da casa, gosto de fazer comida, amo
fazer comida. Não sei se é porque eu sou merendeira, mas eu amo fazer
comida. De tudo eu gosto. Gosto demais de planta, gosto de mexer com
galinha, gosto de fazer tudo. (...) Igual eu chego aqui o Lucas (filho) já lavou
essa área. Ai eu vou direto lavar minhas roupas. Aí eu vou lavar minhas roupas.
O Saulo (filho) quase não fica aqui. Igual o S. fica fazendo silo, eu chegava
aqui sozinha. Então dá 15:45 eu vou pro curral. Ai eu ajeitava os trem e
começava tirar leite, chegava e continuava me ajudando. A gente vinha pra
dentro, eu arrumava arroz pra cozinha, ele limpava alface, aí é a nossa vida
aqui. (Úrsula, mãe do Saulo).

Lavo, passo, cozinho, arrumo. Faço todas atividades domésticas. (...) Quem
me ajuda é minha filha. (Adriana, companheiro não foi entrevistado).

Lavar vasilha, limpar casa, organizar as roupas, fazer comida. Acho que só.
Quando minha filha está em casa, ela me ajuda, mas meu marido só de vez em
quando, na hora de fazer uma comida que ele gosta de fazer, mais é eu mesmo.
(Ivone, companheiro não foi entrevistado).

Essas coisas que eu faço não é? Limpar os terreiros essas coisas que eu faço.
(...) Doméstica meu marido não faz, alguma dia lava vasilha, mas é mais eu
mesmo. (Noemi, companheiro não foi entrevistado).

Todas as mulheres entrevistadas relataram realizar atividades domésticas, porém


os homens mesmo declarando algum tipo de participação, é possível notar em seus
discursos que nenhum deles assumiram o protagonismo nessas atividades. O primeiro
casal apresentado, Cássio e Marina descrevem as atividades domésticas que realizam, a
mulher é uma instrutora do SENAR e chega a ficar uma semana fora de casa quando está
lecionando seus cursos. O homem, pequeno produtor rural que realiza essa atividade
integralmente em sua propriedade, descreve uma série de atividades domésticas que
79

realiza durante a ausência de sua companheira, porém a limpeza da casa e o pré-preparo


da comida é assumido por ela como responsabilidade maior, inclusive no discurso da
mulher é representado uma intensificação de suas atividades domésticas aos finais de
semana, quando ela volta de viagem e precisa lavar as roupas, além de organizar de forma
mais aprofundada a casa e deixar as comidas da semana preparadas para seu companheiro
e filho que moram na casa. A frase que chama atenção na fala do Cássio e que está
presente na fala de outros entrevistados é que “se for preciso eu faço e/ou ajudo”,
caracteriza que esse tipo de trabalho não é atribuído a eles e somente na situação de
sobrecarga ou ausência da mulher que este tipo de trabalho é exercido. Os dados revelados
demonstram a relevância da teoria de Kergoat (2010), ao abordar que a inserção da mulher
no mercado de trabalho não significa o compartilhamento das atividades domésticas, mas
uma permanência da divisão sexual do trabalho neste espaço.
Um ponto importante a ser a tratado e que foi trabalhado com a referência do texto
de Andrea Butto (2011) é a ideia do termo “ajuda”. O trabalho produtivo realizado pelas
mulheres nas unidades familiares de produção muitas vezes é tratado como “ajuda”,
invisibilizando a participação delas nas atividades que geram renda para a família, sendo
impedidas, neste caso, de assumirem o protagonismo e autonomia nessas ações. Já no
caso do termo “ajuda” utilizado no discurso dos homens para se referir a realização de
atividades domésticas, representa um não protagonismo assumido, não por impedimento
de exercer tal ação, mas por não haver interesse de assumi-lo, devido à construção social
da ideia de que as atividades domésticas são atribuídas de forma específica às mulheres.
É interessante observar que algumas atividades são realizadas pelos homens por
haver interesse por parte deles, no sentido de apreciarem realizar determinado tipo de
atividade, percebe-se este aspecto quando João afirma: “Eu gosto mais é de cozinhar,
lavar vasilha esses trem. Se for preciso faço de tudo”. Observa-se ainda sobre este ponto
na fala de Ivone sobre o companheiro: “Quando minha filha está em casa, ela me ajuda,
mas meu marido só de vez em quando, na hora de fazer uma comida que ele gosta de
fazer, mais é eu mesma”. Neste último depoimento outro elemento a respeito da questão
da divisão sexual do trabalho surge, estando presente também na fala de mais três
mulheres. As quatro entrevistadas possuem filhas e filhos, entretanto, reconhecem que
quem participa significativamente nas atividades domésticas são as filhas e não os filhos.
Este dado contribui para a fundamentação da tese de que os homens não assumem
80

responsabilidade efetiva pela realização das atividades domésticas, sendo isso construído
por meio do processo de socialização do que seria atividades para mulheres e atividades
para homens, perspectiva esta tratada no trabalho de Piscitelli (2002).
Em contrapartida à análise do não protagonismo masculino nas atividades
domésticas, a declaração da Úrsula e do Saulo, mãe e filho, nota-se que há uma
significativa divisão nas atividades domésticas. O filho costuma lavar louças, a casa, as
roupas, não cozinha com frequência pois sua mãe assume essa atividade, de acordo com
ela, com prazer. Verifica-se que Úrsula (viúva) trabalha como merendeira durante suas
manhãs desde quando era solteira, seus filhos já foram criados diante dessa realidade,
fazendo que houvesse uma organização de forma que fossem capazes de dividir as
atividades com a mãe de forma colaborativa. Mesmo assim, vale destacar que, por mais
que haja maior participação de seus filhos nas atividades, há relato por parte dela e do
próprio filho que ele e seu irmão nunca passaram roupa, demonstrando assim que há ainda
atividades que são prioritariamente femininas nesta residência. Indo ao encontro de um
dos objetivos desta pesquisa, os dados apresentados acima, começam a delinear os efeitos
na organização das relações familiares e de produção na unidade familiar de produção, a
partir da participação das mulheres no mercado de trabalho em atividades não-agrícolas.
As pessoas entrevistadas foram questionadas acerca do tempo que cada uma
dedica as atividades domésticas. Vários entrevistados apontaram que o trabalho no meio
rural é muito difícil de mensurar, pois ao mesmo tempo que você está executando alguma
atividade, outra demanda de repente pode aparecer, mas mesmo assim, quando
questionadas, as pessoas fizeram o exercício de mensurar o tempo que se dedicam às suas
atividades, afirmando em alguns casos que nunca haviam parado para pensar sobre isso.
As mulheres foram um pouco mais precisas, variando o tempo de dedicação diária ao
trabalho doméstico de três horas até doze horas. Os homens chamam atenção neste caso,
por afirmarem que fazem muito pouco, dos sete entrevistados, quatro preferiram não
informar o tempo em que se dedicam às atividades domésticas, um deles afirma que: “Eu
faço alguma coisinha bem pouquinha. Nem compensa colocar”. Um dos entrevistados
afirmou realizar diariamente um pouco mais de dez minutos neste tipo de atividade, mas
não foi preciso em sua afirmação, outro informou que participa de 20 a 30 minutos diários
em atividades na cozinha e apenas um, o Cássio, cuja esposa costuma ficar uma semana
inteira fora da unidade familiar de produção a trabalho, informou que realiza por volta de
81

três horas de atividades domésticas por dia.


