Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A Teoria Do Comércio Internacional - Resenha
A Teoria Do Comércio Internacional - Resenha
Gonçalves**
1
Só para ilustrar, podemos dizer que não apenas tem havido um exagero na
importância (e na “novidade”) dos modelos mais recentes que lidam com
economias de escala e com concorrências imperfeita, mas também tanto
os analistas como os profissionais têm tido uma tendência a sobrevalorizar a
influência de variáveis específicas, tais como a tecnologia. Parece-nos que
teria sido mais apropriado que, ao invés de se falar tanto em uma “nova teoria”
do comércio internacional, se falasse apenas a respeito de “novos modelos”. O
desenvolvimento do pensamento econômico a respeito do comércio
internacional não pode ser sumariado aqui. Por ora, basta dizer, mesmo
correndo o risco de uma simplificação exagerada, que os recentes
desenvolvimentos e elaborações poderiam ser convenientemente
classificados dentro dos seguintes grupos: teorias neofatoriais; teorias
neotecnológicas; economias de escala; estrutura de mercado; e
influências de demanda. Ao longo do texto faremos referência apenas aos
principais estudos pioneiros em cada grupo. Para aprofundamento e para
referências à literatura, vale recorrer às notas de rodapé e ao apêndice. Não se
pode esquecer que o argumento básico subjacente a esta pesquisa é a
inexistência de uma teoria geral do comércio internacional, tal como Jacob
Viner salientou a, aproximadamente, meio século atrás. De fato, dada a
complexidade dos temas e a influência de variáveis heterogêneas, não é
possível obter-se uma teoria geral e única do comércio internacional. É de
suma importância, portanto, ter-se um balanço em termos da importância
relativa dos diferentes determinantes do comércio internacional. 1. O
PRINCÍPIO DAS VANTAGENS COMPARATIVAS A maior parte da teorização
sobre comércio internacional trata dos determinantes básicos dos padrões de
comércio de bens e das implicações do comércio sobre o bem-estar. As
principais teorias de comércio internacional baseiamse, em sua maioria,
no princípio da vantagem comparativa, ou seja, supõem serem as trocas
internacionais de bens o resultado das diferenças entre os países em
termos de custos relativos e, conseqüentemente, de preços relativos. O
princípio da vantagem comparativa significa enfocar os determinantes do
comércio internacional pelo lado da oferta. Contudo, o papel da demanda
foi reconhecido pela escola clássica inglesa na medida em que fatores pelo
lado da
2
demanda sejam de importância especial na determinação dos preços relativos.
Modelos de comércio internacional que se apartem do princípio das vantagens
comparativas e que lidem com as influências da demanda mais diretamente
também são discutidos neste trabalho. Como regra geral, qualquer país
tenderá a exportar produtos nos quais tenha vantagem comparativa. O
problema teórico básico é, por conseguinte, a explicação dos determinantes
primeiros das diferenças entre os países em relação aos custos comparativos.
2. A TEORIA RICARDIANA OU O MODELO CLÁSSICO Na origem do
princípio das vantagens comparativas está o modelo ricardiano de
comércio internacional, baseado na teoria clássica do valor trabalho. De
acordo com este modelo, os custos comparativos são determinados pela
produtividade relativa do trabalho. Variações nessa produtividade entre
os países adviriam principalmente de diferenças tecnológicas entre eles.
A análise ricardiana começa com uma crítica ao princípio das vantagens
absolutas de Adam Smith, ou seja, de que o comércio internacional seja
determinado por diferenças absolutas na produtividade do trabalho. Em seu
modelo, Ricardo supôs que as funções de produção são diferentes entre
países e que elas apresentam retornos constantes de escala. O modelo
clássico do comércio internacional tem, provavelmente, seu melhor resumo
numa nota de pé de página na principal obra deste autor: “Parece-nos,
portanto, que um país que possua vantagens consideráveis em maquinaria e
qualificação [do trabalho], e que, por isso mesmo, esteja apto à manufatura de
bens com muito menos trabalho que seus vizinhos possa, em troca por tais
bens, importar uma parte dos cereais necessários ao seu consumo, mesmo
que sua terra seja mais fértil e que os cereais pudessem ser cultivados com a
utilização de menos trabalho do que no país do qual ele é importado”. 1
Inúmeras tentativas têm sido feitas para testar a teoria do comércio
internacional2. O teste empírico mais conhecido 1 do modelo clássico é o de G.
David Ricardo, On the Principles of Political Economy and Taxation, 1817,
Cambridge, University Press (Sraffa’s edition), 1951. Para uma análise da
teoria do comércio internacional, ver D.P. O’ Brien, The Classical Economists,
Oxford, Clarendon Press, 1975, cap. 7, pp. 136 e segs. Uma pesquisa recente
é a de E. L. Leamer, “Testing Trade Theory”, em D. Greenaway e L. Alan
3
Winters, Surveys in International Trade, Oxford, Basil Blackwell Ltda, 1984, pp.
