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DEFINIÇÃO DE PARÓDIA
Que ninguém parodie um poeta a não ser que o ame.

Sir Theodore Martin

Uma paródia, uma paródia com uma espécie de dom


miraculoso que a torne mais absurda do que era.

Ben Jonson

Os percursores românticos alemães de Thomas Mann, côns-


cios da dualidade ontológica da obra de arte, intentaram destruir
o que achavam ser ilusão artística. Esta ironia romântica, evi-
dentemente, serviu menos para subverter a ilusão do que para
criar uma nova ilusão. Para os seus herdeiros, os escritores
modernos como Mann, esta mesma espécie da ironia torna-se
um dos mais importantes meios de criar novos níveis de ilusão,
activando esse alargando - mas nem sempre ridicularizador -
tipo de paródia. Vimos que Doctor Faustus é um romance acerca
da paródia; é também, como Felix Krull (As Confissões de Felix
Krull, Cavalheiro de Indústria) e muitos outros romances de
Mann (Eichner 1952), uma paródia múltipla em si (Heller
1958-b), no sentido dessa definição mais ampla que acabámos

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de delinear. Ironia e paródia tornam-se os meios mais importan- A ironia parece ser o principal mecanismo retórico para des-
tes de criar novos níveis de sentido - e ilusão. Este tipo de paró- pertar a consciência do leitor para esta dramatização. A ironia
dia informa quer a estrutura quer o conteúdo temático da obra participa no discurso paródico como uma estratégia, no sentido
de Mann (Heller 1958-a). Mas, como vimos, Mann não é o único utilizado por Kenneth Burke (1967, 1), que permite ao descodi-
a servir-se desta mistura particular de ironia e de paródia e a ficador interpretar e avaliar. Por exemplo, num romance que em
literatura não tem hoje o monopólio da arte autoconsciente. No muitos aspectos é uma pedra-de-toque para toda esta reavalia-
entanto, os ensinamentos da literatura são extremamente explí- ção da paródia, The French Lieutenant's Woman (A Amante do
citos e, consequentemente, articulados; e são-no de tal maneira Tenente Francês), lohn Fowles justapõe as convenções dos
que é ela que fornece os exemplos mais nítidos: na literatura não romances vitoriano e moderno. As premissas teológicas e cultu-
é tão necessário recorrer, como acontece frequentemente com rais de ambas as épocas - conforme se manifestam através das
a música moderna, às capas dos discos, para se conhecer a lista suas formas literárias - são ironicamente comparadas pelo lei-
das obras parodiadas. tor através do médium da paródia formal. A mesma sinalização
Gérard Genette (1982,236-6) chamou a atenção para a predi- de distância e diferença pode ser vista no novo tratamento iró-
lecção que os romancistas modernos têm por formas anteriores, nico que Iris Murdoch, dá a Hamlet, em The Black Prince. Nas
numa prática que optou por designar por «hipertextualidade». artes visuais, a variedade de modos possíveis, ao que parece é
Mas não se trate apenas de uma questão de empréstimo formal. maior que na literatura. Por exemplo, lohn Clem Clarke repre-
Os leitores sabem que muita coisa se passou, em termos literá- senta os seus amigos como Páris, Hermes e as três deusas do
rios, entre o século XVIII e The Sot-Weed Factor, de lohn Barth Julgamento de Páris, de Rubens, e modifica a postura sugerindo
(1960). A essência de forma narrativa que veio a ser designada poses sedutoras mais modernas. A versão da escultura em gesso
por metaficção (Scholes 1970) reside no mesmo reconhecimento de George Segal da Dance, dé Matisse, chama-se The Dancers,
da natureza dupla ou até dúplice da obra de arte que intrigava mas as suas figuras, apesar da semelhança de pose, não surgem
os românticos alemães: o romance de hoje ainda continua a de modo nenhum extáticas; na realidade, parecem francamente
afirmar, frequentemente, ser um género com raízes nas realida- constrangidas e pouco à vontade.
des do tempo histórico e do espaço geográfico; e, todavia, a nar- É com a diferença entre o primeiro plano paródico e o segundo
rativa é apresentada apenas como narrativa, como a sua própria plano parodiado que se joga, ironicamente, em obras como estas.
realidade - isto é: como artifício. Muitas vezes, o comentário A ironia de orientação dupla parece ter sido substituída pela
narrativo ou um espelho auto-reflector interno (uma mise- tradicional zombaria ou rídiculo do texto «alvo». No capítulo ante-
-en-abyme) assinalará este duplo status ontológico ao leitor. rior defendi que não existem definições trans-históricas de paró-
Ou então - e é isto que tem um interesse particular no presente dia. A vasta literatura sobre a paródia em diferentes épocas
contexto - o apontar da literariedade do texto pode ser obtido e lugares torna evidente que o seu sentido muda. A arte do
utilizando a paródia: em fundo, apresentar-se-á outro texto con- século XX ensina que percorremos um longo caminho desde o
tra o qual a nova criação deve ser, implicita e simultaneamente, sentido primitivo de paródia como o poema narrativo de exten-
medida e entendida. O mesmo é verdadeiro em relação às outras são moderada, utilizando metro e linguagem épicos, mas com
artes. Por trás de Leta and the Pelican, de Mel Ramos, um tema trivial (Householder 1944, 3). A maioria dos teóricos
encontram-se não só todas as pinturas mitológicas de Leda e do da paródia remontam a raiz etimológica do termo ao substan-
cisne, mas desdobráveis da Playboy (a que não faltam as marcas tivo grego parodia, que quer dizer «contra-canto», e ficam-se
das dobras). O que é interessante é que, ao contrário do que é por aÍ. Se olharmos mais atentamente para essa raiz obteremos,
encarado mais tradicionalmente como paródia, a forma moderna no entanto, mais informação. A natureza textual ou discursiva
nem sempre permite que um dos textos tenha mais ou menos êxito da paródia (por oposição à sátira) é evidente no elemento odos
que o outro. É o facto de diferirem que esta paródia acentua da palavra, que significa canto. O prefixo para tem dois signifi-
e, até, dramatiza. cados, sendo geralmente mencionado apenas um deles - o de