Dados do IBGE (2016) sobre a realização de afazeres domésticos em horas
semanais, segundo o sexo, apresentam que mulheres se dedicam em média 20,5 horas por
semana, já os homens se dedicam em média 10 horas semanais. Percebe-se que as
mulheres ainda se dedicam o dobro nesse tipo de atividade comparado aos homens. No
caso das pessoas entrevistadas nesta pesquisa, a média de horas semanais dedicadas em
afazeres domésticos se apresenta de forma ainda mais discrepante entre os sexos, a média
das dez mulheres entrevistadas é de 42,7 horas semanais, ou 6,1 horas diárias e dos
homens sete homens entrevistados é de 4 horas semanais ou 57 minutos diários.
A divisão das atividades domésticos entre mulheres e homens também é debatido
por Bruschini e Ricoldi (2012), inclusive o não protagonismo masculino nos afazeres
domésticos é identificado em seu trabalho, confirmando e indo em encontro a vários
dados já apresentados nesta pesquisa:

A participação masculina no trabalho doméstico foi uma constante na fala das


participantes da nossa pesquisa anterior,15 porém sempre sob a forma da
“ajuda”. Isto é, a menção frequente da fala das mulheres era de que “ele(s) me
ajuda(m)” (no caso do marido, mas também dos filhos do sexo masculino), o
que indicava pelo menos duas características desse trabalho doméstico: 1) é
uma atribuição feminina (portanto, os homens não o encabeçam, mas tão
somente “ajudam” a realizá-lo); e 2) essa forma “periférica” que a “ajuda”
masculina assume significa que essas tarefas estão entre o que sobra para ser
feito (quando as mulheres não dão conta) ou o que os homens gostam ou
preferem fazer.16 Assim, a participação dos homens no trabalho doméstico,
quando há mulheres na família disponíveis para executá-lo, consubstancia-se
nesse auxílio periférico e não obrigatório. Nessa mesma pesquisa, ocorreram
ainda referências a uma “divisão”: as participantes que diziam “eu divido” nem
sempre queriam mencionar uma divisão equânime de tarefas, mas sim o papel
ativo que tinham nessa divisão, isto é, eram elas que definiam quem deveria
fazer o quê. Outra característica dessa “divisão” era que frequentemente ela se
referia à distribuição entre a participante e os filhos, e, nesse caso, a divisão
pendia mais para as meninas (2012, p. 263-264).

Quando indagadas se se sentem realizadas/os com o trabalho domésticos, é


interessante observar que não houve respostas por parte dos homens, pois eles não
consideram que seja uma atividade a qual eles se dedicam e devem se sentir realizados,
já no caso das mulheres, duas entrevistadas, Marina e Rosana, expressam insatisfação
com esse tipo de atividade, que as realizam por obrigação, não havendo relação de prazer
e identidade com esse tipo de atividade, já as outras oito afirmam se sentirem realizadas,
porém foram respostas sem tanta expressão se comparada quando interrogadas sobre a
82

satisfação com o seu trabalho produtivo.


Todas as pessoas entrevistadas mostraram-se realizadas no que diz respeito ao
trabalho produtivo, sendo que três delas afirmaram que mesmo satisfeitas gostariam de
sempre buscar melhoria em suas condições de trabalho. Patrícia trabalha como costureira
de confecção em sua própria casa e admite que gostaria que houvesse mais demanda por
seu trabalho, ou seja, gostaria de trabalhar mais nesta atividade para poder aumentar sua
renda. Rosana, que demonstrou insatisfação com o trabalho doméstico, é feirante e
oferece serviço de limpeza de calçadas e muros, ela declara que até gosta das atividades
da feira, mas prefere trabalhar com o serviço de limpeza, pois consegue ver o resultado
imediato de seu serviço. As falas que abordam a satisfação em trabalhar com atividades
tidas como produtivas dão fundamento aos argumentos de Gonçalves e Tosta (2014),
reconhecendo que mulheres ao conquistarem o mercado de trabalho, sentem-se no
controle de suas vidas, assumindo autonomia e satisfação com seu trabalho e tudo aquilo
que é consequência dele.
A divisão sexual do trabalho está no cerne desta pesquisa, a partir do debate sobre
o trabalho doméstico, já foi possível notar como é desenhada a divisão do trabalho na
lógica da unidade familiar de produção, porém é necessário seguirmos o debate sobre o
trabalho produtivo realizado pelas pessoas entrevistadas. Desta forma, um ponto relevante
foi considerar quais atividades são realizadas por mulheres, quais atividades são
realizadas por homens e quais atividades são realizadas por ambos, para assim obtermos
uma visão ampla de como as atividades são divididas na unidade familiar de produção.
Os trabalhados considerados masculinos são: tiragem de leite/ordenhar vacas,
roçado (poda de capim e outras plantas), cuidado com porcos e galinhas, lavar chiqueiro,
alimentar o gado, plantar milho e mandioca, carregar saco de ração e estacas, produção
de silagem, trabalhos gerais no âmbito do curral, cuidados com o quintal, carregar esterco
para fazer canteiro na horta e manejo de trator e grandes máquinas. Já os trabalhos
considerados femininos são: trabalho doméstico (limpeza de casa, vasilhas, roupas, passar
roupa, preparo de comida, etc.), cuidado da horta (plantio, cultivo e colheita), plantio de
milho, cuidado de porcos e galinhas, capinar, tiragem de leite/ordenhar vacas, artesanato,
cuidados com o quintal, costura, fazer doces e biscoitos.
As atividades tidas como essencialmente masculinas na unidade produtiva são a
silagem, construção e manutenção de cercas, roçar pastagem e manejo de trator. O
83

preparo do silo e cercas são as atividades que se destacam, cinco entrevistados/as (três
homens e duas mulheres) consideram o silo um trabalho que exige muita resistência
física, assim como a construção de cerca considerada por cinco pessoas (quatro mulheres
e um homem) um trabalho predominantemente masculino.
Percebe-se que o trabalho doméstico não é considerado um trabalho masculino
por nenhuma pessoa entrevistada, mesmo no decorrer dos depoimentos sendo relatado
que vários homens realizam este tipo de trabalho em maior ou menor grau. Nota-se ainda
que algumas atividades são consideradas tanto femininas quanto masculinas, podendo
haver divergências dessa perspectiva de entrevistada/os para entrevistada/o. Gabriel
entende que o trabalho de preparar canteiro da horta é um trabalho que deveria ser
realizado por homem, pois considera um trabalho “pesado”, ou seja, um trabalho que
exige resistência física, porém, sua companheira o realiza, ele afirma que ela tem mais
aptidão para este tipo de serviço que ele. Cássio afirma que a ordenha de vaca “não é
serviço pra mulher, porque exige muito e esforça muito”, mesmo reconhecendo que no
início de seu casamento sua companheira participava das atividades de ordenha.
Orizona é considerada uma bacia leiteira no estado de Goiás, sendo a maioria das
unidades familiares de produção desta pesquisa produtoras de leite, em vista disso, a
prática desta atividade é realizada para além do consumo da família, exigindo um
envolvimento intenso de todos seus membros. É possível notar nas falas que mesmo
sendo uma atividade realizada no espaço do curral, homens e mulheres a exercem, no
entanto, o trabalho das mulheres neste caso é considerado como ajuda, assumindo assim
um maior protagonismo masculino. Como no trabalho doméstico em que as mulheres
assumem o protagonismo e alguns homens afirmavam que “se for preciso a gente faz”,
neste caso da ordenha do leite, os homens assumem o protagonismo e as mulheres que
fazem a fala do mesmo teor, como é possível observar no relato de Adriana: “(...) o serviço
leite, se for preciso eu tiro, sei tirar, ordenhar”. A declaração de quatro entrevistadas/os
(duas mulheres e dois homens) sobre a percepção da diferença de trabalho feminino e
masculino se destacam, por considerarem que vários serviços dentro da propriedade
podem ser realizados por ambos, mesmo que no decorrer de suas falas determinadas
diferenças serem expressadas, explicitando alguma contradição em suas percepções:

Tirar leite (...) eu acho que não é serviço pra mulher, porque exige muito e
esforça muito. Então eu não acho. Se hoje está aguentado ir tudo bem, muitas
84

fazem isso. Mas quando começou ela ia muito. Mas nunca pus ela para
aprender tirar leite por causa disso. Agora aqui pra dentro (casa) no caso eu
gosto tudo bem organizado. Eu não gosto que fica bagunçado. (...) Não precisa
diferenciar muito não. Porque mulher tem vez que faz serviço de homem e/ou
contrário vice-versa. Então as vezes homem faz serviço que mulher, faz as
vezes até melhor. Igual comida, comida tem muitos amigos meus que não tem
inveja de mulher na cozinha, porque cozinha bem. Então tudo faz parte da
prática, quanto mais você realiza mais vai praticando (Cássio).

Lá em casa, por exemplo, fazer a cerca é mais o meu esposo, mas de vez em
quando eu vou lá ajudar por um prego ou quando vai esticar o arame, ajudar
firmar para ele não voltar. Como se diz as partes dos homens não tem muita
separação não. Mas das mulheres coisa de lavar roupa assim, ele nem sabe
como faz. Vasilha, limpar casa também não é muito de limpar. Pra mim tanto
faz, mas ele já não gosta e não tem como (Ivone).

Na Zona Rural é um pouco difícil falar isso. Porque para fazer polvilho, por
exemplo, normalmente é a família inteira tanto faz arrancar a mandioca ou até
lavar a massa tem que ser os dois juntos, porque só a mulher o desgaste é muito
grande. Então não dá, por mais que você vai fazer só pra casa. Porque hoje em
dia é difícil você vender polvilho, porque a maioria prefere fazer, faz pouco
mas faz. Tanto é que está difícil você achar polvilho pra comprar, além do
preço que está muito caro. Então envolve o trabalho rural e tanto faz você pode
fazer tudo homem faz e a mulher faz. É diferente do serviço da cidade (Sônia).

Aqui quase não tem divisão. Minha mãe faz quase tudo, ela tira leite, ela cuida
de porco. Ela só não arruma silo, porque é serviço mais pesado. Agora serviço
que eu não faço, que eu acho que nunca fiz foi passar roupa. O resto eu já fiz
tudo também, não tem... Nós aqui é muito unido, sabe? Igual, se nós tiver fora
e chegar atrasado, chego aqui minha mãe já tá tirando leite. Se nós não chegar
ela faz tudo, ela mistura ração, tira leite, ela limpa o curral, ela aparta o gado
pra baixo (Saulo).

Baseando-se nos depoimentos acima e nos dados apresentados sobre o que é


considerado trabalho de mulher e trabalho de homem, chama atenção o depoimento da
Ivone quando ela diz que “as partes dos homens não têm muita separação não, mas das
mulheres coisa de lavar roupa assim, ele nem sabe como faz”. Ela indica que mulheres
também assumem atividades consideradas masculinas, mas que homens possuem mais
restrição para realizar atividades consideradas femininas. Esse entendimento é
extremamente intrigante, pois há uma representação da divisão sexual do trabalho, do que
são trabalhos executados por mulheres e homens, entretanto, na prática, algumas
atividades são assumidas de forma que essa representação é contrariada, de acordo com
a situação exposta pelas pessoas entrevistadas, é apresentada uma demanda na realização
das atividades consideradas masculinas que mulheres acabam por realizá-las.
No meio rural, um dos elementos que contribui para organização da divisão sexual
do trabalho é a ideia de trabalho “pesado” e trabalho “leve”. Esta ideia está vinculada à
85

resistência física, determinando quem possui a capacidade de exercê-la ou não. É neste


ponto que a divisão sexual do trabalho se organiza, em razão da construção social da
resistência dos corpos, sendo atribuída a força ao sexo masculino e a fragilidade ao sexo
feminino, como trabalhado por Mathieu (2009), Okin (2008) e Piscitelli (2002). A
justificativa apresentada pelas/os entrevistadas/os, por exemplo, sobre o porquê de
homens trabalharem majoritariamente com a produção de silagem, roçado e construção
de cerca é pelo fato de serem considerados serviços que exigem uma grande resistência
física, o corpo precisa ter a capacidade de carregar uma considerável quantidade de peso,
justificativa essa que, no caso do trabalho considerado feminino, não aparece no discurso
das/os entrevistadas/os, no sentido de determinado tipo de trabalho ser realizado por uma
mulher, por não exigir carregar elevada quantidade de peso.
Se considerarmos a resistência física para que determinado tipo de trabalho seja
realizado por um homem ou por uma mulher, cabe fazer uma reflexão acerca da
diversidade de trabalhos considerados femininos ou que são atribuídos a elas os quais
exigem considerável força corporal.
O processo de limpar a casa, considerado um trabalho doméstico executado em
sua maioria, de acordo com os dados apresentados, por mulheres, exige resistência física,
varrer a casa, depois jogar água e ficar por horas passando um pano, lavar os banheiros
exigindo que agache e levante por várias vezes, baldes cheios de água são carregados,
muitas vezes com mais de dez quilos. De uma maneira ou de outra os trabalhos descritos,
considerados femininos, necessitam de tanta força física e resistência quanto os trabalhos
considerados masculinos, não justificando a ideia construída da fragilidade da força
feminina. Podemos falar ainda do trabalho da horta, como apresentado, é executado pela
maioria das entrevistadas mulheres, um trabalho que exige força, dedicação abaixo do sol
por horas, ajoelhadas sobre os canteiros, preparando o solo, plantando, cultivando,
colhendo verduras e frutas. A ordenha de leite, outro tipo de trabalho que exige destreza
e força física que, também de acordo com os relatos, são realizados tanto por homens
quanto por mulheres, necessitando que baldes cheios de leite e de ração sejam carregados
por metros, algumas horas por dia. Não devemos esquecer de uma atividade
aparentemente simples, considerada doméstica, repetitiva e que exige força braçal como
o preparo de bolos, queijos, doces e biscoitos, realizados por mulheres. Neste sentido, por
meio dos dados trazidos pelas/os entrevistadas/os, a ideia de divisão sexual do trabalho
86