66-106.
4
prefácio de Heckscher à edição inglesa de seu artigo publicado originalmente
na Suécia em 1919: “The Effect of Foreign Trade on the Distribution of Income”,
em H. S. Ellis e L. A . Metzler (eds.), Readings on the Theory of International
Trade, Londres, George Allen and Unwin Ltd, 1950, pp. 272-300. 5 4 3 4
5
em capital tendem a exportar produtos intensivos em capital. 6 7 Ibid., p. 287 A
. P. Samuelson, “International Trade and Equalization of Fator Prices”,
Economic Journal, vol. 58, junho de 1948, pp. 163-84. 8 B. Ohlin, Interregional
and International Trade, Harvard University Press, 1933. 5
6
International Trade, Harmondsworth, Penguin Books Ltd, pp. 93-139. Resenhas
da literatura encontram-se em J. Bhagwati, op. cit.; R. M. Stern. “Testing Trade
Theories”, em International Trade and Finance, Frontiers from Research,
Cambridge University Press, 1975, pp. 3-49; e A . V. Deardoff, “Testing Trade
Theories and Predicting Trade Flowes”, em R. W. Jones and P.B. Kenen (eds.),
Handbook of International Economics, vol.1, Elsevier Publishers B.V., 1984, pp.
467-517. Ver, por exemplo, J. Vanek, The Natural Resource Content of United
States Foreign Trade, 18701955, Cambridge, MIT Press, 1963. 11 10 9 6
7
Manufactured Goods”, em R. Vernon (ed.), The Technology Factor in
International Trade, Nova Iorque, National Bureau of Economic Research,
1970, pp. 145-231. Ver, por exemplo, D. Keesing, “Labour Skill and
International Trade: Evaluating Many Trade Flowes With a Single Measuring
Device”. Review of Economics and Statistics, Vol. 47, agosto, 1965, pp. 28794.
14 15 13 12 Ver Ricardo, op. cit., pp. 142-5. Um resumo de diversos estudos
que tratam da influência do capital humano associado a especializações sobre
os padrões de comércio encontra-se na obra de Stern de 1975, op. cit., pp. 12-
6. Ver, por exemplo, o estudo pioneiro de M. V. Posner, “International Trade
and Technical Change”, Oxford Economic Papers, Vol. 13, n.º 3, outubro de
1961, pp. 323-41. 16 7
8
difícil distinguir-se a evidência que coloca a tecnologia da que coloca o capital
humano ou o trabalho qualificado como determinantes do comércio”19.
9
variados”22. No passado recente, o argumento das economias de escala tem
sido associado principalmente com os modelos de comércio baseados em
estruturas de mercado imperfeitamente concorrenciais23. Uma das
conclusões básicas destes modelos é que “em um mundo no qual os
retornos crescentes existem, a vantagem comparativa resultante das
diferenças entre os países não é a única razão para a existência do
comércio. As economias de escala criam um incentivo adicional e gerarão
comércio mesmo se os países forem idênticos em gostos, tecnologias e
dotações de fatores”24. 20 21 Ohlin (1933), op. cit., capítulos III (pp. 54-8) e
VI (pp. 106-8) R. Vernon, “Problems and Prospects in the Export of
Manufactured Goods from Less-developed countries”, Proceedings of the
United Nations Conference on Trade and Development, Geneva, 23 de março a
16 de junho de 1964, Vol. IV, pp. 200-10. 22 23 Deardoff (1984), op. cit., p. 511.
Ver, por exemplo, os modelos de comércio desenvolvidos por E. Helpman e P.
R Krugman, Market Structure of Foreign Trade, Increasing Returns, Imperfect
Competition and International Economy, The MIT Press, 1985. 24 Ibid., p. 261.
Para uma resenha da literatura , ver A. Jacquemin, “Imperfect Market Structure
and International Trade Some Recent Research”, Kyklos, Vol. 35, nº 1, 1982,
pp. 75-93; E. Helpman, 9
10
mercado externo, trazendo-os para si27. Neste sentido, o desempenho
das exportações e os padrões de comércio dependem do nível de
absorção doméstica. No contexto de “excesso” de demanda interna, o
desempenho das exportações e a estrutura do comércio exterior
dependem não apenas da dotação de fatores, tecnologia, etc., mas
também da combinação (mix) e da natureza das medidas de política
macroeconômica. Em segundo lugar, a abordagem da “similaridade de
preferências” diz que a semelhança de padrões de demanda também pode
constituir-se numa base para o “Increasing Returns, Imperfect Markets and
Trade Theory”, em Jones e Kenen, op. cit., cap. 7; e A. Smith, “Imperfect
Competition and International Trade”, Greenaway e Winters, op. cit., pp. 43-65.