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«contra» ou «oposição». Desta forma, a paródia torna-se uma opo- dico em termos relevantes para todas as formas de arte do nosso
sição ou contraste entre textos. Este é, presumivelmente, o ponto
século. O protagonista, um artista muito «moderno», considera
de partida formal para a componente de ridículo pragmática habi- a obra muito diferente de um mestre parodista:
tual da definição: um texto é confrontado com outro, com a inten-
ção de zombar dele ou de o tornar caricato. O Oxford English Tal como acontece em tantos trabalhos de Breasley havia
Dictionary chama à paródia: uma enorme iconografia prévia - neste caso, A Caça, de
Uccello, e a sua difusão através dos séculos; o que era,
Uma composição em prosa ou em verso em que os esti- por sua vez, uma comparação arriscada, um risco delibe-
los característicos do pensamento e fraseado de um autor, rado [... ] tal como os desenhos espanhóis tinham desafiado
ou classe de autores, são imitados de maneira a torná-Ios a grande sombra de Ooya aceitando a sua presença,
ridículos, em especial aplicando-os a temas caricatamente utilizando-a e parodiando-a até, também a memória de
impróprios; imitação de uma obra tomando, mais ou menos Uccello ashmoleano de alguma forma aprofundava e esco-
como modelo o original, mas alterado de maneira a produ- rava a pintura defronte da qual David se sentava. Dava-lhe
zir um efeito ridículo. uma tensão essencial, de facto: por detrás do misterioso e
da ambiguidade [... ] por detrás da modernidade de tantos
dos elementos da superfície ali estavam presentes, ao mesmo
No entanto, para em grego também pode significar «ao longo tempo, uma homenagem e uma espécie de torcer o nariz
de» e, portanto, existe uma sugestão de um acordo ou intimi- a uma tradição muito antiga (Fowles 1974, 18).
dade, em vez de um contraste. É este segundo sentido esque-
cido do prefixo que alarga o escopo pragmático da paródia de É esta combinação de homenagem respeitosa de «torcer o nariz»
modo muito útil para as discussões das formas de arte moder- irónico que caracteriza, com frequência, o tipo particular de paró-
nas, como veremos no capítulo seguinte. Mas, mesmo em rela- dia que aqui consideraremos.
ção à estrutura formal, o carácter duplo da raiz sugere a Quando Fowles (l969-b, 287-8) comparou o seu romance
necessidade de termos mais neutros para a discussão. Nada existe A Amante do Tenente Francês com Lovel the Widower, de Tha-
em parodia que necessite da inclusão de um conceito de rídi- keray, em relação ao ponto de vista, à utilização do presente e
culo, como existe, por exemplo, na piada, ou burla, do burlesco. a uma certa provocação ao leitor, misturada com uma autozom-
A paródia é, pois, na sua irónica «transcontextualização» e inver- baria irónica, foi para lembrar que não tinha intenção de copiar,
são, repetição com diferença. Está implícita uma distanciação mas de recontextualizar, de sintetizar, de reelaborar convenções -
crítica entre o texto em fundo a ser parodiado e a nova obra que de uma maneira respeitosa. Esta intenção não é exclusiva da paró-
incorpora, distância geralmente assinalada pela ironia. Mas esta dia moderna, pois há uma tradição semelhante em séculos ante-
ironia tanto pode ser apenas bem humorada, como pode ser depre- riores, ainda que haja tendência para se perderem grande parte
ciativa; tanto pode ser criticamente construtiva, como pode ser das generalizações críticas. A sua articulação mais famosa é pro-
destrutiva. O prazer da ironia da paródia não provém do humor vavelmente A Parodist 's Apology, de J. K. Stephen: If I've dared
em particular, mas do grau de empenhamento do leitor no «vai- to laugh at you, Robert Browning, / 'Tis with eyes that with you
vém» intertextual (bouncing) para utilizar o famoso termo de have often wept: / You have oftener left me smiling or frow-
E. M. Forster, entre cumplicidade e distanciação. ning, / Than any beside, one bard except. «<Se ousei rir de ti,
É nesta mesma mistura que encontramos igualmente, ao nível Robert Browning,' / Foi com olhos que contigo muitas vezes cho-
da intenção codificada, nas muitas reelaborações de Las Meni- raram: / Mais vezes ainda me deixaste com um sorriso ou com
nas, de Velàzquez, feitas por Picasso, ou no jogo de Augustus um franzir de cenho, / Do que qualquer outro, à excepção de
John com EI Oreco em Symphonie Espagnole. Na sua novela, um bardo») (citado por Richardson 1935, 9). Embora os paro-
The Ebony Tower, John Fowles pega a temática deste jogo paró- distas modernos acrescentem, com frequência, uma dimensão

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irónica neste aspecto, a ironia pode beneficiar e prejudicar ao ao nível da estratégia, da descodificação (reconhecimento e inter-
mesmo tempo quando dois textos se encontram. pretação) e da codificação. Como veremos num outro capítulo,
Como o próximo capítulo examinará mais pormenorizada- estas são as duas partes da énonciation que a nossa era forma-
mente, a ironia é, por assim dizer uma forma sofisticada de lista pós-romântica considerou mais problemáticas.
expressão. A paródia é igualmente um género sofisticado nas exi- Dentro de um quadro de referência pragmático, contudo, pode-
gências que faz aos seus praticantes e intérpretes. O codificador mos, começar por considerar o facto de a prática envolver mais
e, depois, o descodificador, têm de efectuar uma sobreposição que a simples comparação textual; todo o contexto enunciativo
estrutural de textos que incorpore o antigo no novo. A paródia se encontra envolvido na produção e recepção do tipo de paró-
é uma síntese bitextual (Golopentia-Eretescu 1969, 171), ao con- dia que utiliza a ironia como meio principal de acentuação, e
trário de formas mais monotextuais, como o patiche, que acen- até de estabelecimento, do contraste paródico. Isto não quer dizer,
tuam a semelhança e não a diferença. Em certo sentido, pode contudo, que nos possamos dar ao luxo de ignorar esses elementos
dizer-se que a paródia se assemelha à metáfora. Ambas exigem formais nas nossas definições. Tanto a ironia como a paródia
que o descodificador construa um segundo sentido através de operam a dois níveis - um primeiro, superficial ou primeiro
interferências acerca de afirmações superficiais e complemente plano; e um secundário, implícito ou de fundo. Mas este último,
o primeiro plano com o conhecimento e reconhecimento de um em ambos os casos, deriva o seu sentido do contexto no qual
contexto em fundo. Em vez de defender, como faz Wayne Booth se encontra. O sentido final da ironia ou da paródia reside no
(1947, 177), que, embora semelhante em estrutura à metáfora reconhecimento da sobreposição desses níveis. É este carácter
(e, consequentemente, à paródia), a ironia é «subtractiva», em duplo tanto da forma, como do efeito pragmático, ou ethos, que
termos de estratégia, na sua orientação do descodificador, ou faz da paródia um modo importante de moderna auto-
afastá-lo do sentido superficial, eu diria que ambos os níveis -reflexividade na literatura (para Salman Rushdie, Halo Calvino,
devem coexistir estruturalmente na ironia, e que esta semelhança
Timothy Findley e outros), na música (para Bartók, Stravinsky,
com a paródia ao nível formal é o que os torna tão compatíveis. Prokofiev e os compositores contemporâneos que já considerá-
Deverá ser evidente pela discussão que é muito díficil separar mos), na arquitectura (em particular na pós-moderna), no cinema
estratégias pragmáticas de estruturas formais quando se fala da (para Lucas e Bogdanovitch, por exemplo) e nas artes visuais
ironia ou da paródia: uma implica a outra. Por outras palavras, (para Francis Bacon, Picasso e muitos mais).
uma análise puramente formal da paródia, enquanto relaciona- Muitos destes artistas afirmaram abertamente que a distância
mento de textos (Genette 1982) não fará justiça à complexidade irónica concedida pela paródia tornou a imitação um meio de
destes fenómenos; o mesmo acontecerá com uma análise pura-
liberdade, até no sentido de exorcizar fantasmas pessoais - ou,
mente hermenêutica que, na sua forma mais extrema, vê a paró- melhor, de os alistar na sua própria causa. Proust parece certa-
dia como criada por «leitores e críticos, e não pelos textos mente ter visto as suas reelaborações de Flaubert como antído-
literários em si» (Dane 1980, 145). Conquanto a realização e a tos purgativos para as «toxinas de admiração» (in Painter 1965,
forma da paródia sejam os da incorporação, a sua função é de 100). Mas, pàra o descodificador da paródia, esta função, cria-
separação e contraste. Ao contrário da imitação, da citação ou tiva ao nível do artista individual, é menos importante do que
até da alusão, a paródia exige essa distância irónica e crítica. a compreensão de que, seja por que razão for, a incorporação
É verdade que, se o descodificador não reparar ou não conse- paródica e «transcontextualização» ou inversão irónica do artista
guir identificar uma alusão ou citação intencionais, limitar-se-á originaram algo de novo na sua síntese bitextual. Talvez os paro-
a naturalizá-Ia, adaptando-a ao contexto da obra no seu todo. distas não façam mais do que apressar um processo natural: a
Na forma mais alargada da paródia que temos vindo a conside- alteração das formas estéticas através do tempo. Da união do
rar, esta naturalização eliminaria uma parte significativa tanto
romance de cavalaria com um novo interesse literário pelo rea-
da forma, como do conteúdo do texto. A identidade estrutural lismo quotidiano surgiu Don Quixote e o romance, tal como o
do texto como paródia depende, portanto, da coincidência, conhecemos hoje. Obras paródicas como esta - obras que con-