baseado na força encontra-se de alguma forma equivocada, se observado como vários


trabalhos são exercidos na prática.
Considerando a série de atividades que as/os entrevistadas/os realizam na unidade
familiar de produção, a dedicação em termos de horas trabalhadas em atividades agrícolas
é bastante elevada. A lógica do uso do tempo do trabalho da zona rural é bem diferente
da zona urbana. Muitas pessoas entrevistadas declaram que trabalham até o pôr-do-sol e
acordam antes dele nascer, não determinando o máximo de horas trabalhadas, mas
seguindo o ritmo da demanda que lhes é apresentado. O mínimo de horas trabalhadas,
conforme relatos, são de três horas, podendo chegar ao máximo de quatorze horas. Deve-
se considerar a diferença da carga horária entre homens e mulheres na execução de
atividades agrícolas na propriedade. A maior carga horária em trabalhos agrícolas na
unidade familiar de produção é assumida por homens. Uma explicação é que no caso
desta pesquisa não deu-se prioridade para entrevistar homens pluriativos, sendo dois deles
dedicados totalmente às atividades em suas propriedades: um se dedica a atividades fora
da sua propriedade apenas quando produz silo dirigindo tratores em fazendas e chácaras
da região, outro se dedica a prestar serviço de eletricista, não ficando em tempo integral
na unidade produtiva e ainda três são feirantes, indo à feira apenas duas vezes na semana
para vender seus produtos. As mulheres assumem menor carga horária que os homens em
atividades agrícolas, pois se dedicam mais tempo em atividades domésticas e todas elas
realizam algum tipo de atividade não-agrícola, ou seja, há uma maior diversificação das
atividades exercida por elas.
A pluriatividade caracteriza-se como uma forma de organização do trabalho
familiar, em que indivíduos que fazem parte de uma família que vive em domicílio rural
se empenham na variedade de atividades econômicas e produtivas, podendo ser atividades
vinculadas à agricultura ou não, executadas com menos frequência dentro da unidade
familiar de produção (SCHNEIDER, 2003). A pluriatividade pode ser considerada como
um recurso de complementação de renda da família ou uma estratégia de ocupação em
períodos de ociosidade de tempo de determinados membros da família que não
preenchem todo seu tempo em atividades agrícolas ou pelo simples fato de não se
identificarem com as atividades realizadas dentro da própria unidade familiar de
produção.
No caso das pessoas entrevistadas, a pluriatividade apresenta-se como um recurso
87

de complementação de renda, pois a produção agrícola muitas vezes não é suficiente para
levar a renda necessária para cobrir todos os gastos e demandas da família, em especial
aquelas famílias que possuem filhas/os dependentes e em idade escolar. As pessoas que
são feirantes informaram que aderiram a este trabalho como um meio de escoar os
produtos que produzem no interior da unidade familiar de produção, de forma que possam
vender diretamente ao consumidor, não necessitando de atravessadores, possibilitando
que a família consiga elevar seus rendimentos. Um dos intuitos desta pesquisa é
compreender a razão que motivou especialmente as mulheres buscarem trabalhos não-
agrícolas, assim como a inserção delas neste tipo de atividade influencia na organização
familiar e de trabalho na unidade familiar de produção. Alguns depoimentos de
entrevistadas abordam o motivo de se tornarem pluriativas:

Porque eu gosto muito de produzir, e você não tinha onde vender a sua
produção. Aí o que eu fiz? Aí tinha a feira, eu vim trazer minha produção na
feira. Tudo que a gente produz é bem saudável. O que eu planto lá é
agroecológico. Tudo assim... Já fiz vários cursos pra isso. Agora, eu fui fazer
o pastel sabe por que? Porque meu marido ele não gostava de ficar na banca
me ajudando. Sai conversando com um e com outro. Decidi montar pra mim a
banca separada pra ele ficar quieto. Aí eu fiz assim e deu certo (Aurora).

Financeiramente. Porque a renda familiar... pra tirar de lá é complicado. A terra


é pequena e a gente tem que procurar emprego fora para complementar a renda
(Adriana).

O artesanato (pintura em quadro e crochê) é porque eu gosto. A gente foi


criado não tinha coragem de pedir dinheiro ao pai, eu casei e não tinha coragem
de pedir dinheiro para o marido. (risos). Então, desde solteira eu fazia as coisas
e vendia para ter o meu dinheirinho. Acho que foi isso, querer ser
independente. Quanto ao SENAR foi por acaso, eu não nunca imaginava. Foi
um trem que saiu sem esperar. A gente fazia o artesanato na Associação, fazia
parte da tesouraria e eu fazia bolsa de palha de milho na época e vendia para o
pessoal do SENAR. As mulheres que trabalhavam lá no SENAR. Quando foi
um dia eles precisou de instrutor e ligou aqui perguntando se eu queria
trabalhar como instrutora do SENAR. Pra mim foi um susto, na época a gente
tirava leite, meus meninos estudavam eu tinha que ir pro curral cedo ajudar ele.
Assim, eu fui... Tipo eles ligou aqui 11:30 te dou o prazo até as 14 para você
decidir (risos) foi tudo muito na carreira. Ai estou até hoje tem 11 anos
(Marina).

Pra completar renda. Porque tava difícil. Leite não tem retorno. Tem mais
gastos do que retorno. Aí nois opinou pra feira, e graças a Deus já tem mais de
quatro anos que nois faz feira (Noemi).

Os depoimentos acima explicitam os motivos pelos quais algumas mulheres


buscaram trabalhar com atividades não-agrícolas. A partir do levantamento realizado, das
dez mulheres entrevistadas, cinco buscaram a pluriatividade para aumentar a renda, duas
88

para poder escoar a produção dos produtos agrícolas nas feiras e consequentemente
aumentar a renda, uma porque recebeu um convite para trabalhar como merendeira na
escola da igreja na adolescência, não havia outra pessoa para realizar a atividade e gostaria
de ajudar a comunidade, assim nunca mais deixou a atividade. Elizabeth e Marina
destacaram que começaram a trabalhar para obter independência financeira, como é
possível observar no depoimento da Marina ao afirmar que não tinha coragem de pedir
dinheiro para o pai, nem para o marido.
Na questão sobre onde aplicam sua renda, chama atenção a fala da Elizabeth, por
ir ao encontro sobre o tema da independência financeira. A entrevistada expressa a sua
insatisfação em depender economicamente de alguém e mesmo antes de casada buscou
ser independente, o dinheiro que recebe das vendas de produto da feira ela divide com
seu marido, pois trabalham juntos, o dinheiro da feira da quarta-feira fica com ele e o
dinheiro do domingo fica com ela. Ela afirma ainda que ao final das contas o dinheiro é
dos dois, mas ela prefere fazer essa separação para “não ficar assim pedindo para marido,
que é humilhante”.
Quando homens e mulheres foram questionadas/os sobre onde aplicam suas
rendas, as três principais áreas em que suas despesas estão voltadas são: manutenção da
unidade familiar de produção (compra de ração, reforma de cercas, remédio para animais,
compra de mudas para horta, etc.); despesas com filhas/os (necessidades básicas,
educação, etc.); despesas gerais da casa (compra de alimentos, água, energia, remédios,
prestação de casas, carro, etc.). Na primeira área, seis homens (de sete entrevistados) e
oito mulheres (de dez entrevistadas), informaram que gastam sua renda com despesas da
unidade familiar de produção. Na segunda área, um casal afirmou financiar os estudos e
cobrir algumas despesas da filha e do filho que desenvolvem estudos a nível de mestrado,
além de três mulheres admitirem dedicar parte de sua renda para as necessidades básicas
de suas/seus filhas/os. Por último, as despesas gerais da casa/residência, são assumidas
por dois homens e oito mulheres.
Observa-se que quanto aos gastos com a unidade familiar de produção, homens e
mulheres assumem essas despesas de forma equiparada, porém, se voltarmos para os
gastos domésticos oito mulheres tomam para si essa responsabilidade e apenas dois
homens declaram voltar sua renda para essa área, havendo uma certa discrepância dessa
responsabilidade entre os dois gêneros. No que diz respeito à despesa das/os filhas/os,
89