Ver P.R. Krugman, “Import Protection as Export Promotion: International
Competition in the Presence of Oligopoly and Economics of Scale”, em H.
Kierzkowski (ed.), Monopolistic Competition and International Trade, Oxford,
Clarendon Press, 1984, pp. 180-93. J.S. Mill introduziu o conceito de demanda
recíproca para explicar as condições de equilíbrio do comércio. Ver seus
Principles of Political Economy, (1848), Londres, The Standard Library
Company, Livro III, cap. 18. Para uma breve revisão do argumento tradicional
relacionado à hipótese de pressão da demanda, ver I.S. Mintz, Cyclical
Fluctuations in the Exports of the United States Since 1879, National Bureau of
Economic Research, Nova Iorque, 1967, pp. 10-8. A maior parte da discussão
sobre a relação entre demanda doméstica e o desempenho das exportações foi
feita em relação à experiência do Reino Unido. Ver, por exemplo, R. A. Cooper,
Export Performance and the Pressure of Demand. A Study of Firms, Londres,
George Allen and Unwin Ltd., 1970. 27 26 25 10
11
internacional. Finalmente, a terceira teoria de comércio internacional orientada
para a demanda está relacionada à diferenciação de atributos ou
características dos produtos. De acordo com esta visão, os consumidores
maximizariam uma função objetivo cujos elementos seriam as características
dos bens e não sua quantidade, dada a restrição orçamentária.
Conseqüentemente, a quantidade de bens consumidos seria determinada
através da maximização de uma função utilidade composta das características
ou atributos dos bens29. Dadas as difusões de gostos semelhantes entre
países, as diferenças entre estes com relação ao tamanho de seus mercados e
os retornos crescentes de escala, pode ser que os consumidores de
determinado país demandem bens que incorporem um conjunto de atributos
que só podem ser produzidos eficientemente e a um baixo custo em algum
outro país30. Portanto, a diversidade de preferências em relação aos atributos
dentro de cada país pode criar uma certa base para comércio internacional. 8.
CONCLUSÕES É importante chamar a atenção do leitor para alguns aspectos-
chaves relacionados à discussão acima sobre os determinantes básicos do
comércio internacional. 28 S. B. Linder, An Essay on Trade and
Transformation, Nova Iorque, John Wiley & Sons, 1961. Existem muitas
implicações da hipótese de Linder. Para uma discussão dessas implicações e
para referências à literatura, ver Deardoff (1984), op. cit. ,pp. 504-6. K. J.
Lancaster, “A New Approach to Consumer Theory”, Journal of Political
Economy, Vol. 74, abril de 1966, pp. 132-57. 29 K.J Lancaster, “Intra-Industry
Trade Under Perfect Monopolistic Competition”, Journal of International
Economics, Vol. 10, 1980, pp. 151-75. 30 11
12
com todas as alterações ao longo do tempo nos processos de industrialização,
acumulação de capital, inovações tecnológicas, estratégias e crescimento das
empresas no país em questão e em todo o mundo, é provável que haja
variações no poder explicativo de qualquer teoria. Este fenômeno é
particularmente importante para os países em desenvolvimento que têm
passado por rápidos processos de transformação econômica. Além disso, as
estratégias das grandes corporações transnacionais também influenciam esse
comércio (direção, volume, composição e termos de troca). Não há dúvida de
que, dadas a heterogeneidade e a complexidade dos determinantes do
comércio trocas internacional (elementos de oferta e de demanda, influências
econômicas, determinantes específicos relativos ao produto, empresa, setor de
atividades ou país), não é possível ter-se uma teoria geral que possa ser
aplicada a todos os casos e a qualquer momento! Conseqüentemente, a
abrangência de cada uma das teorias ou modelos de comércio que tente
explicar casos reais é bastante limitada. De acordo com Joan Robinson, “não
há ramo da economia no qual exista uma lacuna maior entre a doutrina
ortodoxa e os problemas reais do que na teoria do comércio internacional”32. É
interessante citar uma observação de um especialistas a respeito da evidência
empírica: “Obviamente, boa parte dos esforços ao longo dos anos têm sido
gasto na tentativa de testar as teorias do comércio. Embora seus resultados
raramente tenham sido conclusivos, muitos, com certeza, têm sido sugestivos,
mas, de qualquer maneira, 31 32 J. Viner, International Economics, Glencoe,
Illinois, Free Press, 1951, p. 16. J. Robinson, “The Need a Reconsideration of
the Theory of International Trade”, em M. B. Connely e A . K. Swoboda (eds.),
International Trade and Money, Londres, George Allen and Unwin Ltd., 1971, p.