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desgastadas» (1970, 103) e Kiremidjian define a paródia como
seguem, efectivamente, libertar-se do texto de fundo o suficiente «uma obra que reflecte um aspecto fundamental da arte, que é
para criarem uma forma autónoma - sugerem que a paródia, ao mesmo tempo um sintoma de processos históricos que invali-
como síntese diabética poderia ser um protótipo do estádio de dam a autenticidade normal das formas primárias» (1969, 241).
transição nesse processo gradual de desenvolvimento das formas A sua influência pode ver-se até na rejeição por Lotman (1973,
literárias. Com efeito, é esta visão que os formalistas russos têm 402-3) de um papel central da paródia na evolução literária. Pou-
da paródia. cas dúvidas há de que a paródia possa ter um papel na mudança.
A sua teoria da paródia interessa-nos aqui, porque também eles Se uma nova forma paródica não se desenvolve quando uma antiga
a viam como um modo de auto-reflexividade, como uma maneira fica insuficientemente «motivada» (para utilizar o termo dos for-
de chamar a atenção para o convencionalismo que consideravam malistas) devido ao uso execessivo, essa forma antiga poderia
ser central na definição da arte. A consciência acerca da forma degenerar em convenção pura: a testemunhá-Io, estão o romance
tal como foi conseguida por escritores como Sterne (e Barth, popular, o best-seller da época vitoriana ou da nossa. Numa pers-
Fowles e outros, hoje em dia) por meio da sua formação através pectiva mais geral, no entanto, esta visão implica um conceito
da paródia (Chklovski 1965), é um modo possível de desnudar de evolução literária como aperfeiçoamento que me parece difí-
o contraste, de desfamiliarizar a «transcontextualização», ou de cil de aceitar. As formas de arte mudam, mas evoluirão real-
fugir às normas estéticas estabelecidas pelo uso. O questionar mente ou melhorarão de alguma forma? Mais uma vez, a minha
implícito destas normas fornece também a base para o fenómeno definição de paródia como imitação com diferença crítica impede
da contra-expectativa que permite a activação estrutural e prag- qualquer adesão às implicações aperfeiçoadoras da teoria dos for-
mática da paródia (Tomachevski 1965, 284) pelo descodifica- malistas, concedendo, obviamente, acordo à ideia geral da paródia
dor. Em Gogol'i Dostoevskij. K teorií parodií, Tynianov revelou como inscrição de continuidade e mudança.
a dívida de Dostoievsky para com Gogol, mas também a sua uti- A minha tentativa de encontrar uma definição mais neutra
lização da paródia como modo de emancipação dele (Erlich 1955, que explique o tipo particular de paródia apresentada pelas for-
1965, 93, 194). A paródia é, pois, tanto uma acto pessoal de mas de arte deste século tem um antecedente interessante. No
suplantação, como uma inscrição de continuidade histórico- século XVIII, quando o apreço pelo espírito e a predominância da
-literária. Daí surgiu a teoria dos forrnalistas acerca do papel da sátira puseram a paródia em evidência, como um mundo literário
paródia na evolução ou mudança das formas literárias. A paró- maior, seriam de esperar definições que incluíssem o elemento
dia era vista como uma substituição dialéctica de elementos for- do ridículo como as que se nos deparam ainda nos dicionários
mais cujas funções se tornaram mecanizadas ou automáticas. actuais. No entanto, Samuel Johnson definia a paródia como «um
Neste ponto, os elementos são «refuncionalizados», para utili- tipo de escrita, em que as palavras de um autor ou os seus pensa-
zar o seu termo. Uma nova forma desenvolve-se a partir da antiga, mentos são tomados e, por meio de uma ligeira mudança, adap-
sem na realidade a destruir; apenas a função é alterada (Eikhen- tados a um objectivo novo». Sendo embora verdade que isto define
baum 1965, e 1978-b; Tomachevski 1965; Tynianov 1978-a). igualmente Q plagiarismo, tem o mérito singular de não limitar
A paródia torna-se, pois, um princípio construtivo na história o ethos da paródia. A definição muito mais recente de Susan
literária (Tynianov 1978-b). Stewart compartilha desta vantagem: a paródia consiste em «subs-
Os formalistas russos não foram os únicos a acentuar este papel tituir elementos dentro de um~ dimensão de um dado texto de
histórico da paródia. Vimos já a construção temática que dela maneira a que o texto resultante fique numa relação inversa ou
fez Thomas Mann na sua obra, e Dürrenmatt escreveu sobre o incongruente comP texto que nele se inspira» (1978, 1979, 185),
seu papel na derrocada da gasta Ideologie-Konstrukte (Freund se bem que a menção da incongruência sugira uma teoria implí-
1981, 7). Mas a teorização muito mais recente da paródia tem cita do risco que pode representar o elemento de ridículo que
sido obviamente influenciada pelos formalistas, quer directa, quer entra sorrateiramente pela porta das traseiras. Prefiro manter a
indirectamente. Northrop Frye acha que a paródia é «um sinal minha definição simples. Penso que ela expressa certos deno-
de que certas modas no tratamento das convenções estão a ficar
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minadores comuns a todas as teorias da paródia, para todas as apropriação textual. A crença clássica e renascentista no valor
épocas, mas constitui também para mim uma necessidade parti- da imitação como meio de instrução tem sido transmitida atra-
cular ao tratar da arte paródica moderna. Por esta definição, a vés dos séculos. La Formation du style par l'assimilation des
paródia é, pois, repetição, mas repetição que inclui diferença auteurs (1910) de Antoine Albalat é uma versão actualizada desses
(Deleuze 1968); é imitação com distância crítica, cuja ironia pode anteriores manuais de retórica. Mas a imitação, em tais contex-
beneficiar e prejudicar ao mesmo tempo. Versões irónicas de tos, significava muitas vezes pastiche ou paródia. Qual das duas
«transcontextualização» e inversão são os seus principais opera- coisas? Bem, a distinção mostra-se difícil: Proust utilizava ambos
dores formais, e o âmbito de ethos pragmático vai do ridículo os termos para as suas imitações irónicas de Balzac, Flaubert,
desdenhoso à homenagem reverencial. Michelet e outros. Será lhe Mote in the Middle Distance
O perigo desta definição é que poderia parecer arriscar-se a con- (A Christmas Garland) (1921) de Beerbohm (1921) uma paró-
fundir os limites das fronteiras do género mais do que já acon- dia, ou um pastiche do estilo mais tardio de James, com as suas
tece. O resto do capítulo será dedicado a demonstrar que tal não frases interrompidas, itálico, negativas duplas e adjectivos vagos?
é, de facto, necessariamente verdadeiro. Ao definir a paródia em Será o pastiche mais sério e respeitoso do que a paródia
termos simultaneamente formais e pragmáticos, contudo, pode (Idt 1972-3, 134)? Ou isso só seria verdade se o conceito de paró-
argumentar-se que a reduzi à intertextualidade. Seguindo a orien- dia utilizado insistisse no ridículo na sua descrição? Dado que
tação de Kristeva (1969, 255), alguns teóricos contemporâneos a minha definição permite um amplo alcance de ethos, não
tentaram fazer da intertextualidade uma categoria puramente for- me parece possível distinguir a paródia do pastiche, nestes
mal de interacção textual (Genette 1982, 8; Jenny 1976, 257). termos. Todavia, parece-me que a paródia procura de facto a dife-
O supremo valor do trabalho de Michael Riffaterre é que reco- renciação no seu relacionamento com o seu modelo; o pastiche
nhece o facto de só um leitor (ou, falando de maneira mais geral, opera mais por semelhança e correspondência (Freund 1981,23)."
um descodificador) poder activar o intertexto (1980-a, 626). Rif- Nos termos de Genette (1982, 34), a paródia é transformadora
faterre, como Roland Barthes (1975-b, 35-6), define a intertex- no seu relacionamento com outros textos; o pastiche é imitativo.
tualidade como uma modalidade da percepção um acto de Ainda que nem a paródia, nem o pastiche, tal como são utili-
descodificação de textos à luz de outros textos. Para Barthes, no zados por alguém como Proust, possam ser considerados como
entanto, o leitor é livre de associar os textos mais ou menos ao
brincadeira trivial (Amossy e Rosen 1974), pode haver uma dife-
acaso, limitado apenas pela idiossincrasia individual e a cultura rença na localização textual que faça com que o pastiche pareça
pessoal. Riffaterre, por outro lado, argumenta que o texto na sua mais superficial. Um crítico chama-lhe «imitação da forma»
«inteireza estruturada» (1978, 195n) exige uma leitura mais con- (<{orm-rendering», Wells 1919, XXI). O pastiche tem geralmente
dicionada e, portanto, mais limitada (1974,278). A paródia seria, de permanecer dentro do mesmo género que o seu modelo, ao
obviamente, um caso ainda mais extremo disto, porque as suas passo que a paródia permite a adaptação; o soneto de Georges
imposições são deliberadas e até necessárias para a sua compreen- Fourest sobre a peça de Corneille, Le Cid (Le palais de Gor-
são. Mas, a acrescentar a esta restrição adicional da relação inter- maz ... ), seria uma paródia, e não um pastiche à Ia maniere de
textual entre descodificador e texto, a paródia exige que a Corneille. O pastiche será com frequência uma imitação, não
competência semiótica e intencionalidade de um codificador infe- de um único texto (Albertsen 1971, 5; Deffoux 1932, 6; Hem-
rido sejam pressupostos. Desta forma, embora a minha teoria da pel 1965, 175), mas das possibilidades infinitas de textos. Envolve
paródia seja intertextual na sua conclusão tanto do descodifica- aquilo a que Daniel Bilous (1982; 1984) chama de interestilo,
dor como do texto, o seu contexto enunciativo é ainda mais vasto: não o intertexto. Mas, mais uma vez, é mais a semelhança que
tanto a codificação como o compartilhar de códigos entre produ- a diferença que caracteriza a relação entre os dois estilos. A paró-
tor e receptor são centrais e constituirão tema do quinto capítulo. dia está para o pastiche talvez como a figura de retórica está para
O enquadramento em que a minha definição de paródia se situa o cliché. No pastiche e no cliché, pode dizer-se que a diferença
de facto, inevitavelmente, é o de outras formas de imitação e se reduz à semelhança. Isto não quer dizer que uma paródia não