quatro mulheres e um homem assumem tal compromisso. É interessante destacar que,


neste caso, os quatro companheiros dessas mulheres foram entrevistados e apenas um
assumiu compartilhar determinada responsabilidade, entende-se que as/os demais não
relataram despesas com filhas/os por estes já serem independentes financeiramente. Vale
ressaltar que um e outro pode voltar seus gastos para outros âmbitos, mas acredita-se que
ao responderem sobre onde aplicar sua renda, as pessoas informaram as áreas que
representam maior prioridade em suas vidas.
Dando seguimento à análise do trabalho não-agrícola exercido prioritariamente
pelas entrevistadas, será abordado sobre a quantidade de horas dedicadas a essas
atividades dentro da unidade familiar de produção e fora dela. Cinco das dez entrevistadas
reconheceram assumir alguma atividade não-agrícola dentro da unidade familiar, sendo
duas artesãs, uma artesã e doceira, uma produtora de quitandas e uma costureira. Em
relação às horas dedicadas, há uma grande variação, de acordo com a realidade
apresentada pelas entrevistadas. Quatro delas relatam que o tempo que elas dedicam está
vinculado à demanda de serviço. Patrícia, a costureira admite que trata como meta
trabalhar oito horas por dia quando lhe chega as encomendas, estas encomendas levam
entre oito e dez dias para serem entregues à cliente, demonstrando que este trabalho não
segue uma frequência diária, porém, Patrícia entende que quando realiza este trabalho
estabelece o tempo de oito horas para obter mais disciplina na entrega, mas o tempo pode
variar de acordo com as demandas domésticas que se apresentam no seu cotidiano.
Noemi, expõe uma situação instigante quanto às atividades que realiza durante sua
rotina. Ela descreve que seu trabalho não-agrícola é realizado no mesmo momento do
trabalho doméstico, por exemplo, quando as quitandas estão no forno ou o doce está
cozinhando, ela aproveita para lavar vasilhas ou limpar a casa, então, não é possível
determinar exatamente quantas horas ela se dedica às atividades não-agrícolas dentro da
unidade produtiva. Esta é mais uma situação que demonstra que o tempo de dedicação ao
trabalho não-agrícola dentro da unidade familiar de produção é determinado também pela
demanda do trabalho doméstico. Noemi, além de produzir quitandas para vender na feira
na zona urbana de Orizona, aos sábados à tarde oferece serviços de cabeleireira, não
informando o tempo exato de trabalho nessa atividade, pois afirmou depender da
quantidade de clientes que aparece naquele dia, geralmente sendo uma média de quatro
pessoas.
90

Deve-se ressaltar que exercer mais de uma atividade não-agrícola, é a realidade


de outras entrevistadas, Marina é instrutora do SENAR e também produz artesanato,
Sônia é artesã e produz doce de leite por encomenda, a Aurora vende produtos agrícolas
e pasteis na feira, Rosana vende produtos derivados de carne na feira e limpa calçadas e
muros na cidade.
No que se refere ao tempo de trabalho não-agrícola fora da unidade familiar de
produção, as pessoas que possuem o horário regular de trabalho são: Adriana que é
vendedora em uma loja de varejo na cidade, trabalhando 44 horas semanais; Úrsula que
presta serviço como merendeira, dedicando-se nesta atividade 30 horas semanais; e a
Marina que realiza atividades como instrutora do SENAR lecionando cursos que no total
representam 120 horas mensais. As/os feirantes, quatro mulheres e três homens, declaram
que trabalham na feira em média seis horas na quarta-feira e seis horas no domingo, duas
mulheres e um homem afirmam trabalhar apenas um dia por semana nesta atividade.
Rosana, realiza dois trabalhos não-agrícolas fora da unidade familiar de produção: além
da feira, trabalha duas vezes por semana entre 6 e 10 horas cada dia, dependendo este
serviço da demanda de casas a terem suas calçadas e muros lavados. Se somarmos o
tempo que declara trabalhar na feira e seu trabalho de limpeza, o total que se dedica a
atividades consideradas pluriativas varia entre 40 e 48 horas semanais.
Entender as relações de trabalho e gênero na unidade familiar de produção
também está vinculado à compreensão do uso do tempo de descanso dos membros da
família. É importante destacar que foi considerado, no roteiro das entrevistas desta
pesquisa, o tempo de descanso como tempo de não trabalho, separadamente do tempo de
sono. As pessoas entrevistadas declararam desde não usufruir de descanso até o tempo de
sete horas de descanso diário. Voltando-se com um olhar baseado nas diferenças
assumidas por homens e mulheres, nota-se, a partir dos dados levantados, que as mulheres
entrevistadas desfrutam de menos tempo de descanso que os homens. Dentre as pessoas
que disseram não descansar, três são mulheres e uma é homem. Um casal, entrevistado
separadamente, afirmou não desfrutar do ócio nem após o horário de almoço nem após o
término das atividades ao final do dia, afirmando que paravam apenas para comer e
voltavam diretamente para as atividades, e com a finalização do trabalho do dia, jantavam,
não assistiam ao menos televisão, indo direto dormir. Quatro horas foi o máximo que as
mulheres informaram descansar, um dos entrevistados afirmou descansar até cinco horas
91

e outro até sete horas. É curioso ainda trazer o relato da Sônia que considera produzir
artesanato um descanso e não um trabalho em si, enquanto assiste televisão está fazendo
um de seus artesanatos. Este relato demonstra que mesmo em uma situação considerada
de descanso, ou seja, o momento de não trabalho, a entrevistada continua de alguma
maneira produzindo renda para sua família.
O tempo de sono foi considerado à parte do tempo de descanso diário, mesmo
algumas/ns entrevistadas/os considerarem este tempo seu único momento de repouso.
Sobre o horário que costumam ir dormir, apenas uma entrevistada afirmou ir dormir em
algumas ocasiões após à meia-noite, as/os entrevistadas/os que afirmaram ir dormir mais
cedo foram no horário entre 19:30 e 20:00 horas. As pessoas que acordam mais cedo, são
aquelas que realizam atividades na feira, uma vez ou duas vezes por semana, algumas
acordam 2:00 horas da manhã e outras no máximo 5:00 horas da manhã. A média de sono
entre homens e mulheres não apresenta tanta diferença, cinco homens e seis mulheres
dormem entre oito e nove horas por dia, quatro mulheres dormem entre seis e oito horas
por dia, porém, este tempo pode diminuir caso sejam feirantes, como apresentado,
portanto, acordam uma ou duas vezes por semana mais cedo.
Quando questionadas sobre o uso do tempo para descanso, foi realizada a pergunta
se descansam mais aos finais de semana ou durante a semana, sendo possível em algumas
falas identificar a diferença nas relações de trabalho e consequentemente de descanso na
unidade familiar de produção. Abaixo, são apresentadas duas declarações para reflexão:

Final de semana é quase a mesma coisa. Inclusive o domingo eu levanto às 3


horas da manhã. Minha esposa levanta quarta, sábado e domingo às 3 horas da
manhã. Eu só levanto no domingo às 3 h da manhã. À tarde tem um pouquinho
de trabalho e a noite a gente vem pra igreja. Descansa mais na semana. Fica
mais descansado do que no final de semana (Fernando).

