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A TAGARELICE DE BELÉM

Num contraste estratosférico com o perfil esfíngico e salazarento do seu


antecessor, a figura de Marcelo lembra a irrequietude do pardal. A velocidade
com que fala, aliás, de tudo e de nada, é estonteante. Salta de tema para tema
como ramos da mesma árvore, plantando novas com a astúcia das velhas…

A tagarelice compulsiva não terá a particularidade folclórica de um


certo mergulho no Tejo, mas já deveria ter merecido a atenção da Academia.
Embora haja «cientistas políticos» a diagnosticar (com ar circunspecto e
contrito) a perda presidencial de auctoritas e gravitas, tem sido muito curta a
manta do Latim para tanta verborreia de Belém.

In extremis, talvez possamos trocar a ciência lusa pela filosofia alemã.


Apelemos, pois, para o maior filósofo (segundo alguns) do século XX:
Heidegger, o pensador da Floresta Negra. Na sua obra-prima, Ser e Tempo,
temos, pela primeira vez, uma objectivação fenomenológica da tagarelice, à
qual corresponde, enquanto facúndia falaz e vazia, o sinal da inautenticidade.

Aqui fica, portanto, o conselho que dirigimos a quem queira


compreender as aventuras e desventuras de Marcelo: «Leia Heidegger!» — E
esta, hem?!

Eurico de Carvalho

In Expresso, n.º 2 614 (2 de Dezembro de 2022), p. 33.

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