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possa conter (ou utilizar para fins paródicos) um pastiche: O epi- tenha atacado Thomas por ter plagiado a obra de Freud, ainda
sódio Oxen ofthe Sun, de Joyce, com a sua vasta gama de imita- que tenha aduzido, na mesma obra, um belo exemplo, embora
ções estilísticas cheias de virtuosismo seria um exemplo mais inventado, de um caso freudiano. Talvez a <<uotado autor» acerca
que óbvio (Levin 1941, 105-7). da sua ficcionalização daquela a quem chama o descobridor do
Tanto a paródia como o pastiche não só são imitações textuais grande mito moderno da psicanálise se tenha adiantado aos crí-
.' formais, como envolvem nitidamente a questão da intenção. ticos. Ou talvez a paródia séria seja uma coisa totalmente dife-
Ambos são empréstimos confessados. Aqui reside a distinção mais rente. É que a história do «caso» não é de Freud, ainda que dele
óbvia entre a paródia e o plagiarismo. Ao imprimir, na sua pró- partam algumas citações de Para Além do Princípio do Prazer,
pria forma, a do texto que parodia, uma paródia pode facilitar que o Freud ficcional, tal como o real, estava a escrever na altura
a tarefa interpretativa do descodificador. Não haveria necessi- da acção do romance. O leitor sabe que este texto não é de Freud,
dade na literatura, por exemplo, de recorrer à «estilometria», à tal como sabe que a terceira parte do Terceiro Quarteto de Corda,
análise estatística do estilo, para determinar a autoria (Morton de Rochberg, não é de Beethoven. É muito simplesmente o conhe-
1978). Se bem que tenha havido muitos casos famosos de falsi- cimento desta diferença que separa a paródia do plagiarismo.
ficação, quer na arte, quer na literatura (ver Farrer 1907; Whi- No seu romance Lanark (1981), Alasdair Gray mistifica todo
tehead 1973), mistificações como aChasse spirituelle, de o debate, fornecendo ao leitor um paródico «Índice de plagiaris-
Rimbaud (Morrissette 1956), e a colecção Spectra (Smith 1961) mos» para o romance. Somos informados de que existem três
são fundamentalmente diferentes da paródia no seu desejo de ocul- tipos de roubos literários no livro:
tal', em vez de empenhar o descodificador na interpretação dos
seus textos de fundo. A relação próxima entre pastiche (que visa Plagiarismo de Matriz (Block Plagiarism), em que a obra de
a semelhança) e plagiarismo é articulada de uma maneira extre- outrem é impressa como uma unidade tipográfica distinta;
manente divertida no romance de Hubert Monteilhet, Mourir à Plagiarismo Embutido (Imbebed Plagiarism), em que as pala-
Francfort (1975). O protagonista, professor e secretamente vras roubadas estão ocultas dentro do corpo da narrativa;
romancista, decide reviver um romance pouco conhecido de Abbé Plagiarismo Difuso (Dif.fusePlagiarism), em que o cenário,
Prévost e publicá-Io sob pseudónimo, como faz com todos os personagens, acções ou ideias novas foram roubadas mas
seus romances. Vê na ligeira reelaboração que faz da obra uma sem as palavras originais a descrevê-Ias (485).
vingança brincalhona contra o seu editor, um elegante, ainda que
não reconhecido, pastiche. Evidentemente que outras pessoas lhe Para reforçar a sua brincadeira, acrescenta: «Para poupar
chamariam outras coisas. Tudo isto tem lugar numa paródia espaço, estes serão referidos daqui em diante como Blockplag,
gideana a um romance na forma de diário sobreposta a um enredo Implag e Difplag.»
policial invertido (o assassínio tem lugar apenas no final), cuja A distinção entre paródia e plagiarismo só é necessária por-
moral é que a paga do plagiarismo é a morte. que eles têm sido, de facto, utilizados como sinónimos (Paull
De uma forma algo mais séria, a interacção da paródia e do 1928, 134} e porque a questão da intenção (imitar com ironia
plagiarismo pode ser vista na declaração pública aquando da publi- crítica ou imitar com intenção de enganar) é, simultaneamente,
cação de The White Hotel, de D. M. Thomas (1981). Embora complexa e difícil de verificar. Foi por isso que me limitei à inten-
Thomas tenha reconhecido que se baseou no relato da testemu- ção codificada ou inferida ao discutir a paródia. Pode dizer-se
nha ocular Dina Pronicheva, única sobrevivente de Babi Yar, que Emerson, Lake and Palmer tenham tencionado tomar de
na página que refere os direitos de autor do romance, o seu empréstimo (parodiar) ou roubar (plagiar) o Allegro Barbaro,
«empréstimo» mais ou menos literal deu origem a um intenso de Bartok, no seu The Barbarian? O título, pelo que me parece,
- mas, em última análise, infrutífero - debate sobre o plagia- sugere a primeira hipótese, mas há quem discorde (Rabinowitz
rismo nas páginas de The Times Literary Supplement, em Março 1980,246). É também a questão da intenção que está envolvida
e Abril de 1982. É interessante que ninguém, tanto quanto sei, na confusão da paródia com o burlesco e a farsa (travesti). Se há