Porque sempre... Igual eu cheguei ontem, eu já lavei um punhado de roupa,


amanhã... Ainda vou ajeitar a casa, lavar banheiro. Então é mais no final de
semana. Na lida da casa é mais no final de semana com certeza. Os cursos eu
estou lá e é 32 horas, as 8 horas por dia é mais tranquilo. Tem o artesanato pra
fazer, não tem roupa pra fazer, mas aqui não. Eu faço tudo. No sábado é o dia
que eu mais trabalho eu acho (Marina).

Diante dos depoimentos citados, torna-se explícita a sobrecarga que as mulheres


sofrem frente a diversidade de atividades que estão sob sua responsabilidade. O
depoimento do Fernando chama atenção por ele ficar dormindo duas vezes na semana a
mais que sua companheira, enquanto ela prepara quitandas para serem vendidas na feira.
92

Já Marina, trabalha durante a semana como instrutora do SENAR, se hospedando em


hotéis neste período, aos finais de semana sente-se muito atarefada, uma vez que deve
realizar as atividades domésticas não realizadas pelos homens da casa que usufruem
sozinhos deste lugar durante a semana. Esta mesma entrevistada declara que descansa
mais durante a semana quando realiza os cursos, em média duas horas e quarenta minutos,
de forma que, quando está em sua residência, seu momento de descanso é reduzido para
uma hora.

3.3 RESULTADO

O principal objetivo desta pesquisa é investigar se a prática da pluriatividade,


exercida por mulheres, pode trazer mudanças nas relações de trabalho e gênero nas
unidades familiares de produção. Alicerçada nos dados apresentados sobre o perfil das
pessoas entrevistadas, a forma da divisão sexual do trabalho, sobre quem realiza o
trabalho doméstico e quanto tempo se dedica a esse trabalho, quem realiza e o tempo
gasto nos trabalhos agrícolas e não-agrícolas, assim como o tempo de descanso das/os
entrevistadas/os, é possível identificar e refletir sobre as mudanças na rotina da
organização das relações na unidade familiar de produção a partir da inserção das
mulheres em atividades pluriativas.
Por meio da indagação se houve mudanças na divisão do trabalho na unidade
familiar e em suas relações no geral, a partir do momento que as mulheres passaram a
conciliar atividades agrícolas com não-agrícolas, observa-se importantes impactos na
vida dessas pessoas em suas falas. Aurora, afirma:

Mudou demais, porque eu não tinha uma rendinha, não tinha um dinheirinho.
Essa semana mesmo eu estava falando: eu estou doidinha pra fazer isso e fazer
aquilo. Eu graças a Deus por isso, porque antes eu não tinha serviço, não tinha
dinheiro. Era mais triste. Agora tenho tanto serviço na minha frente. Mas eu
dou graças a Deus por isso. Porque sempre na feira vendo minhas coisinhas eu
tenho meu dinheirinho pra comprar minhas coisas (...) Atividade dentro de casa
é a mesma. Porque lá ninguém me ajuda. Meu marido não gosta, senta ali e
espera a comida ficar pronta e por no prato pra ele (risos). Mas eu coloco com
prazer. Mudou muito a partir que eu vim pra feira. Como mudou!

O depoimento da entrevistada demonstra que a partir do momento que ela passou


a realizar atividades não-agrícolas ela conseguiu conquistar maior independência
financeira, porém, reconhece que mesmo realizando atividades não-agrícolas juntamente
93

com o seu marido dentro e fora da unidade familiar de produção, ela ainda assume total
responsabilidade sobre as atividades domésticas.
Adriana reconhece que desde o momento que iniciou seu trabalho na cidade como
lojista, passou a ter menos tempo com seus filhos, pois “o ritmo acelerou mais um pouco”.
Por ela estar ocupada com outras atividades, ela observou que seus familiares se tornaram
mais ativos nas atividades domésticas. Como não pode fazer tudo, há necessidade da
participação nas atividades dos demais familiares.
No caso de Ivone, é apresentada uma perspectiva interessante acerca da
autoestima. Ela afirma que: “A autoestima também mudou bastante, porque a gente sai e
convive com pessoas diferentes. A gente aprende coisas diferentes. Quando a gente sai
de casa, se a gente querer a gente aprende”.
O entendimento é de muitas mudanças para Noemi, a respeito do contexto de sua
participação em atividades não-agrícolas. Ela assegura que:

Mudou bastante, ficou bem mais corrido, porque a gente tem que dar conta de
fazer, produzir as mercadorias pra poder trazer (para feira). Aí ficou bem mais
puxado. Diminuiu bastante o meu tempo pra cuidar da casa. Aí eu tenho que
me organizar pra conseguir fazer tudo e é muita coisa que eu tenho que fazer.
Aí mudou bastante não tenho muito tempo pra casa. Eu tiro quinta e sexta pra
cuidar da casa.

Indo em encontro da fala da entrevistada acima, Marina admite que sua vida está
mais “corrida”, visto que possui mais atividades para realizar e por conta dessa situação
até a sua participação em eventos em sua comunidade ficaram comprometidos. Devido à
maior quantidade de trabalho, seu tempo para lazer ou atividades religiosas ficaram
reduzidas. Além disso, Marina reconhece que a partir do momento que iniciou seu
trabalho fora da unidade familiar de produção, seu marido e filho, que vivem junto a ela
na residência, começaram a participar de atividades domésticas. Ela reitera: “(...) o
serviço daqui de casa eles não faziam. Eu ajudava lá no curral, mas eles não ajudavam
aqui não. Agora não, agora eles ajudam. Fico por conta deles”. É possível confirmar seu
argumento, por meio da fala de seu companheiro, Cássio:

Muitas coisas que eu faço hoje e não fazia quando ela estava aqui presente.
Lavar roupa eu não fazia, depois que ela saiu eu tive que aprender, uma comida
eu tive que fazer, vou ficar sem comer também? (risos) Vasilha antes eu já
lavava. Até gosto de lavar, tem gente que não gosta, mas eu até gosto pra poder
ajudar. Assim vai... Arruma cozinha também porque eu não gosto bagunçado.
94

Mudou nesse sentido. Aí tem os filhos também que você vai se preocupando
mais um pouquinho. Vai mudando a preocupação vai aumentando um
pouquinho. Você vai ficando sozinho aqui. Mas a mudança por isso que eu
estou fazendo está melhor. Tem resultado? Tem resultado.

