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São Paulo, sábado, 19 de março de 2011

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CRÍTICA ENSAIO

Polêmica sobre o barroco ficou datada


e vã
Livro de Haroldo de Campos, publicado em 1989, ataca
visão de Antonio Candido sobre Gregório de Mattos

ENTRE EXCLUIR O BARROCO


DO ESTUDO E INCLUÍ-LO,
COMO ANTECIPAÇÃO DO
CARÁTER NACIONAL, QUAL É
PIOR? DIFÍCIL E VÃ ESCOLHA

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Acaba de ser reeditado um livro que, nos idos de 1989, foi


um clímax da velha guerra entre "sociológicos" da USP e
"formalistas" da PUC.
É "O Sequestro do Barroco na Formação da Literatura
Brasileira: O Caso Gregório de Mattos", de Haroldo de
Campos (1929-2003).
No texto, Haroldo critica a exclusão de Gregório de Mattos -
e do Barroco como um todo- do processo de constituição do
"sistema literário nacional", tal como postulado pela
"Formação da Literatura Brasileira" (1959), de Antonio
Candido.
O núcleo da crítica incide sobre o que considera o "modelo
semiológico" estreito e a "perspectiva histórica linear" da
"Formação".
Em relação ao primeiro ponto, Haroldo observa que o
esquema autor-obra-público de Candido privilegia a função
"emotiva" dos textos, tendo em vista o célebre esquema de
Roman Jakobson.
Ou seja, Candido valorizaria os termos comunicativos e
expressivos das obras, quando o "sujeito lírico" manifesta a
sua individualidade ou representa certa faceta da realidade
vivida. O resultado é um cânone nacional "romântico
imbuído de aspirações classicizantes".
Sobre o segundo aspecto, Haroldo observa que a perspectiva
histórica da "Formação" é linear, integrativa e teleológica,
pois postula uma origem "simples", datada
"convencionalmente" (1750), que se torna complexa até
atingir o ponto pleno.
Tal é o momento em que o espírito da literatura nacional se
conhece a si mesmo, como história consciente, dotada de
autonomia e continuidade de tradição.
Para Haroldo, a origem da literatura brasileira não é simples,
mas "vertiginosa". Com Gregório e o barroco, "já "nasceu"
adulta, formada, no plano dos valores estéticos, falando o
código mais elaborado da época".
Propõe então uma história "constelar", "inconclusa", com
destaques para seus "momentos de ruptura e transgressão", e
não de continuidade e formação.
Poderiam então ser sincronizados, no eixo do barroco,
autores como Gregório, Euclydes, Cabral, Rosa, e
naturalmente a vanguarda concretista, além de artistas como
Glauber e Caetano.

ESCOLHA DIFÍCIL
Tudo certo, não fosse contradição (num texto que critica o
romantismo nacionalista de Candido): a reinvidicação do
barroco como "nosso" e de Gregório como precursor da
"comicidade "malandra" em nossa literatura" ou como
"primeiro antropófago experimental da nossa poesia".
Entre excluir o barroco do estudo sob a alegação de estar
ausente da formação nacional, e incluí-lo, como antecipação
do nacional, qual é pior? Difícil e vã escolha.
Irônico é que, após descontruir a "Formação", o Gregório
"original e revolucionário" de Haroldo é, por assim dizer,
pego no contrapé por um autor que nada tinha a ver com o
"culto reverencial" a Candido.
Em "A Sátira e o Engenho", também de 1989, João Adolfo
Hansen contestou o sentido "carnavalizante" da sátira de
Gregório, mostrando o fundo conservador de suas tópicas, no
que foi seguido também por Alfredo Bosi, em ensaio de
1992.
Hansen mostrou ainda que os poemas de Gregório eram
atribuições apócrifas, de modo que o seu nome deveria ser
entendido mais como uma "etiqueta" de autoridade associada
ao gênero da sátira do que como uma autoria original e
única.
Tais pontos, é forçoso admitir, lançaram um "coup de vieux"
no debate anterior, de modo que, ao contrário do que diz
Affonso Ávila, em seu prefácio à nova edição, todo o
assunto, hoje, tem de ser reavaliado em bases tão diversas do
"Sequestro" como da "Formação".

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp

O SEQUESTRO DO BARROCO NA
FORMAÇÃO DA LITERATURA BRASILIERA
AUTOR Haroldo de Campos
EDITORA Iluminuras
QUANTO R$ 35 (128 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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