56 57
~I
que definir a paródia em termos de um ethos - o do ridículo - paródia diz: C'est le genre lui-même, c' est son style, son lan-
II gage, qui sont comme insérés entre des guillemets qui leur don-

I
terá forçosamente que haver uma dificuldade considerável em dis- f
tinguir entre estas duas formas. A história dos termos sugere ser nent un ton moqueur (1978, 414; o itálico é meu). O inglês
este o caso (Bond 1932, 4; Hempel1965, 164; Karrer 1977, 70-3). mantém o sentido metafórico, se não o símile: The genre itselj,
·1
Os dicionários também não ajudam muito: o Oxford English Dic- ~ the style, the language are ali put in cheerfuliy irreverent quota-
tionary define ambos os verbos to burlesque e to travesty de tíon marks (1981,55) (<<Opróprio género, o estilo, a linguagem
maneira idêntica: «meter a ridículo por meio de paródia ou imita- são todos inseridos entre aspas divertidamente irreverentes.»)
ção grotesca». As tentativas de teóricos mais recentes no sentido Bakhtin queria definir a paródia como forma de discurso indi-

Ii
de precisão não foram muito mais úteis, obstruídas como são geral- recto, por referência a outras formas; daí a sua ideia de ela ser
mente pelas suas definições limitadas de paródia como ridículo. «como que» entre aspas.
Dwight Macdonald (1960, 557-8) vê a farsa como a mais primi- No entanto, quando Margaret Rose define paródia como a «cita-
tiva das formas e a paródia como a mais ampla. John Jump faz ção crítica da linguagem literária preformada com efeito cómico»
da paródia uma espécie de «alto burlesco de uma obra (ou autor) (1979,59), a metáfora literalizou-se de súbito. Na realidade, ela
li.
particular conseguida aplicando o estilo dessa obra (ou autor) a inverteu a noção de Michael Butor (1967) de que até a citação
ii
um tema menos digno» (1972, 2). As distinções entre formas supe- mais literal é já uma espécie de paródia por causa da sua <<!!".ans-
II
riores e inferiores sugerem as categorias de outra época, de uma
estética que é muito mais rígida que a nossa pareceria ser hoje )'( a'paródia
contex.tualização».
é, consequentemente,
Mas será lícitocitação?
inverter Julgo
isto e afirmar
que não,que
apesar
toda
pelas suas normas. E as distinções que separam desta maneira estilo
)< 'L' do facto deno
vincentes existirem
sentido actualmente
de tomarem em preparação
a citação argumentos
o modelo con-
para toda
e tema (Bond 1932; Davidson 1966; Freund 1981; Householder
1944) sugerem uma separação de forma e conteúdo que, para muito a escrita (Compagnon 1979). A repetição «transcontextualizada»
teóricos, é hoje posta em causa. Tanto o burlesco como a farsa é sem dúvida uma característica da paródia, mas a distanciação
envolvem necessariamente o ridículo; a paródia não. Esta dife- crítica que define a paródia não está necessariamente implícita
rença no ethos requerido é certamente uma das coisas que distin- na ideia de citação: referir-se a um texto como paródia não é
gue estas formas, pelo menos segundo o que a arte moderna ensina. o mesmo que referir-se a ele como citação, ainda que a paródia
É uma diferença de intenção que serve também para distin- tenha sido esvaziada de qualquer característica definidora que
X)f guir a paródia da citação, provavelmente o análogo sugerido com sugira o ridículo. Ambas são, no entanto, formas que «transcon-
maior frequência da paródia moderna. Bakhtin pode ser o res- textualizam» e poder-se-ia argumentar que qualquer mudança de
ponsável pela valorização deste modelo: ao escrever sobre a lite- contexto requer uma diferença de interpretação (Eikhenbaum
ratura helenística, ele observou que havia vários graus de 1978-b). Em ambas existiria, portanto, aquela tensão entre assi-
assimilação e diferenciação no uso das citações: ocultas, aber- milação e dissimilação que Herman Meyer (1968,6) via na uti-
tas, semi-ocultas (Bakhtin 1981, 68-9). Muito embora isto seja lização da citação no moderno romance alemão. Da mesma
verdadeiro no que se refere à literatura clássica em geral, valerá forma, ambas abarcariam um amplo âmbito de ethos, do reco-
a pena recordar que o objectivo de citar exemplos tirados das nhecimento 'da autoridade ao jogo livre e ambas exigiriam cer-
obras dos grandes era emprestar o seu prestígio e autoridade ao tos códigos comuns que permitissem a compreensão. A citação,
próprio texto. A Rhetorica ad Herennium, outrora atribuída por outras palavras, embora fundamentalmente diferente da paró-
a Cícero, apressa-se, contudo, a avisar que a citação não é por dia em alguns aspectos, está também estrutural e pragmaticamente
si um sinal de cultura. Os antigos podem, quando muito, agir próxima o suficiente para que o que de facto aconteça seja que
como modelos. Não era exactamente esta a utilização que Bakhtin a citação se torne uma forma de paródia, em especial na arte
queria fazer das citações. Com efeito, um olhar mais atento revela e na música modernas.
que ele via a paródia como citação, apenas num sentido metafó- Não concordo com Stephan Morawski quando diz que «até o
rico. A tradução francesa do trecho acerca do funcionamento da mais consumado e versátil conhecedor das artes teria de dar muito