Segundo os depoimentos, pai e filho começaram a participar das atividades


domésticas somente após Marina, companheira e mãe, se tornar pluriativa. Mesmo diante
da participação dos homens nas atividades domésticas, não é possível dizer que a divisão
do trabalho doméstico é igual para todas/os nesta unidade familiar de produção.
Considerando os dados apresentados, há uma exposição da intensificação do trabalho
feminino frente as suas atividades reprodutivas, mesmo Marina realizando trabalho fora
da unidade.
Em contraponto à realidade acima descrita, destaca-se o caso de Úrsula e Saulo,
mãe e filho respectivamente. Úrsula trabalha como merendeira desde os 16 anos, casou-
se aos 23 anos e teve dois filhos. Ela confirma que não houve mudanças nas suas relações
familiares atuais devido ao trabalho não-agrícola, porque “toda vida foi assim”. Seu filho,
também entrevistado, desde sempre foi criado com uma mãe que trabalha fora de casa,
neste contexto, percebe-se que as atividades da família foram organizadas a partir dessa
realidade. Saulo reconhece que arruma sua cama assim que levanta, que limpa a casa, que
coloca roupas para lavar, porém não cozinha (só quando precisa, ou seja, na ausência da
mãe) e confessa que nunca passou roupa. É possível notar que há maior participação
masculina nas atividades domésticas, contudo, há algumas que ainda são exclusivamente
femininas.
A pluriatividade no discurso de todas/os entrevistadas/os representou melhora de
vida em sua própria realidade, porém, quando chama-se atenção para a articulação dos
trabalhos produtivos e reprodutivos, as mudanças diante da nova situação de trabalho não
se apresentam de forma contundente. Os casos de Marina, Cássio, Úrsula e Saulo, os dois
primeiros um casal e os dois últimos mãe e filho, representam casos de melhor
distribuição das atividades domésticas entre os membros da família, embora ainda haja
desequilíbrio no que diz respeito a quem assume essas atividades. Aurora, Rosana,
Adriana, Ivone, Simone e Patrícia, consideram que a mudanças nas relações de trabalho
no âmbito doméstico foram muito limitados, sendo praticamente imperceptíveis, já
Elizabeth percebeu mudanças significativas, considerando que a divisão nas atividades
domésticas junto a seu companheiro, Fernando, é igualitária, mesmo ele não expondo a
95

mesma perspectiva quando entrevistado. Noemi também considera que houve mudanças
na participação de seu companheiro nas atividades domésticas, mas considera que passou
a trabalhar muito mais que antes, desde que iniciou suas atividades pluriativas. Gabriel,
João, Paulo e Sandro, reconhecem que não realizam atividades domésticas de forma
igualitária com suas companheiras, e nem mesmo buscam realizar as atividades em tempo
significativo e com certa frequência.
Castilho e Silva (2009) em sua dissertação de mestrado também discute os
impactos da pluriatividade feminina nas relações de trabalho e gênero na unidade familiar
de produção, porém sua pesquisa tem como campo duas cidades no Rio Grande do Sul.
As conclusões da autora são similares às apresentadas neste trabalho, compreendendo que
a pluriatividade traz algumas mudanças nas relações familiares e na divisão sexual do
trabalho, mas tais mudanças não são substanciais, visto que os papeis sociais de gênero
são mantidos, como pode-se confirmar por meio dos dados descritos nesta pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo geral desta pesquisa é buscar responder se a prática da pluriatividade,


exercida por mulheres, nas unidades familiares de produção no município de Orizona,
pode gerar mudanças nas suas relações de gênero e trabalho. Diante deste objetivo, esta
dissertação estruturou-se em três capítulos de forma que cada um foi construído no intuito
de refletir sobre assuntos e conceitos que abarcam toda a complexidade proposta por sua
temática.
A relevância em desenvolver uma dissertação como esta se deve a poucos
trabalhos abordando o tema sobre pluriatividade e relações de trabalho e gênero em
unidades familiares de produção no estado de Goiás, à luz de uma reflexão sociológica.
A sociologia tem como compromisso a investigação da realidade social, de forma que
seja possível a partir de sua compreensão, construir conhecimento para benefício de toda
sociedade. A agricultura familiar no Brasil é responsável pela produção de 70% dos
alimentos que chegam as mesas das/os brasileiras/os (IBGE, 2006), conhecer as
condições da população rural e as relações que estão estabelecidas neste meio é essencial
para que políticas sejam desenvolvidas, favorecendo não só a população do meio rural,
96

mas da população brasileira como um todo.


O ponto central da discussão teórica, proposta no primeiro capítulo e que segue
durante toda pesquisa, é a divisão sexual do trabalho. As reflexões de Hirata e Kergoat
(2007) foram essenciais para que este trabalho fosse fundamentado, uma vez que
discutem a divisão sexual do trabalho como uma forma de organização da divisão do
trabalho social. Compreende-se que as relações sociais entre os sexos, por meio da
construção histórica e social, determinam a forma da divisão sexual do trabalho, forma
esta que gera uma desigualdade entre trabalho feminino e masculino, com uma sobrecarga
que recai às mulheres. No primeiro capítulo ainda foi abordado sobre a força de trabalho
feminino no Brasil, em especial em seu meio rural, para que fosse possível contextualizar
o tema desenvolvido.
O segundo capítulo busca conceituar agricultura familiar e pluriatividade, bem
como apontar as características histórico-sociais da formação do município de Orizona,
para que as relações no meio rural nesta conjuntura sejam compreendidas em sua
essência. A pluriatividade, é um fenômeno característico da agricultura familiar, ou seja,
mulheres e homens que vivem em pequenas propriedades de até 4 módulos fiscais, que
realizam atividades agrícolas junto aos familiares residentes na unidade familiar de
produção e que exercem ao menos um tipo de atividade não-agrícola, podem ser
consideradas/os pluriativas/os (Schneider, 2003). A partir dos conceitos apresentados, a
pesquisadora traçou o perfil dos sujeitos que deveriam ser entrevistados, identificando
que o fenômeno da pluriatividade está definitivamente presente nas unidades familiares
de produção e Orizona, comprovando a viabilidade deste trabalho.
O terceiro capítulo está voltado para a apresentação dos métodos utilizados no
desenvolvimento desta pesquisa, assim como a descrição do trabalho de campo e a análise
dos dados adquiridos através de entrevistas semiestruturadas. Buscou-se verificar, por
meio dos dados, a veracidade da hipótese de que a participação de mulheres na prática da
pluriatividade gera mudanças nas relações de trabalho e de gênero nas unidades familiares
de produção em Orizona.
Um dos objetivos específicos da dissertação é investigar as formas de inserção das
mulheres rurais no mercado de trabalho não-agrícola e seus efeitos sobre seu grupo
doméstico. As maiores motivações foram a busca para complementar a renda das
atividades agrícolas. No caso das feirantes, além da complementação de renda, a feira
97