15. 12
13
deixar de fora a análise dos fatores que influenciam o comércio internacional e
que ficam, em geral, além da abrangência das teorias tradicionais. Neste
sentido, pode-se mencionar as políticas macroeconômicas, por exemplo, as
taxas de câmbio, juros, tributos e salários) e a orientação estratégica (e.g., as
prioridades em relação à alocação de recursos e as definições de objetivos).
Por fim, cabe assinalar que não há uma “nova” teoria do comércio internacional
assentada em economia de escala, diferenciação do produto e concorrência
imperfeita. Nos anos 80 houve uma onda de modelos de comércio internacional
que, de uma forma ou de outra, formalizaram a influência destas variáveis e
chegaram a resultados que há eram conhecidos, seja na teoria de comércio
internacional, seja na teoria do desenvolvimento econômico. Neste ponto vale
apresentar a opinião de um dos mais destacados especialistas norte-
americanos em comércio internacional (Kindleberger, 1993, p. 56) sobre a
importância relativa das contribuições recentes de um dos expoentes dos
novos modelos de comércio internacional35 : “Eu confesso alguma irritação
com a defesa de Krugman de que sua teoria do comércio internacional é nova
somente porque oferece em forma de equação uma verdade já bastante
usada.” APÊNDICE 33 34 Deardoff (1984), op. cit., p. 511. Ver F. Stewart.
“Recent Theories of International Trade: Some Implications for the South”, em
Kierzkowski (1984), op. cit., pp. 84-108. Charles P. Kindleberger, “How ideas
spread among economists: Examples from International Economics”, em D.
Colander e A. W. Coate, (orgs.), The Spread of Economic Ideas, Cambridge,
Cambridge University Press, 1993, pp. 43-60. 35 13
Neste apêndice tem-se uma lista de alguns estudos e pesquisas recentes que,
ao lado dos mencionados nas notas de pé de página, podem ajudar os leitores
a aprofundarem o entendimento dos assuntos relacionados ao comércio
internacional. Aqueles que são bastante usados nos países desenvolvidos
estão marcados com um asterisco. Com dois estão marcados os livros
importantes que lidam com o comércio no contexto da economia política
internacional e, com três, os estudos recentes que têm o escopo de uma
resenha. Todas essas referências são em inglês ou francês, e para um livro-
texto recente tratando da teoria pura do comércio internacional, ver:
REINALDO GONÇALVES, RENATO BAUMANN, LUIS CARLOS PRADO E
14
OTAVIANO CANUTO, A Nova Economia Internacional. Uma Perspectiva
Brasileira, Rio de Janeiro, Ed. Campus, 1998. BALDWIN, R. E., "Are
economists' traditional trade policy views still valid?", Journal of Economic
Literature, Vol. 30, June 1992, pp. 804-29.(***) CAVES, R. E., "International
differences in industrial organisation", em R. Schmalensee e R. D. Willig,
Handbook of Industrial Organization, Vol. II, Elsevier Science Publishers B.V.,
1989, pp. 1225-50.(***) CHIPMAN, J. S., "International trade", em The New
Palgrave . A Dictionary of Economics, vol. 2, London, The Macmillan Press, pp.
922-54.(***) DEARDOFF, A. V., "Testing trade theories and predicting trade
flows", em R. W. JONES E P. B. KENEN (ed.), Handbook of International
Economics, Vol. I, Elsevier Science Publishers B.V., 1984.(***) ETHIER, W. J.,
Modern International Economics, New York, Norton, 1988.(*) FALVEY, R. E.,
"The theory of international trade", in D. GREENAWAY AND L. ALAN
WINTERS (eds.), Surveys in International Trade, Oxford, Basil Blackwell Ltd.,
1994, pp. 9-42.(***) GILPIN, R., The Political Economy of International
Relations, Princeton University Press, 1987.(**) GREENAWAY, D. AND L.
ALAN WINTERS (eds.), Surveys in International Trade, Oxford, Basil Blackwell
Ltd., 1994.(***) GUILLOCHON, B., Économie Internationale, Paris, Dunod,
1993.(*) HELLIER, J., Macroéconomie Ouverte, Paris, PUF, 1994.(*) 14
15
Economics, Macmillan, 1987.(*) SPERO, J.E., The Politics of International
Economic Relations, London, Unwin Hyman Ltd, 1990.(**) STEWART, F.,
"Recent theories of international trade: Some implications for the South", em H.
KIERZKOWSKI (ed.) Monopolistic Competition and International Trade, Oxford,
Clarendon Press, 1984.(***) STRANGE, S., States and Markets: An Introduction
to International Political Economy, New York, Basil Blackwell, 1988.(**) 15
16