58 59
mais tratos à memória para recordar um exemplo de citação em
pintura, teatro ou cinema do que no caso da literatura» (1970, Mahler. Na capa do disco (CBC Classics 61079) Berio, diz-nos:
701). E nenhuma pessoa que tivesse visto a citação por Thomas «O movimento de Mahler é tratado como um receptáculo em que
Vreeland do Campanilo, da Catedral de Siena, e da planta de grande número de referências se multiplicam, correlacionam e
Adolf Loos para a Casa de Josephine Baker, em Paris, no seu integram na estrutura fluente da obra original em si». Foi a isto
edifício da World Savings and Loan Association, em Santa Ana, que os formalistas chamaram «refuncionalização» ou paródia,
na Califórnia, poderia dizer que a arquitectura é a arte «menos embora envolva efectivamente a citação «transcontextualizante».
passível de citação» (Morawski 1970, 702). E que dizer da cita- A paródia tem uma determinação bitextual mais forte do que
ção por Michael Graves das simetrias interrompidas e das inter- a citação simples ou até que a alusão: partilha tanto o código
-relações paisagem/edifício da Villa Madama quinhentista de de um texto particular a ser parodiado, como o código paródico
Rafael na sua Placek House de 1977? genérico em geral (Jenny 1976,258). Incluo a alusão aqui, por-
Nas artes visuais, semióticos como René Payant (1979,5) são que também ela tem sido definida de maneiras que a têm levado
tentados a postular que todas as pinturas citam outras pinturas. a ser confundida com a paródia. Kâlusâôé «um expediente para
Este argumento não seria muito diferente da insistência forma- a activação simultânea de dois te~I(Ys>;-(Ben-Porat 1976, 107),
lista russa na convencionalidade da literatura. Ambas são reac- mas fá-lo essencialmente através de correspondência - não
ções a uma estética realista que valoriza a representação na arte. da diferença, como é o caso da paródia. Todavia, a alusão
Muitas destas pinturas citativas são, como vimos, paródicas. irónica estaria mais próxima da paródia, embora a alusão, em
O mesmo se passa com a utilização que a música faz da citação geral, se mantenha uma forma menos constrangida ou «prede-
com o fim de obter contraste. Para críticos embaraçados por uma terminada» que a paródia (Perri 1978, 299), a qual deve assi-
definição da paródia com uma forte carga de ridículo, tal cita- nalar diferença de alguma forma. A paródia é também, com fre-
ção é, com frequência, considerada nada paródica (Gruber 1977; quência, uma forma mais extensiva de referência transtextual,
Kneif 1973). Não obstante, existe uma concordância generali- hoje em dia.
zada com o facto de a citação ter uma importância central para A paródia está, pois, relacionada com o burlesco, a farsa,
a música moderna (Kuhn 1972; Siegmund-SchuItze 1977; Sonntag o pastiche, o plagiarismo, a citação e a alusão, mas mantém-se
1977»>. George Rochberg remontou o seu desenvolvimento a pár- distinto deles. Partilha com eles uma restrição de foco: a sua
li
tir do serialismo e da sua descoberta das tradições musicais do repetição é sempre de outro texto discursivo. O ethos desse acto
passado em termos que mostram a diferença entre citação sim- de repetição pode variar, mas o seu «alvo» é sempre intramural
~
..

ples e paródica. Nas anotações ao seu Quarteto de Cordas


n. 03 (Nonesuch H-71283), fala de como chegou à convicção
de que o passado deveria ser um «presente vivo» para os compo-
I neste seIltido. Como pode então chegar a confundir-se a paródia
com asátÍia,que é extramural (social, moral) no seu objectivo
aperfeiçoador de ridicularizar os vícios e loucuras da Huma-
sitores. Começou por citar partes da música tonal na forma de
assemblages, ou colagens, no seu Contra Mortem et Tempus.
I
li
*
nidade, tendo em vista a sua correcção? É que a confusão existe,
sem a menor dúvida. A paródia tem sido implícita ou expli-
Mas em breve o comentário achava-se implícito no seu acto de
citação (Nach Bach), e no Terceiro Quarteto de Cordas a sín-
I! citamente 'tida como uma forma de sátira por muitos teó-
ricos (Blackmur 1964; Booth 1974; Feinberg 1967; Macdonald
tese paródica da nova atonalidade e das velhas convenções tonais 1960; Paulson 1960; Rase 1979; Stone 1914). Para alguns, esta
(a linguagem melódico-harmónica oitocentista em geral e os esti- é uma forma de não limitar a paródia a um contexto estético,
los de Beethoven e Mahler em particular) foi possível. Da mesma de a abrir a dimensões sociais e morais (ver Karrer 1977,29-31).
forma, a Sinfonia, de Luciano Berio, «transcontextualiza» cita- Muito embora simpatize com a tentativa, dois capítulos seguin-
ções fragmentárias de Bach, Schoenberg, Debussy, Ravel, tes (quarto e sexto) centrar-se-ão na complexidade desta
Strauss, Brahms, Berlioz e outros, dentro do contexto dos impul- questão. Chamar apenas sátira à paródia parece excessivamente
sos rítmicos do terceiro movimento da Segunda Sinfonia, de simples, como forma instantânea de dar à paródia uma função
social.
60
61
Os fundamentos sobre os quais outros teóricos baseiam a sepa-
ração dos dois géneros são, por vezes, discutíveis. Winfried venções da poesia religiosa para fins CÍnicos e sexuais nas sua
Freund (1981, 20) afirma que a sátira visa a restauração de valo- paródias (Treglown 973), invertendo assim a prática luterana de
res positivos, ao passo que a paródia só pode ocorrer negativa- espiritualizar o secular (Grout 1980). Foram, no entanto, as tra-
mente. Dado que se centra essencialmente na literatura alemã dições épicas que forneceram a base para muitas paródias no
do século XIX, é dito que à sátira faltam importantes dimensões século XVIII, paródias que se acham muito próximas de algumas
metafÍsicas e morais que a sátira pode demonstrar. Mas eu argu- espécies de formas satíricas modernas da paródia. A epopeia
mentaria que a diferença entre as duas formas não reside tanto cómica não zombava da epopeia: satirizava as pretensões con-
na sua perspectiva sobre o comportamento humano, como ela temporâneas, quando comparadas com as normas ideais impli-
julga, mas naquilo que é transformado em «alvo». Por outras pala- cadas pelo texto ou conjunto de convenções parodiados. Os seus
vras, a paródia não é extramural no seu objectivo; a sátira é. antecedentes históricos foram, provavelmente, as silli ou paró-
Tanto Northrop Frye (1970, 233-4, 322) como Tuvia Shlonsky dias homéricas, que satirizavam certas pessoas ou hábitos de vida
(1966, 798) argumentaram clara e convincentemente, face a sem escarnecerem, fosse de que forma fosse, da obra de Homero
observações como «Nenhum aspecto da sociedade tem estado a (Householder 1944, 3). Existem, ainda outros exemplos poste-
salvo da atenção escarnecedora do parodista» (Feinberg 1967, riores do mesmo tipo de utilização da paródia e da sátira que
188). No entanto, a razão óbvia para a confusão de paródia e econtramos nas formas de arte actuais. Por exemplo, o precur-
sátira, apesar desta diferença essencial entre elas, é o facto de sor de grande parte da recente sátira paródica feminista encon-
os dois géneros serem muitas vezes utilizados conjuntamente. tra-se na ficção de Jane Austen. Em Love and Friendship,
A sátira usa, frequentes vezes, formas de arte paródicas, quer Austen parodia a ficção do romance popular do tempo dela e,
para fins expositórios, quer para fins agressivos (Paulson 1967, através dela, satiriza a visão tradicional do papel da mulher como
5-6), quando aspira à diferenciação textual como veículo. Tanto amante dos homens. Laura e Sophia vivem enredos literários
a sátira como a paródia implicam distanciação crítica e, logo, pré-modelados e são desacreditadas pela paródia de Austen à
julgamentos de valor, mas a sátira utiliza geralmente essa dis- «heroicização» literária de Ruchardson e da sua apresentação
tância para fazer uma afirmação negativa acerca daquilo que é da passividade feminina. Como demonstrou Susan Gubar, «nas
satirizado - «para distorcer, depreciar, ferir» (Highet 1962, 69). suas paródias a Fanny Burney e Sir Samuel Egerton Brydges em
Na paródia moderna, no entanto, verificámos não haver um Pride and Prejudice (Orgulho e Preconceito), Austen dramatiza
julgamento negativo necessariamente sugerido no contraste iró- (e satiriza) a forma como tem sido prejudicial para as mulheres·
nico dos textos. A arte paródica desvia de uma norma estética habitarem uma cultura criada por, e para, os homens» (Gilbert
e inclui simultaneamente essa norma em si, como material de e Gubar 1979, 120). Juntamente com Mary Shelley, Emily e
fundo. Qualquer ataque real seria autodestrutivo. Charlotte Bronte e outras escritoras, Austen serviu-se da paró-
A interacção de paródia e sátira na arte moderna é universal, dia como veículo literário desarmante, mas eficiente, para a sátira
social.
apesar do ponto de vista de um comentador que decidiu que a
sátira é hoje uma forma menor e ultrapassada (Wilde 1981,28). Não pretendo, pois, sugerir que só a paródia moderna
(Como classificar então Coover, Pynchon, Rushdie e uma quan- joga com esta conjunção particular com o satírico. Grande parte
tidade de outros romancistas contemporâneos?) A crescente da literatura do século XVIII, na Inglaterra, fê-l0 igualmente.
homogeneidade cultural na «aldeia global» aumentou o leque de E Gilbert e Sullivan por certo utilizaram-na quase como uma
formas paródicas disponíveis para utilização. Em séculos ante- fórmula: Iolanthe parodiava a forma do conto de fadas com
riores, a Bíblia e os clássicos eram os textos de fundo funda- o fim de satirizar a aristocracia. Princess Ida era uma inver-
mentais para a classe educada; as canções populares forneciam são respeitosa da Princess, de Tennyson, que serviu de veí-
o veículo para outras. Embora esta seja uma regra geral, há, é culo para um sátira dos direitos das mulheres. Mais dentro do
claro, sempre excepções. Rochester inverteu ironicamente as con- perÍdo que nos interessa, Apollinaire serviu-se da paródia for-
mal para satirizar a dor espiritual infundada de Verlaine em