tornou-se um recurso para que sua produção fosse escoada mais rapidamente e não ter
intermediários no negócio.
O perfil das pessoas pesquisadas é de mulheres e homens criadas/os no meio rural
na maior parte de suas vidas. De dez mulheres e sete homens entrevistadas/os, apenas um
rapaz é solteiro e uma mulher é viúva; se considerar a idade, apenas Patrícia, Saulo e
Sandro possuem menos de quarenta anos, todas/os as/os outras/os quatorze pessoas se
enquadram na faixa etária entre quarenta e sessenta anos. A renda familiar das pessoas
entrevistadas teve uma grande variação, de um salário mínimo a vinte e um salário
mínimos. A ocupação das mulheres em atividades não-agrícolas, foco desta pesquisa, são
em sua maioria de feirantes e artesãs (pinturas, bordados, flores de palha e crochê), além
disso produzem doces, quitandas, condimentos, lavam muros e calçadas, há uma
merendeira, uma lojista e uma instrutora de pintura do SENAR.
Através dos dados apresentados pelos discursos das/os entrevistadas/os, podemos
perceber que as mulheres adquiriram independência financeira, melhoraram sua
autoestima no que diz respeito à autonomia financeira e no poder de decisão sobre suas
próprias vidas. Porém, ainda não conseguiram conquistar uma relação igualitária quanto
aos homens no que concerne ao trabalho doméstico. Por mais que alguns homens
assumissem participação nas atividades domésticas, nota-se que não realizam tais
atividades de forma igualitária junto à suas companheiras ou mãe, não assumem o
protagonismo nestas atividades, mesmo a mulher realizando atividades não-agrícolas fora
de casa, inclusive só começaram a exercer determinado tipo de atividades, essenciais para
sua reprodução como alimentação e limpeza de roupas, a partir da ausência do trabalho
feminino. A estrutura da organização familiar mudou, mas não de maneira substancial.
Conclui-se que os dados levantados confirmam a hipótese da pesquisa e a teoria
de Kergoat (2010) que as mulheres assumiram o trabalho no âmbito público, porém não
deixaram de realizar o trabalho no âmbito privado, se deixaram, terceirizaram as
atividades domésticas para outras mulheres. No contexto desta investigação no espaço
rural, percebe-se que houve uma intensificação das relações de trabalho sofrida pelas
mulheres, sendo sobrecarregadas por diversas atividades produtivas e reprodutivas.
98

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104

APÊNDICE A

Roteiro de Entrevista

Tema Questões

Dados pessoais e dados da família (a - Nome completo, idade, local de


confidencialidade destes dados estão nascimento, estado civil, quantidade de
garantidas). filhos, com quem mora, escolaridade,
raça/cor, posição no domicílio e na
ocupação, escolaridade e ocupação dos
pais, contribuição de cada pessoa na família
e cada atividade na renda.

Trajetória de vida. - Quais atividades e ocupações já teve ao


longo da vida?

- Descreva sua trajetória de vida. Por


exemplo: Com quantos anos começou a
trabalhar? Com quantos anos você casou?
Com quantos anos você teve seus filhos?

Acesso a direitos, associações e - Você faz parte de alguma associação ou


sindicalização. sindicato?
- Quais são as condições e tamanho da
propriedade?
- Você já realizou algum tipo de
financiamento pessoal ou para
propriedade? Já encontrou alguma
dificuldade em acessar esse tipo de
recurso?
- Você contribui para o INSS?

- Você recebe algum benefício de programa


social do governo?

Atividades reprodutivas e produtivas - Quais atividades você realiza que são


realizadas na unidade familiar de produção. consideradas domésticas (cuidados com
casa e com família)? Você recebe um
retorno financeiro para realizar essa
atividade?

- Quais atividades você realiza para gerar


renda para sua família? Você recebe um
105

retorno financeiro para realizar essa


atividade?

- Quem trabalha na unidade familiar de


produção? Em alguma época há ajuda
externa (familiar ou não)?

Uso do tempo em atividades reprodutivas e - Quantas horas por dia você se dedica às
produtivas realizadas na unidade familiar atividades domésticas (cuidados com casa
de produção. e com família)?

- Como é a realização do trabalho


doméstico? (quem realiza? quais
atividades? quando? quantas horas por
semana?)

- Quantas horas diárias você se dedica para


realizar atividades que geram renda para
sua família em sua unidade familiar de
produção?

- Qual atividade que homens realizam? E


de mulheres? Existe diferença?

- O que acha das condições de seu trabalho


realizada na unidade familiar de produção?

Atividades produtivas realizadas fora da - Quais os motivos que influenciaram a


unidade familiar de produção. busca por um trabalho não-agrícola?

- Qual atividade agrícola você realiza fora


de sua unidade familiar de produção? Você
recebe um retorno financeiro para realizar
essa atividade?

- Qual atividade não-agrícola você realiza?


Você recebe um retorno financeiro para
realizar essa atividade? Se o recebe, onde
geralmente você aplica este recurso?

- O que acha das condições de seu trabalho


fora da unidade familiar de produção?
106

Uso do tempo em atividades produtivas - Quantas horas por dia ou por semana você
realizadas fora da unidade familiar de se dedica às atividades agrícolas fora de sua
produção. unidade familiar de produção?

- Quantas horas por dia ou por semana você


se dedica às atividades não-agrícolas fora
de sua unidade familiar de produção?

Uso do tempo em atividades de lazer e - Quais são as atividades que você realiza
exercícios físicos. como lazer? Quantas horas você usa
diariamente e semanalmente para essas
atividades? Essas atividades são realizadas
com sua família, com amigos e outras
pessoas, ou você realiza sozinha/o?

Uso do tempo em descanso. - Quantas horas você descansa


diariamente?

- Quantas horas você dorme por dia?

- Você descansa mais aos finais de semana


(sábado e domingo)? Se sim, quantas
horas?

Jornada de trabalho na unidade familiar de - Há quanto tempo você trabalha em


produção. atividades agrícolas?

- Fale de sua semana de trabalho no campo:


o que você faz, como seu trabalho é
organizado e quais são suas
responsabilidades.

- Qual é a atividade que você considera


mais importante no seu dia a dia
(considerando tanto as atividades agrícolas
quanto as não-agrícolas)? Por quê?

- Descreva a rotina de trabalho, desde a


hora em que acorda até a hora em que vai
dormir.

Jornada de trabalho fora da unidade - Há quanto tempo você trabalha em


familiar de produção. atividades não-agrícolas?
107

- Fale de sua semana de trabalho na cidade:


o que você faz, como seu trabalho é
organizado e quais são suas
responsabilidades.

- Sua rotina de trabalho mudou muito a


partir do momento que você e/ou sua/seu
parceira/o começou a conciliar as
atividades agrícolas com as não-agrícolas?
Se mudanças aconteceram, quais foram? E
suas relações familiares, você sentiu
alguma mudança?

Entendimento sobre a vida dedicada ao - Como você concilia trabalho com a vida
trabalho e ao não trabalho e perspectivas privada?
futuras. - Você se sente realizada/o no seu trabalho?

- Com qual atividade você se identifica


mais (e menos)?

- Você acha que seu trabalho é


reconhecido?
- Quais as perspectivas futuras?
- Gostaria de continuar nas mesmas
atividades?

- Qual sua renda individual? Qual sua renda


familiar?

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