62 63
termos de desconforto físico real. II pleut doucement sur Ia
ville, de Rimbaud, forma a epígrafe do poema de Verlaine, que
II precursor de Eliot no confronto com o declínio da sua comuni-
dade e da sua época através da paródia satírica é, provavelmente,
Juvenal (Lelievre 1958). Veremos, no capítulo seguinte, o papel

ii
começa: da ironia na compatibilidade aparentemente forte entre paródia
e sátira.
Para muitos, os anos sessenta marcaram uma nova idade do
II pleure dans mon coeur
Comme il pleut sur la ville. • ouro da sátira (Dooley 1971), mas tratava-se de uma sátira que
Quelle est cette langueur se apoiava muito na paródia e que compartilhava, consequente-
Qui pénetre mon coeur? mente, do seu ethos variável. Na obra de escritores como Pynchon
e de artistas como Robert Colescott, é menor a intenção de apontar
ao que Swift chamava «defeito algum / mas aquilo que todos os
A paródia de Apollinaire diz: mortais podem corrigir». O humor negro (como foi rotulado) des-
tes anos começou a mudar o nosso conceito de sátira, tal como
II fiotte dans mes bottes a paródia respeitosa mudou a nossa noção de paródia. Mas isso
Comme il pleut sur la ville. seria provavelmente o tema para outro livro. Não obstante, a
Au diable cette fiotte interacção dos dois géneros mantém-se uma constante. Muita da
Que pénetre mes bottes! escrita feminina actual, visando, como visa, ser simultaneamente
revisionista e revolucionária, é «paródica, dúplice, extraordinaria-
Nem a paródia nem a sátira são muito subtis neste tipo mais mente sofisticada» (Gilbert e Gubar 1979, 80). A ficção curta, pra-
tradicional de paródia. ticada por escritores como Barthelme, mostrou-se tão provocante
Na versão mais alargada que temos vindo a examinar, a inte- como obras mais longas por causa do seu uso económico da paró-
racção com a sátira é mais complexa. Quando, no Ulysses, Joyce dia sugestiva. The Oranging of America, de Max Apple (1976,
recorre à Odisseia, de Homero, e, em Tha Waste Land, Elliot 3-19), serve-se, obviamente, de uma paródia a The Greening
invoca uma tradição ainda mais vasta, de Virgílio a Dante, pas- of America para satirizar a ética aquisitiva americana epitomada
sando pelos simbolistas e para além deles, o que está em causa em Howard Johnson e nos seus hotéis de telhados cor-de-laranja.
é mais que um eco alusivo, quer do texto, quer do património A paródia satírica musical também tem uma história ilustre.
cultural. As práticas discursivas activas numa altura particular Um Divertimento Musical, de Mozart, parodia certas conven-
e num lugar particular encontram-se envolvidas (Gomez-Moriana ções musicais em voga (repetições desnecessárias de banalida-
1980-1, 18). A énonciation intetdiscursiva, bem como o énoncé des, modulação incorrecta, ideias melódicas desarticuladas) -
intertextual, estão implicados. O Don Quixote escrito pelo espa- é conhecida igualmente por Sexteto dos Músicos de Aldeia.
nhol seiscentista chamado Cervantes seria diferente, é Borges De uma maneira que sugere quase uma paródia a Mozart, o
quem o sugere (1962, 1964, 42-3), do Quixote escrito por um segundo movrmento da Quarta Sinfonia, de Charles Ives, paro-
simbolista francês moderno -- chamemos-lhe Pierre Menard- dia outras peças musicais e ao mesmo tempo imita a execução
ainda que fossem textos verbalmente idênticos. O texto de Menard de músicos incompetentes. No seu The Fourth of July, a execu-
seria mais rico por causa daquilo que actualmente se tornou ana- ção da banda amadora fictícia pretende, suponho, transportar um
cronismo deliberado (e historicismo «descaradamente pragmá- ouvinte americano para a inocência da infância e dos piqueniques do
4 de Julho. Há uma interessante tensão estabelecida entre esta memó-
tico»). Sabendo que Menard seria contemporâneo de William
James, o narrador de Borges pode reler o Quixote à luz desta ria nostálgica e a compreensão de que se trata de qualquer coisa
«transcontextualização» filosófica, social e cultural (bem como de diferente: os erros técnicos dessa banda servem como lembretes
literária). Esta utilização paródica da literatura para auxiliar o periódicos da diferença que funcionam satiricamente para levarem
julgamento irónico da sociedade não é nova no nosso século: o o ouvinte a considerar o seu presente estado de inocência perdida.

64 65
Nas artes visuais, há um vasto leque de utilizações satíricas é claro no seu título - Thirty are Better than One - implicando
paródicas. As sátiras abertas de Ad Reinhardt da cena artística uma sátira de uma sociedade de consumo que gosta mais da quan-
de Nova.Iorque nos anos quarenta a cinquenta tomavam a forma tidade do que da qualidade e pode, portanto, usar um ícone popu-
de peças de ilustração/colagem de estilo cómico, de forma a paro- lar da arte erudita como produto de produção em massa. Também
diar essas tentativas didácticas de compreender a complexidade é uma sociedade, claro, que está disposta a pagar preços erudi-
dos desenvolvimentos na arte por meio de diagramas de manuais tos pela sátira paródica de Warhol: o mercado tem uma capaci-
simplistas. How to Look at Modern Art in America é uma paró- dade infinita de cooptar.
dia a esses quadros sinópticos dos movimentos modernistas que Outro exemplo da interacção da paródia com a sátira é Retroac-
eram utilizados para ensinar arte moderna nas universidades. tive I, de Rauschenberg. No centro direito desta obra há uma
É, igualmente, uma sátira da cena artística contemporânea, através ampliação em serigrafia de uma fotografia de Gjon Mili da revista
da qual ele situava artistas no diagrama (Hess 1974). Ainda que Life. Com o auxílio de uma lâmpada estroboscópica, acaba por
o próprio Magritte (1979) tivesse negado qualquer intenção sim- se parecer fortemente com o Nu Descendo as Escadas, de
bólica ou satírica nas suas paródias aos caixões de David e Manet, Duchamp (que, ironicamente, se baseava, por sua vez, em foto-
a maioria dos espectadores acha difícil não ler na paródia for- grafias de Marey de um corpo em movimento). Mas, no con-
mal um comentário ideológico a uma cultura aristocrática ou bur- texto da obra, acaba por parecer um «Adão e Eva expulsos do
guesa morta. Éden», por Masaccio. O contexto determinante é o de uma foto-
Semelhante intenção satírica parece, talvez, mais nítida na obra grafia de John F. Kennedy (já uma figura de culto quando a obra
de Masami Traoka, especialmente nas suas paródias a Trinta e foi executada, em 1964), que se torna na figura de um Deus vin-
Seis Vistas do Monte Fuji, de Hokusai. Uma destas, por exem- gador de dedo apontado.
plo, Novas Vistas do Monte Fuji: Barco de Recreio Afundan- Formas de arte mais populares, como as bandas desenhadas
do-se, mantém os trajes Edo para cada figura, mas uma delas e as séries de televisão, foram igualmente analisadas, revelando
tem uma máquina fotográfica ao pescoço e outra, uma gueixa, a interacção próxima entre formas paródicas e intenção satírica.
tenta tirar uma fotografia com o seu tripé - no barco que se O trabalho de Ziva Ben-Porat (1979) é notável entre estudos de
afunda. Ali perto, um samurai deita a mão aos seus clubs de golfe. ambos os géneros pela sua análise lúcida da natureza convencio-
Os ideogramas tradicionais mantêm-se, mas aqui querem, evi- nal quer do referente social da sátira, quer do código paródico
dentemente, dizer coisas como «mania do golfe». A mais diver- utilizado para o comunicar. As longas definições merecem ser cita-
tida destas obras é talvez Trinta e Um Aromas Que Invadem o das pela sua precisão ao fazer a distinção entre as duas formas.
Japão: Baunilha Francesa, com a sua paródia à gravura erótica A paródia é definida basicamente em termos semióticos como:
japonesa e a sua sátira da americanização do Japão (ver Lipman
e Marsha111978, 94-5). Uma justaposição semelhante de tradi- Alegada representação, geralmente cómica, de um texto
ções eróticas revela-se na obra de Mel Ramos. A sua Velàzquez literário ou de outro objecto artístico i.e., uma representa-
Version é uma paródia a Vénus e Cupido do mestre mas, através ção de ~ma «realidade modelada» que, já por si, é uma
de um segundo nível de paródia (de pin-ups, da Playboy), o nar- representação particular de uma «realidade» original.
cisismo da mulher moderna é satirizado. Talvez Ramos também As representações paródicas expõem as convenções do
esteja a sugerir, por meio da justaposição paródica, que aquilo modelo e põem a nu os seus mecanismos, através da coe-
que achamos erótico hoje pode, na realidade, não ter mudado. xistência de dois códigos na mesma mensagem (1979,247).
Ele reelabora a Olympia, de Manet, e Ia Grande Odalisque, de A sátira, em contraste, é:
Ingres, praticamente da mesma maneira. Andy Warthol faz
melhor que Duchamp e o seu L. H. O. O. Q dadaísta com a sua Representação crítica, sempre cómica e muitas vezes cari-
Mona Lisa de bigodes, quando reproduz a obra-prima renascen- catural, de uma «realidade não modelada», i.e., dos objec-
tista em serigrafia, repetida trinta vezes. O comentário irónico pop tos reais (a sua realidade pode ser mítica ou hipotética) que

66 67
o receptor reconstrói como referentes da mensagem. A «rea-
lidade» original satirizada pode incluir costumes, atitudes,
tipos, estruturas sociais, preconceitos, etc. (1979, 247-8)

A análise de Ben- Porat da interacção da paródia como a sátira


na série televisiva Mad é demasiado complexa para não ser repro-
duzida neste contexto. Trata-se, no entanto, de leitura necessá-
ria para quem se interesse por este tópico.
Há ainda uma outra razão para a confusão entre paródia e sátira,
na teoria e na crítica. A paródia não deve ser considerada ape-
nas como uma entidade formal, uma estrutura de assimilação ou
apropriação de outros textos. Nesta confusão, não é apenas a
intrincada interacção textual da paródia com a sátira que induz
em erro; nem o ignorar da diferença em relação ao tipo de «alvo»
(intramural versus extramural), sempre de censurar. O capítulo 3
seguinte referir-se-á ao papel da ironia nesta mistura comum de
géneros, pois é tanto ao nível pragmático como formal que a paró- O ALCANCE PRAGMÁTICO DA PARÓDIA
dia, hoje em dia, se diferencia, não só da sátira, como das defi-
nições tradicionais que exigem a inclusão da intenção de Todo o pintor inteligente transporta toda a cultura da
ridicularizar. pintura moderna na cabeça. É ela o seu objecto real,
sendo tudo o que ele pinta simultaneamente uma
homenagem e uma crítica a ela.

Roherr Motherwell

A maior parte dos estudos sobre a paródia argumentam que


se trata de uma forma mais restrita, em termos pragmáticos, do
que a alusão ou a citação. Por outras palavras, existem muitas
razões possíveis para aludir ou citar do que para parodiar. Poder-
-se-á rodear a crítica, insinuar sem afirmar directamente; poder-
-se-á optar pôr exibir o conhecimento pessoal ou utilizar os textos
de outrem para servir de apoio autorizado; poder-se··á apenas pre-
tender poupar tempo (Ben-Porat 1976, 108). A paródia moderna, Y
no entanto, ensina-nos que possui muitas mais utilizações do que
as definições tradicionais do género estão dispostas a conside-
rar. Todavia, muitos ainda acham que a paródia que faça outra
coisa que não seja ridicularizar o seu «alvo» é falsa paródia.
Uma conclusão lógica deste tipo de raciocínio é que as epopeias
cómicas que não desacreditam a epopeia não podem ser rotula-
das desta maneira (Morson 1981, 117). Argumentar assim, equi-

68 69

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